Oton, imperador romano – Vidas Paralelas de Plutarco

Plutarco – Vidas Paralelas – VIDA DE OTON

Desde o ano 785 até o ano 822 de Roma, na era cristã, ano 69.

OTON – OTÃO, Marcus Salvius Otho ou Marcus Salvius Otho Caesar Augustus ou Marco Sálvio Otão

Oton assume o governo do império.

No dia seguinte (1), o novo imperador, ao despontar o dia, foi ao Capitólio, onde ofereceu um sacrifício e chamou, para lá, a Mário Celso, ao qual ele saudou e falou humanamente, advertindo-o que esquecesse a causa da sua prisão, em vez de se lembrar da sua libertação. Celso deu-lhe uma resposta magnífica, magnânima e prudente: o crime de que o tinham querido acusar, perante ele, fazia fé de seus costumes, mostrando-se fiel a Galba, ao qual não era devedor de nenhum favor. As palavras de um e de outro agradaram imensamente à multidão. Os mesmos soldados as acharam boas. E, no mesmo senado, depois de ter proposto várias coisas boas e honestas, ele dividiu o tempo que ainda tinha para ser cônsul, dando parte a Virgínio Rufo: e a todos os que tinham sido nomeados cônsules, por Nero ou por Galba, ele conservou e confirmou sua nomeação: e honrou os senadores mais velhos com prelaturas e sacerdócios e àqueles que eram então os mais afamados e gozavam de boa reputação. A todos os do senado que, expulsos por Nero, tinham sido repatriados, ele restituiu ainda o que foi possível de seus bens, que não tinham sido vendidos, pelo que os primeiros e principais personagens da cidade, que antes tremiam de medo e de horror, pensando que ele não era um homem, mas uma fúria e um espírito maligno, logo no que linha vindo ocupar o império muito se rejubilaram, pela esperança de um reinado alegre e feliz, que lhes prometia este começo.

Manda matar Tigelino.

II. Nada, porém, agradou mais a todos os romanos e lhe conquistou a benevolência de todos, do que o que ele fez a Tigelino, o qual já fora bem castigado, quando sentiu o medo que tinha do castigo que todos pediam dele, como uma dívida à causa pública, e pelas doenças incuráveis de que eu corpo foi tomado. E embora os homens de bem e honrados julgassem que esse era um suplício extremo, comparável a várias mortes, que as malditas e execráveis dissoluções da luxúria nas quais ele se chafurdava ordinariamente com mulheres desones tas e perdidas, depois das quais sua desordenada concupiscência ardia ainda, embora êle tivesse a morte entre os dentes, conservando-os o mais tempo possível: no entretanto, ainda todos se aborreciam por ver que tal homem ainda contemplava o sol, depois de ter feito perder a luz da vista a tantos outros grandes personagens. Oton mandou buscá-lo, pois ele se encontrava em uma casa de campo, divertindo-se perto da cidade de Sinuesse, onde ele residia, tendo sempre navios prontos na costa marítima, para fugir para mais longe, se fosse necessário. Êle tentou primeiro ganhar com dinheiro àquele que havia sido encarregado de o levar e persuadi-lo que o deixasse escapar: mas quando viu que nada podia fazer, não deixou de lhe dar presentes e rogou-lhe que lhe desse pelo menos o tempo de fazer a barba: o que o outro lho concedeu: e então Tigelino tomou uma navalha com a qual cortou a própria garganta.

Consente, para agradar ao povo, em usar o nome de Nero.

III. Assim, Oton, tendo dado estas três alegrias ao povo, não quis, por fim, mostrar-se ressentido, nem vingar-se de algum inimigo particular: mas, para agradar ao povo não recusou ser chamado de Nero nas assembléias públicas dos teatros; e como alguns tivessem recolocado à vista do público algumas suas estátuas, êle não o impediu: mas, o que é mais, Clódio Rufo (2) escreve que foram enviadas cartas oficiais à Espanha por correios, nas quais (3) esse belo nome de Nero estava unido ao de Oton. Todavia, sabendo que os primeiros e os principais homens de Roma não o achavam bom, ele atendeu-os e desistiu de o empregar em suas cartas.

Rebelião da décima-sétima coorte.

IV. Tendo então Oton começado a estabelecer seu império, os soldados lhe deram um certo aborrecimento, porque a todo instante o advertiam que não confiasse muito em todos e estivesse de sobreaviso, proibindo que as pessoas de honra e de bem se aproximassem dele, quer porque verdadeiramente eles tivessem medo de que tramassem, secretamente, alguma conspiração contra ele, pelo amor e benevolência que lhe tinham, quer porque fosse um pretexto imaginado que eles buscassem para tudo perturbar e tudo pôr em desordem e combustão de guerra: pois como êle tivesse enviado a Crispino com a décima-sétima coorte para levar alguns prisioneiros (4) e que Crispino se preparasse bem cedo para ir desempenhar sua comissão e mandasse carregar as armas de seus soldados sobre carroças, os mais temerários se puseram a dizer que Crispino nada tinha de bom em seu coração, que era o senado que tentava introduzir inovações e que essas armas se levavam não para César, mas contra César. Estas palavras chocaram vivamente a muitos que se revoltaram: e assim uns apoderaram-se das mencionadas carroças, para tomá-las, outros mataram de fato dois comandantes de cem homens, e o mesmo Crispino, que os queria deter, e todos juntamente, animando-se uns aos outros, dirigiram-se diretamente a Roma, como para ir em socorro do imperador: e lá, sabendo que havia bem oitenta senadores, que jantavam com ele, correram logo ao palácio, gritando que era uma boa ocasião para se matar de um só golpe todos os inimigos de César.

Oton a acalma.

