FRANCISCO XAVIER DE SANTA RITA BASTOS

Biblioteca Academia Paulista de Letras – volume 7.

História da Literatura Brasileira TOMO I. vol 3.

 LIVRO PRIMEIRO Época de Transformação (século XIX) 2º período (Fase Patriótica)

Artur Mota (Arthur Motta) (1879 – 1936)

FRANCISCO XAVIER DE SANTA RITA BASTOS BARAÚNA Nasceu na Bahia, no ano de 1785, e faleceu em 1846.

BIBLIOGRAFIA

1) Oração fúnebre recitada nas exéquias que celebrou e oficiou pontifical-mente na igreja primacial do colégio da Bahia D. Francisco de S. Dâmaso de Abreu Vieira, arcebispo da Bahia, a 8 de junho de 1816, na morte da rainha de Portugal, D. Maria I — Bahia, 1816, 23 págs.

2) Assizeiãa — poemeto, cujo autógrafo foi oferecido pelo oficial da biblioteca pública da Bahia, João José de Brito, e enviado pelo presidente da província para a Exposição de História Pátria, da Bibi. Nacional. Catálogo da Exp.

3) Às chagas de S. Francisco — poenia. Afirma Sacramento Blake que o Dr. Manuel José Cardoso se encarregara de o mandar imprimir em Coimbra, mas perdeu a cópia que possuía. O comendador J. L. Alves, na obra "O Clero e o claustro no Brasil", refere-se a esse poema.

4) Oração gratulatória pelo faustíssimo natalício do príncipe da Beira e, também, pela carta régia de 28 de março, dirigida à junta provincial da Bahia por D. João VI; pregada no convento da Bahia a 28 de abril de 1821. É reproduzida, quase na íntegra, por J. L. Alves, em "O Clero e o claustro no Brasil".

5) Sermão sobre os vícios e a educação religiosa da mocidade.

A obra poética, bem como outros sermões, acha-se esparsa ou perdeu-se. Sacramento Blake ("Dic. bibliog. brasileiro", vol. 3.°, pág. 141) reproduz dois sonetos de Bastos Baraúna.

No "Crepúsculo", periódico que se publicou na Bahia, encontra-se uma "Glosa improvisada" (tomo 1.°, pág. 185). São quatro décimas. Convém observar que o nome do autor foi reproduzido errado: frei Manuel, em vez de frei Francisco Xavier. Sílvio Romero, na "História da literatura brasileira" (1.° vol., pág. 340) reproduz um vigoroso soneto do frade. O mesmo soneto, outro que se encontra no "Dic. bibliog. brasileiro" e duas glosas constam do "Parnaso Brasileiro", de Melo Morais Filho (1.° vol., pág. 411).

FONTES PARA O ESTUDO CRÍTICO

 Inocêncio Silva — Dicionário bibliográfico, 3.° vol.

 Junqueira Freire — Inspirações do claustro. José Luís Alves — O Clero e o claustro no Brasil.

 Mario Melo — Dentro da história, pág. 43.

 Ramiz Galvão — O Púlpito no Brasil.

 Sacramento Blake — Dic. bibliog. brasileiro, vol. 3.°, pág. 141.

 Sílvio Romero — Hist. da literatura brasileira, 1.° vol., pág. 339.

 " e João Ribeiro — Compêndio de história da literatura brasileira, pág. 108.

NOTÍCIA BIOGRÁFICA E SUBSÍDIOS PARA O ESTUDO CRÍTICO

Frei Bastos Baraúna foi um sacerdote boêmio, inclinado à vida desregrada, mesmo entregue à devassidão. Epicurista de costumes relaxados, era propenso a todos os vícios. A sua principal fraqueza residia na luxúria, "na paixão insana", segundo a própria expressão, porque não era "de ferro a carne humana". Não tinha a menor compostura, quando se entregava a orgias. Unia-se a barregãs da pior espécie, atraíam-no meretrizes escandalosas, apreciava as delícias de Baco e não desdenhava as damas, mesmo de um baralho de cartas. É conhecido o fato ocorrido, quando proferiu o sermão sobre os vícios e a educação religiosa da mocidade. Achava-se em uma mesa de jogo, quando o reclamaram insistentemente para ir pregar no púlpito. Levado com violência, ocultou cartas do baralho na manga do hábito, preparando talvez uma batota, quando tivesse de partir o baralho. E, antes de iniciar a oração, quando se persignava, caíram as cartas no pavimento da nave do templo. Sem perder a calma, chamou um menino e mandou-o apanhar as cartas e dizer-lhe os nomes. Em seguida, ordenou-o a rezar o credo, mas

a criança ignorava a reza. Afetando indignação, verberou o vicio dos adolescentes e desenvolveu o sermão, discorrendo sobre o tema que lhe sugerira o desastre ocorrido com o barulho oculto na manga do burel. Alcançou aplausos da assistência, inclusive do arcebispo D. Romualdo Seixas.

