FILOSOFIA NEO-ESCOLÁSTICA

Noções de Filosofia do Pe. Leonel Franca ( texto de 1914 )

CAPITULO IV

FILOSOFIA NEO-ESCOLÁSTICA

203. O trabalho de restauração do pensamento escolástico, brilhantemente iniciado em meados do século XIX, por Liberatore, Ta-parelli, Kleutgen, Gonzalez, Stöckl e outros, recebeu com o apoio e a orientação de Leão XIII um incremento decisivo. A encíclica Aeterni Patris (1879) marca uma data na evolução do pensamento contemporâneo. Daí por diante, o estudo dos grandes mestres da filosofia medieval intensificou-se, a princípio nos grandes centros de alta cultura católica, e mais tarde irradiou também nos meios intelectuais alheios à influência doutrinai da Igreja. Hoje, pela amplitude de sua influência e pela profundidade e variedade de seus trabalhos, a neo-escolástica ocupa um lugar de alto relevo no panorama geral das idéias.

Os grandes centros universitários constituem naturalmente os focos de estudo mais intenso.

Em Roma, na Universidade Gregoriana, onde vive ainda a memória de Taparelli e Liberatore, não se extinguiu a raça dos grandes mestres que aí ministram o ensino a uma juventude ávida de saber e acorrida de todas.as regiões do mundo. Schiffini, De Maria, Hemer, Mattiussi, Billot e Geny enriqueceram de comentários a filosofia tomista. Ch. Boyer sublinha nas suas obras a continuidade de pensamento entre S. Agostinho e S. Tomás.

No Angelicum, mantido pelos dominicanos, na geração passada, distinguiram-se Zigliara e Lepidi, e na atual, Hugon e Garrigou-La-grange com as suas publicações profundas sobre a existência e a natureza de Deus. Das escolas da Propaganda passaram à purpura três cardeais filósofos: Satolli, Lorenzelli e Lepicier, enquanto no Apollinare, Monsenhor Talamo, num estudo histórico muito erudito, defendeu a escolástica da pecha de servilismo em relação a Aristóteles (L’Aristotelismo della scolastica, 1873).

Lovaina foi outro grande centro de irradiação renovadora da escolástica. Em 1882, o P. D. Mercier (1851-1926), o futuro Cardeal de Malines, aos 31 anos de idade inaugurava uma cadeira de filosofia tomista que se devia transformar, em 1894, no Instituto Superior de Filosofia, anexo à Universidade. Ministrando o ensino numa língua viva (em Roma, a língua oficial é a latina) e pondo-se em contato vivo com as ciências experimentais, Lovaina havia de exercer uma influência de imenso raio de ação. Como pensador, Mercier deixou-nos um dos melhores cursos superiores (Logique, Ontologie,Critériologie, Psychologie). Como organizador, formou em redor de si um grupo escolhido de professores que ampliaram e consolidaram o prestígio do Instituto: Thiéry, discípulo de Wundt, que se consagrou à psicologia experimental; Nys, discípulo de Ostwald, que se notabilizou pelos seus trabalhos de Cosmologia; M. De Wulf, que nos deu uma história da Filosofia medieval que bem cedo se tornou clássica e da 1.” edição em 1 vol. à 6.ª em 3 se foi enriquecendo de novos tesouros de erudição. Os trabalhos desta primeira geração são atualmente continuados por Noel (problemas epistemológicos), Baltazar (metafísica), Michotte (psic. experim.) e A. Mansion (hist, da filosofia), cujas obras são universalmente conhecidas.

Em Paris, Mgr. D’Hulst (1841-1896), reitor do Instituto Católico, foi a alma do movimento renovador. Pelo vigor e limpidez do pensamento, pela distinção aristocrática da forma, pela força radiante do seu prestígio pessoal, pôde empreender com êxito a delicada empresa de restauração do pensamento escolástico. Os colaboradores multiplicaram-se ao seu lado. De Broglie (1834-1895), antigo politécnico e oficial de Marinha, com os seus 2 poderosos volumes sobre o Positivisme et la science expérimentale, contribuiu valorosamente para apressar a decadência irremediável do sistema de Comte. Peillaube, que fundou e dirigiu por muitos anos a Revue de Philosophie, deixou entre outros um estudo de valor sobre Les Images. Cl. Piat, aristotélico com influências biranianas, escreveu sobre L’Idée (1896), La liberté (1894-95), La Personne humaine (18Θ7), La destinée de l’homme (1897) e dirigiu a biblioteca “Les grands philosophes”, publicada por Alcan e à qual éle mesmo deu 4 das suas melhores monografias sobre .Sócrates, Platão, Aristóteles e Leibniz.

