O CORREDOR VELOZ – Conto Popular Russo

Rússia

A pujança da imaginação popular russa é soberba. Lendas, sagas, contos, os chamados "skakzki" formam um fabuloso patrimônio daquele povo. Os contos que aqui damos são dos mais repetidos, de pai para filho, e o do "Peixe de Ouro", que tem sua versão em quase todos os povos, mereceu de Pushkin um belíssimo poema.

O CORREDOR VELOZ

ERA NUM REINO muito longínquo, fazendo limite com uma cidade onde havia um pântano bastante extenso. Para entrar e sair da cidade fazia-se necessário seguir uma estrada tão comprida que, percorrida a passo rápido, três anos seriam gastos para se fazer a volta ao pântano, e, se a marcha fosse lenta, mais de cinco se gastariam.

A um lado da estrada vivia um ancião muito devoto, que tinha três filhos. O primeiro chamava-se Ivan, o segundo Basiliv e o terceiro Simeão. O bom velho pensava em fazer um caminho em linha reta, através do pântano, construindo algumas pontes, a fim de que todos pudessem vencer aquele trajeto apenas em três semanas ou três dias, segundo fosse a pé ou a cavalo. Dessa forma, gozariam todos de grande economia de tempo.

Assim pensando, pôs-se ao trabalho com seus três filhos, e, ao fim de bastante tempo, concluiu sua obra. O pântano era agora atravessado por ampla estrada em linha reta, dotada de magníficas pontes.

Voltando para casa, o pai disse ao seu filho mais velho:

— Ouve, Ivan: vai sentar-te sob a primeira ponte e ouve o que dizem de mim os transeuntes.

O filho obedeceu e escondeu-se sob um dos arcos da primeira ponte, sobre a qual passavam naquele momento dois anciãos, que diziam:

— Ao homem que construiu esta ponte e consertou a estrada, Deus há de dar-lhe o que pedir.

Quando Ivan ouviu aquilo, saiu de seu esconderijo, e, cumprimentando os anciãos, disse-lhes:

— Esta ponte foi construída por mim, ajudado por meu pai e meus irmãos.

— E que pedes a Deus? — perguntaram os anciãos.

— Peço para ter bastante dinheiro durante toda a minha vida.

— Está bem. No meio daquele prado há um carvalho muito velho: cava sob as raízes dele e encontrarás uma cova grande cheia de ouro, prata e pedras preciosas. Toma tua pá, cava, e que Deus te dê dinheiro que nunca te falte até o dia de tua morte.

Ivan foi ter ao prado, cavou sob o carvalho e encontrou uma caverna cheia de imensa riqueza, em ouro, prata e pedras preciosas, que levou para sua casa.

Quando chegou, seu pai indagou dele:

— Meu filho, que ouviste tu falar a meu respeito?

Ivan contou-lhe o que ouvira os anciãos dizerem e como aqueles mesmos homens o haviam carregado de riquezas para o resto de sua vida.

No dia seguinte o pai enviou o segundo filho, com a mesma incumbência que dera ao primeiro. Basiliv sentou-se sob a ponte e pôs-se a ouvir o que diziam as pessoas. Passavam pela ponte dois velhos, e quando se acercaram do lugar onde Basiliv se achava escondido, este ouviu que assim falavam:

— Aquele que construiu esta ponte receberá quanto peça a Deus.

Depressa saiu Basiliv de seu esconderijo, e, cumprimen-tando os dois velhos, disse-lhes:

— Avòzinhos, esta ponte foi construída por mim, com o auxílio de meu pai e meus irmãos.

— E que desejarias tu? — perguntaram eles.

— Que Deus me desse, para toda a vida, muito grão.

— Pois vai para tua casa, sega o trigo, semeia-o, e verás como Deus te dará grão para toda a tua vida.

Basiliv chegou a casa, contou ao pai o que haviam dito, segou o trigo, depois semeou o grão, e imediatamente cresceu tanto trigo que já não havia onde o guardassem.