V. Toda a cidade de Roma tomou-se incontinenti presa de grande agitação, esperando ser a todo momento saqueada; corriam todos pelo palácio, apressadamente, estando o mesmo Otón muito perturbado e em grave dificuldade: pois se sabia evidentemente que ele tinha medo, pelos que ele havia convidado, não por si mesmo, vendo-os tremendo de receio, sem lhe dizer palavra, tendo os olhos fixos sobre ele, pois alguns tinham mesmo vindo à festa com suas esposas; mandou então logo os comandantes e chefes de grupos contra os soldados, ordenando-lhes que lhes fossem falar e fizessem tudo o que era possível para acalmá-los; mandou ainda que os convidados se levantassem da mesa e saíssem do palácio por portas secretas: e assim eles se salvaram, passando através dos soldados, bem pouco antes que eles entrassem na sala, onde se dava o banquete, gritando e perguntando: "Que é feito dos inimigos de César?" E êle, er-guendo-se do seu assento, os acalmou e tranqüilizou com palavras afáveis, chegando a empregar as mesmas lágrimas, e tanto fez que conseguiu demovê-los afinal, e no dia seguinte mandou distribuir-lhes cento e vinte e cinco escudos, para cada um (5), depois entrou no acampamento, onde louvou a todos pela muita afeição que lhe tinham demonstrado naquela circunstância, mas disse que havia, entre eles, quem, sob aparência de bem, fazia más ações, sendo causa de se caluniar sua bondade e humanidade, sua constância e fidelidade, pedindo-lhes que os lamentassem com êle e os punissem. Todos aprovaram suas palavras e declararam em voz alta, que êle o fizesse. Oton, então, mandou prender a dois deles somente, de cujo castigo êle pensou que ninguém se inquietaria, e depois partiu.

Escreve a Vitélio. Resposta deste.

VI. Os que o amavam e confiavam nele ad-miraram-se dessa mudança: os outros julgaram que era necessário que êle assim fizesse, para mais conquistar o coração dos soldados, por causa da guerra que o ameaçava, pois já lhe chegavam algumas notícias de todos os lados, de que Vitélio tinha assumido a autoridade de imperador, e chegavam correios, uns após outros, que lhe traziam avisos e advertências, quando se lhe referia, todos os dias, alguma coisa a êle. Outros também lhe diziam que as legiões, que estavam de guarda na Panônia, na

Dalmácia, na Mísia, tinham escolhido Oton. Imediatamente trouxeram-lhe cartas muito amáveis de Muciano e de Vespasiano, um dos quais estava na Síria e o outro, na Judeia, com grandes e poderosos exércitos: confiando neles, escreveu a Vitélio que não imaginasse uma empresa superior a um simples soldado e que ele lhe daria muito ouro e prata, com uma cidade, onde ele poderia viver alegremente, descansando, e à vontade. Vitélio respondeu-lhe, zombando dele, gentilmente, a princípio: mas depois, tendo-se irritado um contra o outro, trocaram cartas bastante ofensivas e assaz violentas, atacan-do-os um ao outro, não de coisas falsas, mas tola e loucamente manifestando seus próprios vícios: seria difícil discernir qual dos dois era mais voluptuoso, mais efeminado, menos experimentado, mais pobre ou mais endividado antes.

Diversos presságios.

VII. Enumeravam-se então vários presságios que se dizia terem aparecido, mas a maior parte eram boatos incertos de cidade, os quais não encontravam quem os confirmasse. Mas havia dentro do Capitólio uma vitória erguida sobre um carro triunfal: — todos viram como ela soltou as rédeas dos freios dos cavalos que tinha nas mãos, não podendo mais sustentá-las. E uma estátua de Caio César, na ilha, que há em Roma (6), no meio do rio Tibre, sem que houvesse tremor de terra, ne soprasse vento algum, voltou-se do ocidente para oriente, o que se diz ter acontecido justamente n tempo em que Vespasiano começava a tomar conscientemente o governo em suas mãos: muitos tomaram mesmo como presságio o incidente do Tibre: pois é verdade que era a estação em que os rios costumam crescer no seu volume de água, mas ele antes nunca fora tão volumoso, nem tinha estragado e destruído tantas coisas, como então, tendo saído muito além das margens e inundado a maior parte da cidade, mesmo no lugar onde se vende o trigo, de sorte que durante vários dias tiveram muita falta de víveres e reinou a fome em Roma.

Marcha na frente dos comandantes de Vitélio.

VIII. Nesse ínterim, chegaram notícias, que Cecina e Valens, dois oficiais de Vitélio, tinham ocupado os montes dos Alpes; e, em Roma, Dolabela, homem de nobre linhagem, foi alvo de suspeita por parte dos soldados pretorianos, que pensavam que ele maquinava alguma surda traição. Oton, quer porque o temesse, a ele ou a algum outro, mandou-o à cidade de Aquino (7), assegu-rando-lhe que nenhum mal lhe sucederia: e escolhendo pessoas de classe que iriam com ele, levou dentre outros a Lúcio, irmão de Vitélio, sem diminuir nem aumentar em nada a honra em que o tinha: teve ainda grande cuidado de tranqüilizar sua mulher (8) e sua mãe, que nada temessem e nomeou a Flávio Sabino, irmão de Vespasiano, guarda e governador de Roma, em sua ausência, o que êle fez, quer por amor de Nero, que outrora lhe havia dado a mesma honra e autoridade, a qual Galba lhe tinha depois tirado, quer porque queria dar a entender a Vespasiano que o amava e que confiava nele. Ficou depois em Bressele, cidade que está sobre o no Pó, e mandou adiante seu exército sob o comando de Mário Celso e de Suetônio Paulino, de Galo e de Espunna, todos personagens de grande e ilustre descendência, que não podiam, porém, governar, nem dirigir o governo, segundo sua fantasia, como eles bem o gostariam de fazer, pela insolência e desobediência dos soldados, os quais não queriam outros comandantes (9) e diziam que tocava somente ao imperador comandá-los.

