Biografia de ALEXANDRE HERCULANO DE CARVALHO E ARAÚJO (Lisboa, 1810-1877), tendo-se envolvido numa revolta militar em 1831, emigrou para a Bretanha; e no ano seguinte embarcou para a Ilha Terceira, sentou praça de soldado e tomou parte na campanha em prol de D. Maria II contra D. Miguel. Serviu como bibliotecário público no Porto, desempenhando depois igual cargo na biblioteca particular do rei D. Fernando. Ultimamente, desavindo com adversários a quem talvez exacerbava com as asperezas do rijo caráter, retirou-se para a quinta de Val-de-Lôbos, onde faleceu.
Como historiador deixou a sua História de Portugal, os Monumentos Históricos e uma História da Inquisição; como romancista, o Monge de Cister, o Eurico, o Bobo, e as Lendas e Narrativas. Intitula-se Harpa do Crente um seu livro de poesias. Não logra o poeta ocultar as durezas do estilo granítico; mas o prosador é sem dúvida um dos mais valentes escultores do nosso idioma.
Perseguição Religiosa – Texto de Alexandre Herculano
Quando em 1834 se extinguiu o antigo e célebre cenóbio de Santa Cruz de Coimbra, (198) aconteceu aí (199) um fato que pode, até certo ponto, dar uma idéia das primeiras cenas do negro drama que há oito anos começou a passar ante os olhos daqueles que ainda não abnegaram de todo a humanidade e o pudor. Expulsos os cenobitas, e inventariados os bens do mosteiro pelos comissários desta obra brutal, quase por toda a parte brutalmente executada, ainda uma cela daquele vasto edifício ficava ocupada por um dos antigos habitadores. Era um velho de oitenta anos, a quem o trôpego, o quase morto dos membros embargava o caminhar, e que por isso não podia seguir seus irmãos. Entrando no aposento, encontraram o cenobita deitado no seu catre humilde, em cujo topo pendia o Crucifixo que, talvez por sessenta anos, tinha visto a seus pés consumir-se (200) na meditação, nas preces e na penitência aquela dilatada vida. Estava só o ancião, e o silêncio que o rodeava apenas era interrompido pelos gorjeios duma avezinha que pulava contente ao sol numa gaiola pendurada da abóbada. O velho parecia pensativo, como se adivinhasse que era para êle chegada a hora do martírio.
As passadas dos que entravam moveram-no a volver os olhos; correu-os por aqueles rostos desacostumados; depois tornou-os a abaixar. Que lhe importavam os homens do século? Êle não os conhecia.
Disseram-lhe então que era necessário sair dali.
— Por quê? perguntou o cenobita.
— Porque os frades acabaram, replicou o mais eloqüente e discreto dos verdugos, como se exprimisse a idéia mais simples e trivial deste mundo.
— Porque os frades… — repetiu em voz baixa o velho sem concluir. Os lábios não podiam levantar de cima do coração o resto daquela frase monstruosa: ela lho havia esmagado.
Um sorriso estúpido passou pelas faces estúpidas de alguns dos circunstantes. No gesto espantado do cenobita liam eles a grandeza do esforço com que associavam o próprio nome à obra-prima do século.
E com razão. O triturar assim o coração de oitenta anos era feito que excedia em heroicidade todos aqueles que haviam praticado dois cavaleiros portugueses, que, lá embaixo, na igreja, continuavam a dormir nos seus leitos de pedra um sono de muitos séculos, e que se chamavam Afonso Henriques e Sancho Adefonsíades.
Os olhos do ancião ficaram enxutos. Só acrescentou: — Mas para onde hei de ir?
— Para casa dos vossos parentes, acudiu o filósofo.
O cenobita correu a mão pela fronte calva e respondeu:
— Já não tenho parentes na terra, todos me esperam no céu.
— Então ireis para a de algum amigo.
— O único amigo meu que ainda vive, é aquele! E apontava para a avezinha.
— O frade irá, pois, morar na gaiola do pintassilgo — rosnou por entre dentes um dos algozes, que tinha fama de gracioso. (201). Não quis, porém, comunicar aos outros tal idéia. Tudo estoiraria de riso.
