ATRIBULAÇÕES DE UM DONATÁRIO – Capistrano de Abreu

Os caminhos Antigos e o Povoamento do Brasil – Capistrano de Abreu

ATRIBULAÇÕES    DE    UM    DONATÁRIO *

Com a
exaltação de D. João III ao trono de Portugal se tornou claro o decréscimo nos
rendimentos provindos do Brasil. Os primeiros contratos para o aproveitamento
exclusivo de certos gêneros, depois a navegação facultada a quem satisfizesse
a determinados direitos, finalmente as feitorias para guardar mercadorias
ultramarinas ou recolher as da terra adquiridas pelos feitores no intervalo de
uma a outra viagem, deram vantagens ao reinado anterior só na falta de
concorrentes estrangeiros.    A concorrência surgiu agora por força do
pau-brasil.

Ao
contrário da generalidade de nossos vegetais, salteada-mente distribuídos, o
pau-brasil avultava em matos mais ou menos grossos, da Paraíba ao rio Real, no
Cabo Frio e em suas cercanias, à beira-mar ou logo adiante, permitindo fornecimentos
fartos de matéria já conhecida e empregada em várias indústrias européias, e
transporte cômodo para os portos de embarque.

Quase
simultaneamente foram tais paragens reconhecidas pelos portugueses e pelos
franceses. Estes de espírito mais aberto, inteligência mais ágil, gênio mais
alegre, trato mais agradável, não viciados pelo contato diuturno com raças inferiores,
aprenderam a língua, acataram, alguns até adotaram, os costumes, captaram as
simpatias dos indígenas, isto é, dos produtores, e pouco a pouco foram
preponderando. Ao escambo da madeira vermelha juntaram outros. A nau La Pèlerine levava uma carga de mais de sessenta mil ducados em pau-brasil,
algodão, pimenta, papagaios, peles e óleos medicinais, quando foi tomada em
frente a Málaga.

O comércio
francês violava os privilégios conferidos por muitas bulas, e reconhecidos pelo
pacto de Tordesilhas; minava os alicerces da singular política colonial
portuguesa, ufana de transformar Lisboa em escala forçada, feira universal e
única, desdenhosa do destino ulterior das drogas, confiado a nações
subalternas. Livres de transbordos e alcavalas chegavam os produtos mais
baratos aos consumidores imediatos.

*    Artigo publicado na
revista "Sciencias e Letras", do Rio de Janeiro, n.°  5, ano VI, julho
do 1 917.

 

Quando em Portugal reconheceram a gravidade da
situação não faltaram alvitres para conjurá-la. Lembrou-se entre outros a
necessidade de romper com a rotina africana, encabeçada pelo infante de Sagres,
de resgates precários, viagens intermitentes, contratos aleatórios, feitorias
desconexas, seguida até então servilmente neste hemisfério e recorrer às
fortalezas com tanto êxito introduzidas na costa de Malabar. Ainda aos
franceses se deve a vitória destas idéias que tornaram impossível uma França
Antártica, tão fácil se houvera unidade de esforços e persistência na empresa
desde o começo.

A nau La Pèlerine deixou em Pernambuco uma fortaleza munida de artilharia, guarnecida de
quarenta soldados. Um fidalgo francês, o barão de Saint Blancard, comandante da
esquadra francesa no Mediterrâneo, realizava com recursos próprios aquilo a
que não se afoitara o opulento (e endividadíssimo) rei de Portugal e Algarve,
de aquém e além-mar! O triunfo durou pouco, a fortaleza galo-pernambucana foi
expugnada e a lição não ficou perdida. A 28 de setembro de 1 532 el-rei estava
"considerando com quanto trabalho se lançaria a gente que a povoasse
depois de estar assentada na terra e ter nela feitas algumas forças", como
escrevia a Martin Afonso de Sousa, numa carta em que primeiro desponta a idéia
de dividir o Brasil em capitanias para doá-las a certas pessoas.