No terceiro dia o pai mandou que fosse seu terceiro Filho esconder-se sob a ponte. Simeão assim fêz, e pouco depois ouviu passar dois anciãos, que diziam:

— Ao que fêz esta ponte e esta estrada Deus tudo dará, com toda a certeza.

Ouvindo Simeão estas palavras, saiu de seu esconderijo c apresentou-se aos dois homens, dizendo-lhes:

— Construí eu esta ponte, com o auxílio de meu pai e meus irmãos.

— E que pedes tu a Deus?

— Que o tzar me aceite como soldado de sua escolta.

— Mas então não sabes, rapaz, que a profissão de soldado é difícil e pesada? Quantas lágrimas irás chorar! Pede a Deus qualquer outra coisa mais agradável para ti.

Mas o jovem insistiu em seu propósito, dizendo:

— Os senhores são velhos, e, apesar disso, choram. Que mal faz que chore eu, que sou mais jovem? Quem não chorar neste mundo, chorará no outro.

— Já que assim te empenhas, nós te damos nossa bênção.

E dizendo isso puseram as mãos sobre a cabeça do rapaz, que no mesmo momento transformou-se num cervo que corria com grande velocidade. Correu, então, para sua casa, e seu pai e irmãos, mal o viram, quiseram caça-lo. O cervo, porém, fugiu e voltou para junto dos anciãos, que o transformaram numa lebre. Voltou pela segunda vez a sua casa, e quando ali perceberam que uma lebre havia entrado, atiraram-se sobre ela, para agarrá-la. Mas a lebre escapou e voltou a aproximar-se dos velhos, os quais, pela terceira vez, transformaram o rapaz num passarinho dourado, que voava

com grande rapidez. Voou, então, para a casa de sua família, e, entrando pela janela, pôs-se a pipilar e a saltar sobre o peitoril. Os irmãos procuraram apanhá-lo, mas ele, com grande ligeireza, fugiu-lhes. Dessa vez, quando o passarinho dourado aproximou-se dos dois velhos, transformou-se no jovem que era antes, e eles disseram:

— Agora, Simeão, vai alistar-te no exército do tzar. Se tiveres que ir a algum lugar com grande rapidez, poderás transformar-te em cervo, lebre ou pássaro, tal como te ensinamos.

Simeão voltou para casa e pediu ao pai que o deixasse ir servir o tzar como soldado.

— Por que queres ir servir o tzar, quando ainda és tão jovem e não tens experiência da vida?

— Meu pai, deixa-me ir, que essa é a vontade de Deus.

O pai, então, concedeu-lhe a licença pedida, e Simeão, depois de ter preparado tudo, despediu-se de sua família e tomou a estrada que ia para a capital. Caminhou muitos dias, e por fim chegou. Entrou no palácio e apresentou-se ao próprio tzar. Inclinou-se diante dele, e disse-lhe:

— Meu tzar e senhor, não te ofendas pela minha ousadia; quero servir no teu exército.

— Rapaz, és ainda muito jovem!

— Posso ser jovem e sem experiência, mas creio que poderei servir-te como qualquer outro, e assim o juro diante de Deus.

O tzar consentiu e nomeou-o soldado de sua escolta pessoal.

Passado algum tempo, um rei inimigo empreendeu uma guerra sangrenta contra o tzar. Este começou a preparar seu exército e quis comandá-lo pessoalmente. Simeão pediu ao tzar que também o deixasse acompanhá-lo. O tzar consentiu e todo o exército se pôs a caminho, em busca do inimigo.

Caminharam muitos dias e atravessaram muitas terras, até que chegaram a enfrentar-se com o inimigo. A batalha seria ferida dentro de três dias.

O tzar pediu que preparassem suas armas de combate, mas, com a pressa que os levara a sair da capital, haviam

esquecido no palácio a espada e o escudo do comandante. O tzar, sem suas armas, não queria entrar na batalha para perder do inimigo!

Assim, mandou que se fizesse um pregão, dizendo que se alguém se julgasse capaz de ir e vir do palácio em três dias, trazendo-lhe a espada e o escudo, que se apresentasse. Ao que conseguisse trazer-lhe as armas o tzar oferecia, como recompensa, a mão de sua filha Maria, que levaria como dote a metade do Império. Seu esposo, além disso, seria declarado herdeiro do trono.

