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Cartas de Padre Antônio Vieira
CARTA XVI
Ao Rei D. João IV
1655 — dezembro 8
SENHOR. — Por carta de V. M., escrita em 9 de abril de 1655, me ordena V. M. por seu real e católico zelo vá dando conta sempre a V. M. do que for sucedendo nestas cris-tandades, e do que se oferecer necessário para o bem delas, como neste farei.
Tanto que cheguei, Senhor, ao Maranhão, conforme o regimento de V. M. tomei logo posse das aldeias dos índios, e enviei a elas religiosos, que com maior assistência do que até agora tratassem de sua doutrina, como fazem com grande proveito daquelas almas.
Ao Pará, onde é maior o desamparo, me passei logo; e, porque as aldeias estão mui distantes e mui despovoadas de gente, pelas desordens do tempo passado, reparti por elas três missões, cada uma de dois religiosos, para que continuamente as andem correndo e visitando, enquanto se não ajuntam conforme a ordem de V. M., e se põem em capacidade de haver nelas residência. Também deixei dois padres no Gurupi, que é outra capitania, sita entre o Maranhão e Pará, onde há duas aldeias de índios.
Ao Gurupá, que é na boca do rio das Amazonas, não pude ir, por ser forçosa a minha assistência no Pará ao exame e juízo dos cativeiros da lei de 1652 1 e para outros negócios de serviço de Deus e de V. M.; mas enviei dois religiosos que tomassem à sua conta as aldeias daquele distrito: levaram estes religiosos consigo mais de cem índios libertados, dos que os portugueses tinham cativado no rio das Amazonas, sendo amigos e confederados nossos, e foi este resgate uma boa prova das novas ordens de V. M. a favor dos índios, que os padres lhes foram publicar, e com que eles ficaram mui contentes e animados, e já são partidos por diferentes braços do rio a levar a mesma nova aos de suas nações, ultimas das quais são populosíssimas, e se esperam por este meio pandes conversões.
1 A ordem a que se refere Vieira na Carta X, pág. 101.
A grande ilha chamada dos Joanes 2 foi outra missão de dois religiosos, em companhia das tropas de guerra que a ela se mandaram, pelas razões de que já se fez aviso a V. M.; e posto que os padres têm oferecido a paz àquelas nações, mas como é em companhia das armas, e eles estão tão escandalizados dos agravos que dos portugueses têm recebido, não admitiram até agora a prática da paz, e há poucas esperanças de que venham tão cedo a admiti-la, porque dizem que conhecem mui bem a verdade dos portugueses, e que não querem que os cativem como tantas vezes fizeram; e esta experiência tão larga das injustiças que lhes fizemos, Senhor, é a maior dificuldade que tem a conversão destas gentilidades.
Quando vim a primeira vez, foram dois padres ao rio de Pi-naré, que é no Maranhão; fizeram descer alguma gente de nação guajajaras, e por temor do trato que viam dar aos outros índios se tornou grande parte deles para os matos.
Da missão que fiz ao rio dos Tocantins, já V. M. foi informado como aqueles índios se repartiram e despedaçaram por onde quis a cobiça de quem então governava3; agora achei que muitos estavam vendidos por cativos.
Neste mesmo ano mandaram os padres uma embaixada (como cá dizem) à nação dos tupinambás, que dista trezentas léguas pelo mesmo rio acima, e é a gente mais nobre e mais valorosa de todas estas terras; e levaram tais novas ‘alguns dos que de lá vieram que, indo os padres buscar a todos, houve muitos que não quiseram vir, dizendo que do bom trato que lhe faziam os padres bem certificados estavam, mas que só dos portugueses se temiam, e que em quanto não tinham maiores experiências de se guardarem as novas ordens de V. M., que os padres lhes contavam, não se queriam descer para tão perto dos portugueses. Isto disseram e fizeram muitos dos mais velhos daquela nação, e dos que pareciam entre eles mais prudentes, a quem seguiam os de sua obediência. Mas outros, a quem Deus parece tinha escolhido, se vieram de mui boa vontade com os padres. Chegaram a esta cidade do Pará na oitava de Todos os Santos, com sessentí canoas carregadas desta gente, em que vinham mais de mil alin.r das quais no caminho foram algumas para o Céu; dos demitis estão já baptizados os inocentes, e os adultos se vão catequizando.
2 Hoje Marajó.
3 Inácio do Eego.
Chegados estes índios, sucedeu uma coisa digna de se saber, para remédio de muitas que neste Estado se usam do mesmo gr uero. Haverá oito anos que se fez uma entrada a esta mesma nação dos tupinambás, de que foi por cabo um Bento Rodrigues de Oliveira, e trouxeram muitos dos ditos índios por escravos: sucedeu pois que, entre os que agora vieram, muitos acharam cá seus irmãos e parentes e, sendo filhos dos mesmos pais e das mesmas mães, uns são livres outros escravos, sem mais razão de diferença que serem uns trazidos pelos padres da Companhia e outros pelos oficiais das tropas.