O plano
anunciado levou dois anos a incubar. Faltaram candidatos a donatários, ninguém
se apresentou entre as pessoas de mor qualidade, nem um homem de grande
fortuna. Assim as concessões e favores foram-se ampliando. A Coroa, que se
consolidara absorvendo muitos dos privilégios da antiga nobreza, de quase todos
abriu mãos para os esquivos donatários, esquecida dos perigos que destes
poderiam advir, como a experiência mostrara, atenta só aos que lhes poderiam um
dia trazer os solarengos futuros.

Setecentas
e trinta e cinco léguas de costa, com o correspondente sertão definido pela
linha de Tordesilhas, foram doadas a senhores hereditários. Seis deles nunca
vieram ou não tornaram ao Brasil: Martim Afonso, seu irmão Pero Lopes, Jorge de
Figueiredo Corrêa, Antônio Cardoso de Barros, Fernand’Álvares de Andrade, João
de Barros, o grande historiador, que mandou filhos para o representarem; dois
morreram na labuta: Ayres da Cunha, náufrago no Maranhão, Francisco Pereira
Coutinho, vitimado por um menino de cinco anos, tão pequeno que foi preciso
segurarem-lhe a maça do sacrifício, irmão de um cabecilha indígena que o
donatário mandara executar. Dois desanimados desistiram de seus direitos: Pero
de Góes e Vasco Fernandes Coutinho. Dois apenas foram por diante e prosperaram:
Duarte Coelho em, Pernambuco, Pero do Campo Tourinho, em Porto Seguro.

Tourinho
foi um cavalheiro natural de Viana da foz do Lima, homem nobre, esforçado,
prudente e muito visto na arte de navegar, informa Gabriel Soares.

Uma
relação espanhola, de que a Biblioteca Nacional possui cópia, enumera-o entre
os companheiros de Pedro de Mendoza na expedição ao Prata, mas a cronologia não
pode admiti-lo. Se de fato andou por aqueles lados iria antes com Diogo Garcia
ou Sebastião Caboto, ou em navio português.

A 7
de outubro de 1 534 obteve a concessão de cinqüenta léguas de costa "que
começarão donde acabarem as de Jorge Figueiredo Corrêa na dita costa do Brasil
da banda do Sul quanto couber nas ditas cinqüenta léguas". O foral já fora
assinado a 23 de setembro.

Devia ter
sido dos primeiros candidatos a donatários e ter começado os preparativos
apenas recebeu a promessa firme da capitania, pois partiu sem demora: "Por
la isla de la Gomera, que es en Canária, casi al fin del ano pasado pasó una
armada del Serenísimo Príncipe Rey de Portugal, nuestro hermano, en que iban
dos carabelas y dos naos gruesas y en ellas seiscientos hombres y mucha parte
dellos con sus mujeres y por capitan un Pedro del Campo, vecino de Viana, y
algunos dicen que van a poblar ai Brasil", escrevia a Rainha a Luís
Sarmiento, embaixador da Espanha em Portugal, em carta de 3 de maio de 1535,
publicada pelo erudito chileno J. T. Medina (Los viajes de Diego Garcia de
Moguer ai rio de la Plata,
pág. 157, Santiago do Chile, 1908).

Do que fêz em Porto Seguro tratam vaga e escassamente Gandavo e Gabriel Soares. Varnhagen publicou uma
carta sua de 28 de julho de 1 546 em que fala do donatário da Bahia muito mais
que de si.

Pelas
cartas de doação e foral ninguém era superior ao donatário. Se cometesse crime
tão grave que merecesse castigo, seria emprazado a ir defender-se na corte.
Entretanto um padre de nome João Bezerra, de acordo com outros conjurados,
apresentou um falso alvará ordenando a prisão de Francisco Pereira Coutinho.
Que poderia fazer? Contra a Igreja o poder civil estava desarmado. Prescreviam
as Ordenações que no ato de captura se examinasse a cabeça do preso, e no caso
de ser tonsurado fosse entregue ao seu superior hierárquico para proceder como
fosse de seu arbítrio. "O clérigo que foi princípio daquele dano e mal,
reclamava Duarte Coelho, deve Vossa Alteza de mandar ir preso para Portugal e
que nunca mais torne ao Brasil, por que tenho sabido ser um
grande ribaldo". Nem isto se fêz; ainda em 1550, o ouvidor-geral Pero
Borges o encontrou nas brenhas de Porto Seguro, talvez à procura de um caminho
para as minas. Sua semente fratificou e o exemplo que dera achou imitadores.

