ORIGENS DOS INDÍGENAS DO BRASIL

ORIGENS DOS INDÍGENAS DO BRASIL
Paulo Setúbal

Dos “Ensaios Históricos”

 

ONFROY DE
THORON

Não há, no pórtico da nossa História, pergunta mais natural do que
esta: de onde vêm esses bugres que os mareantes toparam no Brasil alvorecente?
De que estranhas terras, e como, e de que jeito, e quando, surgiram por aqui
esses gentios emplumados, de batoque no beiço, que atroavam os matos brutos com
o ribombo dos trocanos e o estrépito das inúbias bárbaras? Uma curiosidade
ferretoante, desde a primeira página, chuça o nosso fundo racional. A gente
anseia logo por desvendar a origem daqueles dois selvagens, "pardos,
maneira de avermelhados, de bons olhos e bons narizes" que Cabral recolheu
a bordo, que agasalhou mimosamente, que fez dormir na capitânea sobre coxins da
Pérsia, entre muitas fofezas, num aturdimento. Mas a curiosidade aguça-se
apenas: não há resposta cabal. Teses, muitas. Autores, muitos. Mas tudo cipoal
desnorteante.

 

CARLOS E CHINESES

Assim, para o nosso preclaríssimo Varnhagen, os silvícolas provêm
certamente de povos da mais alta antiguidade. E destes povos, pelas suas
semelhanças foram com certeza de "Carlos" os ancestrais do bugre. E
lá arrazoa, muito grave:

"O facto
dos selvagens do sul se chamarem "Carys", de se denominarem
"Caryjós" ("Cariões, escreve o cronista Herrera) e de
designarem, como honra, por esse nome, aos europeus que aqui aportavam
como amigos (de onde proveio "caryoca") nos deu a suspeita de que os
antigos emigrantes teriam este nome. E hoje temos quasi a convicção de que
houve effectivamente para o Brasil uma grande emigração dos próprios Carlos…
etc." Mas o nosso Varnhagen já vai longe. Quanta coisa afirmou
o categórico historiador, lá dos píncaros do seu dogmatismo, que se esbarrondou
por terra, em cacos! E nessa questão de etnografia, então, nem vale falar. Já
se ventilou tanta hipótese nova! Vários etnógrafos, como de Guignes à
frente, bradam, com pesados argumentos, que os bugres descendem em linha reta
dos chineses. Vieram os nossos pré-avós pelo estreito de Bhering. Baseiam-se
os cientistas, para tal, nem só nas usanças do índio, na cor, nos olhos amendoados, na língua aglutinante, como também, e
acima de tudo, num famoso pergaminho, arquivelho, desenterrado por acaso de um
palácio de Pequim. E a relação detalhada, com nomes e datas, escrita por um
bonzo budista, Hoei-Chin, que partiu com outros missionários chineses, em
tempos imemoriais, para a terra de Fong-Sang (América). . .

Mas
para outros (e quantos!) nem cários, nem chineses. Os índios são apenas os frutos
de nautas que aqui viveram, nautas de países vários, que as procelas e os
naufrágios arremessaram nas nossas praias. O homem pré-colombiano tem um pouco
de todas as antigas nações navegantes: impossível fixar-lhe um tronco só.

 

O HOMEM DOS SAMBAQUIS

Mas
a etnografia andou. E andou rasgadamente. Descobriram-se ossadas, veio à baila
o estudo dos crânios, desencavou-se muito estranho artefato de cerâmica,
fizeram-se aprofundamentos terríveis na língua quichua. Só o Sr. Fidei Lopes,
insigne glotólogo argentino, descobriu, não há muito, duas mil raízes sânscritas
no quíchua! Foi nessas pesquisas, no cavar cemitérios de índios e no coligir
ossos fossilizados em "sambaquis" Selvagens, que nasceu a corrente do
"Homem dos Sambaquis".

