NAPOLEÃO E MARIA LUÍSA

NAPOLEÃO E MARIA LUÍSA…
Paulo Setúbal

“Dos Ensaios Históricos”

Depois de fundado o seu Império, no pináculo da glória, uma só ideia
martelava o cérebro de Bonaparte: deixar um herdeiro ao trono. Fixar num filho,
no sangue do seu sangue, aquela opulenta casa reinante que ele criara com a sua
espada. Josefina, porém, era estéril. Daí, dessa razão política, nasceu a idéia
do divórcio. Verdade que já tempos antes, ao voltar da Itália, depois das
facilidades românticas de Josefina com o pequenino Hipolite Charles, o galante
oficial dos hussardos, Napoleão pensou carrancudamente em separar-se da mulher.
Mas a ideia não passou de ímpeto de momento, sem consequência. Napoleão
perdoou… E começaram, ambos, o corso e a
"créole", a viver uma vida conjugal remansada, sem arrepios. No
entanto, ao voltar do Egito, de novo encontrou Bonaparte rumores venenosos em
torno das saias da Beauharnais. Verdadeiros? Mentirosos? Ninguém o diz com
exatidão. Mas a partir desse instante, diz Miot de Melíto,
"on commença a parler clairement du divorce et àmarier Bonaparte à
diverses princesses". O próprio Luciano Bonaparte, nas suas
"Memórias" conta as "demarches" que fez nessa época, em
Espanha, para casar o irmão com a
infanta Isabel. Mas tudo isso
não passou de palavras.

 

Foi só depois de coroado, só depois de ser
verdadeiramente o senhor de um trono magnífico, só depois que surgiu a
necessidade grave de um herdeiro, foi que Bonaparte, acuado pelos irmãos,
urgido pelos ministros, resolveu definitivamente se divorciar. No princípio re–lutou
muito "Comment, dizia ele, comment renvoyer cette bonne femme, à cause de
qui je deviens grand? Non,( cela passe ma force. J’ai un coeur d’homme, je n’ai
pas été enfanté par une tigresse… je ne veut pas la rendre malhereuse".
Mas o negócio afinal tomou proporções sérias: e as razões de Estado falaram, na
alma de Bonaparte, mais alto do que as razões de coração.

O DIVÓRCIO

Napoleão não tinha coragem de se explicar com Josefina em assunto assim
tão melindroso. As palavras morriam-lhe na boca. Foi, naquela vida de homem
duro, uma das únicas, raríssimas vezes em que ele vacilou. Mandou chamar,
exatamente por isso, a Mr. de Lavalette, marido de uma sobrinha de Josefina,
pessoa que a Beauharnais estimava com afeições marcadas. E Napoleão para
Lavalette:

— Vous êtes le mari de sa nièce; elle vous honore de son estime.
Voulez-vous la préparer pour le divorce?

O pobre Lavalette aturdiu-se. Não havia nada mais chocante do
que falar em divórcio à imperatriz. Era escabroso! Lavalette desculpou-se
como pôde. Não aceitou a missão. Napoleão não teve como desentalar-se: tratou
do negócio ele mesmo. O entendimento deu-se em Fontainebleau. O Imperador, dizem os memorialistas. pôs a mais açucarada doçura para tratar
do caso. É Constant, o criado de quarto, quem o narra:

— "Ce fut par les moyens les plus doux, avec les plus grands
ménagements, qu’il tacha d’emener l’Im-pératrice à ce sacrifice
douloreux".

Decidiu-se afinal a questão delicadíssima. Josefina aceitou as razões
de Estado: fazia o sacrifício das suas altas honras e da sua felicidade em prol
da França. O divórcio correu os seus termos. Foi marcado o dia 15 de dezembro
para a assinatura final dos papéis.

A ASSINATURA

Josefina, até aí, refreara arrogantemente o seu desconsolo. Portava-se
com majestosa sobranceria. Mas na tarde em que o Imperador lhe anunciou que, no
dia seguinte, iriam ambos efetivamente firmar as escrituras de separação,
Josefina não se conteve, e passou-se então, corredores adentro, uma tremenda
cena de nervos. Conta-a, com minúcias, Mr. de Bausset, caziareiro do palácio,
testemunha presencial do fato:

— "Foi depois do jantar. Trouxeram café,
e Napoleão, ele próprio, tomou da xícara que o pajem oferecia, dizendo-lhe com
um sinal, que queria ficar só. De repente, donde eu estava, ouvi gritos
violentos que vinham do salão. Eram gritos de Josefina. Um moço da câmara
deu um passo para abrir a porta. Eu o impedi; o Imperador, observei-lhe,
chamaria certamente por socorro, caso achasse conveniente. Fiquei de pé, ao
lado da porta, quando Napoleão apareceu. Ao dar comigo, o Imperador disse
muito vivamente:

— Venha, Bausset, venha depressa! Fecha a porta. . .