Insolência das tropas de Vitélio.

IX. É verdade que os inimigos não eram muito inteligentes, nem fáceis de serem dirigidos por seus oficiais, mas eram bravos, temerários e audaciosos, ao mesmo tempo: mas tinham ainda isto a mais, que eles sabiam combater muito bem, eram aguerridos e habituados ao mister, do qual não fugiam: os pretorianos, ao invés, que vinham de Roma, eram delicados, moles e efeminados, pelo longo descanso e ociosidade em que viviam, sem guerra, na cidade de Roma, onde eles tinham passado a maior parte do tempo em festas e em jogos e pela fanfarronice e arrogância queriam que se pensasse que eles desprezavam as ordens e as incumbências que seus oficiais lhes davam, como sendo muito dignos para fazê-las e não muito fracos para suportarem-lhe a pena, de sorte que, quando Espurina os quis obrigar, correu perigo de vida e mesmo faltou pouco que não o matassem; mas não pouparam os insultos, ultrajes, nem injúrias, que não lhe atirassem em rosto, chamando-o de traidor e censurando-o por deixar perderem-se as ocasiões de bem conduzir os negócios de César. Alguns mesmo, estando bêbados, foram à noite à sua tenda pedir-lhe licença, dizendo que queriam ir de qualquer modo ao imperador, para acusá-lo: mas uma aguilhoada que lhes deram seus adversários, por aquele mesmo tempo, perto da cidade de Plaisance, foi muito útil a Espurina e aos mesmos negócios: pois os de Vitélio, aproximando-se das muralhas da cidade, zombaram dos de Oton, que estavam nas ameias, chamando-os de belos dançarinos e comediantes, que só assistiam a jogos, divertimentos e festas, mas de guerras e de feitos de armas, de batalhas e lutas, nada sabiam, e que sua maior proeza era ter cortado a cabeça a um pobre velho desarmado, referindo-se a Galba: mas aparecer em pleno campo de luta, diante de outros homens, disso eles não tinham coragem. Estas palavras injuriosas os deixaram humilhados e ofendidos, irritaram-nos e os inflamaram de tal modo, que eles mesmos foram pedir a Espurma que os comandasse, que ordenasse o que quisesse, que dali por diante não se recusariam a qualquer trabalho, nem perigo, fosse qual fosse.

Vantagem obtida pelas tropas de Oton sobre as de Vitélio.

X. Deram, então, um grande assalto à cidade com muitas máquinas de guerra: mas os de Espurina levaram vantagem e, tendo repelido os assaltantes com grandes baixas, salvaram uma das maiores e mais belas cidades da Itália. Eram os oficiais de Oton mais delicados e mais atenciosos ao falar às cidades e em tratar com os homens que os de Vitélio: dentre outros Cecina não era, nem de aspecto, nem de maneiras, simpático, nem popular, mas esquisito, feio e antipático, pois tinha um corpo grande, usava, à maneira dos gauleses, o calção e o manto, e falava com tais vestes aos por-ta-insígnias e capitães romanos: tinha ainda sua mulher sempre com ele, montada num cavalo fogoso, vestida pomposamente e acompanhada de uma tropa de homens escolhidos dentre todas as companhias. O outro, Fábio Valens, era tão avarento, que, nem a pilhagem dos inimigos, nem os roubos a seus súditos, nem as extorsões e corrupção sobre os aliados e amigos, podiam saciar sua ambição de riquezas, e parece que foi essa a causa pela qual, não caminhando bastante depressa, ele não esteve presente à primeira batalha: todavia, os outros dão a culpa a Cecina, que se apressou demais pelo desejo que tinha de que a honra da vitória coubesse a êle somente, o qual foi causa de que, além das outras faltas leves, êle cometesse ainda a outra, isto é, que êle deu batalha fora de tempo e da estação: e depois quando iniciada a pugna, ainda não a sustentou êle valentemente, mas de sorte que ela cuidou ser causa de tudo se perder, pois tendo sido expulso de Plaisance, êle foi a Cremona, que é uma outra grande e poderosa cidade.

Novas vantagens das tropas de Oton.

XI. E Amo Galba (10), tendo ido socorrer Espurina, que estava sitiado em Plaisance, quando soube, pelo caminho, que os de dentro se tinham tornado muito mais fortes e que os que se encontravam em Cremona estavam em grande aperto e em perigo, êle transportou para lá seu exército e foi acampar perto dos inimigos. Depois, os outros oficiais, de um lado e do outro, vieram em socorro dos seus: mas Cecina, tendo posto de emboscado a um bom número de soldados bem armados, em alguns lugares cheios de árvores e bem coberto, ordenou aos cavalananos que marchassem para frente e que, se os inimigos os viessem enfrentar, que eles se afastassem, retrocedendo, pouco a pouco, fazendo como se estivessem a fugir, até que os tivessem atraído à emboscada. Alguns traidores revelaram a emboscada a Celso, o qual com seus melhores homens lhes foi ao encontro, mas evitou também persegui-los, com velocidade, mas rodeou o lugar no qual estavam de emboscada, que ele desfez: e no entretanto ordenou com urgência os de infantaria que estavam no seu campo, que se apressassem em vir, c parece que, se eles tivessem chegado em tempo, não se teria salvo nem sequer um homem dos inimigos, e eles teriam passado por cima de todo o exército de Ceci na, se eles tivessem seguido em tempo e lugar os cavalananos. Mas, Paulino, tendo chegado com o socorro demasiado tarde, por ter marchado com muito vagar, foi acusado de não ter cumprido o dever de comandante, como devia: e ainda mais, os soldados o acusavam de traição para com Oton, e incitavam o imperador contra êle, falando deles mesmos em voz alta, como tendo vencido e tendo como culpada somente a fraqueza de seus capitães, se eles não haviam obtido a vitória total: Oton não confiava muito neles, mas queria mostrar que não desconfiava. Pelo que êle enviou a Ticiano, seu irmão, ao campo, e com êle Proclo (11), mordomo do palácio, que tinha autoridade e o poder de comandar, mas de fato era Ticiano quem tinha o título de honra de lugar-tenente do imperador. Celso e Paulino vinham depois, como conselheiros e amigos somente, mas poder e autoridade na direção dos negócios, não tinham absolutamente. Por outro lado, os inimigos não estavam atemorizados, mesmo aqueles que Valens dirigia; quando trouxeram a notícia do encontro que se dera naquela emboscada, aborreceram-sc com êle, por não terem estado lá, e porque não os levara para socorrer os soldados que lá tinham ficado, e êle teve muita dificuldade para apaziguá-los e para contê-los, tanto eles estiveram a ponto de atacá-lo: por fim, todavia, êle os desalojou e foi unir-se a Cecina.