Mais nova que suas irmãs da Bélgica e da França, surgiu, em 1921, a Universidade Católica de Milão, reconhecida pelo Estado em 1924. Agostinho Gemelli, médico, socialista, convertido ao catolicismo, franciscano, seu reitor desde a fundação, transformou-a num foco de alta cultura filosófica. Enquanto Roma conserva o seu caráter internacional, Milão é o baluarte da neo-escolástica italiana em contato vivo com as correntes idealistas de Croce e Gentile. Ol-giati, Masnovo, Ciocchetti, Casotti, Zamboni, Cordovani, U. Pado-vani são os propulsores mais conhecidos de uma atividade científica séria e poderosa.

As jovens Universidades Canadenses de Toronto e Ottawa fundaram há pouco os seus “Institutes of mediaeval studies”, dirigidos respectivamente por Ε. Gilson e Chenu. Em Washington, a Catholic University of America tem sido, desde as suas origens, uma operária incansável na renovação dos estudos tomistas. Conviria ainda lembrar outros focos universitários, como Friburgo da Suíça, Lião, Nimega, e, ao lado deles, os seminários maiores e centros de estudos superiores das grandes Ordens religiosas, de tão intensa atividade intelectual. Descer aqui a pormenores fora, porém, tarefa interminável. O trabalho de restauração do pensamento medieval, assim tão amplamente empreendido, orientou-se em duas direções: histórica e especulativa.

204. Restauração histórica — Os dois séculos que se seguiram ao Renascimento foram de uma ignorância quase completa da história filosófica da idade do meio. Nos primeiros quartéis do século XIX, com orientação vária, começaram a aparecer aqui e ali alguns estudos esparsos. Em França, V. Cousin publica as obras de Abelardo; Remusat (S. Anselmo, 1854) e Ch. Jourdain (La Philosophie de St. Thomas d’Aquin, 1858) dão-nos monografias de certo valor; X. Rousselot (Études sur la Philosophie dans le Moyen-Âge, 1840–42) e R. Hauréau (Hist, de la Phil. Scolastique, 1872-80) tentam sínteses mais compreensivas. Na Alemanha, as obras de Κ. Werner (Der hl. Thomas V. Aquin, 3 vols., 1858, e Franz Suarez, 1861) e de A. Stöckl (Geschichte der Philosophie des Mittelalters, 1864-66) já preludiam e aceleram o grande movimento de estudos históricos que, a começar do último quartel do see. XIX, se irá avolumando até aos nossos dias.

Pouco a pouco vão ressuscitando e vindo à luz da publicidade inúmeros manuscritos que jaziam nos velhos arquivos. Surgem, uns sobre outros, nomes de pensadores desconhecidos. Os grandes mestres são recolocados no seu ambiente histórico e a esta luz melhor estudadas e compreendidas as suas doutrinas. Aos olhos da crítica a Idade Média vai aparecendo, em sua verdadeira fisionomia, como uma das épocas de maior atividade do pensamento humano.

Os principais pioneiros deste grande empreendimento encontram-se principalmente na França, na Bélgica, na Alemanha e na Itália. Lembremos, entre muitos outros, os nomes de Chenu, O.P., Théry, O. P., Pelzer, Glorieux, e, sobre todos, E. Gilson, diretor da escola de Altos Estudos na Sorbona, modelo de exatidão e clareza na reconstrução histórica dos sistemas e das idéias. Alguns de seus trabalhos sobre o tomismo, o augustinismo e o espírito da filosofia medieval já se tornaram clássicos no gênero. Na Alemanha avultam os nomes de Cl. Baeumker e Grabmann, professores na Universidade de Munich, Baumgartner, na de Breslau, Denifle, O. P., Pelster, S.J., e, sobretudo, Francisco Ehrle, S.J., bibliotecário da Vaticana e mais tarde Cardeal, que traçou aos eruditos de todo o mundo um plano de estudo e publicação de todos os manuscritos da escolástica medieval (252).

Os resultados deste imenso labor de investigação e de crítica não se fizeram esperar.