O etnógrafo J. B. Lacerda, e, mais tarde, o
Dr, Rodrigues Peixoto ("Nos estudos craniológicos sobre os botucudos")
trouxeram da investigação dessas ossadas antiquíssimas uma curiosa convicção.
Ei-la: "antes dos índios que os descobridores aqui encontraram, houve na
América, seguramente uma raça muito rude, muito primitiva. Trata-se de uma
"raça invasora" que desceu lentamente ao longo da costa,
desaparecendo depois sem deixar outros vestígios senão as ossadas dos
sambaquis". Essa raça inferior não era mais do que uma etapa avançada
do homem originário, autóctone, que existia no Brasil. E esse homem autóctone
estava descoberto: era o fóssil da Lagoa Santa. Que fóssil é esse?. Antes de
falarmos da famosa ossada, que os sábios dizem ser o "homem
primitivo", rememoremos o. precursor dessa audaciosa tese.

BRASSEUR DE BOURBOURG


um cientista notabilíssimo, grande entre os grandes, o padre Brasseur de
Bourbourg, que estudou vastamente as antiguidades americanas. São copiosos os
seus livros. Um deles é deliciosamente pitoresco: a tradução, com um prefácio
muitíssimo erudito, do "Popol Vuh", o Livro Sagrado dos quichés. Outro
é a obra imensa, o louro fulgurante do padre sábio: "História das Nações
civilizadas do México e da América Central". Pois foi esse cientista, com
a sua autoridade cultista, com a sua autoridade culminante, quem lançou esta
novidade atrevida, rudemente chocante: o homem americano não provém de
ninguém! Os outros povos, sim, é que provém do bugre: a América é o berço da
humanidade! Houve muita gente que zombou de Brasseur de Bourbourg. . .
Grande zombaria entre os etnógrafos coevos… Mas a tese do padre, dia a
dia, ganha vitórias sérias. Já ninguém mais ousa rir-se da ousadia
inovadora. Ainda agora, estudando o Brasil, o Dr. Lund, dinamarquês
eminente, outro sábio de nota, o "criador da paleontologia
brasileira", chegou a conclusões verdadeiramente de pasmar. Conclusões
que cimentam fortemente a hipótese de Bourbourg. Assim, para o Dr. Lund, o
tipo ancestral do selvagem é o "homem da Lagoa Santa".

 

O FÓSSIL DA LAGOA SANTA

 

Recolheu o
sábio ossadas que descobriu em mais de duzentas cavernas. E estudou,
especialmente* o homem fóssil encontrado na Lagoa Santa. É um fóssil típico, nunca
visto. Tem, segundo afirma, todos os caracteres físicos de ossos fósseis. E
assinala, muito particularmente, o fato de "serem tais ossos em parte
"petrificados", parte penetradas de partículas férreas". Ora, a
"imensa idade dos fósseis" ressalta materialmente provada. É tamanha
essa antiguidade que vai além do descobrimento do Brasil. Mais do que isso: vai
além de "todos os documentos que existem sobre o homem". E isto
porque, até hoje, ainda ninguém achou, em parte alguma, ossos humanos em estado de
petrificação. Demais, pelo estudo dos crânios, afirma o Dr. Lund que eram estes
do "tipo geral da raça americana", mas que "diferiam de todas as
raças humanas existentes!"

Ao mesmo tempo que
concluía serem assim as ossadas descobertas as mais velhas do mundo, estudava 0
dinamarquês as condições geológicas do Brasil. O Dr. Lund é mestre nesta
especialidade.

E pela disposição das
rochas primitivas, pelos estratos que as circundam, pela formação dos depósitos
marítimos secundários, o ilustre professor firmou-se nesta convicção, que
aturdiu os geólogos de todo o mundo: "o Brasil já existia, quando as mais
partes do mundo estavam submersas no seio do oceano universal. E assim pelo que
ficou exposto, toca ao Brasil o título de SER O MAIS ANTIGO CONTINENTE DO
PLANETA".