(198) cenóbio — convento; do gr. koinóbion, comunidade (koi-nós, comum; bios, vida); pelo lat. coenobiu. Cenobita, o monge. O — K — grego transcreve-se pelo — c —, assim gutural; — cacoete, cacto, caixa, catástrofe, colírio, cone, cubo — como sibilante: — ancilose (não anquilose), cefaléia, cedro, cemitério, centro, ciclo, cistite, esfacelar, necídalo, cisto (melhor que quisto), ceratite (não queratite). (199) Aí, adv. de lugar (do lat. ad hic ou ad ibi) indica também, na atual linguagem vulgar, o momento do fato, a ocasião em que algo se realizou, e vale por então, nesse momento, sendo, pois, adv. de tempo, repetidíssimo nas narrações populares: "Aí… procurou a outra" (Valdomiro Silveira) ; aí, resolveram partir; aí calou-se; aí,… Torna-se desse jeito, enfadonha a narração, francamente monótona. Esse mesmo fato ocorre com o adv. aqui, com a mesma idéia de tempo. V., neste vol., a n. 196). São comuns as expressões de tempo: Daqui a pouco, daí a tantas horas etc. Aí e aqui podem haver-se ainda por pron. indefinido, equivalentes a tal, tal cousa, tal jato, tal ação, constituindo, quase sempre, uma expressão iniciada por prepos. "Excessiva severidade é, pois, argüí-lo por aí de falta de critério científico". (Ruí, Marquês de Pombal, em Orações do Apóstolo, p. 23); …"disse ela que… eu, temendo não vencer a resistência da moça, dava-me por incapaz de amar. E pegou daqui para novamente fazer a apologia da paixão conjugal de Fidélia". (M. de Assis, Memorial de Aires, p. 21). (200) consumir-se — O infinitivo independente impõe a posposição do pronome oblíquo; se estiver preposicionado, fica indiferente a colocação: "Melhor é merecê-lo sem os ter I que… possuí-los sem os merecer". (Lus., IX, 93); "Para servir-vos, braço às armas feito". (lbid., X, 155); "Por vos servir a tudo aparelhados". (X, 148); "…para as disfarçar sem escondê-las e fazê-las gostar sem nas delir." (Castilho, Estante Cláss., vol. VI, p. 35). (201) Gracioso = engraçado; como em M. Bernardes engraçado = gracioso: — "Oh, como nosso Deus é suave e engraçado". (Luz e Calor).
Alguém, que estudava de perto esta cena de progresso moral, não pôde, todavia, continuar os seus graves e terríveis estudos. Precisava de ar, de luz, de ver o céu. Atravessou ligeiro o longo dormitório, e desceu a quatro e quatro os degraus das extensas escadarias. As lágrimas rebentavam-lhe como punhos.
(Obra de Alexandre Herculano: Opúsculos, tomo 1.°, pp. 149-152).
O Rei e o Arquiteto
— Dom donzel, onde é que está el-rei, dizia Afonso Domingues ao pagem, caminhando com passos incertos ao longo do vasto aposento.
D. João I, que ouvira a pergunta, respondeu em vez do pagem:
— Agora nenhum rei está aqui, mas sim o Mestre d Avis, vosso antigo capitão, nobre cavaleiro de Aljubarrota.
— Beijo-vos as mãos, senhor rei, por vos lembrardes ainda de um velho homem de armas que para nada presta hoje. Vede o que de mim mandais; porque de vossa ordem aqui me trouxe este bom donzel.
— Queria ver-vos e falar-vos; que do coração vos estimo, honrado e sabedor construtor do mosteiro de Santa Maria.
— Arquiteto do mosteiro de Santa Maria, já o não sou; vossa mercê me tirou esse encargo; sabedor nunca o fui, pelo menos muitos assim o crêem, e alguns o dizem. Dos títulos que me dais, só me cabe o de honrado, que esse, mercê de Deus, é meu, e fora infâmia roubá-lo a quem já não pode pegar em um montante (202) para defendê-lo.
— Sei, meu bom cavaleiro, que estais mui torvado (203) comigo por dar a outro o cargo de mestre de obras do mosteiro: nisso cria eu fazer-vos assinalada mercê. Mas, venhamos ao ponto, sabeis que a abóbada do capítulo desabou ontem à noite,
— Sabia-o, senhor antes de o caso suceder.
— Como é isso possível?
— Porque todos os dias perguntava a alguns desses poucos obreiros portugueses que aí restam, como ia a feitura da casa capitular. No desenho dela pusera eu todo o cabedal do meu fraco engenho, e este aposento era obra prima de minha imaginação. Por eles soube que a traça (204) primitiva fora alterada e que a juntura das pedras era feita de modo diverso do que eu tinha apontado. Profetizei-lhes então o que havia de acontecer. E — acrescentou o velho, com sorriso amargo — muito fêz já o meu sucessor em por tal arte lhe pôr o remate que não desabasse antes das vinte e quatro horas.