São coleções magníficas de textos e estudos, que constituem hoje repositórios indispensáveis para o conhecimento do pensar medieval. Lembremos as Beiträge zur Geschichte der Philosophie und

 

São edições críticas dos grandes mestres da filosofia escolástica. Em 1880, por vontade de Leão XIII, os dominicanos iniciaram uma grande edição de S. Tomás e vão continuando até hoje a árdua tarefa! Se os primeiros volumes deixam, talvez, algo a desejar às exigências críticas, os que se lhes seguiram satisfazem inteiramente. Os franciscanos de Quaracchi (perto de Florença) já nos deram uma magnífica edição de S. Boaventura e obras de Mateus de Aquas-parta, Pedro Olivi, Ricardo de Mediavila e Alex, de Hales. Quando teremos um Scoto autêntico?

São monografias minuciosas que vão reconstruindo a vida e o pensamento, nas suas fontes e nas suas influências, das figuras mais salientes da filosofia medieval. Sem insistir nos numerosos estudos de conjunto sobre S. Tomás (Sertillanges, 1910; Grabmann, Webert, 1934; De Bruyn, 1928; H. Meyer, 1938; J. Ameal, 1938 etc.) lembremos o S. Boaventura, de Gilson: o Scoto Erigena, 1933, de Cap-puyns; o Ricardo de Middletown, 1925, de Hocedez; o Siger de Bra-bante, 1911, de M/vndonnet; o S. Anselmo, 1936, de R. Allers; o Henrique de Gand, 1938, de J. Paulus.

São revistas cada vez mais numerosas e bem redigidas que ventilam todas as questões filosóficas nos seus variados aspectos históricos e críticos. Mencionemos algumas. Em língua francesa, a Revue de Philosophie fundada por Peillaube, em 1900. órgão do Ins-titulo Católico de Paris; a Revue de Philosophie Néo-Scolastique, fundada por Mercier (1894), órgão dos estudos filosóficos da Universidade de Lovaina; a Revue des Sciences Philosophiques et théoloqiques (1907), dirigida pelos Dominicanos de Saulchoir, notável pelos seus boletins e resenhas bibliográficas especializadas; a Revue Thomiste, publicada desde 1893 pelos dominicanos de S. Maximin: Les Archives de Philosophie, fundados pelos jesuítas em 1923. Os alemães não são menos ricos em publicações periódicas. Já em 1888 Gutberlet fundava o Philosophisches Jahrbuch, aue conta meio século de existência. Os dominicanos de Friburgo da Suíça publicam o Divus Thomas e os jesuítas de Munich desde 1926 o Scholastik. A Universidade de Milão tem desde 1909 a sua Rivista de Filosofia Neo–Scolastica. Em Roma publicam-se o Gregorianum (1920), o Ange-licum (1925) e o Antonianum (1925). A Espanha tem a sua Ciência tomista (1910) e o Critério (1925) em catalão. Nos Estados Unidos, desde 1924, publica-se The new Scholasticism.

Nenhuma corrente filosófica contemporânea dispõe de uma rede de publicações periódicas que atestem tanta vitalidade e amplitude de influências.

Reconstrução doutrinária. É naturalmente a parte mais interessante. A atividade literária, porém, neste campo tem sido tão intensa e vai multiplicando com tanta rapidez os trabalhos de valor nas diferentes direções do pensamento filosófico que nos devemos aqui restringir apenas a resumos e indicações muito incompletas.

A. No domínio didático já se não contam os textos e manuais de mole desigual, que facilitam uma primeira iniciação no pensamento da escolástica.

Em latim, podem lembrar-se os cursos de Cornoldi, S.J., Schiffini, S.J., van der AA., S. J., Larousse, S. J., Urraburu, S. J., De Maria, S. J., Remer, S. J., De Mandato, S. J., Donat, S. J., Boyer, S.J., Zi-GLiARA, O. P., Lepidi, O. P., LoTTiNi, O. P., Gredt, O. S. Β., Rein-stadler, Willems, Maquart, o Cursus Lacensis Maior de T. Pesch, S.J., Hontheim, S. J., Th. Meyer, S. J., e o Cursus ad usum scholarum de C. Frick, S.J., H. Haan, S.J., Boedder, S.J., Cathrein, S.J.

Em francês, são mais conhecidos, o grande Cours de philosophie, 12 vols., de Lovaina, escrito por Mercier, Nys, De Wulff, e o Traité élémentaire, resumo do anterior em 2 vols, e os textos de Lahr, S.J., Sortais, S.J., Castelein, S.J., Farges-Barbedette, Foulqute, Maritain, (apenas iniciado).