Coutinho
passou a Porto Seguro foragido e lá permaneceu cerca de um ano, como vencido na
vida. Diogo Álvares, que fora à Bahia, tornou com más notícias; uma nau
francesa que lá estivera, entabulara relações, tomara a artilharia e prometia
voltar. Desde então Tourinho insistiu até por meios judiciais para que Coutinho
reassumisse o seu posto de honra e dever, precipitando-o para a sorte trágica
que o aguardava em Itaparica,

Um
documento até hoje ignorado encerra algumas notícias relativas a Tourinho, sem
infelizmente preencher as lacunas principais.

Fundou
sete a oito vilas, de algumas das quais sabemos os nomes: Santa Cruz, Porto
Seguro, Santo Amaro, Insuacome, talvez Santo André; algumas delas parecem ter
sido efêmeras, e não se compreende facilmente como no decurso de dez anos se
pôde reunir tamanha quantidade de população. Esta afirmativa procede do
donatário; as seguintes vêm dos seus inimigos e estão pedindo forte salga.

A
vila de Porto Seguro tinha uma porta, devia ser portanto murada, muro de taipa
certamente. A casa de vivenda, levantada junto a uma rocha em que havia uma
cruz, era avarandada. Da sua mulher Ignez Fernandes Pinta, tinha pelo menos
três filhos: Fernando, que sucedeu no morgado; André; Leonor. que ajustou
casamento, mas não chegou a casar com Pero Corrêa, talvez idêntico ao de igual
nome que emigrou para S. Vicente e se acolheu mais tarde à Companhia de Jesus,
atraído pela irradiação do suave Leonardo Nunes, o alípede Abaré-bêbê.

Junto
ao pelourinho havia um pau em que Tourinho gostava de assentar-se e conversar.
Nos dias de bom humor repetia no positivo ou diminutivo os nomes de coisas ou
pessoas com entonações cômicas e não desdenhava de trocadilhos (São Martinho ou
São Martelo?). Outras vezes se mostrava abatido, tendo filhos que não merecia,
vendo morrer as pessoas que melhores serviços prestaram e seus esforços
perdidos. Subiam-lhe ao cérebro, como gases livres de pressão, os vapores do
mandonismo, dilatava-se em ameaças de prender, deportar, enforcar e nem sempre
as ameaças ficavam em palavreado: contra o padre João Bezerra investiu de
montante, e feriu-o e escala-vrou-o, naturalmente em paga das façanhas da
Bahia.

 

Na
igreja, como senhor da terra, tinha cadeira e nem sempre se reprimia.
Indignava-se, sobretudo nos dias santos de guarda. São Martinho, um bêbedo; o
Vigário, Bernardo de Aureajac, francês, santificava o dia porque era outro
bêbedo. A festa de Corpus Christi devia celebrar-se no hemisfério Sul em
outubro, que correspondia à estação em Portugal, e não em quinta-feira, mas em
domingo.

No adro
explodia: Santa Luzia uma mulher à-toa, Santo Amaro um santo cujos milagres se
fazia com cuspo. Papa, papa, papa, escarnecia. Papinhos, cardialinhos,
bispinhos etc…. Papa para êle. Blaterava contra os padres da terra, uma
corja, ali como alhures; segundo o testemunho austero do venerando Manuel da
Nóbrega, o diabo vestia batina no Brasil.

Na carta de
28 de junho de 1 546, publicada por Varnhagen, escrevia o donatário:
"tanto que os engenhos se acabarem espero em Deus aqui um novo reino e
muita renda em breve tempo". Estes sonhos foram interrompidos quatro meses
mais tarde da maneira mais violenta.

A 24 de
novembro alborotou-se a população da vila de Porto Seguro. Bernardo de
Aureajac, vigário, frei Jorge, capuchinho, Manuel Collaco, capelão do duque de
Aveiro, João Camello e Pero Rico, beneficiados da matriz, João Bezerra, clérigo
de missa, o da Bahia, juizes ordinários, vereadores, "todo o mais nobre e
honrado povo desta vila e capitania e pessoas de mais autoridade e saber"
aprisionaram Pero do Campo Tourinho e puseram-no a ferros.