— E tínheis vós por certo (205) que, se vossa traça se houvera seguido, essa desmesurada abóbada não viria a terra?
— Se esses olhos não tivessem feito com que eu fosse posto de banda, como uma carta de testamento antiga, que se atira (206) por inútil para o fundo de uma arca, a pedra do fecho dessa abóbada não teria de vir esmigalhar-se no pavimento antes de sobre ela pesarem muitos séculos; mas os de vosso conselho julgaram que um cego para nada podia prestar.
— Pois, se ousais levar a cabo vosso desenho, eu ordeno que o façais, e desde já vos nomeio de novo mestre das obras do mosteiro, e David Ouguet vos obedecerá.
— Senhor rei, — disse o cego, erguendo a fronte que até ali estivera curvada — vós tendes um cetro e uma espada; tendes cavaleiros e besteiros (207) tendes ouro e poder; Portugal é vosso, e tudo o que êle contém, salvo a liberdade de vossos vassalos: nesta nada mandais. Não!… vos digo eu: não serei quem torne a erguer essa derrocada abóbada! Os vossos conselheiros julgaram-me incapaz disso: agora eles que a alevantem. As faces de D. João atingiram-se do rubor do despeito.
— Lembrai-vos, cavaleiro — disse êle — de que falais com D. João I.
— Cuja coroa — acudiu o cego — lhe foi posta na cabeça por lanças, entre as quais reluzia o ferro da que eu brandia. D. João I é assaz nobre e generoso para não se esquecer de que nessas lanças estava escrito: — Os vassalos portugueses são livres.
— Mas, tornou el-rei, os vassalos que desobedecem aos mandados daquele em cuja casa têm acostamento, (208) podem ser privados da sua moradia…
— Se dizeis isso pela que me destes, tirai-ma: que não vo-la pedi eu. (209). Não morrerei de fome, que um velho soldado de Aljubarrota achará sempre quem lhe esmole uma mealha; (210) e, quando haja de morrer à míngua de todo humano socorro, bem pouco importa isso a quem vê arrancarem-lhe, nas bordas da sepultura, aquilo por que trabalhou toda a vida, um nome honrado e glorioso.
Dizendo isto, o velho levou a manga do gibão aos olhos baços e embebeu nela uma lágrima mal sustida. El-rei sentiu a piedade coar-lhe no coração comprimido de despeito e dilatar–lho suavemente. Uma das dores d’alma que, em vez de lacerar, a consolam, é sem dúvida a compaixão.
— Vamos, bom cavaleiro — disse el-rei pondo-se em pé — não haja entre nós doestos. (211). O arquiteto do mosteiro de Santa Maria vale bem o seu fundador! Houve um dia em que nós ambos fomos pelejadores: eu tornei célebre o meu nome, a consciência mo diz, entre os príncipes do mundo, porque segui avante por campos de batalha; ela vos dirá, também, que a vossa fama será perpétua, havendo trocado a espada pela pena com que traçastes o desenho do grande monumento da independência e da glória desta terra. Rei dos homens do aceso imaginar, não desprezeis o rei dos melhores cavaleiros, os cavaleiros portugueses! Também vós fostes um deles; e negar-vos-eis a prosseguir na edificação desta memória, desta tradição de mármore, que há de recordar aos vindouros a história de nossos feitos? Mestre Afonso Domingues, escutai os ossos de tantos valentes, que vos acusam de trairdes a boa e antiga amizade. Vem de todos os vales e montanhas de Portugal o soído (212) desse queixume dos mortos: porque, nas contendas da liberdade, por toda a parte se verteu sangue e foram semeados cadáveres de cavaleiros! Eia, pois: se não perdoais a D. João I uma suposta afronta, perdoai-a ao Mestre d’Avis, aó vosso antigo capitão, que, em nome da gente portuguesa, vos cita para o tribunal da posteridade, se refusais (213) consagrar outra vez à Pátria vosso maravilhoso engenho, e que vos abraça, como antigo irmão nos combates, porque, certo, crê que não querereis perder na vossa velhice o nome de bom e honrado português.
El-rei parecia grandemente comovido, e, talvez involuntariamente, lançou um braço ao redor (214) do pescoço do cego, que soluçava e tremia sem soltar uma só palavra.