Entro no salão e topo
com Josefina rolada no tapete, soltando uivos. E bradava:

— Eu
não posso! Eu não aguento! Isto me
mata…

O Imperador disse-me então:

— Você tem força para erguer Josefina, Bausset?
Vamos carregá-la até o apartamento, lá em cima, pela
escadinha interior!

Com
o auxílio de Napoleão, ergui-a nos meus braços. O Imperador, em pessoa, tomou
de um candelabro, abriu a porta do salão e iluminou a passagem pela escadinha.
Tive medo de derrubar a Imperatriz; Napoleão, à vista disso, chamou o criado da
noite, entregou-lhe o candelabro, e, junto comigo, carregou á Imperatriz até o
quarto".

Mas a crise nervosa
passou. Josefina acalmou-se. ena trágica não teve consequências. E no dia 15
de dezembro de 1809 — o Imperador e a Imperatriz dos Franceses assinaram enfim
o seu divórcio amigável.

EM MALMAISON

Josefina instalou-se faustosamente em Malmaison. Tomou, por um senatus-consulto o título de "Imperatrice-Reine".
Decretou-se-lhe também, para prover com decência a sua vida de soberana,
uma dotação anual de dois milhões de francos, que logo no ano seguinte passou a
três milhões. Napoleão visitava-a com frequência. Circundava-a de larguezas
reais, opulen-ríssimas. Veja-se esta carta em que o Imperador providencia com o
célebre Estêvão, mordomo-mor de Malmaison, os extraordinários de Josefina:

"J’ai été bien content de t’avoir vue hier.
Aujour-d’hui, j’ai
travaillé avec Esteve. J’ai accordé 100.000 francs pour 1’extraordinaire de
Malmaison. Tu peux donc faire planter tout ce que tu voudras. J’ai chargé
Esteve de te remettre aussi 200.000 francs aussitot que le contract de la
maison Julien será fait. J’ai ordonné que l’on te payrait ta parure de
rubis, laquelle será evaluée par 1’intendence, car je ne veux pas de voleries
des bijoutiers Ainsi, voilá 400.000 francs.

J’ai ordonné aussi que Fon tint le million que
la liste civile te doit, pour 1810, à disposition de ton homme d’af£aires pour
payer tes dettes. Tu dois trou-ver dans d’armoire de Malmaison 5 ou 600.000
francs; tu peux les prendre pour faire ton argenterie et ton linge. J’ai
ordonné aussi qu’on te fit un três beau ser-vice de porcelaine: Fon prendra tes
ordres por qu’il soit três beau".

NOVO CASAMENTO

Ao mesmo tempo que afogava em luxos e faustos o desconsolo de Josefina,
Bonaparte botou-se a tratar com energia do seu novo casamento. Pensou Napoleão,
logo de início, na casa reinante da Rússia. Partiu logo um correio para
Calaincourt, o embaixador napoleónico em S. Petersburgo. A carta é rigorosa:


Neste negócio, Calaincourt, deveis empregar a prudência máxima. Refleti
profundamente! Não aventureis uma palavra, um gesto, levianamente. Eu não devo,
absolutamente, "ser oferecido", nem tão pouco "ser recusado".
Conservai bem alto a minha dignidade, que é a dignidade da França, etc.

As negociações com a Rússia não tiveram grande êxito. O Imperador russo
aceitou logo; mas a Imperatriz hesitou. . . Bonaparte, no seu orgulho, não suportou esta pequenina
hesitação. Desistiu bruscamente da Rússia e investiu contra a Áustria.

 

MADAME METTERNICH

Bonaparte viu que um negócio melindroso como aquele, de tanta
suscetibilidade, deveria ele próprio, e não embaixadores, negociar e resolver.
E meteu mãos à obra. Madame Metternich, a mulher do onipotente ministro
austríaco, estava em Paris. E Madame Metternich, assim como as pessoas mais
culminantes da sociedade francesa da época, compareceu a um famoso baile de
máscaras, que Cambacerés oferecera. Napoleão circundou de muitas gentilezas a
embaixatriz austríaca. E de repente, estando a sós os dois:

— Acredita, minha senhora, que a arquiduquesa
Maria Luísa aceitaria a minha mão?