De outra feita, achava-se no cárcere do convento, por haver perseverado na prática dos mais reprováveis desvarios, quando o mesmo arcebispo compareceu, em visita, para assistir a uma festividade. Reclamou a presença do prelado para lhe implorar o perdão, mas o arcebispo negou-se a ouvi-lo. Frei Bastos escreveu, a lápis, um soneto, e remeteu-o ao ilustre visitante. D. Romualdo, com os olhos rasos de lágrimas, exclamou: "Soltem-no". E dirigiu-se à capela, onde se celebrava a festa em homenagem a S. Francisco.

Sílvio Romero assim se exprime em relação a Sta. Rita Bastos Baraúna: "Espécie de Bocage de burel, gênio vivaz, turbulento e insaciável, o frade baiano atirou-se aos desregramentos de costumes, próprios de seu tempo em Portugal e Brasil. Foi um talento inutilizado pela crápula e libertinagem, envolto hoje em uma camada de legendas picarescas".

Sob duas feições distintas pode ser apreciado o frade libertino: a de poeta e a de orador. Segundo os contemporâneos, impunha-se como um dos mais notáveis improvisadores da época, na Bahia. Nada, porém, se colecionou dos seus versos repentistas, das composições flagrantes de espontaneidade. Pouco se conhece da sua produção poética, porque permanece inédita, ou se extraviou. 0 poemeto Assizeida continua, em autógrafo, na seção de manuscritos da Biblioteca Pública da Bahia. Perderam-se original e cópia do poema "Às chagas de S. Francisco". São apenas conhecidos as glosas e os sonetos transcritos por Sílvio Romero e Sacramento Blake. Desses, o melhor é o reproduzido pelo primeiro:

"Se um homem houver, homem tão forte!…" cujo último terceto exprime o sofrimento íntimo do sacerdote desregrado :

"Há de cair em lágrimas desfeito, vendo o meu coração pelo desgosto em mil rupturas e pedaços feito…"

Do orador, também, só se conhecem três peças: uma oração fúnebre, outra gratulatória e o célebre sermão sobre os vícios e a educação religiosa da mocidade.

Os escritores baianos devem pesquisar as suas obras extraviadas, publicá-las em volume e restaurar a sua biografia, traçando-lhe o perfil.

Junqueira Freire, nas Inspirações do claustro, dedicou-lhe extensa poesia, em que o apelida "Bossuet brasileiro".

Lamentava que ele se afogasse "no pego da lascívia impura", que nodoasse os seus louros triunfais "com as roxas fezes de azedado vinho", que descesse do altar "à crápula homicida" e dela saísse para subir aos "fulmínios púlpitos".

José Luís Alves assim se exprime, referindo-se a Bastos Baraúna: "Frei Bastos era de estatura mediana, cheio de corpo, cabeça grande, rosto cheio e redondo, nariz aquilino e fisionomia simpática, olhos expressivos e grandes, tinha excelente metal de voz e possuía em subido grau a bossa do talento oratório, nas perdia-se nos desvarios da sensualidade e dos vícios".

Mário Melo reproduz, no seu último livro, Dentro da história, algumas anedotas do frade libertino, inclusive as citadas por José Luís Alves, como a maneira por que conseguiu ser nomeado pregador régio, por D. Pedro I. Adoecera o sermonista que devia pregar em uma solenidade na capela real, em presença do monarca. Nenhum sacerdote aceitou a incumbência de o substituir. Frei Bastos comprometeu-se a improvisar a oração e fê-lo com tal êxito que conquistou a simpatia do imperador e o título de benemerência. De tal forma agradou a D. Pedro I, que ficou dispensado de permanecer na cela do convento, tornando-se, provavelmente, companheiro de orgias do soberano.

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