Oliveira Lima
EPISTOLA A UM DE CARUARU
NÃo costumo replicar a todas as críticas. A algumas seria fazer demasiada honra; as mais das vezes nada se adiantaria e sempre consumiria vagar que poderia ser muito melhor aplicado. De Caruaru não tinha porém recebido crítica alguma: pela novidade tentou-me responder. Há dias em que a gente sente a nostalgia dos campos.
Conhecia Caruaru pela sua produção agrícola e pastoril; já um dia palmilhei suas ruas largas e parei diante da sua branca matriz. O que não conhecia era sua produção jornalística. Fradique Mendes dizia que não lia os jornais portugueses porque apresentavam sintomas de degenerescência mental. Eu li com prazer esse da caatinga pelo entusiasmo partidário que transuda. É uma transpiração que o golpe de ar frio das conveniências políticas pode fazer sustar, sem perigo porem, mas que antes se ativa no caldarium das graças do poder.
De resto, como não havia de 1er com prazer se o jornalzinho me trata de Molière? Excusez du peu... Talvez num ponto, num só, tenha razão o publicista nessa afinidade que descobriu. Molière satirizava os ridículos da corte de Luís XIV, um emproado de grande cabeleira que disse um dia: L’Etat c’est moi! Se o não disse — porque a história contém muitos carapetões —, pensava-o, o que vem a dar na mesma, e é precisamente o que estamos censurando ao Sr. Dr. Manuel Borba: pensar que o Estado é êle. Sem lembrar que depois daquele veio Luís XV, com quem se havia de parecer o Sr. Senador José Rufino, se o deixassem chegar a governador, porquanto atribuem ao rei a frase: Après moi, le déluge. O candidato oficial porventura diria em linguagem menos bíblica: Depois de mim que se arranjem.
No que não quero perder tempo é em contestar que fui candidato à deputação federal. O Sr. Dr. Manuel Borba sabe melhor do que ninguém que não é exato, e se dissesse o contrário não falaria verdade. Nunca lhe manifestei diretamente nem por terceiros semelhante desejo, que continuo a não nutrir, bastando-me perfeitamente ser o que sou. Nunca freqüentei o café do Governo c do Paço me afastei por completo quando tive a prova de que o governador não era justiceiro, que era tão bom como os outros, cedendo a empenhos e a imposições cm vez de fazer triunfar o direito. Refiro-me ao caso do concurso para a cadeira do Ginásio, para que foi nomeado um padre que pode saber Latim mas que nem engrola Inglês.
Continuo portanto simples político amador, e como poderia ser outra coisa se o jornalzinho de Caruaru diz textualmente que eu não entendo patavina de política? E daí talvez entenda. Olhe lá, sempre vou meter-me a dizer-lhe o que é política. Política é como se fosse uma albarda que se coloca sobre o lombo do povo; sobre a albarda vão dois alforjes que pelo caminho adiante se vão enchendo da forma que a Deus ou ao diabo aprouver; pendentes do arção os coldres com as pistolas que são para afastar os concorrentes nas estradas. Para outros, contudo, em muito menor número, política em vez de ser cangalha, é um selim de que se usa para executar exercícios elegantes de alta escola. Todo o Governo emprega a sela: só os bolsheviki montam em pêlo. De qualquer modo porém "se fazem fosquinhas e se consegue fazer ruído" — do que me acusa o de Caruaru. Bastaria aliás que o animal escouceasse na baia, se não fosse um animal de boas maneiras.
O jornalzinho de Caruaru confere subida honra aos que apregoa como imortais, negando-lhes a aptidão política que porventura monopoliza o seu diretor. Se o Sr. Dr. Rui Barbosa é, como de fato acontece, um gênio, e se eu tenho "sabença" como reza o vocabulário dessa folha, e se nenhum de nós dois poderia ser governo sem fazer fiasco, é porque a política é uma arte inferior que só aos palhaços é lícito abordar. E nesse caso, quanto mais palhaço melhor. .. Eu sou de fato o primeiro a empregar no materialismo da política uma condição subalterna com relação ao idealismo da ética, quando as duas se desassociam e de um lado se faz filosofia e do outro. .. negócios.
Há um tópico final no artigo que eu não posso deixar passar sem sublinhar, e mesmo sem reproduzir porque acredito que seja limitado, fora de Caruaru, o número dos leitores desse delicioso jornalzinho. Escreve êle a meu respeito:
"Antes queremos vê-lo a deliciar-nos com os profundos trabalhos de críticas social e de história, mas, por Deus, aconselhem a este homem ilustre que não trate da política do nosso Estado…"
Mal compreendo esse pavor de que cu penetre nesses mistérios: nem os de Eleusis. O que haverá lá dentro que não se possa trazer para fora? Enfim, vamos para diante:
Que nos delicie com umas belas crônicas sobre seu passeio à Argentina, que nos fale das muchachas guapas da nossa vizinha amiga e do seu preparo bélico. Está aí um assunto palpitante.
Convenho em que seja palpitante, mas protesto contra o gênero de informações que de mim reclama esse cavalheiro: umas porque lhas não poderia fornecer sem valer-me de espionagem, nem freqüentei arsenais ou outros depósitos de canhões; outras porque tão pouco freqüentei as casas em que os homens públicos da Grécia — e todos o eram naquelas democracias — se reuniam em redor das hetairas para discorrerem não só sobre as coisas do espírito, segundo querem fazer acreditar os livros. Poder-lhe-ia eu dizer, isto sim, que as moças da sociedade argentina são vivas, inteligentes, interessantes, distintas e no geral muito bonitas, mas não é a essas que se refere maliciosamente o jornalzinho. Êle lá diz como quer as muchachas guapas — palpitantes. Entendo sem querer porém entender. O cavalheiro que se dê ao trabalho de ir até Buenos Aires e colher impressões.
O que pode acontecer é ficar no meio do caminho.
Contava-me o Senador Soares Brandão — senador do Império — que um sertanejo se abalara um dia para vir visitar o Recife. Chegado a Vitória, que então ainda se chamava Santo Antão, deteve-se uns dias, viu, gozou e resolveu retroceder porque, segundo declarou, "de grandeza já bastava".
Na Lapa há muito mais distrações do que na Flórida, pelo que se pode ver. O melhor será mesmo ficar no Rio. A representação nacional freqüenta mais o High-Life do que o Monroe.
Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.
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