Conta
Artur Levy: "Surpresa, chocadíssima, Madame Metternich balbuciou apenas:

—  Impossível, Sire, responder essa pergunta!

—  Nesse caso, tornou Bonaparte, escreva uma palavra a
seu marido e pergunte o que é que ele pensa disso.. .

E
Napoleão afastou-se rápido, deixando petrificada a sua interlocutora!"

Abriram-se
as negociações. E dentro em pouco, fulminantemente, o Marechal Berthier
entrava em Viena, com retumbância e estrépito, a fim de
casar, por procuração, a nobilíssima filha de Francisco Leo poldo, que tinha
séculos de geração real, com aquele romanesco Imperador dos Franceses, vindo do
povo, e que era o primeiro do seu nome. ..

O CASAMENTO

Realizou-se em Viena, a 11 de março de 1810, o casamento famoso. O
corso, entre inúmeros mimos vencedores, mandara à noiva, segundo o Barão de Peyrusse,
"um colar de trinta e dois enormes diamantes, que custara novecentos mil
francos; bichas, que custaram quatrocentos mil; um retrato do Imperador,
circundado de dezesseis solitários, no valor de seiscentos mil".

Maria Luísa com as suas doze damas, seguida pelo príncipe de
Neufchâtel, partiu para Paris. E Napoleão, num alvoroço, alegre como um menino,
pôs-se a esperar a chegada daquela arquiduquezínha, loira e frágil.

Nada diz tão alto do contentamento borbulhante do Imperador, do que um
pedacinho de carta da rainha Catarina, então em Paris, a seu pai, o rei de
Wur-temberg:


Vous ne croirez jamais, mon cher pére, com-bien 1’Empereur est amoureux de sa
future femme; il ‘

en a la tête
montée à un point que je n’aurais jamais imagine, et que je ne puis assez vous
exprimer. ..

O ENCONTRO

O príncipe de Schwazzemberg, embaixador austríaco, fixou com Napoleão
todas as minúcias da chegada. Nunca o protocolo foi tão rigoroso, nem esmiuçado
com tanto detalhe. Estabeleceu-se tudo. Erguia-se, no lugar do encontro, uma
tenda magnífica para a Imperatriz; erguia-se outra, também magnífica para o
Imperador. Havia uma terceira, verdadeiro ninho de amor, para os Imperadores
verem-se a sós pela primeira vez. Estipularam-se lugares para os da comitiva.
Determinou-se até como Maria Luísa devia receber Napoleão; a Imperatriz estaria
de pé, inclinar-se-ia profundamente ao vê-lo e o Imperador, erguendo-a,
beijá-la-ia na testa. Tudo combinado, tudo ajustado, tudo prefixado! Napoleão
consentiu a tudo. . .

Mas
aquilo era visceralmente contra a irrequietude do seu cará ter vulcânico.
Aquele homem violento, que arrancou das mãos do Papa a coroa e coroou-se a si
próprio, não podia, no seu anseio de amoroso, escravizar-se às futilidades
esfriantes do protocolo. E que é que fez? Mal soube Napoleão que Maria Luísa
partira de Vitry, via Soisson, meteu-se numa caleche, incógnito, e partiu desabalado. Em Courcelles, depois
de quinze léguas ininterruptas de marcha, Napoleão topa com o cortejo de Maria
Luísa. Salta da sua caleche, muito desempenado, e aproxima-se arrogantemente da
berlinda da Imperatriz. O escudeiro reconhece-o logo; e abre a portinhola com
um brado:

— O Imperador!

Napoleão
atira-se ao pescoço de Maria Luísa, beija-a mil vezes, furiosamente, com todos
os ímpetos do seu génio de fogo. E manda tocar, a toda, para Compiègne.

ENFIM!

Uma ceia
aparatosa, preparada galantemente na I galeria
Francisco I, esperava a Suas Majestades. Os dois
cearam. E Napoleão, numa impaciência, virou-se para o cardeal Fesch:

—  Não é verdade que estamos casados, cardeal?

—  Sim, Majestade; perante as leis civis!

E remata o
historiador:

"A resposta do cardeal produziu efeito. O almoço que Napoleão,
na manhã seguinte, fez servir no quarto de Maria Luísa, pelas suas camareiras,
nos dispensa de explicar como foi ludibriada a última parte do protocolo e
porque, nessa noite, o palácio da Municipalidade não abrigou os seus augustos
hóspedes…"

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