Apresentaram-se vários voluntários: um deles disse que poderia ir e voltar em três anos, outros em dois anos, e um terceiro prometeu gastar apenas um ano. Então, Simeão apresentou-se ao tzar e disse-lhe:

— Majestade, posso ir ao palácio e trazer-te tua espada e teu escudo em três dias.

O tzar mostrou-se contentíssimo, abraçou-o duas vezes e a seguir escreveu uma carta para sua filha, na qual dispunha que entregasse ao seu soldado Simeão a espada e o escudo que tinha esquecido no palácio.

Simeão apanhou a mensagem do tzar e pôs-se a caminho. Quando se viu a uma légua do acampamento, transformou-se em cervo e começou a correr com a rapidez de uma flecha. Correu, correu, correu, e quando se cansou transformou-se em lebre, continuando assim, com a mesma rapidez, e quando as patas começaram a cansar-se transformou-se em pássaro dourado e voou ainda mais rapidamente. Um dia e meio depois chegava ao palácio, onde havia ficado a tzari-na Maria. Transformou-se, então, em homem, entrou no palácio e entregou à tzarina a mensagem do tzar. Esta recebeu-a, e depois de lê-la perguntou ao jovem:

— De que maneira pudeste passar por tantas terras em tão pouco tempo?

— Assim — respondeu Simeão.

E, transformando-se num cervo, deu, com grande velocidade, algumas voltas pelo parque. Depois acercou-se da tzarina, e descansou a cabeça sobre os joelhos da jovem. Esta cortou, com sua tesourinha, uma pequena mecha do pêlo da cabeça do cervo. Depois, transformou-se Simeão numa lebre e pôs-se a dar saltos e pulos, escondendo-se, a seguir, nos joelhos da tzarina, que também cortou outra mecha de pelo da cabeça da lebre. Por último, transformou-se num pássaro de cabeça dourada, voou de um lado para o outro e pousou na mão da tzarina Maria. A jovem arrancou-lhe algumas penas douradas da cabeça. Recolheu as mechas de pêlo que havia cortado ao cervo e à lebre, reuniu-as às penas do pássaro, e colocou tudo em seu lenço, que amarrou pelas pontas e escondeu no bolso de seu vestido. O pássaro, dessa vez, transformou-se no jovem que era.

.A tzarina mandou que lhe dessem de comer e beber, e deu-lhe provisões para o caminho. Depois de entregar-lhe o escudo e a espada do tzar seu pai, deu-lhe um abraço de despedida, e o jovem corredor dirigiu-se para o acampamento de seu soberano.

Transformou-se novamente em cervo, e, quando se cansou de correr, em lebre. Cansado novamente, fêz-se um pássaro, e no terceiro dia já via, à distância, a tenda imperial. Ao chegar a meia légua transformou-se em seu verdadeiro ser e deitou-se à sombra de um sarçal, à beira do mar, para descansar um pouco da viagem. Pôs a espada e o escudo a seu lado e, tal era a fadiga, adormeceu imediatamente.

Um dos generais do tzar, que por casualidade ali passava, descobriu o mensageiro adormecido. Aproveitando-se de seu sono atirou-o à água e, tomando a espada e o escudo, foi para a tenda de campanha do tzar e entregou-lhe suas armas, dizendo:

— Senhor, aqui tens tua espada e teu escudo, que eu próprio fui buscar.

O tzar, entusiasmado, agradeceu ao general, sem se recordar de Simeão. Poucas horas depois entabulava-se a batalha com o inimigo, e o resultado foi uma grande vitória para o tzar e seu exército.

O pobre Simeão, quando caiu na água, foi apanhado pelo tzar do Mar, que o arrastou para as profundezas de seu reino. Viveu êle naquele lugar durante um ano, e fêz-se muito triste.

— Que tens, Simeão, tu te aborreces aqui? — perguntou-lhe um dia o tzar do Mar.

— Sim, Majestade.

— Queres ir à terra russa?

