PLUTARCO – A COMPARAÇÃO DE TESEU COM RÔMULO

PLUTARCO – A COMPARAÇÃO DE TESEU COM RÔMULO

Baseado na versão francesa de Amyot. Tradução de Aristides Lobo. Fonte: Edameris.

É o que pudemos recolher, digno de memória, dos feitos de Rômulo e Teseu; mas, para vir a compará-los um ao outro, parece primeiramente que Teseu, de sua própria vontade, sem constrangimento de ninguém, podendo reinar fora de temor na cidade de Trezena é suceder a seu avô em um estado não pequeno, preferiu e procurou os meios de fazer grandes coisas, e que Rômulo, ao contrário, para livrar-se da servidão que o premia e escapar à punição que o ameaçava, mostrou-se certamente, como diz Platão, ousado de mêdo e, por temor de sofrer a pena extrema, foi constrangido, quisesse’ ou não, a lançar-se à aventura de fazer grandes coisas. E, depois, sua maior façanha foi ter matado um único tirano da cidade de Alba, onde Teseu, só de passagem quando, se preparava para maiores empresas, derrotou Círon, Sínis, Procrustes, Corinete e, punindo-os tirando-os deste mundo, livrou a Grécia de crudelíssimos tiranos, antes que aqueles que livrava conhecessem quem êle era. Ademais, pôde fazer sua viagem sem se atormentar nem se pôr em perigo, seguindo por mar, mesmo porque êsses bandidos não lhe haviam feito mal algum; ao passo que Rômulo nãó podia ficar em segurança enquanto Amúlio vivesse: em confirmação do que se pode alegar que Teseu, não sendo provocado por nenhuma ofensa particular feita contra êle, atacou e fêz a guerra aos maus; e, ao contrário, Remo e Rômulo, enquanto o tirano não os ofendeu particularmente, deixaram-no oprimir e ultrajar todos os outros. E, se forem julgados atos memoráveis que Rômulo tenha sido ferido em combate contra os Sabinos, tenha abatido Ácron com sua própria mão, tenha vencido e subjugado muitos inimigos, também se pode contrapor, da parte de Teseu, a batalha dos Centauros e a guerra das Amazonas.

(44) Dionísio de Halicarnasso dá a Rômulo cinqüenta e cinco anos de vida, e trinta e sete de reino. Vide o próprio Plutarco na vida de Numa, cap. III.

II. Mas o que Teseu ousou empreender no tocante ao pagamento do tributo devido ao rei de Cândia, para ali se dirigindo francamente com os outros jovens rapazes e raparigas de Atenas, apresentando-se voluntariamente ao perigo de ser devorado por um cruel animal ou de ser imolado sôbre a sepultura de Andrógeo, ou de servir em vil e desonesto cativeiro a homens ultrajosos e inimigos, que é o menor mal que a êsse respeito se acha escrito, foi um ato de tão grande proeza, magnanimidade, justiça, desejo de. glória e, em suma, de virtude tão completa, que não é possível exprimi-lo devidamente. Assim me parece que os filósofos não definiram mal o amor, quando disseram que é como uma intromissão de deuses desejosos de salvar e guardar algumas jovens pessoas. Pois o amor de Ariadne foi, em meu aviso, obra de algum deus e um meio expressamente preparado para a salvação de Teseu; e, portanto, é preciso não censurar nem repreender a amante, mas antes admirar que todo o resto dos homens e das mulheres não se lhe afeiçoasse do mesmo modo. E, se ela somente sentiu-se apaixonada com seu amor, eu digo^e não sem grande verossimilitude, que mereceu também ser depois amada por um deus, como aquela que por natureza amava o bem e a virtude, dedicando afeição aos homens de singular valor.