As premissas do sábio, como se
vê, são claras:

O Brasil é o
país mais velho do mundo; o homem da Lagoa Santa, que a habitava, é também o
homem mais velho do mundo.

 

Donde, esta conclusão natural: não são os bugres Que provieram de. outros
povos, mas sim os outros povos, que provieram do bugre. A América foi o berço
da humanidade.

Eis a ciência, a mais moderna, alicerçando as ousadias do padre
Brasseur de Bourbourg.

A TESE DE ONFROY

Mas de todas as teses explicativas da origem
do homem americano, não há nenhuma tão fascinante como a de Onfroy de
Thoron. O grave cientista viveu doze anos na América. Estudou, pesquisou,
meteu-se no mato, atirou-se às cavernas, decifrou monumentos, tudo! Exímio
conhecedor das línguas selvagens, tendo penetrado com profundeza a quíchua, o
sânscrito, o grego antigo, o hebraico, erudito tremendo, Onfroy de Thoron
lançou uma corrente etnográfica que é pura maravilha de argumentação. Uma
corrente que, pelo bizarro, toca às raias da mais sedutora fantasia que a ciência
possa engendrar.

Onfroy
de Thoron demonstrou, com rigorosa lógica, que os índios do Brasil provêm de um
só povo: são descendentes dos marinheiros bíblicos de Salomão, o grande rei!
Não conheço tese defendida com mais calor, com mais eloquência, com mais
convicção. É ele quem exclama, a uma assembleia de
sábios, categoricamente: "A descoberta que fizemos — do caminho que
seguiam os navios de Salomão e do Rei de Tiro há 2.880 anos, para chegar à
América será nesta memória demonstrada de maneira irrefutável". —
Sigamos o etnógrafo sedutor.

Andam pelos
livros sagrados referências constantes às pedras raras do "país de
Ofir", ao ouro de "Parvaim", as maravilhas de
"Tarschisch". No Paralipómenos, Livro II, há
isto: "Salomão adornou o seu palácio de belas pedras preciosas e do
"ouro de Parvaim".

Pois bem: Onfroy de Thoron, com larga erudição, com lógica
absolutamente cerrada, chega a localizar tudo isso — Parvaim, Ofir, Tarschisch
— no Brasil! Parece incrível mas é a verdade. Mas como pôde Onfroy chegar assim
a tão estranha conclusão? Leiamo-lo, Está tudo no "Voyage de Vaisseaux de
Salomon au fleuve des Amazones" publicado pela Câmara de Manaus, 1876.

PARVAIM

Eis o engenho admirável com que o etnógrafo localiza Parvaim na bacia
amazônica:

"Comecemos,
por fazer conhecer "Parvaim". O exame dessa palavra é importante; ela
por si só é uma revelação. Salomão conseguia o ouro de outra parte que não fosse de Ofir e Tarschisch.
Conseguia-o de Parvaim. Parvaim é pronúncia alterada de "Paruim", por
isso que o antigo alfabeto latino confundia o "v" e o "u";
que o "iod" que é a vogal "i", muitas vezes se lê com a
pronúncia de "ai" em hebraico. Porém, no texto hebraico, o ouro de "Parvaim" está escrito "Zab-Paruim"; no grego dos Setenta,
acha-se igualmente "Paruim". A terminação "im" indica o
plural hebraico. E vem acrescentado a "Paru", porque, efetivamente,
existem na bacia superior do Amazonas, no território oriental do Peru,
"dois rios auríferos", um com o nome de "Paru", outro, com
o de "Apu-Paru", o "rico Paru". Ora, os dois rios de nome
"Paru" fazem justamente, no plural, o "Paruim" dos hebreus.
Eis, pois, um dos lugares bíblicos perfeitamente indicado e por nós
descoberto!"

