prosa e verso: novelas de Rodrigues Lobo

Cônego Fernandes Pinheiro (1825 – 1876)

CURSO DE LITERATURA NACIONAL

LIÇÃO XXIII

romance

FRANCISCO RODRIGUES LOBO

Deixou-nos este poeta três novelas pastoris intituladas A Primavera, O Pastor peregrino e O Desenganado, cuja perfeição e mimoso estilo o colocam na primeira plana dos romancistas da sua época.

À imitação de Sannazaro na sua Arcádia e de Fernão Alvares do Oriente na Lusitânia transformada, são as novelas de Rodrigues Lobo entremeadas de prosa e verso. Na parte descritiva prima o ilustre poeta, levando vantagem aos que antes e depois dele trilharam a mesma vereda.

Comecemos pela Primavera, dividida em trinta Florestas, ou capítulos.

Depois de nos haver pintado com graciosas cores a Dela paisagem em que vai colocar a ação do seu romance, apresenta-nos o pastor Lereno, sentado junto a uma fonte e à sombra de um freixo, tirando da sanfonina a seguinte lira:

Já nasce o belo dia
Princípio do verão, formoso e brando,
Que com nova alegria,
Estão denunciando

As aves namoradas
Dos floridos raminhos penduradas,
Já abre a bela aurora
Com nova luz as portas d’Orienté,

E mostra a linda Flora
O prado mais contente
Vestido de boninas,
Aljofradas de gotas cristalinas,
Já o sol mais formoso

Está ferindo as águas prateadas,
E Zéfiro queixoso
Ora as mostra encrespadas
A vista dos penedos,
Ora sobre elas move os arvoredos.

Com que graça não nos pinta o autor os arrufos amorosos do pastor Tirreno? Oiçamo-lo:

Quem pôs seu cuidado
Em pastora loura,
Nem veja a lavoura,
Nem sirva o arado,
Nem jamais se empregue
Em lavrar abrolhos.
Semeie em seus olhos,
E em seus olhos segue,
E se seus amores
Nasceram d’amor,
Seja lavrador,
Pois que lavra dores.
Para sustentá-la,
Gaste a vida nela
Ou viva de vela,
Ou de desejá-la.
Tenha onde a tem
A vida e cuidado;
Se ela guarda gado,
Guarda ele também.

Em uma formosa lira traça-nos Rodrigues Lobo as vantagens da vida pastoril, e não cremos que existam em qualquer das literaturas da Europa muitas pinturas iguais a esta:

Enquanto está o avaro em seu tesouro
Cevando os olhos, dando ao pensamento
Matéria à vã cobiça de mais ouro;
Enquanto o navegante ao leve vento
Entrega com as velas a esperança,
Do temor dos perigos livre e isenfo;
Enquanto vai regendo a grossa lança
O soldado atrevido cujo estado
Só nos braços da morte enfim descansa;
Enquanto em vã promessa levantado,
Segue o trato da corte perigosa

Quem tão tarde se vê desenganado; Enquanto na cidade populosa, Não cessa a confusão da humana gente, Onde reina a mentira poderosa; Pascei, minhas ovelhas, livremente A verde erva neste vale umbroso; Fartai-vos d’esperança tão contente. Gozai do louro sol, claro e fermoso, Agora que vos mostra a face sua Sem seu rigor ardente e furioso; Nenhuma flor o céu vos exceitua De quantas para os olhos mostra e cria De dia o claro sol, de noite a lua. E eu debaixo desta árvore sombria, Assentado sobre ervas, e entre flores Vos estarei guardando todo o dia. Daqui vos contarei dos meus amores Ao som do meu rabel já tão gabado Entre as mais das pastoras e pastores; A vós darei os olhos e o cuidado, Vós me dareis do leite, e da lã vossa Trar-me-eis assi vestido e abastado. Contente viverei na minha choça Sem querer dar a vida e ao temor Os bens de que fortuna desapossa.