Desde anos
atrás, Aureajac o ameaçara com um instrumento ou auto de suas blasfêmias, que
enviaria ao reino; agora pela aliança do braço secular e do braço eclesiástico
a obra pode sair completa.

O vigário
improvisou um tribunal composto de inquiridor, escrivão, juiz ordinário, a que
êle próprio presidiu; formou um libelo em quatorze artigos, e intimou o preso a
ver jurar testemunhas. Este, impossibilitado de comparecer, fêz-se representar
por um procurador, que assistiu a algumas audiências.

As
audiências foram teúdas a 27 de novembro, 4, 7, 9, 10 e 28 de dezembro na
matriz de Nossa Senhora da Pena. Juraram vinte e sete testemunhas, entre elas
Antônio Pinto, irmão da mulher; Pero Corrêa, noivo da filha do donatário;
Francisco Bruza de Espinosa, castelhano de 26 anos, que em 1553 acompanharia
João de Aspilcueta Navarro, na primeira entrada das terras mineiras. Uma
declarou-se inimiga, algumas amigas, e não foram das que fizeram menor carga,
outras inimigas apenas dos maus atos; algumas aos costumes não disseram nada.

 

Terminada a inquirição e conclusos os autos, o vigário
condenou o réu a ir assim preso em ferros como estava a seu prelado ou a quem
o caso no reino pertencesse. O traslado e concerto dos autos acabou a 7 de
fevereiro de 1 547, e só depois disto seria o embarque. Se passou primeiro por
Funchal, cabeça da diocese a que pertencia Porto Seguro, ou partiu diretamente
para o reino, é impossível decidir. Ou já chegou solto a Lisboa, ou o soltaram
sem demora, pois em vez de ficar na cadeia, encontramo-lo residindo em Boa Viagem, à rua do Poço.

A
papelada foi para a Inquisição, que se mostrou benévola, exigindo apenas que
Tourinho prestasse fiança de mil cruzados, de não se ausentar da capital, e
aceitando como suficiente a hipoteca das rendas e fazenda da capitania
de Porto Seguro. Sucedeu isto em novembro.

Passaram
quase três anos. A 8 de outubro de 1 550, Tourinho foi sujeito ao
interrogatório, adiante publicado1, Qual o resultado do
processo não há meio de descobrir. Tourinho foi absolvido, ou apenas teve
alguma pena leve, talvez alguma penitência; a Inquisição era nova, seus raios
fulminavam de preferência cristãos novos ou hereges professos, e Tourinho
seria quando muito herege intermitente e diletante.

Nem êle nem
a mulher voltaram mais ao Brasil. Com autorização regia transmitiram a
capitania a seu filho Fernando que pouco tempo sobreviveu, e a herança
coube a Leonor do Campo, talvez nascida em Porto Seguro, que parece não ter acompanhado os pais à Europa, naturalmente por já estar
casada. Leonor vendeu os direitos ao duque de Aveiro, quando enviuvou de
Gregório de Pesqueira. Um seu filho, de nome igual ao do avô materno, tomou
ordens, foi condiscípulo de frei Vicente do Salvador em artes e teologia, e
chegou a deão da Sé da Bahia.

O que aí
fica consta do processo original guardado na Torre do Tombo e tão cheio de
palavradas crespas que seria temerário imprimi-lo na íntegra. Uma cópia, obtida
graças aos bons ofícios do erudito e independente historiador dos Jesuítas no
Grão-Pará, do Marquês de Pompal, próximo biógrafo de Antônio Vieira, meu amigo
J. Lúcio de Azevedo, deu azo a estas mal traçadas linhas que submeto à sua
benevolência.

Rio, maio de 1917.

1)    Cópia do interrogatório a que se refere o texto:

Aos
oito dias do mez de Outubro de 1550 armos, em Lisboa, na casa do despacho da
Santa Inquisição, estando hi os Senhores deputados, mandaram vir perante si a
Pero de Campo Tourinho, capitão do Porto Seguro das terras do Brasil, e pelo
juramento dos Santos Evangelhos lhe fizeram pergunta.