Em alemão: Stöckl, Gutberlet, Lehmen, S. J., Hagemann, Grimisch, O.S.B.

Em inglês: a Stonyhurst series philosophical, de John Rickaby, Joseph Rickaby, S.J., Klarke, S.J., Mäher, S.J., Joyce, S.J., Walker, S.J.,

Em italiano, Rossignoli; em espanhol, Mendive, S.J., em português Sinibaldi (253).

B. Ao renascer no século XIX, a escolástica devia naturalmente encontrar-se com a filosofia moderna em suas múltiplas orientações. Impunha-se um trabalho de confronto e de crítica que permitisse a assimilação dos bons elementos e a discussão profunda dos pontos de divergência irredutível. Ante esta tarefa delicada não recuaram os neo-escolásticos e os seus estudos, neste campo histórico-crítico, são hoje numerosos e dos mais instrutivos. St. von Dunin Borkows-κι, S.J., deu-nos a obra mais completa que hoje possuímos sobre Spi-nosa (4 vols.). Sobre Kant escreveram Sentroul, Matttussi, de hove. Estudos de Comte e do positivismo empreenderam Gruber, Defourny, de Broglie. Spencer foi vitoriosamente criticado por La-minne e Halleux. O monismo materialista de Haeckel teve em T. Pesch (254), C. Gutberlet, J. Gerard e Santanna, adversários de primeiro valor. Com as grandes correntes filosóficas contemporâneas o contato é ainda mais vivo e mais empolgante o terçar de armas.

Estudos vigorosos do idealismo têm publicado Etcheverry, Verneaux, Jolivet e a escola de Milão. Bergson encontrou em Farges, Maritain, J. de Tonquedec, Rideau e Penedo críticos, severos ou benévo-los, mas sempre corteses e perspicazes.

C. Outros pensadores dedicam-se ao desenvolvimento especializado de alguns setores da filosofia ou às suas repercussões no domínio de ciências fronteiriças. Assim, à estética consagraram estudos de valor Gutmann, S.J., e Jungmann, S.J.; à pedagogia, Eggersdorfer, Schröteler, M. Casotti, M. Ettlinger, de Hovre, e, sobretudo, O. Willmann, que na sua Didaktik als Bildungslehre deixou uma das obras clássicas de pedagogia; à psicologia científica, J. de la Vaissiè-re, S.J., Lindworsky, S.J., e, sobretudo, J. Fröbes, S.J., cujo Tratado de Psicologia experimental (Lehrbuch der experimentellen Psychologie) em 2 vols, é tida, por Oesterreich, como “uma obra excelente, que abrange toda a Psicologia e dá muito mais do que promete o seu título” (255) ; à filosofia religiosa Przywara e B. Jansen, Wunderle, Pinard de la Boullaye, P. Ortegat, Straubinger; à filosofia da história Sawicki; às ciências jurídicas e sociais, Deploige, Defour-ny, Delos, Renard, V. Cathrein, H. Pesch com a sua Economia política fundamental (Nationalökonomie, 5 vols.).

D. Na orientação doutrinária seguida nem todos os neo-escolás-ticos entendem do mesmo modo a restauração do pensamento medieval. Há um patrimônio comum de teses que constituem o núcleo essencial de todo tomismo. Rejeitá-las fora colocar-se fora do pensamento de S. Tomás. À margem, porém, destas teses fundamentais, nervosamente sintetizadas por Sertillanges (Les grandes thèses de la philosophie thomiste) outras há, tidas por alguns como essenciais, mas por outros criticadas como acessórias, ou discutíveis ou inaceitáveis. Sobre estas multiplicam-se as divergências. Descurando diferenças individuais menos importantes podem distinguir-se três direções caracterizadas.

Os mais conservadores batem-se por uma restauração literal do que se lhes afigura o pensamento tomista, íntegro, coerente, indivisível. A missão da escolástica contemporânea é repensar o sistema de S. Tomás como êle o elaborou no século XIII e o comentaram os seus discípulos mais fiéis, Cajetano, João de S. Tomás, Silvestre de Ferrara. “Ressalvadas as devidas proporções, acontece com o gênio de S. Tomás e de sua obra, o que se dá com os órgãos diretos da revelação nas coisas de fé. A perfeição não consiste em afastar-se deles como se à medida que se sucedem as gerações se pudesse “achar” melhor. Consiste ao invés em manter-se perto deles e sob a sua dependência do modo mais imediato e mais adequado possível. São eles que subministram “o dado”, fora do qual e contra o qual não pode haver vida para a inteligência” (256). Sem subscrever, talvez, nesta forma radical, ao manifesto do P. Pecues, O.P., na ambiência deste espírito movem-se, entre outros. Del Prado, O.P., Garrigou-Lagrange, O.P., Maritain, Billot, S.J., Matttussi, S.J., e de Tonquedec, S.J.