Também nesta de Bento Rodrigues tinha ido um religioso de certa religião, o qual trouxe grande quantidade dos ditos escravos, e foi este um dos grandes impedimentos que os padres acharam para reduzir estes índios; porque, quando lhes alegavam que eram religiosos e que os não haviam de cativar como tinham feito os capitães portugueses, lhes respondiam eles que também aquele era religioso e os cativara; e, se os índios das nossas cristanda-des lhes não explicaram o diferente modo dos padres da Companhia, bastara este exemplo para não se reduzirem.
Esta boa opinião, que os padres têm entre os índios, os conservou e defendeu entre eles sem escolta de soldados, porque não levaram consigo mais portugueses que um cirurgião, coisa até hoje nunca vista, sendo muitas e mui bárbaras as nações por cujas terras passaram; antes trouxeram os principais ou cabeças de duas delas, persuadindo-os a que também seguissem e se quisessem descer a ser vassalos de V. M.; e com eles temos já assentado o tempo e o modo com que o hão-de fazer.
Uma destas nações é a dos catingas, que sempre foram inimigos dos portugueses, e com guerras e assaltos têm feito muitos danos às nossas terras que lhes ficam mais vizinhas; mas já ficam de paz, assim conosco como com outra nação, também amiga, com quem traziam guerra. Demais destas trouxeram os padres notícias de outras nações que habitam por todo aquele rio dos Tocantins, muitas das quais falam a língua geral, e se espera que com pouca dificuldade se reduzirão à nossa santa fé.
Estas são, Senhor, as obras e os lugares em que ficamos ao presente ocupados os religiosos da Companhia que nesta missão nos achamos, os quais somos por todos vinte, e de dois em dois estamos divididos por onde o pede a maior necessidade. Da volta que faço para o Maranhão, determino de enviar missão aos índios do Camuci e do Ceará, que estão para a parte do sul, e é tanto o número deles como a necessidade que têm de doutrina.
Agora representarei a V. M. as coisas de que necessita esta missão, para ser cultivada como convém, e se colher dela o copioso fruto que sua grandeza promete. A messe é muita e os operários poucos; e esta é a primeira coisa de que sobre todas necessitamos. Ao Padre-Geral e aos Provinciais de Portugal e do Brasil tenho dado conta desta falta; e, posto que espero de seu zelo e caridade que não faltarão com este socorro a uma empresa tão própria do nosso instituto, para que eles o façam com maior prontidão e efeito, importaria muito que V. M. o mandasse recomendar com todo o aperto aos mesmos Provinciais de Portugal e Brasil, e juntamente ao Padre-Geral e Assistente de Roma, não só para que o ordenem assim aos mesmos Provinciais, mas para que de Itália e das outras nações da Europa nos venham missionários, como costumam ir para as missões da índia, Japão e China, com que elas se têm aumentado de sujeitos de grandes letras e virtudes, que naturalmente as aumentarão, podendo prometer a V. M. que, quanto for crescendo aqui o número de missionários, crescerá também o das conversões das almas, e muitos milhares por cada um.
A segunda coisa, que muito há mister esta missão, é que V. M., Senhor, nos faça mercê de que possamos viver nela quieta e pacificamente, sem as perturbações e perseguições com que os portugueses, eclesiásticos e seculares, continuamente nos molestam e inquietam. Temos contra nós o povo, as religiões, os donatários das capitanias-mores, e igualmente todos os que nesse Reino e neste Estado são interessados no sangue e suor dos índios, cuja menoridade nós só defendemos; e porque sustentamos que se lhes guardem as leis e regimentos de V. M., e os livramos se não cativem, e que aos que servem lhes paguem o seu trabalho, por estas duas causas tão justificadas incorremos no ódio e perseguição de todos, e é necessário que gastemos em nos defender destas batalhas o tempo que fora melhor empregado na conquista da fé, e exercício da doutrina a que viemos.
O remédio que isto tem, e que só pode ser efectivo, é que V. M. nessa corte se sirva de não admitir requerimento algum sobre as matérias da nova lei e regimento, que sobre tão maduras delibe rações V. M. mandou guardar neste Estado; mandando V. M, passar decretos, aos conselhos aonde tocar, que não seja admiti do nem ouvido neles quem sobre estes particulares pretender inovar ou alterar coisa alguma. E para V. M. o haver por bem, e mandar assim, há muitas e mui forçosas razões que apontar aqui, para que sejam presentes a V. M.
Primeira: porque as coisas que V. M. foi servido resolver todas foram examinadas e consultadas com as pessoas mais timoratas e de maiores letras que V. M. tem em seus reinos.
Segunda: porque esta consulta e resolução se tomou depois de serem vistas todas as leis antigas e breves dos Sumos Pontífices, consultas do Conselho Ultramarino, e todos os mais documentos que podia haver na matéria.
Terceira: porque de tudo se deu primeiro vista aos Procuradores do Maranhão e Pará, os quais deram por escrito suas razões.
Quarta: porque em particular o que toca às missões, entradas do sertão, e governo espiritual e político dos índios, tudo foi não só aprovado pelos mesmos procuradores, senão ajustado com eles, como consta do papel que está na Secretaria do Estado, de letra de Gaspar Dias Ferreira 4, que se achou na mesma conferência e o escreveu.