Oton reúne o conselho de guerra. Todos seus oficiais são de opinião de não se arriscar ao combate.

XII. Mas Oton tendo chegado ao seu acampamento, em Bedríaco (12), que é uma pequena cidade vizinha de Cremona, reuniu um conselho com seus oficiais, para saber se deveriam dar batalha ou não. Proclo e Ticiano eram de opinião que, visto que os soldados estavam bem decididos por causa da vitória que acabavam de conquistar, de que a não deviam diferir, porque isso só poderia esfriar o ardor do exército, o qual desejava entraîna luta e dar ocasião aos inimigos de esperar, seu chefe Vitého, que vinha da Gália. Ao contrário, Paulino alegava que os inimigos tinham suas forras completas, com as quais esperavam dar-lhes combate e que não os prejudicaria em nada, se Oton esperasse um outro exército da Mísia (13) e dos panônios, tão poderoso como aquele que eles tinham lá, contanto que ele soubesse esperar a ocasião, ão para ser útil aos inimigos, e se presente-mente os soldados estavam bem dispostos, sendo em menor número, por mais forte razão eles o estariam ainda mais, quando tivessem maior número de com-panheiros e que combatessem em melhores condições. Ainda mais, ele demonstrava que o diferir era-lhes proveitoso, a eles, visto que tinham abundância de todos os bens e de todas as provisões; o contrário de seus adversários, que estando em país inimigo, viriam a ter logo falta de víveres. Mário Celso achou boas essas razões e considerações e Anio Galo não estava presente a este conselho, tendo-se retirado para se fazer curar de uma queda, porque caíra do cavalo; Oton lhe escrevera sobre isso, para ter a sua opinião; ele respondeu que pensava que não se devia apressar, mas esperar o exército que vinha da Mísia, visto que ele já estava a caminho.

Oton decide-se a combater.

XIII. Todavia Oton não se ateve a este conselho, mas venceram os que eram pela batalha, de que se alegam vários motivos: o principal e o mais importante foi que os soldados que se chamam pretorianos, guardas ordinários do imperador, experimentando deveras o que é ter a profissão de soldados e de viver como guerreiros, lamentavam a estada em Roma, onde eles viviam à vontade em jogos e festas, sem passar pelos incômodos e dificuldades da guerra, e, por essa razão, pediam a batalha, com tanta insistência, que não era mais possível contê-los, como se eles pudessem ao seu primeiro grito e ao primeiro ataque, vencer os inimigos: e parece-me que Oton mesmo não podia mais suportar a dúvida e a incerteza do futuro, nem tolerar por mais tempo a pena, de pensar no perigo de seus negócios, tanto êle era delicado e não habituado a sofrer uma inquietação e a suportar uma grande tribulação: o que o fêz assim apressar e pre-cipitar-se, como do alto de um rochedo, de olhos fechados, e lançar-se de todo à incerteza. Assim o narra o orador Segundo, que era secretário de Oton: os outros contam que os dois exércitos tomaram diversas deliberações e várias determinações, como a de se reunir todos em um mesmo campo e escolher, se possível, de acordo, o homem mais honesto de seus oficiais que lá estavam, ou de reunir o senado em um lugar, e lá permitir aos senadores escolher um imperador tal como lhe parecesse. E, não é fora de dúvida, pois que nem um, nem outro dos dois que se chamavam de imperadores fora julgado digno, que essas idéias não podiam ter vindo da mente de soldados romanos, sensatos e bem experimentados, pois era coisa que eles deviam abominar, lançarem-se eles mesmos em misérias e calamidades, que seus predecessores tinham no passado feito sofrer, uns aos outros, por Sila e Mário, primeiramente, e depois por César e Pompeu, e isso, para dar o império romano ou a Vitélio, a fim de que ele tivesse com o que prover à sua bebedeira e gula, ou a Oton, a fim de que ele pudesse satisfazer aos seus deleites e à sua desordenada luxúria. Era o motivo que levava Celso a protelar, esperando que, sem esforço e sem perigo, as dificuldades poder-se-iam ajustar e que fez, também, que Oton se apressasse pelo temor que teve disso: mas, voltando a Bresseles ele cometeu outra falta, não somente por ter privado seus amigos de lhes mostrar o afeto que pela reverência e pela presença lhe dedicavam, mas também por ter êle levado consigo, para a guarda de sua pessoa, os melhores combatentes, os mais corajosos e afeiçoados, que havia em todo seu exército.