O grupo dos progressistas julga que o contato com as conquistas da ciência experimental poderá inspirar renovações úteis ou impor revisão de posições antigas. Parece-lhes ainda que na própria evolução histórica da escolástica posterior ao século XIII há ainda algo que respigar. Scoto e Suarez não pensaram em vão. As relações entre a essência e a existência, o princípio de individuação, o conhecimento intelectual do indivíduo seriam questões abertas a progressos possíveis. É a orientação preconizada na Alemanha por Gutber-let. Mausbach, pelo Cursys Lacensis e na França entre outros por Descoqs. S.J., que na sua Theologie Naturalis, 3 vols., nos deu, pela amplitude da informação e pela sinceridade da crítica, o mais completo tratado que atualmente possuímos sobre o conhecimento natural de Deus.

Há ainda uma ala de neotomistas que, em face da filosofia moderna, pensa dever assumir uma atitude menos polêmica e mais compreensiva. Nem tudo é para reieitar depois de Descartes. A fidelidade, não tanto à letra quanto ao espírito de S. Tomaz impõe o dever de repensar as questões modernas em função de sua problemática atual. Importa prolongar as linhas do pensamento tomista numa fidelidade que não seja repetição simples, mas assimilação orgânica e vital, isto é, progressiva e adaptada a exigências novas e ini-ludíveis do pensamento humano em marcha. Nesta diretriz movem–se Sertillanges. Rousselot e Maréchal. Sertillanges. O.P., combate uma interpretação demasiado conceptualista da filosofia de S. Tomás: propõe uma concenção da analogia que lhe parece defender melhor a transcendência divina contra qualquer forma de antropo-morfismo. Sua exposição do tomismo é mais acessível aos que viveram em contato com a filosofia moderna. Na elegância de uma forma impecável, revela um espírito de raro vigor metafísico.

Pedro Rousselot. S.J. (1875-1915″), roubado, por uma bala alemã, em pleno vigor dos anos. à ciência e à filosofia, esforça-se por salientar o caráter dinâmico da inteligência e as suas relações com a verdade e o bem identificados no Absoluto. Porque faculdade do ser a inteligência é a faculdade do divino. Nas poucas páginas de seu único livro, L’intellectualisme de S. Thomas “brilha uma força de pensamento aue faz dele um livro de mestre e uma das introduções mais penetrantes ao estudo da filosofia escolástica” (257).

J. Maréchal. S. J., “a primeira cabeça metafísica dos nossos dias”, no dizer de De Wulf, continua na senda aberta pelo P. Rousselot e esforça-se por resolver com espírito tomista o problema do conhecimento, nos termos em que o colocou a filosofia transcendental de Kant sem cair na agnosticismo. Na sua teoria crítica do juízo conclui que a afirmação metafísica do Absoluto é uma condição a priori da objetividade de qualquer afirmação humana. A nova teoria vai despertar também repercussões profundas no problema sobre todos delicado, das relações entre o natural e o sobrenatural.

Se estas novas tentativas têm aceso discussões muito vivas e impõem talvez mais de uma reserva, não há negar que, no seu conjunto, apresentam a solidez de raciocínio e a penetração de análise dos pensadores de raça (258). O St. Thomas d’Aquin (1810), de Ser-tillanges, L’intellectualisme de S. Thomas (1908), de Pierre Rousse-lot, e Le point de départ de la métaphysique (1923-1926), de Maréchal, contam-se com justiça entre as melhores obras filosóficas do primeiro quartel do século XX.

Na Alemanha, J. Geyser e E. Przywara, S.J., assinalam-se também pelo vigor e originalidade do pensamento (259).

Esta variedade de doutrinas atesta o vigor e a vitalidade da renovação escolástica. A inteligência humana não progride nem se enriquece senão no contraste das discussões. “O pensamento filosófico, escreveu Mercier, não é obra terminada, senão viva como o espírito que a concebe. Não é uma espécie de múmia amortalhada num túmulo em torno do qual devemos montar guarda; é um organismo sempre jovem, sempre em atividade e que o esforço pessoal deve entreter e alimentar para assegurar-lhe o crescimento contínuo”. Ε a Igreja que deseja vetera novis augere concita os seus filhos “a esta emulação honesta na legítima liberdade, condição do progresso dos estudos” (260).