Quinta: porque seria contra a autoridade das mesmas leis, se cada dia se mudassem.
Sexta: porque, em quanto se não fechar a porta de uma vez a todos os requerimentos em contrário, nunca os moradores deste Estado se hão-de aquietar, e só quando virem a deliberação de V. M., em os não querer ouvir nesta matéria, acabarão de se desenganar nela, e se acomodarão ao que se tem ordenado.
4 A proposta, patrocinada pelo Padre António Vieira, de se comprar Pernambuco aos holandeses, em 1647, foi da autoria de Gaspar Dias Ferreira. Kesidindo em Pernambuco no tempo do Governador holandês João Maurício de Nassau, foi familiar deste, e com ele passou à Holanda. Ali, acusado de ter entendimentos com o Governo português, foi condenado pelo delito de traição. Quando Vieira esteve em Portugal, em 1654, era Dias Ferreira, que se tinha evadido do cárcere e passado a Lisboa, escrivão da Junta que tratou das coisas de Pernambuco.
Sétima: porque só por este meio se podem atalhar as grandes injustiças e tiranias que neste Estado padecem os índios, cativando-se os livres e não se pagando aos que trabalham, que são os dois pontos da lei e regimento de V. M., e sem os quais se não podem conservar os índios nem o Estado.
Oitava: porque na junta que se fez sobre esta matéria, conforme o decreto de V. M., se seguiram as opiniões mais largas e mais favoráveis aos moradores, e, tendo-se-lhes concedido tudo o que nos limites da justiça era possível, não lhes fica que pre-lender senão o injusto.
Nona: porque os mesmos religiosos, a que Deus dá desejo de empregar a vida na conversão destas gentilidades, com a notícia destas inquietações se esfriam, e corre grande risco que os mesmos que cá têm vindo se arrependam, porque vieram buscar a conversão das almas dos infiéis e não a perturbação das suas.
Décima: porque, se V. M. defende e ampara todos os seus ministros, por inferiores que sejam, com muita mais razão o merecem estes missionários, que são mandados por V. M., e que debaixo da sua firma de V. M. deixaram suas pátrias e colégios, e tudo o que podiam ter e esperar das coisas humanas, só por servirem a Deus e a V. M. na maior e mais importante empresa, que é a propagação da fé e o descargo da consciência de V. M. Ê, se os ministros do Santo Ofício são com muita razão tão respeitados e venerados, porque defendem a fé na paz, quanta há para que os que defendem a mesma fé na campanha, e a plantam e dilatam com o sangue e com as vidas, sejam favorecidos e amparados da grandeza de V. M. por meio de seus reais ministros, e não perseguidos e desprezados e afrontados de todos, como são os que nesta missão servimos! Na,qual se experimenta o que desde o princípio da Igreja se não lê de nenhuma: porque nas outras eram os pregadores favorecidos e amparados dos cristãos, e perseguidos e martirizados dos gentios; e nesta os gentios nos amam, nos recebem e nos veneram, e os cristãos, ainda religiosos e portugueses, são os que nos perseguem e afrontam, e sobretudo nos perturbam e impedem o exercício de nossos ministérios e a conversão das almas, que é o que mais se sente.
Finalmente, Senhor, quando não houvera nenhuma outra razão, e quando tudo o que V. M. tem ordenado não fora tão justo e tão justificado como é, só pelo que agora direi o devia V. M. mandar continuar, sem mudança nem alteração alguma. Tudo o que V. M. tem ordenado na última lei e regimento está publicado aos índios, não só nestas terras e nas vizinhas, mas em outras mui apartadas e remotas, onde por recados e por escrito tem mandado o Governador e os padres a diferentes índios das mesmas nações, para que lhes refiram o novo trato que V. M. lhes manda fazer, e como todos os índios hão-de viver debaixo da protecção e doutrina dos padres da Companhia, que é o que eles desejam, pela grande fama que os ditos padres têm de serem os maiores amigos e defensores dos mesmos índios, e por isso são deles muito amados.
Isto é, Senhor, o que está mandado dizer a todos, o que já tem abalado a muitos das suas terras, e o que nas nossas detém a outros que de desesperados se queriam sair delas. B se agora vissem que estas promessas e esperanças desarmavam em vão, e tornavam as coisas a correr pelo estilo que de antes, nenhum crédito se daria mais entre os índios às leis e ordens de V. M., nem às palavras dos governadores; e os missionários perderiam toda a opinião e autoridade que têm com eles; e não só não desceriam do sertão, a ser cristãos e vassalos de V. M., as nações que se esperam, mas ainda os cristãos e vassalos antigos desesperariam totalmente, e despovoariam suas aldeias, como outras vezes têm feito, e se arruinaria por esta via todo o fundamento do Estado e das cristandades, que consiste na conservação e facilidade de ter índios.
Esperamos que V. M. mandará considerar o peso desta razão e das mais, como a importância delas pede.
A muito alta e muito poderosa pessoa de V. M. guarde Deus, como a cristandade e os vassalos de V. M. havemos mister. Pará, 8 de dezembro de 1655.
António Vieira
Fonte: Clássicos Jackson
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