— Sim, quero, se Vossa Majestade o permitir.

O tzar levou-o para cima e colocou-o na praia durante uma noite muito escura.

Simeão pôs-se a rezar, dizendo:

— Deus meu, faze com que saia o sol!

Quando o céu começava a tingir-se de púrpura no Levante, iluminado pelas mãos da Aurora, o tzar do Mar apresentou-se a Simeão, agarrou-o, e levou-o outra vez para o seu reino.

Viveu êle naquele lugar mais um ano, e estava sempre chorando de tristeza. Outra vez lhe perguntou o tzar do Mar:

— Por que choras, rapaz? Estás aborrecido?

— Muito, Majestade.

— Queres voltar à terra russa?

— Quero, Majestade.

Apanhou-o o tzar do Mar, e deixou-o na praia. Simeão, com lágrimas nos olhos, rogou ao Senhor, dizendo:

— Deus meu, faze com que saia o sol!

Mal começou a tingir-se o horizonte e o tzar do Mar apresentou-se como da outra vez, agarrou-o, e arrastou-o para as profundezas de seu reino.

Passou ali o pobre Simeão seu terceiro ano, e estava tão aflito que nada mais fazia o dia inteiro a não ser chorar. Um dia em que estava mais triste do que de costume, o tzar do Mar aproximou-se déle e disse:

— Mas, por que choras? Aborreces-te? Queres voltar para a terra russa?

— Sim, Majestade.

Tirou-o o tzar do Mar de dentro das águas pela terceira vez e deixou-o na praia. Mal ali se encontrou, Simeão se pôs de joelhos e com grandíssimo fervor, rogou assim:

— Deus meu, tem piedade de mim! Faze com que saia o sol!

Nem bem acabara de falar quando o sol mostrou-se em lodo o seu esplendor, iluminando o mundo com seus raios. Dessa vez o tzar do Mar teve medo da luz do dia e não se atreveu a sair para agarrar Simeão, que assim se viu livre.

Pôs-se a caminho de seu reino, então, transformando-se primeiro em cervo, depois em lebre e finalmente num pássaro. Assim, em pouco tempo chegou ao palácio do tzar.

Nos três anos que haviam passado, o tzar chegara com seu exército à capital de seu reino e fizera os preparativos para as nupcias da filha com o general impostor, o qual dissera ter sido o mensageiro que levara ao acampamento a espada e o escudo do soberano.

Simeão entrou na sala onde estavam, sentados à mesa, Maria, a tzarina, o general e os convidados, e mal Maria o viu entrar reconheceu-o e disse a seu pai:

— Pai e senhor, permite que eu te diga uma coisa muito importante.

— Fala, minha filha: que desejas?

— O general que está sentado ao meu lado na mesa não é o meu noivo. Meu verdadeiro noivo é o jovem que acaba de entrar na sala.

E, voltando-se para o recém-chegado, disse-lhe:

— Simeão, faze-nos ver que fôste tu quem conseguiu levar tão velozmente a espada e o escudo.

Simeão transformou-se em cervo, correu pelo salão e parou junto da tzarina Maria. Esta tirou de seu lenço a mecha de pêlo que cortara ao cervo, e, mostrando-a ao tzar, indicou o lugar de onde a cortara.

— Olha, meu pai, esta é uma prova.

O cervo transformou-se em lebre, saltou por toda a parte e foi parar no regaço da tzarina. Maria mostrou, então, a mecha de pêlo que cortara à lebre.

Transformou-se a lebre num pássaro com a cabeça de ouro, e, depois de voar com grande rapidez por todo o salão, veio pousar no ombro da tzarina. Esta desatou o terceiro nó de seu lenço e mostrou ao tzar as penas douradas que havia arrancado da cabeça do pássaro.

Ao ver aquilo o tzar compreendeu toda a verdade, e, depois de ouvir as explicações de Simeão, condenou o general à morte.

Casaram-se Maria e Simeão, tendo sido este nomeado herdeiro do trono.

Fonte: Maravilhas do conto popular. Adaptação de Nair Lacerda. Cultrix, 1960.

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