III. Mas, dotados ambos de natureza própria para comandar e governar, nem um nem outro conservou as maneiras de agir de um verdadeiro rei, antes delas se afastaram ambos, um transformando-se em homem popular e o outro em tirano: de modo que, por diversas paixões, caíram os dois no mesmo inconveniente e erro. Pois é preciso que um príncipe, diante de tôdas as coisas, conserve seu estado, o qual se conserva não menos não fazendo nada que não lhe assente bem do que fazendo tudo o que lhe é bem conveniente; mas aquele que se enrijece ou se afrouxa mais ou menos do que deve, não mais continua rei nem príncipe, antes se torna ou popular adulador ou amo soberbo, fazendo que os súbditos o desprezem ou odeiem; todavia, parece que um seja erro de demasiada grande bondade e humanidade, o outro de arrogância e orgulho. E, se não é razoável atribuir inteiramente à fortuna tôdas as desgraças que advêm aos homens, antes é preciso nestes procurar e considerar a diferença de paixões e de costumes, não se poderia absolver um nem sustentar que êle não tenha sido movido por fúria desarrazoada demais e por ira demasiado precipitada, naquilo que cometeu na pessoa de seu irmão, nem o outro, na pessoa de seu filho; todavia, a causa que lhes excitou a cólera escusa mais aquêle que por motivo maior, como por golpe mais violento, foi derrubado; pois, se a má disposição de Rômulo contra o irmão foi precedida de madura deliberação pelo bem e utilidade pública, ninguém cuida que seu julgamento se tivesse assim súbitamente deixado transportar a tão violenta cólera; ao passo que Teseu, ao contrário, delinqüiu contra o Filho, comovido por paixões que poucos homens jamais puderam evitar, a saber, amor, ciúmes e falso testemunho de sua mulher. E, mais, a fúria de Rômulo passou além e se efetivou, com desfecho bastante calamitoso; e a ira de Teseu não procedeu senão até às palavras injurio-sas e às maldições de velhice irritada; porque parece que o que aconteceu além disso a seu filho lhe adveio antes por acidente do que de outro modo. Eis os pontos que se poderiam alegar em favor de Teseu.

IV. Mas, quanto a Rômulo, tem de grande em primeiro lugar que o seu começo foi muito pequeno; pois, seu irmão e êle sendo estimados servos e reputados filhos de porqueiros, antes de serem ambos livres, libertaram, por assim dizer, quase todos os Latinos, adquirindo de golpe e ao mesmo tempo vários títulos de grande glória, opressores de inimigos, salvadores de parentes, reis de nações, fundadores de cidades novas e não removedores das antigas, como Teseu, que de várias habitações compôs uma só demolindo e arruinando várias que traziam os nomes dos antigos reis, príncipes e semideuses da Ática: o que todavia Rômulo fez também depois, constrangendo aqueles que tinha vencido a destruir suas casas para irem habitar com os vence-dores; mas não removeu nem aumentou uma cidade que antes dêle tivesse existido, antes edificou uma inteiramente de novo, adquirindo tudo, terra, país, reino, alianças, casamentos, sem perder nem matar ninguém, pelo contrário, fazendo muito bem a muitos pobres vagabundos que não tinham nem país, nem terras, nem casas e não pediam outra coisa senão que fizessem deles um povo e os tornassem burgueses de alguma cidade; e assim não se divertiu em perseguir bandidos e ladrões, antes conquistou pela força das armas vários povos poderosos, tomou cidades e triunfou de príncipes e reis que derrotara em batalha. E, quanto ao assassínio de Remo, não se sabe certamente quem o matou, e a maior parte dos autores acusa disso a outros que não êle; mas é coisa certa que êle livrou sua mãe de morte evidente e restabeleceu seu avô no trono real de Enéias, que antes era constrangido a servir e obedecer vilmente, sem honra nem dignidade nenhuma, e, tendo-lhe prestado cientemente vários bons serviços, jamais lhe causou um só desgosto, nem mesmo por ignorância.

V. E, em contraposição, eu penso que o esquecimento ou despreocupação de Teseu, ao deixar em retorno de mandar estender a vela branca, não poderia ser justificado nem lavado do crime de parricídio por uma longa arenga feita em sua defesa, embora diante de juizes demasiado moles e favoráveis, por meio da qual certo Ateniense, vendo ser demasiado difícil escusar e defender tão pesada falta, imaginou que o bom homem Egeu, tendo notícias de que o navio do filho se aproximava, acorreu com grande pressa ao castelo para de longe o ver chegar e, correndo, chocou com alguma coisa que o fêz cair, como se não houvesse um de seus homens em tôrno dêle e, ao vê-lo assim apressadamente na direção do mar, ninguém o tivesse acompanhado nem seguido.