 

Quanto tempo havia que era capitão do dito porto e
capitania? Disse que haverá desasete ou desaseis, e que ao tempo que lhe el-rei
nosso Senhor fez mercê da dita capitania estava em Viana de Caminha onde era
morador e hi nascera e fora bautisado.

Perguntado em
que cousas gastara seu tempo em quanto estivera na sua capitania, disse que
fizera oito igrejas em que se dizia missa, e que fizera oito villas, nas quaes
em cada uma mandara fazer uma igreja, e que em Porto Seguro que é a principal mandara fazer dtas e assi mandara fazer muitos engenhos na terra
e outras cousas necessárias pera ella, a qual povoou de novo.

Perguntado si
no tempo que Ia andou se se confessava e commungava no tempo que manda a Santa
Madre Igreja, disse que si e que se confessava com um vigário clérigo francez,
o qual tinha ahi em Porto Seguro e que também se confessava a um mestre Marcos,
o qual fora cura da igreja do dito porto.

Perguntado se
era lembrado, estando na dita sua Capitania, dizer ou fazer alguma cousa que
fosse contra nossa Santa Fé Catholica e contra o que tem e crê a Santa Madre
Igreja, pera que de qualquer cousa de que sentisse nesta parte sua consciência
encarregada pedisse perdão a Nosso Senhor e misericórdia a Santa Madre Igreja,
para ser recebido com muita miscrieox-dia, disse que não era lembrado dizer nem
uma cousa que fosse contra a Santa Fé Catholica, antes reprendia as pesoas que
via fazer o que não deviam.

Perguntado
se era lembrado dizer alguma hora, quando fazia alguma cousa, que, si Deus o
não ajudasse nella, que diria que a fé dos Mouros que era melhor que a dos
Christãos e que se tornaria mouro, disse que nunca  tal  disse.

Perguntado si
alguma hora dissera a certas pessoas que iam ouvir missa: onde ides? não ides a
ver Deus sinão ao Diabo, disse que nunca tal disse.

Perguntado
se dizia elle na dita sua Capitania que nem um dia de Nossa Senhora nem dos
Apóstolos nem dos Santos se haviam de guardar e por isso mandasse trabalhar a
seus servidores nos taes dias, disse ene não, mas antes os mandava guardar e
festejar; somente oue reprendia ás vezes o vigário francez por dar de guarda S.
Guilherme, e São Martinho e S. Jorge e outros Santos que não mandava guardar a
Santa Madre Igreja, nem os prelados mandavam guardar em suas constituições,
porquanto a terra era nova e era necessário trabalhar para se povoar a terra e
fazerem-se algumas cousas do serviço de Deus.

Perguntado si
era lembrado dizer alguma hora que merecia msis que os Santos Apóstolos e que,
se Deus lhe não dava alguma cadeira mais alta que a dos Profetas, que guardasse
seu paraíso, disse que nunca tal dissera, somente dizia ás vezes, vendo que
trabalhava da noite e de dia com muitos cuidados:   que mais  trabalhos podia
ter   S.  Pedro que elle?

Perguntado si
dissera alguma hora que não havia de por candeas a Santo Antônio, nem lhe dar
esmola, antes havia de tirar a imagem delle do altar por lhe fazer fugir os
seus escravos, disse que nunca tal dissera, mas antes lhe fazia dizer missas e
fez fazer a sua confraria, a qual os confrades não pagavam e elle a pagava.

Perguntado si
dissera alguma hora que hi não ha tantos Santos de guarda e que si havia tantos
que os bispos os faziam por fazerem as vontades a suas mancebas que lhe pediam,
disse que não; somente por rir dizia alguma hora, quando via que mandavam
guardar algum Santo que a egreja não mandava guardar por não estar no
Calendário, dizia que o prelado o mandava guardar por ser co nome da sua
manceba, e que quem era preguiçoso por jogar e folgar buscava muitos Santos, e
que isto tudo disse pera animar os homens que trabalhassem pera
que a terra se povoasse o se fizesse o que era necessário e se aumentasse a Fé
Catholica. Perguntado si disse alguma hora contra a bem-aventurada Santa Luzia
que era uma mulherzinha por hi, disse que não, mas antes lhe fizera fazer um 
altar  muito   honrado   e  lhe  mandava   dizer   uma   missa   cada semana.