Tempo é de falarmos da prosa de Francisco Rodrigues Lobo, que com tanta naturalidade se mescla à p:esia. Julgam-na os filólogos portugueses superior à de Bernardim Ribeiro, e Mr. Sané não duvidou de compará-la com a do grande Fené-lon. Tomemos para exemplo o princípio da Floresta nona:

Saiu a rosada aurora a descobrir o da, e trás ela veio o sol tão fermoso, que Tétis desejava a vinda da noite para com inveja das estrelas, gozar nas águas sua fermosura. Vestiam-se os pastores de festa, afinavam os instrumentos, coroavam-se de flores as pastoras e com vestidos de várias cores, e divisas começavam a celebrar a glória do dia: estavam as cabanas enramadas e com namoradas tenções sobre as portas, as ruas cobertas de verdes e floridas espadanas onde se ouviam já as frautas e tamboris das danças dos pegureiros, as folias d’alvorada, e entre tudo o balar do gado que os pastores traziam concertava tal harmonia em os corações presentes, que ainda os que não eram a cuidados d’amor sujeitos os sentiam menos, e com este meio dissimulou Enalia os seus, assim que, tomando deles licença, se ornou para a obrigação dos folgares que se fazia em um espaçoso vale, que além da fermosa verdura com que a natureza o aventaj ou de todos os daquela ribeira, estava cercado de muitas árvores verdes, que postas em muro por uma parte o rodeavam, e da outra o rio, que com saudosa volta o vai cercando por entre os seus altos arvoredos, e assi dentre eles como na espessura, que defronte faziam os transplantados ramos, havia muitas fontes de artifício, e muitas figuras pastoris, que em vulto representavam memórias antigas em honra dos pastores. ..

As duas outras novelas, O Pastor peregrino, dividido em jornadas, e O Desenganado em discursos, não são mais do que continuações da Primavera, e desenvolvimento do mesmo tema. Como espécimen do modo por que Rodrigues Lobo sabia travar o diálogo e evitar o tédio, citaremos aqui o princípio da primeira jornada do Pastor peregrino.

velho

é este caminho tão desviado das aldeias, e tão poucas horas passadas do da, que imagino que tornas para atrás donde partiste ou vaig desencaminhado por falta de guia. Pareces-me estrangeiro, e eu aos que o são estou-lhes obrigado, e costumo a lhes oferecer a pobreza da minha cabana, porque já em as alheias achei saboroso agasalhado andando em desterro.

lereno

Não é essa má nova para quem determina gastar em outra vida, porém no que perguntas te digo que vou por este vale e sei dele tão pouco que não te darei razão do para cnde me guio, porém folgarei de te acompanhar enquanto durar a jornada, e daí irei para onde quiseres.

velho .

Não me pareces homem sisudo, porque vais para onde não sabes, e deixas na vontade de quem te não conhece o que a ti releva,

lereno

Por mais seguro tenho eu deixar isso na tua vontade, que na minha escolha, porque por melhor que a faça tudo para mim é um cam nho e um perigo, e assim pode ser que tu me levasses por outro, em que me arriscasse menos.

velho

Não entendo o que queres dizer, porque ainda que as palavras são boas, as razões são de homem sem juízo, ou pelo menos embaraçam a quem as escuta.

lereno

Que muito hei que eu que as digo estou mais enleado?

velho

Agora vejo que há néscos que falam bem, e doudos que o não parecem: mas dize, se te parecer, pois não sabes paia onde vais, de que parte vens?

lereno

Ainda nisso me terás por menos sisudo; porque venho donde pudera em algum tempo viver a meu gosto, para ir aonde me quer dar a morte um inimigo que eu sustento à mnha custa.

velho

Certo que bom hóspede agasalhas! Não era melhor, pois o levas contigo, fazer-lhe o que ele a ti tenciona e acabar juntamente essa tua determinação e a tua jornada?

lereno

Não me atrevo a ofender a quem quero granjear, porque quanto ele mais procura meu dano tanto mais desejo de lhe fazer a vontade.

Refere depois o pastor ao velho que o seu tormento era a incerteza em que estava de ser o seu amor correspondido por uma gentil pastora, ao que lhe torna o

velho

Sabe que há poucos anos que é conhecida nesta aldeia a verdade das suas águas, é têm elas tal qualidade que não sofrem enganos, e quem deseja sáber a verdade dalgum, nelas o experimenta facilmente! Contar-te-ei de que maneira, pelas muitas vezes que já me achei presente a esta experiência: escrevem a pergunta com o juramento ou promessa de que duvidam em uma tábua, ou em uma pedra e ao nascer do sol, quando os seus raios começam a revolver as águas, a lançam nelas, e sucede assim que a falsidade e mentira se vai ao fundo.

A fluidez do estilo de Rodrigues Lobo demonstra-se pelas citações que acabamos de fazer; ressentindo-se porém o enredo dos seus romances da monotonia congênita às mais primorosas pastoris.

Fonte: editora Cátedra – MEC – 1978

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