VI. Ademais, quanto às faltas que ambos cometeram raptando mulheres, as de Teseu não têm nenhuma cobertura nem côr honesta: primeiramente, porque o fêz por várias vêzes, pois raptou Ariadne, Antíope, Anaxo de Trezena, e depois todas, estando já idoso, e, tendo passado os próprios anos a fazer núpcias, embora legítimas, raptou Helena, que não estava ainda em idade de se casar, tão jovem era; e, secundàriamente, porque as filhas dos Trezenianos e dos Lacedemônios, nem as Amazonas, além de não serem legitimamente suas noivas, não eram tais que devessem ser preferidas, para delas ter linhagem, àquelas que em Atenas descendiam das raças de Erecteu e Cécrope, o que dá ocasião de suspeitar-se que êle assim procedeu antes por concupiscência e desordenado apetite do que por outro motivo.

VII. Ao contrário, Rômulo, tendo primeiro raptado oitocentas, ou aproximadamente isso, não as reteve tôdas para si, antes tomou uma somente, Her-sília, assim como se diz e distribuiu as outras aos demais homens de bem entre os seus concidadãos; e depois, pela honra, amizade e bom tratamento de que fêz usar para com elas, converteu aquela força e violento rapto em ato de muita beleza e prudência, o qual uniu e aliou as duas nações, conjuntamente; e foi essa a fonte da mútua benevolência que depois existiu entre os dois povos, e, por conseguinte, o fundamento da pujança que se lhe seguiu. Em suma, o tempo foi bom testemunho do amor, reverência, constância e firmeza conjugal que êle estabeleceu, nos casamentos de então, entre marido e mulher (45): pois, no espaço de duzentos e trinta anos depois, jamais houve homem que ousasse deixar a mulher, nem mulher o marido; antes, assim como entre os Gregos os mais sábios e mais curiosos da antigüidade sabem como se chamava aquêle que primeiro matou seu pai ou sua mãe, também todos os Romanos sabem quem foi aquêle que primeiro repudiou sua mulher. Foi um chamado Espúrio Carvílio, porque ela não tinha filhos. E, em testemunho de tão longo tempo, também concordam os efeitos, pois o reino foi comum entre os dois reis e todos os direitos da coisa pública igualmente comunicados entre as duas nações, por aliança provinda dêsse rapto.

VIII. E, ao contrário, os Atenienses não adquiriram amizade nem aliança com pessoa nenhuma pelas núpcias de Teseu, mas antes guerra, inimizades e assassínios de seus concidadãos, com a perda finalmente da cidade de Afidnas; ainda com grande dificuldade e por mercê de seus inimigos, que adoraram e reclamaram como deuses, escaparam ao perigo de sofrer por êle o que os Troianos sofreram depois, em virtude da mesma causa, por Alexandre Páris. Tanto ao menos quanto sua mãe não somente estêve por isso em perigo, mas sofreu realmente e de fato o mesmo cativeiro mais tarde imposto a Hécuba, tendo sido largada e abandonada pelo filho, se porventura o que se lê da tomada de Etra não é coisa inventada, como seria necessário para a memória de Teseu, que isso e várias outras coisas o fossem.

(45) É um êrro no grego. Não se viu divórcio entre os Romanos antes do ano de Roma 523. Dionísio de Halicarnasso, liv. II. Vide a comparação de Licurgo com Numa, cap. XVII, onde farei conhecer a causa dêsse êrro e a maneira de o corrigir.

IX. Pois mesmo o que se conta da divindade põe grande diferença entre êles, porque Rômulo em sua natividade foi preservado por singular favor dos deuses; e, ao contrário, o oráculo respondido a Egeu, que não tocasse em mulher de país estrangeiro, parece fazer fé quanto a ter sido Teseu engendrado contra a vontade divina.

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