Perguntado
si dissera alguma hora que os bispos eram uns bugiarões e tyranos que casavam e
descasavam e faziam o que queriam por dinheiro, disse que não dissera tal e que
lhe lembrava mais entender em seu trabalho e no bem da terra que dizer taes
cousas, e que quando lhe diziam que os prelados tinham rendas e folgavam, que
elle dizia que estes tinham tanto trabalho como os que trabalhavam de pela
manhã até noite e isto com suas ovelhas  e com o  cuidado   dellas.

Perguntado
por que resão deitara de pregador a um frei Francisco que ahi pregava na
igreja, disse que não o lançara dahi, mas que elle se fora e lhe pagara tudo o
que lhe devia, e que a causa que se fora era por dizer que se queria ir por ali
lhe pagarem seu trabalho em assucar e em outra parte lhe pagarem em dinheiro, e
que este frei Francisco dissera um dia no púlpito que se alevantara Deus para
tomarem a bandição a Barzabu, e que o povo se escandalisara disso e elle
tornara a dizer no púlpito que se não escandalisassem do que dissera, por que
ás vezes queria um homem  dizer  uma  e   escapavam-lhe  outras,  e  que  era 
castelhano   e

estava agora em Pernambuco.

Perguntado
si dissera alguma hora que Deus lhe dizia que, comquanto elle fosse capitão que
não havia de vir guerra á terra e que não’ era necessário repairo, disse que
não; somente dizia ao povo, quando lhe ouvia falar em guerra, que não houvessem
medo que Nosso Senhor tinha cuidado delies e quei fossem trabalhar e fazer o
que haviam de fazer e não houvessem medo.

Perguntado si
dissera que, quando um frei Roque dizia missa e alevan-tava o Santo Sacramento,
que não alevantava a Deus sinão ao Diabo, disse que nunca tal disse, mas que
antes lhe dera dinheiro para lhe dizer quatrocentas missas e que elle lhe não
dissera nem uma, e quando morreu lhe mandara deixar o dinheiro  que lhe  dera.

Perguntado si tinha algumas pessoas que lhe quizessem
mal, disse que si, como  era um Duarte  de  Siqueira,  que  já  é falecido,  e
um  Belchior Alvares, e um Pero Mousinho, e Diogo Fernandes e Gaspar Roiz e
João d’Outeiro e André Ferreira e Lopo Vaz, alcaide,  e Domingos Martins, e
Francisco Bruza, castelhano, e Duarte Fernandes, e Francisco Gonçalves, e Gonçalo
Anes e Aleixos de Souza, pedreiro, e Joanne Anes e Francisco de Sadeiros e
Jorge Martins, Bartholomeu Doran, castelhano, e João Vieira e  Pero 
Gonçalves   e  Gonçalo  Fernandes,  vereador,  e  Gaspar  Fernandes, tabalião,
e que todos estes estavam mal com elle, por elle bradar com elles que não
queriam trabalhar e lhes reprendia seus vicios e os castigava e prendia quando
era necessário, pólos males que faziam aos índios, dormindo-lhes com suas
mulheres e filhas e faziam outras coisas que não deviam. Perguntado   si 
queria  estar  pelos   autos   que   contra   elle  vieram   do Brasil, disse
que tudo o que contra elle diziam era falso, por que os que contra elle
testemunhavam eram seus inimigos, nomeando os sobreditos e outros que lhe
queriam mal por elle fazer o que devia e os castigar e ai não disse. — Paulo da
Costa o escrevi.

E disse que
as pessoas que têm nomeado de sua Capitania e estes podiam trazer outros que
testemunhassem contra elle e diriam o que queriam e fariam o que quisessem
depois que o não viram na terra. — Jorge Gonçalves Ribeiro.   Pero do Campo.  
Ambrosius.

(Archivo da Torre do Tombo, Inquisição de Lisboa.  
Processo 8821).

 

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