Escaramuças entre algumas partes dos dois exércitos.

XIV. Aconteceu, mais ou menos nesse tempo, que houve uma escaramuça ao longo do rio Pó, porque Cecina construía uma ponte e os de Oton lho queriam impedir: mas vendo que nada conseguiam puseram dentro dos barcos muitos pedaços de lenha e galhos secos, molhados com enxofre e piche e também o fogo e se puseram à água: quando chegaram ao meio da corrente, levantou-se de repente um vento forte que acendeu a lenha que eles tinham preparado para lançar sobre o trabalho dos inimigos; primeiro, apareceu uma pequena fumaça, depois, logo uma grande chama, que pôs em aperto de tal modo os que estavam no barco, que eles foram obrigados a se atirar à água, e assim perderam seus barcos, e se entregaram eles mesmos, sob grande zombaria, aos inimigos. Ainda os alemães de Vitélio, tendo marchado contra os gladiadores de Oton, aos quais conquistaram uma pequena ilha, no meio do rio, e sendo mais fortes mataram a vários deles.

Oton envia a seus generais ordem de iniciar a batalha.

XV. Por esse motivo os soldados de Oton, que estavam em Bedríaco, mostrando-se despeitados e pedindo a batalha com insistência, Proclo os levou ao campo e foram acampar fora da cidade, mais ou menos umas três léguas, tão inconsideradamente e tão sem propósito, que, na estação da primavera, toda a região em redor, estando cheia de regatos e de água, que nunca se esgotam, no entretanto eles tinham falta de água: no dia seguinte quiseram partir, para, naquele mesmo dia, ir encontrar-se com os inimigos; era-lhes necessário, para isso, fazer ainda mais de seis léguas. Paulino não o quis, mostrando que era necessário ir devagar e não afadigar-se demais, nem ir apressadamente, com muito ardor, para, apenas chegados, cansados e esgotados pela caminhada que tinham feito, atacar logo os inimigos, que estavam bem armados e que teriam tempo de se preparar e dispor em ordem de batalha, à vontade e com comodidade, ao passo que eles tinham feito uma longa caminhada, com toda sua bagagem e seus utensílios. Havendo nisso opiniões contrárias entre os vários comandantes, chegou da parte de Oton um homem a cavalo, dos que se chamam nômades, que lhe trouxe cartas, pelas quais Oton ordenava que não demorassem mais e não perdessem tempo, mas marchassem inconti-nenti diretamente contra os inimigos. Depois destas cartas, os capitães fizeram incontinenti marchai-os soldados. Cecina, sabendo da sua chegada, primeiro mostrou-se muito assustado e logo abandonou a obra da ponte que estava fazendo, para regressar ao acampamento: lá encontrou a maior parte dos soldados já armados, tendo já a palavra da batalha, que Valens lhes havia dado: e, enquanto as legiões tomavam seus lugares para a batalha, eles mandaram na frente, para pequenas escaramuças, os melhores cavalananos que possuíam.

Causas da derrota do exército de Oton.

XVI. Corria a voz, não se sabe por qual motivo, que os comandantes de Vitélio, durante a batalha, passariam para o lado de Oton: quando esses soldados chegaram bem perto dos de Oton. estes os saudaram muito cordialmente e os chamaram de companheiros. Os de Vitélio, porém, não receberam bem essa saudação, mas responderam-lhes com raiva, com um tom de voz de homens que estavam desejosos de combater: os que os haviam saudado, então, mostraram-se desiludidos, e seus companheiros começaram a suspeitar e desconfiar deles, julgando-os traidores. Essa foi a primeira causa pela qual a desordem surgiu, quando estavam para encetar a batalha. Daí então a confusão reinou no meio deles: pois os animais de carga foram meter-se no meio dos soldados, causando ainda maior embaraço. Ademais, o lugar onde combatiam os obrigava a se afastarem uns dos outros, por causa de muitos fossos e trincheiras que ali existiam. Isso ainda os forçava a combater em pequenos grupos: somente duas legiões, uma de Vi-télio, denominada Deslumbrante, e uma de Oton, cognominada Serviçal, afastando-se desses fossos, se estenderam pela planície, aberta e rasa, e combatiam asperamente, em renhida e longa batalha.

É vencido.

XVII. Os de Oton eram homens belos, fortes e valentes, mas jamais haviam participado de uma guerra, jamais haviam tomado parte num combate, senão naquele: os de Vitého, ao invés, eram velhos experimentados na arte da guerra, tinham passado a flor da sua juventude em árduas campanhas guerreiras. Quando então se chocaram os dois exércitos, ôs de Oton atacaram-nos com tamanho ímpeto, que desorganizaram toda a primeira fileira, matando todos os seus componentes e conquistaram uma insígnia: os de Vitého, então, foram tomados de tanta vergonha e despeito, que cobraram tal coragem e precipitaram-se, de cabeça baixa, violentamente contra os inimigos, que mataram por primeiro o próprio comandante e tomaram diversas bandeiras: contra os gladiadores de Oton, que eram considerados muito práticos e experimentados no manejo das armas, Varo Alfeno mandou os soldados da Batávia, que são da baixa Alemanha e que moram numa ilha em redor da qual corre o rio Reno. Bem poucos destes gladiadores resistiram, a maior parte deles fugiu para os lados do rio, onde encontraram alguns batalhões dos inimigos, enfileirados em batalha, que os destruíram totalmente a todos eles: de modo que não se salvou nem um só: ninguém, porém, procedeu com maior covardia que os pretorianos, pois eles não esperaram nem que os inimigos os atacassem, e, fugindo pelo meio dos seus soldados, que ainda não tinham sido derrotados, os deixaram confusos e desnorteados: todavia, um grande número dos soldados de Oton, tendo rompido a linha dos atacantes, precipitou-se violentamente para o meio dos inimigos vitoriosos e voltou para seu acampamento: mas, de seus comandantes, nem Procio, nem Paulino se atreveram a voltar com eles; afastaram-se, temendo o furor dos soldados, que atribuíam a culpa da derrota aos seus comandantes; todavia, Amo Galo di-rigiu-se para a cidade de Bedríaco e lá reuniu os soldados que haviam escapado da derrota, dando-lhes a entender que a batalha havia sido igual para ambos, e até mesmo que em vários momentos, eles tinham obtido vantagem sobre os inimigos.

