Tremores de terra ou terremotos – Terremoto de Lisboa de 1755 (Manoel. P Chagas)

Tremores de terra ou terremotos [1]) – Manoel P. das Chagas

Um dos fenômenos mais estupendos da natureza e que às vôzes acarreta consigo desastres espantosos, são os tremores de terra. ou os terremotos. Ouve-se um ruído surdo e subterrâneo, um bramido rouco, que se reforça, abranda e se reforça de novo, como se rugira a tempestade. A êste rumor cheio de ameaças misterio­sas, tudo se cala, todos emudecem de pavor, o susto muda a côr ao rosto mais sereno, e até os próprios irracionais, advertidos pelo instinto do perigo que os ameaça, permanecem extáticos. O solo estremece de súbito, arfa, fende-se, desloca-se, abisma-se. Os edi­fícios mais sólidos abalam e ruem por terra. As águas do mar e dos rios fogem das praias, para em breve, furiosas, se arrojarem de novo à praia e invadirem, impetuosas, a terra. E quantas vidas não são sacrificadas! quantos prejuízos materiais não sofrem a regiões assoladas pelo terremoto!

Para que o leitor possa fazer uma idéia dos efeitos tremendo de um terremoto, vou-lhes reproduzir a descrição que faz um eminente escritor português do terremoto que em poucos minutos destruiu quase totalmente a cidade de Lisboa em 1755, e que foi um dos mais horrorosos de que há notícia.

O terremoto de Lisboa

Estava-se no ano de 1755, que desde o princípio se anunciai va ao mundo como devendo ser fértil em abalos dêsse gênero. No dia 25 de abril houvera um terrível terremoto na cidade de Sãfo Francisco da América; no dia 24 de agôsto sentiu-se um violento tremor de terra nas cidades de Orzeg e Mora, em Espanha, e em alguns pontos das nossas províncias do Alentejo e do Algarve! Em setembro e outubro iguais abalos se repetiam na Groelândia e na Islândia.

Lisboa, porém, não sentira o mais leve abalo que lhe prognosticasse I) o imenso desastre que estava para a fulminar. O mês de outubro correra plácido e sereno, um pouco mais quente do que é uso nessa estação. Alvoreceu, enfim, o dia lº de novembro de 1755, sossegado e radioso. O rio espreguiçava brandamente as suas le­ves ondazinhas, indo-as quebrar em suave murmúrio no cais da ci­dade; o céu ostentava-se azul sem mancha; soprava um ligeiro ven­to de nordeste, o termômetro Réaumur marcava 14 graus, e os ha­

bitantes da cidade corriam às igrejas paira, ouvirem a missa da festa, porque era dia de Todos os Santo». Reinava por tôda a parte o maior sossêgo e a maior despreocupação.

De súbito, e alguns minutos depois das nove e meia da manhã, sente-se um rumor subterrâneo, imediatamente principia a arfar o solo com violência, depois oscila com um movimento semelhante ao balanço dos navios, de norte a sul e de nascente a poente, exata- mente como a embarcação ora se balouça de pôpa a proa, ora de bombordo a estibordo !). No breve espaço de sete minutos, o tre- mor aumentou de intensidade numa progressão espantosa.

As casas, sacudidas violentamente pelos abalos de terra, pri­meiro estalam pelos forros dos sobrados, logo despegam-se os re- bocos, desabam, enfim, as abóbadas, abrem-se as paredes e as tôrres, e num momento apresenta a plácida Lisboa o mais terrível espetácu1o de desolação e ruína.

O quadro era sinistro, e os diversos estrondos davam-lhe ainda um loque mais lúgubre e assustador. O trovão subterrâneo rugia com um som rouco e profundo, confundia-se com êsse ruído e es- talar dos vigamentos o medonho estampido das casas que desaba- vam o toque dos sinos que a agitação do solo produzia, e que entornavam na atmosfera a sua urna de desesperados gemidos. Voavam as telhas dum para outro lado como fôlhas desprendidas das árvores; o sol escurecia-se, porque lhes extinguiam a luz as nuvens formadas pela concentração dos vapores, que se exalavam das fendas enormes, em que a terra por tôda a parte se rasgava.

O desabar dos edifícios levantava também do solo turbilhões imensos de poeira, que ainda aumentavam as trevas. As exalações mefíticas2) povoavam de miasmas o ambiente. O rio fugia, como que horrorizado, das margens, repelido para ‘onge pela con- vulsão da terra; as águas da maré, encontrando-so com as que se retraíam das praias, lutavam em furioso embate, encastelavam-se em montanhas enormes, e, arrojando-se de novo sôbre as praias, deesabavam na cidade e submergiam os cais, entravam por Lisboa dentro até distâncias enormes, chegando às portas de Santo An- tão, e de novo se retiravam e voltavam de novo, mais aglomeradas, mais furiosas, mais espumantes, alagando as ruínas, quebrando nas paredes dos edifícios, trazendo consigo, enrolada nas ondas, a morte debaixo dum novo aspecto. Era a formidável confusão da nutureza, era a medonha luta entre todos os elementos, era o horror debaixo de tôdas as suas formas: a convulsão da terra, a tempestade das águas, a lúgubre escuridão, os boqueirões do inferno mostrando as fauces hediondas e mefíticas, o incêndio que principiava, a imagem tremenda do caos, o ideal sinistro do báratro 3)’.

I [1]de bombordo a estibordo — do lado esquerdo para o direito.

2mefíticas — nocivas à saúde; pestilenciais.

3 ) Báratro — abismo, inferno.

E o vento soprava brando e meigo [2]), sem contribuir de mo­do algum para esta desolação.

Os navios sentiam-se também nas garras do cataclismo. O balanço formidável lembrava aos tripulantes as mais formidáveis oscilações das grandes tempestades: uns, quebrando-se-lhes as amarras, eram arrojados de encontro à terra, outros rodopiavam no vértice das ondas num doido movimento giratório; barcos gran­des voltavam-se de quilha para o ar, como se fôssem cascas de noz; os botes mais pequenos, ancorados junto dos cais, desapareciam, incapazes de resistir às agitações que os envolviam. No mar, na terra não havia lugar seguro de refúgio para os desgraçados ha­bitantes de Lisboa, surpreendidos por tão formidável desastre.

terremoto de lisboa 1755

, E que faziam êles no meio desta catástrofe tremenda? A pena não pode traçar senão seguidamente os diversos episódios desta imensa tragédia; mas o leitor deve compreender bem que tôdas estas desgraças se realizaram simultaneamente. O abalo durou se­te minutos, teve três intervalos de remissão, e foi nesse curto espa­ço de tempo que desabaram os edifícios, que se abriu a terra, que se escureceu o sol, que as águas fugiram da praia e voltaram a inun­dá-la, que se submergiram os botes, que se despedaçaram os navios.

Manoel P. Chagas

Fonte: Seleta em Prosa e Verso dos melhores autores brasileiros e portugueses por Alfredo Clemente Pinto. (1883) 53ª edição. Livraria Selbach.


[1] Terremoto ou terramoto.

[2] Repare-se o emprego do adjetivo em lugar do advérbio. — Vide a nota 7) à pág. 24.

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