De onde se vê que o pobre, o selvagem rio Paru, no vale do Amazonas, é
o tal falado "Parvaim" dos hebraicos… Mas não é só Parvaim. A
famosa "Ofir" também fica no Brasil. Escutemos o sábio:

OFIR

"Para se ter uma ideia do que era Ofir, é mister procurar a
significação deste nome; porém, antes de tudo, é necessário certificar-se do
modo por que se escreve em caracteres hebraicos. No cap. 10 do Livro I dos Reis, v. II, acha-se escrito em língua hebraica de dois
modos: "Apir" e "Aypir", e no cap. 9, v. 28, assim se lê —
"Aypirá". Mas "Aypirá" não é senão o nome mal pronunciado
de Yapurá, grande afluente do Amazonas, ou do rio Soliman. Assim, como se vê,
nada se opõe a que o "Aypirá" da Bíblia tenha vindo do nome do rio
Yapurá.

Esta
última palavra é composta de "Y" que significa "água", e de
"apura", que é o nome de "Apira" ou Apir, "água ou rio
de Apir ou Ofir". Este lugar célebre está, pois, achado e claramente
designado; e, apesar de uma distância de 2.880 anos, seu nome só tem sofrido a
alteração de uma vogal: Yapurá, em lugar de Yapira. E isto no meio de povos
selvagens que não falam hoje o quíchua dos Antis."

Não pode haver nada mais concatenado, nem mais bizarro! Um Ofir no
Brasil… O rio Yapurá é a decantada Ofir! E isto sustentado ferozmente por um
sábio, e não por um poeta. Vamos agora a Tarschisch.

TARSCHISCH

"Foi evidentemente esta região (alta Amazónia) que no tempo de
Salomão recebeu o nome de Tarschisch,
pois a etimologia, desta palavra é da língua quichua, que é a dos Antis.

Tarschisch origina-se de "Tari" "descobrir",
"chichy" "colher ouro miúdo". Tarschisch é, pois, o lugar
onde se descobre e colhe o ouro miúdo. O abandono de Ofir, a
vizinhança de Parvaim, que foi preciso também abandonar, pois que era
necessário internar-se consideravelmente, as facilidades oferecidas pelas novas
descobertas e a etimologia de Tarschisch, são um concurso de circunstâncias que
determinam a região onde se achava Tarschisch".

Assim, identificados os três lugares bíblicos, ainda há, frisante, a
prova provada da influência de Salomão no Brasil. É o rio Solimões. Eis:

SOLIMÕES – SALOMÃO

"O rio das Amazonas, desce da embocadura do Ucaial, até a foz do
rio Negro, tem ainda o nome de "Solimões". Pois bem: este não é nem
mais nem menos que o nome alterado de "Salomão", nome que ao grande
rio tinham dado as expedições do rei-poeta. Em hebraico é "Solima",
em árabe "Soliman". Ora, os cronistas referem que a oeste do Pará
existia uma grande tribo conhecida pelo mesmo nome de "Solimões" ou
"Soliman".

* * *

O que mais enleva em Onfroy não é tanto o arrojo da tese: é o entusiasmo,
a quentura, a forte sinceridade com que ele eruditamente a defende. O sábio,
eloquente e lógico, quase convence. E a gente, ao fim do livro, por menos
sonhador que seja, fecha os olhos fascinado: e vê desfilar, mastreada e
garbosa, a frota do rei magnífico. As grossas galeras, com dragões talhados à
popa, rasgam pesadas as águas do Amazonas. Homens, esguios como tamarindeiros,
toscamente cobertos de pele de dromedários, batem os remos na correnteza
virgem, ilhada de vitórias-régias. São todos eles do país moreno dos sicômoros
e das cisternas. Têm olhos febrentos como as areias lampejantes dos seus
desertos. E vêm todos, num deslumbramento, a romper a bruteza pré-histórica dos
nossos matos, buscar ouro e monos para as trezentas mulheres do poeta da Sulamita…

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