Manda embaixadores aos vencedores.

XVIII. Mário Celso, tendo reunido os nobres e homens ilustres da cidade, e também aqueles que tinham algum cargo no exército, propôs, à deliberação de todos, o que se deveria fazer em tal contingência, e em tão grande mortandade de cidadãos romanos, pois, se Oton era realmente um homem de bem, êle não deveria mais tentar semelhante sorte, porquanto Catão e Cipião, por não terem querido ceder a César, depois que êle conquistara a vitória de Farsália, haviam sido acusados de ter causado a morte, desnecessária, de muitos homens de bem, na África, embora combatessem pela liberdade dos romanos: pois a fortuna, favorecendo ora a uns, ora a outros, não pôde impedir que os homens de bem tomassem como adversidade o conselho, segundo a infelicidade que lhes sucedeu. Estas advertências persuadiram logo os oficiais, que foram indagar da vontade dos soldados particulares, aos quais todos encontraram desejosos de paz: Ticiano era de opinião que se mandassem embaixadores aos inimigos para tratar de um acordo: rogaram então a Celso e a Galo que desempenhassem essa missão e fizessem as propostas a Cecina e a Valente: pelo caminho, porém, eles encontraram alguns soldados que lhes disseram que todo o exército dos inimigos já estava a caminho de Bedríaco e que seus chefes os haviam mandado adiante para iniciar as negociações de um acordo: Celso e seu companheiro muito se alegraram com isso, e rogaram aos militares que voltassem com eles para junto de Cecina: quando, porém, estavam já bem perto, Celso passou por um grande perigo de vida, porque os soldados, aos quais al-guns dias antes ele havia derrotado numa embos-cada, quando o viram, correram contra ele dando grandes gritos: mas os soldados, que os acompanhavam, puseram-se diante dele, para protegê-lo, e o mesmo fizeram os outros oficiais, pedindo-lhes que não lhes fizessem mal algum. Cecina, sabendo também de que se tratava, foi ter com eles e acalmou seus soldados: depois cumprimentou cordialmente a Celso e com êle dirigiu-se a Bedríaco.

Presta juramento de fidelidade ao nome de Vitélio.

XIX. No entretanto, Ticiano, quase arrependendo-se de ter mandado embaixadores aos inimigos, servindo-se de alguns soldados que se mostravam corajosos, os colocou sobre a muralha da cidade e procurou incutir coragem aos demais, para que íizessem o mesmo, pondo-se em posição de defesa: mas Cecina aproximou-se da muralha, a cavalo, e lhes estendeu a mão; ninguém mais então pensou em resistir; os que estavam sobre a muralha saudaram os soldados, os que estavam dentro da cidade abriram-lhes as portas e misturaram-se com os homens de Vitého, que os receberam sem a menor sombra de ressentimento, nem mostras de inimizade, mas trocaram cumprimentos e abraçaram-se uns aos outros; depois juraram fidelidade a Vitélio e se entregaram a êle.

Horrível carnificina neste combate

XX. Assim narravam o término desta batalha todos os que a ela estiveram presentes, confessando, porém, que não poderiam narrá-la em seus particulares por causa da grande confusão que reinava: e quando cu passei, certa vez, pelo mesmo campo onde se travara a batalha, na companhia de Métno Floro, que fora cônsul, ele me mostrou um ancião, que era moço quando se dera aquele fato bélico e linha estado presente à batalha., na qual tomara parte, não como voluntário, mas obrigado pelas tropas de Oton, o qual nos disse que, depois do combate, êle fora ao campo para ver de perto o resultado da luta; havia então montes de cadáveres, empilhados uns sobre os outros, de tal altura, que os corpos que estavam em cima chegavam à altura dos que deles se aproximavam (14), e disse ainda que êle procurara encontrar a causa disso, mas não o pôde, e nem mesmo imaginá-la, nem achar alguém que lha pudesse dizer: pois há muita probabilidade de que, numa batalha civil, de homens da mesma cidade, depois que um dos exércitos foi derrotado, haja grande morticínio, maior que contra os outros inimigos, porque não se fazem prisionenos, porquanto não se saberia o que fazer deles; mas. porque foram empilhados uns sobre os outros, é muito difícil conjeturar-se qual tenha sido a causa disso.

Zelo e afeição que mostram a Oton as tropas que èle tinha consigo.

XXI. A notícia desta derrota chegou a Oton, primeiramente obscura e confusa, como geralmente acontece em coisas desse gênero e de tal conseqüência: depois, porém, vieram alguns homens feridos, que lhe disseram da triste realidade e ninguém, se admira, então, de que seus próprios amigos e familiares o tenham reconfortado, dizendo-lhe naturalmente que não devia perder a coragem, nem a esperança: o afeto que então demonstraram os seus soldados, nessa alternativa, sobrepuja e excede a lodo e qualquer crédito, porque dele não se afastaram, nem se bandearam para o lado dos inimigos vitoriosos, nem pensaram nos seus próprios interesses, vendo seu imperador tomado de desespero; foram todos reunir-se junto de sua moradia e o chamaram de imperador: depois, quando êle apareceu diante deles, prostraram-se aos seus pés, como costumamos ver nos quadros de vitórias, beijando-lhe as mãos, com lágrimas nos olhos, suplicando-o que os não abandonasse aos inimigos, mas se servisse deles e de suas pessoas, enquanto eles tivessem uma gota de sangue e um pouco de vida em seu corpo. Todos ao mesmo tempo fizeram esta oferta, mas um soldado, dentre tantos, adiantou-se e, desembainhando sua espada, disse-lhe: "Sabe, imperador, que todos os meus companheiros estão dispostos a morrer assim por ti!" E matou-se diante dele.