Houve uma longa pausa. Todos se tinham posto em pé quando el-rei se erguera, e esperavam ansiosos o que diria o velho. Finalmente este rompeu o silêncio:
— Vencestes, senhor rei, vencestes!… A abóbada da casa capitular não ficará por terra. Ó meu mosteiro da Batalha, sonho querido de quinze anos de vida entregues a cogitações, a mais formosa das tuas imagens será realizada, será duradoura, como a pedra em que vou estampá-la! Senhor rei, as nossas almas entendem-se: as únicas palavras harmoniosas e inteiramente suaves que tenho ouvido há muitos anos, são as que vos saíram da boca (215); só D. João I compreende Afonso Domingues; porque só êle compreende a valia destas duas palavras formosíssimas, palavras de anjos — pátria e glória. A passada injúria a vossos conselheiros a atribui sempre, que não a vós, (216) posto que de vós, que éreis rei, me queixasse: varrê-la-ei da memória, como o entalhador varre as lascas e a pedra moída pelo cinzel de cima do vulto que entalhou em gárgula de cimalha rendada. Que me restituam os meus oficiais e obreiros portugueses; que português sou eu, portuguesa a minha obra! De hoje a quatro meses podeis voltar aqui, senhor rei; e, ou eu morrerei, ou a casa capitular da Batalha estará firme, como é firme a minha crença na imortalidade e na glória.
El-rei apertou então entre os braços o bom do cego, que procurava ajoelhar a seus pés. Era a atração de duas almas sublimes, que voavam uma para a outra.
(Lendas e narrativas — A abóbada: tomo 1.°, pp. 266-272, do ed. de Lisboa, 1877).
(202) montante — grande e pesada espada que se empunhava com ambas as mãos para acutilar de alto. (203) torvado = agastado, irritado, molestado; pode ser também perturbado, comovido, assustado, confuso, como no exemplo de Rebelo da Silva, que se lê nesta Antologia: "…fêz que uma dama escondesse, torvada, no lenço as rosas vivíssimas do rosto". (204) a traça = o traçado, o plano, o desenho, a planta. (205) "E Unheis vós por certo que essa desmesurada abóbada não viria a terra?" — Por certo é o predicativo objetivo, ligado pelo verbo ter, que aí quer dizer julgar ou reputar. O objeto direto de ter é a segunda, oração iniciada na conjunção que. Ter ou haver algo por bom ou como bom equivale a considerá-lo ou reputá-lo bom. Em Rodrigues Lobo, nas Églogas: "Muitos tempos deixei ir-me / trás meus erros; mas agora, / mulher de pedra que fora, / a não tivera por jirme (Vil, in jine) e em Jorge Ferreira, na Ulissipo: "Meus danos nasceram de olhos / vossos e meus. Ai! não sei / quais por mais culpados hei". (Ato 3.°, cena 4.a). (206) que se atira = que é atirada. O pronome se junto a verbo transitivo tem de ser: a) objeto direto rejlexo, quando o sujeito pode exercer, e está exercendo, a ação verbal: Pedro levantou-se tarde, ou objeto direto recíproco: eles se prezam e estimam: e a voz é, pois, ativa; b) partícula apassivadora, quando o sujeito não pode exercer, ou não está exercendo, a ação verbal: Levantou-se o prédio em dois meses; prezam-se os bons livros; viram-se ali vários estudantes"; e a voz é, pois, passiva. (207) besteiros — soldados armados de besta, arma antiga, de arco, que arremessava setas e pelouros; do lat. balista > baesta > beesta. Cfr. besta, do lat. bestia, que deu também bicha. (V. J. J. Nunes, Fonética, n. 47, § 2.°, em Cramát. Hist., p. 137). (208) acostamento — moradia, tença ou soldo que o rei dava aos de sua corte, aos acostados ou amparados por êle. (209) tirai-ma: que não vo-la pedi eu". — Na combinação ma estão os complementos, em dativo e acusativo, representados pelos dois pronomes átonos, como se vê também em Os Lusíadas, III, 128: "Mas se to assi merece esta inocência" = se esta inocência merece isso [o] de ti [te], que não vo-la pedi: as mesmas funções, completivas da predicação verbal (vos + la = vo-la). O sujeito eu, final, é puramente enfático. (210) O verbo esmolar tem dupla significação: dar esmola e pedir esmola; é uma dessas palavras a que Mário Barreto chamou bifrontes, por terem