Oliveira Lima
NAPOLEÃO E A INDEPENDÊNCIA DO NOVO MUNDO
De uma extremidade a outra da Europa, recordações de todo gênero evocam o nome, para uns glorioso, para outros maldito, do grande Imperador. Achamo-lo presente em toda a parte como acontece com os vestígios do domínio romano, que se estende dos areais ardentes d’África às regiões geladas do Extremo Norte europeu.
Se penetrardes na imponente igreja de Alcobaça para prestar piedosa homenagem aos amantes desventurosos que foram o Rei D. Pedro e a bela Inês de Castro, assassinada por ordem de um soberano irascível e cruel, vereis seus soberbos túmulos em estilo gótico primitivo, com as esculturas mutiladas pelas baionetas dos soldados de Napoleão, à busca de jóias e alfaias. Pelo contrário, deparareis em Cleves com um túmulo restaurado por suas ordens: o que contém os restos do príncipe esclarecido c generoso que governou o Brasil Holandês.
Se atravessardes a fronteira hispano-francesa no Bidassoa e vos detiverdes contemplando a pequena Ilha dos Faisões, onde os Pirinéus deixaram de existir para a diplomacia das nações rivais, é à sombra dos arcos de uma ponte, ornados da famosa inicial N, cercada de folhas de louro, que o vosso barco se deterá.
Se percorrerdes a Europa em qualquer direção que seja, são campos de batalha uns após outros, cujos nomes retumbantes vos ferem o ouvido e fazem surgir a epopéia maravilhosa… Arcolc, Marengo, Austerlitz, Wagram… Se chegardes até a Bélgica, é a peregrinação de Waterloo que mais vos fascinará, é a águia ferida de Gerôme que vos suspenderá a respiração e despertará a piedade.
Escritores como Fréderic Masson dedicaram sua vida a descrever os feitos do conquistador, um conquistador que também era um organizador, combinação esta de predicados tão rara que quase se não encontra. Os pormenores da sua infância foram narrados, revolvida sua correspondência, analisados seus sentimentos, espiados seus amores, esquadrinhada sua alma, louvadas suas bondades e expostas suas fraquezas. Tudo parecia estar dito: "Napoleão e as mulheres; Napoleão íntimo; Napoleão em Santa Helena": nem restavam quase mais títulos a dar às obras que lhe dizem respeito. Masson estendeu mesmo à família Bonaparte o cuidado meticuloso com que se entrega à tarefa de escolher detalhes com que fazer esboços impressivos e compor quadros surpreendentes.
Entretanto, eis um escritor da nossa América do Sul que se enfileira entre os historiadores do Imperador, trazendo um tema novo, documentos novos c mesmo um aspecto novo da política francesa sob o regímen napoleónico.
O Sr. Carlos A. Villanueva, casado em França, reside hoje perto de Paris, mas é venezuelano e o seu nome é um nome reputado e respeitado em seu país. Filho de um erudito professor que exerceu a suprema magistratura do Estado, colaborou nos trabalhos paternos e consagrou anos seguidos a pesquisas nos arquivos diplomáticos da Inglaterra e da França, antes de produzir essa bela série de livros que estão agora aparecendo.
O presente volume afasta-se um pouco da série, se bem que a a ela se ligue estreitamente pela época e pelo assunto.
Ê base desse trabalho a conferência feita pelo autor na Sor-bonne por ocasião do centenário da independência do seu país (1811) — conferência das mais gratas para ouvidos franceses e na qual se retificou um erro histórico (há tantos a retificar!) que concedia à Inglaterra a prioridade do movimento de reconhecimento dos novos Estados hispano-americanos.
É antes a Napoleão que pertence esse gesto essencialmente político, em que as considerações humanitárias não entravam no jogo.
Tanto mais razão tinha Napoleão de admitir a emancipação da América Latina quanto, graças ao tempo e à ocasião, adquirira a certeza de que as possessões ibéricas do Novo Mundo escapariam por completo ao domínio das suas metrópoles convulsionadas, fosse que estas permanessem sob o seu domínio, fôsse que os soberanos legítimos ali viessem a ser repostos no trono.
Aquela emancipação entrava, segundo a linguagem oficial usada perante o corpo legislativo, na categoria dos acontecimentos inelutáveis. Constituía mesmo para Napoleão uma maneira mais de estender o bloqueio continental imaginado contra a Inglaterra. Esta potência, por causa da sua aliança tradicional com a realeza portuguesa, não podia ajudar abertamente a independência do Brasil enquanto esta não era um fato consumado: por outro lado, tendo igualmente feito aliança com os nacionais espanhóis contra os invasores estrangeiros, deixava ela de poder combater além-mar a monarquia que até 1808 permanecera fiel à aliança francesa.
Foi neste momento de fusão dos seus interesses com os interesses da Espanha que a Grã-Bretanha declarou a Miranda, cujos planos de libertação das colônias começaram por patrocinar, que deixaria de apoiá-lo nas conspirações cm que andava sempre mergulhado o soldado de Jemappes e pedreiro livre das lojas inglesas.
A Inglaterra, aliás, podia secundar ou não os revolucionários americanos. A iniciativa cabe somente a estes, cuja evolução, material e intelectual, devia necessariamente atingir horizontes novos, semelhantes aos que se tinham rasgado para os independentes ingleses da América. O século XVIII colonial espanhol acha-se cheio de conspirações e de intrigas muito interessantes e pouco menos de desconhecidas, provenientes, bem entendido, de uma pequena minoria, esclarecida, impaciente e esperançosa, à qual devia caber o principal papel na campanha sangrenta que foi a independência do Novo Mundo espanhol.
O livro do Sr. Carlos A. Villanueva guiar-nos-á através desse dédalo de aspirações e de aventuras, e ter-se-á o maior prazer em percorrê-lo, pois projeta luz bastante para que nos não percamos no labirinto escuro.
As idéias francesas contribuíram certamente para tais movimentos de revolta — idéias de filósofos e idéias de sociólogos — e Napoleão, ao prestar um ouvido benévolo aos que além, bem longe, pelejavam pelos seus direitos, e ao prometer-lhes um auxílio eficaz, tratando até neste intuito de concertar-se com os Estados Unidos, não mais fazia do que prolongar seu papel por vezes consciente, outras vezes instintivo, de representante e de propagandista dos princípios da Revolução, como se esta nele se houvesse encarnado.
Não fazia êle propalar pelos curas americanos, ao que nos conta o Sr. Villanueva, que o imperador fora mandado por Deus para castigar o orgulho e a tirania dos monarcas?
"Flagelo de Deus" o chamaram com efeito os seus inimigos, assim como os seus admiradores lhe concederam o título de "Divino César". Se mereceu os dois cognomes, é porque foi verdadeiramente homem no sentido do verso de Terêncio e que nada do que é humano lhe foi estranho.
Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.
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