Notas ao capítulo

(252) O primeiro plano foi aventado em 1883 num artigo Das Studium der Handschriften der mittelalterlichen Scholastik publicado no Zeitschrift für kath. Theologie VII (1883) 1-161. 40 anos mais tarde, com os tesouros aumentados de uma erudição e uma experiência de arquivos rara, escrevia Ehrle as Nuove proposte per lo studio dei manoscriti delia Scolastica médiévale, no Gregorianum, t. III (1922), 198-218.

Theologie des Mittelalters, Texte und Untersuchungen, fundada por Cl. Baeumker e v. Hertling em 1891; a Bibliothèque thomiste, publicada sob a direção de Mandonnet, O.P., Les Philosopher Belges da Universidade de Lovaina, sob a direção de M. de Wulf; Archives d’histoire doctrinale et-littéraire du Moyen-Âge, dirigidos por Ε. Gilson e G. Théry, O.P.

(253) o número de edições de muitos destes livros de texto dá um critério quantitativo que permite avaliar a difusão da filosofia escolástica em nossos dias. o trabalho de Lahr Já atingiu a 25.* edição, o de Farges-Barbedette a 16.* na versão francesa e 68.a na latina.

(254) Da sua obra fundamental "Os grandes enigmas do Universo" ("Die grossn Welträtsel) confessa o insuspeito Oesterreich, que uma das mais importantes contribuições para a filosofia natural dos fins do séc. ΧIΧ", em F. Uiberweg. Grundriss der Geschichte der Philosophie, t. VI, 12, Berlin, 1923, p. 632.

(255) T. K. Oesterreich, em F. Ueberwegs, Grundriss der Geschichte der Philosophie, t. IV, 12, Berlin, 1923, p. 643. A seguir frisa ainda: "Obra notável pela riqueza da erudição e apresentação do estado mais recente das investigações. Com razão também foi incluído o estudo dos estados patológicos. E’ a primeira vez que assim se procede num Tratado geral de psicologia".

(256) Pegues, O. P., Initiation thomiste, p. 851, 852.

(257) L. de Ghandmaison, na Notícia biográfica que precede a 3.» edição de L’Intellectualisme de S. Thomas, Paris, 1936, p. XVIT. A l.a edição deste livro, coroado pela Academia francesa, é de 1908.

 

BIBLIOGRAFIA

Siro Contri, La filosofia scolastica in Italia nell’ora presente, Bologna, 1931; — A. Gemelli, Il mio contributo alla Filosofia neo-scolastica, Milano, 1932; — J. S. Zybura. Present day thinkers and the new Scholasticism, Saint Louis and London, 1926; — Indirizzi e conquiste delia filosofia Neo-Scolastica italiana. Publicazione a cura delia Université Cattolica del Sacro Cuore. Milano. 1934.

(258) Pedro Descoqs, que critica vivamente a teoria do P. Maréchal, folga em acentuar que “son ouvrage doit être rangé parmi les cinq ou six grands livres de philosophie qui ont été écrits en langue française depuis un demi-siècle et qui marqueront dans l’histoire de la pensée humaine. P. Descoqs, Praelectiones theologiae naturalis, t. i. Paris Beauchesne, 1932, p. 63.

(259) Sobre as idéias de Przvwara podem consultar-se: A. Favre. La philosophie de Przywara, métaphysique de. créature, na Revue Néoscolastioue de Philosophie, Mai, 1934; A, Hayen, Analogia entis, méthode et. epistémoloaie du P. Przywara. na mesma rev., 1934: Ατ,εχ. Marc. Principe et méthode de la métaphysique, en Archives de Philosophie, t. XI (1934-35) Γ(303)]- Γ(328)].

(260) Pio XI. na Encíclica Studiorum ducem de 29 de Junho de 1923. Ε pouco adiante depois de citar o cânon 1366, 8 2, que prescreve a fidelidade a S. Tomas, acrescenta: “Atenham-se a esta regra de modo que possam verdadeiramente chamá-lo mestre. Não exijam, porém, uns dos outros, mais do que de todos exige a Igreja, mãe e mestra de todos. Nas auestões. em que os autores católicos mais autorizados se dividem em opiniões contrárias, cada qual será livre de seguir a que lhe parece mais verossímil”.

Fonte: Ed. Agir.

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