duplo aspecto e resultarem de certas posições recíprocas. No exemplo acima esmolar é dar esmola, como em Castilho: "Vós sois os que esmolais, eu sou a que mendigo". Em Garrett, o outro sentido: — "Vêde–o, vai… / de porta em porta, tímido, esmolando / os chorados ceitis"… (Camões, canto X). Os verbos alugar e arrendar, os adjetivos saudoso e temeroso oferecem também duplicidade de sentido. Vejam-se em Novíssimos Estudos, de Mário Barreto, os exemplos comprovantes (cap. XXIII). (211) doestos = injúrias, vitupérios, afrontas — vem de doestar, desonrar, ultrajar, insultar (lat. dehonestare). (212) soído = som, rumor, ruído; alter, de sonido, do lat. sonitu. (213) rejusar não vem do francês refuser, mas ambos do lat. refusare, recusar, rejeitar. (214) redor — Do lat. rotatore (raiz de rota, roda), através de uma forma dissimilada *reâedor e com a queda ha-plológica da sílaba de, originou-se o vocáb. redor. Ê comum essa dissimi-íação de sons vocálicos, que se verifica em tesoira ou tesoura, por tosoura (lat. tonsoria); sossegar, por sessegar (lat. *sessicare); temeroso, valeroso, fermoso, por temoroso, valoroso, formoso; redondo, em vez de rodonão (lat. rotundu); relógio, em lugar de rológio (lat. horologiu, de hora)’, peçonha, por poçonha (lat. potionea, que dá também poção); tanoeiro; por tanoeiro (lat. tonnelariu); pesponto, por posponto (do lat. post e punctu); cimento, por cemento (lat. caementu); peneira, por paneira (lat. ^panaria); assobiar, por *assebiar ou *assibiar — are. asevio (lat. ad -f- sibilare) etc. (215) que vos saíram da boca (= que saíram da vossa boca): construção mais fina, em que o pronome átono vale pelo adjetivo possessivo: o que ocorre com me, te, lhe, lhes, nos, vos. V. n. 42. (216) que não a vós. A conjunção que é aí a aditiva ou retificativa (e) ou a adversativa (mas) = e ou mas não a vós. Assim também deve entender-se a quintilha de SÂ de Miranda, quando, referindo-se aos comensais do banquete (ou convite), escreve: "Os bons convites antigos, / antes de se tudo alçar, / eram para conversar / os parentes e os amigos, / que não para arrebentar". (Poesias, p. 241). Em Os Lusíadas, Camões escreve igualmente: "Maravilha / feita de Deus, que não de humano braço!" (VIII, 24). V. a n. 888.
POESIA DE ALEXANDRE HERCULANO
(Vide a 1.” parte, pág. 159).
A Cruz Mutilada
Amo-te, ó cruz, no vértice firmada
De esplêndidas igrejas;
Amo-te, quando à noite sobre a campa
Junto ao cipreste alvejas;
Amo-te sobre o altar, onde entre incensos
As preces te rodeiam;
Amo-te, quando em préstito festivo
As multidões te hasteiam;
Amo-te erguida no cruzeiro antigo,
No adro do presbitério (687)
Ou quando o morto, impressa no ataúde, Guias ao cemitério; (688)
Amo-te, ó cruz, até, quando no vale
Negrejas triste e só,
Núncia do crime, a que deveu a terra
Do assassinado o pó;
Porém, (689) quando mais te amo,
Ó cruz do meu Senhor,
É se te encontro à tarde, Antes de o sol se pôr,
Na clareira da serra,
Que o arvoredo assombra, (690)
Quando a luz que fenece
Se estira à tua sombra,
E o dia últimos raios
Com o luar mistura,
E o seu hino da tarde
O pinheiral murmura.
(Harpa do Crente, p. 21)
(687) No adro do presbitério — Adro (do lat. atriu-) = terreno em frente ao tempo. Presbitério ~ a casa do presbítero, a igreja paroquial; do lat. presbyteriu- (gr. presbytérion), tirado à voz grega presby-teros, compar. de presbys, velho, venerável. O nominat. lat. presbyter deu em port. preste, sacerdote, padre; e daí, com o pref., arcipreste. No fr. prêtre. (688) cemitério — do gr. koimetérion, dormitório, peto lat. coemeteriu-, (689) Nada obsta a que se comece um período pela conj. porém. Os melhores escritores assim o fizeram. A plasticidade da nossa construção fraseológica é que leva, mais freqüentemente, a intercalar, por harmonia ou por donaire, esse vocábulo. A conj. mas, sinónima, essa nunca se interpõe. (690) assombra = ensombra.
Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.
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