Discurso que Oton lhes faz.

XXII. Todas estas coisas tão tristes e desagradáveis não conseguiram, porém, abater o ânimo de Oton, que, fitando-os a todos, com rosto sereno, assim lhes falou: "Eu considero este dia mais feliz para mim, meus caros companheiros, do que aquele em que me escolhestes e elegestes para vosso imperador, ao vos ver tão afeiçoados para comigo, hon-rando-me tanto, com tão rara demonstração de amizade: mas eu vos suplico, que não me queirais privar de uma outra tão grande graça, qual a de morrer valente e honrosamente pela salvação de tantos homens de bem, como vós, bons cidadãos romanos. Se fui digno de governar o império romano por escolha vossa, é necessário que eu o mostre agora, não fingindo despender minha vida pelo bem e pela salvação da minha pátria. Eu sei que a vitória não foi nem inteira, nem perfeita ao meu inimigo. Tenho notícias de que os nossos exércitos da Mísia (15) e da Panônia já estão em marcha para vir até nós: sei, ainda, que estão a apenas um dia de caminho distante daqui (16), na direção do Adriático: a Ásia, a Síria e o Egito, e as legiões que fazem a guerra na Judéia estão conosco: o senado está do nosso lado e as mulheres e as crianças dos inimigos estão em nossas mãos; esta guerra não é contra um Aníbal, nem contra um Pirro, ou contra os címbrios, para se decidir a quem caberá a posse da Itália, mas contra os mesmos romanos: de maneira que nesta guerra vencidos e vencedores ofendem ao próprio país, pois o que redunda em bem para os vitoriosos converte-se sempre em prejuízo para o bem público. Acreditai que eu prefiro morrer do que reinar, vendo que não poderia ser tão útil aos romanos, quando eu me tivesse por fim tornado o mais forte, como eu o seria sacrificando minha vida pela paz, pela união e concórdia dos meus cidadãos e para impedir que a Itália tenha ainda outra jornada como esta".

Êle despede seus amigos e os senadores que estavam com êle.

XXIII. Depois de ter dito estas palavras, despediu os que o queriam dissuadir de seu propósito, ordenou aos amigos e aos senadores que estavam presentes que também se retirassem: depois escreveu aos ausentes, mandou cartas para as cidades por onde eles deviam passar, para que fossem recebidos honrosamente e escoltados com segurança: depois aproximou-se dele seu sobrinho Cocceio, ainda muito jovem, e o reanimou, dizendo que não devia temer a Vitélio, porque ele havia conservado sua mãe, sua mulher e seus filhos, com tanto cuidado, como se fossem pessoas de sua própria família, e que ainda não o havia adotado por filho, ainda que desejasse fazê-lo, porque queria ver o fim dessa guerra: a fim de que, se êle saísse vencedor, pudesse reinar pacificamente com êle, e se fosse vencido, por causa da adoção, êle não fosse causa da sua morte. "Pois bem, meu filho — disse ele — como última advertência, que ainda te posso dar, que não esqueças, nem também graves muito em tua memória, que tiveste um tio, imperador" . Logo em seguida êle ouviu um rumor à poria de sua residência: eram os soldados que ameaçavam os senadores à saída, e os queriam matar, se eles não permanecessem ali e ousassem abandonar o seu imperador. Por esse motivo êle apareceu em público uma segunda vez, temendo que lhes cau-sassem algum dissabor e ordenou aos soldados que se retirassem, não, porém, rogando-os e falando-lhes com brandura, mas olhando-os com o rosto irado e cheio de cólera, que eles, de medo, se retiraram. À tarde êle sentiu sede e bebeu um pouco de água: tomou duas espadas e se pôs durante muito tempo a lhes experimentar o fio. Por fim ficou com uma: depois reanimou seus servidores, distribuindo-lhes fartamente seu dinheiro, a uns mais e a outros menos, não o fazendo, porém, prodigamente, sem consideração, como de uma riqueza que já não lhe pertencia, mas tendo em conta uma proporção justa, de acordo com o mérito de cada um: depois de os ter despedido, deitou-se e dormiu todo o resto da noite; os criados de quarto ouviram-no roncar, tão profundo foi o seu sono.

Êle se mata.

XXIV. Pela manhã chamou um de seus li bertos, do qual se havia servido para defender o senadores, e mandou-o ver se todos eles se haviam retirado: disse-lhe êle que sim e que tinham tido tudo o que haviam desejado: "Então — disse-lhe ele — vai agora apresentar-te aos soldados, se não queres que eles te matem depois, pensando que me ajudaste a me matar". Logo que o servo saiu do quarto, tomou a espada com ambas as mãos e, co-locando-lhe a ponta sobre o estômago, deixou-se cair sobre ela com todo o peso do corpo, sem pro-ferir outra expressão de dor, que um profundo suspiro, pelo qual, os que estavam fora do quarto per-ceberam que êle estava morrendo: começaram en-tão seus servidores a gritar e imediatamente, não só o acampamento, mas também toda a cidade foi tomada de pranto e de lágrimas. Os soldados acorreram com grande alarido à porta de sua residência, onde o lastimaram com pranto e manifestações de dor, censurando-se mutuamente por não terem com mais cuidado defendido a pessoa do seu imperador, e de não terem impedido que êle se matasse por amor deles: e nem um deles, sequer, afastou-se do seu corpo, embora os inimigos se aproximassem: mas cuidaram de preparar honrosamente o seu féretro, levantando uma pilha de madeira, acompanharam o corpo, levando suas armas ao lugar do funeral, considerando-se muito felizes os que podiam carregar-lhe o caixão, para ajudar a transportá-lo: uns aproximavam-se de joelhos, outros beijavam-lhe a ferida, outros tomavam-lhe as mãos e as osculavam: aqueles que não se podiam aproximar o reverenciavam, curvando-se, de longe; alguns, depois de ter sido ateado fogo à lenha, mataram-se ali mesmo, junto do fogo, até daqueles que nenhum benefício haviam recebido do falecido, pelo menos ao que se sabe, nem que tivessem algo a temer da parte daquele que havia sido vitorioso. Creio mesmo e me parece que nenhum rei ou tirano jamais teve tanta ânsia de reinar, quanto aqueles homens desejaram ser governados por Oton e obedecer-lhe; aquele desejo não se lhes extinguiu, nem mesmo depois de sua morte, mas ficou-lhes bem impresso no coração., e afinal transformou-se num ódio capital e irreconciliável a Vitélio; mas disso falaremos cm outro momento, a seu tempo e lugar.

Suas tropas, depois de lhe ter prestado honras fúnebres, submetem-se a Vitélio.

XXV. Por fim, depositaram na terra as suas cinzas; levantaram-lhe um túmulo, que, nem em estrutura, em grandeza e em magnificência de inscrição, foi objeto de admiração: eu mesmo vi este monumento em Bresseles, o qual era de modesta aparência, com uma inscrição latina, que dizia apenas que aquele era o túmulo de Marcos Oton. Morreu na idade de trinta e sete anos, governando apenas três meses, e teve tantos homens de bem e notáveis que louvaram sua morte, como teve, também, outros tantos que censuraram a sua vida: pois não tendo vivido mais honestamente do que Nero, no entretanto, morreu mais magnânimamente que êle. Por fim, seus soldados, ante a insistência de Pólio, um de seus oficiais, que queria que. eles prestassem logo o juramento de fidelidade a Vitélio, irritaram-se e não se submeteram: ouvindo dizer que ainda restavam alguns senadores, nada pediram aos outros, mas foram aborrecer a Virgínio Rufo: dirigiram-se à sua residência, empunhando suas armas, e, chamando-o pelo nome, ordenaram-lhe que assumisse o seu comando, e (17) que fosse como seu embaixador interceder por eles: êle, porém, pensou que seria tolice aceitar semelhante encargo, uma vez que eles tinham sido vencidos, pois já o havia recusado, quando eles haviam vencido: acrescentando-se ainda que êle tinha receio de ir em embaixada, aos alemães, aos quais êle havia forçado a muitas coisas, contra a sua vontade: por isso êle escapou por uma das portas posteriores de sua casa: os soldados, sabendo disso, deixaram-se por fim convencer a prestar o juramento de fidelidade ao nome de Vitélio, e juntaram-se aos homens de Cecina contanto que o seu passado lhes fosse todo perdoado.

Fim das Vidas de Plutarco da tradução de Amyot

Notas

  • (1) A 15 de janeiro do ano de Roma. 822. Pois Plutarco nos diz que Galba tinha sido morto a 18 das calendas de fevereiro, isto é. 14 de janeiro. Veja as Observações.
  • (2) Clúvio Rufo. como já o notaram vários sábios. Êle tinha sido cônsul no ano 798 de Roma. sob o imperador Cláudio.
  • (3) Veja as Observações.
  • (4) Deve-se traduzir assim, segundo Tácito, tendo enviado Crispino para levar a décima-sétima coorte (pretoriana), cuja residência habitual era em óstia. antigo porto, e primeira colônia dos romanos, perto da embocadura do Tibre, à esquerda.
  • (5) Em grego: 1.250 dracmas, 972 libras, 13 s. e 1 Vz d. de moeda francesa.
  • (6) Em Roma. não está no texto. Não seria a ilha formada pelos dois braços do Tibre, na sua embocadura, e denominada a ilha Sagrada?
  • (7) À esquerda do rio Líris, do lado da Campânia.
  • (8) De Vitélio.
  • (9) Leia-se: Sabendo que era deles que o imperador tinha a sua autoridade.
  • (10) Leia-se: Galo, como se encontrará escrito um pouco mais adianto.
  • (11) Prefeito do pretório.
  • (12) Bedriacum ou Betriacum. segundo Celário. de acordo com os melhores manuscritos de Tácito e Suetônio.
  • (13) Moesia. Estendia-se ao longo do Danúbio, que a limitava ao norte, até o Ponto Euxino. Tinha ao sul a Macedónia, ao oeste a Panònia, dividida em superior e inferior ou em primeira e segunda.
  • (14) O texto está de tal modo alterado que é impossível pensar-se em reconstituí-lo, por meio de conjeturas.
  • (15) Veja. atrás, o capítulo XII.
  • (16) A Ásia. a Síria e o Egito marcharam para o golfo Adriático e as legiões que fazem a guerra na Judéia estão conosco.
  • (17) O texto grego diz o contrário; que êle escolhesse ou ser seu general, ou seu deputado junto dos vencedores.

 

Fonte: Edameris. Tradução brasileira de Prof. Carlos Chaves, com base na versão francesa de de 1616 de Amyot com notas de Brotier, Vauvilliers e Clavier.

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