Prostituição infantil – Crônica de Olavo Bilac

 

Prostituição infantil

Não sei que jornal, há
algum tempo, noticiou que a polícia ia tomar sob a sua proteção as crianças que
aí vivem, às dezenas, exploradas por meia dúzia de bandidos. Quando li a
notícia, rejubilei. Porque, há longo tempo, desde que comecei a escrever, venho
repisando este assun­to, pedindo piedade para essas crianças e cadeia para
esses patifes.

Mas os dias
correram. As providências anunciadas não vieram. Parece que a piedade policial
não se estende às crianças, e que a cadeia não foi feita para dar agasalho aos
que prostituem corpos de sete a oito anos… E a cidade, à noite, continua a
encher-se de bandos de meninas, que vagam de teatro em teatro e de hotel em
hotel, vendendo flores e aprendendo a vender beijos.

Anteontem,
por horas mortas, [***] que me encheu de mágoa e de nojo, de indignação e de
angústia. Saía de um teatro. [***] rua central da cidade, deserta a essa hora
avançada da noite, vi sentada uma menina, a uma soleira de porta. Dormia. Ao
lado, a sua cesta de flores murchas estava atirada sobre a calçada.
Despertei-a.

A pobrezinha
levantou-se, com um grito. Teria oito anos, quando muito. Louros e
despenteados, emolduravam os seus cabelos um rosto desfeito, amarrotado de sono
e de choro. E dentro do miserável vestidinho de chita, todo o seu corpo tremia,
como numa convulsão, nervosamente. Quando viu que não lhe queria fazer mal, o
seu ar de medo mudou-se logo num ar de súplica. Pediu-me dez tostões, chorando.

E a sua
meia-língua infantil, espanholada, disse-me cousas que ainda agora me doem
dentro do coração.

Perdera toda a féria. Só
conseguira obter, ao cabo de toda uma tarde de caminhadas e de pena, esses dez
tostões — perdidos ou furtados. E pelos seus olhos molhados pas­sava o terror
das bordoadas que a esperavam em casa…

"Mas é teu pai quem te
esbordoa?"

"E um homem que mora lá em casa…"

Dei-lhe os dez tostões, sem poder falar.

Ela, já
alegre, com um sorriso divino que lhe iluminava a face úmida, pediu-me mais
duzentos reis — para si, esses, para doces.

Guardou
a nota na cesta, e meteu a mesada na meia, depressa, para a esconder…

Fiquei
parado, longo tempo, a olhá-la. O seu vulto fugia já, pequenino, quase invisível
na escuridão. Ainda de longe o vi, fracamente alumiado por um lampião,
sumir-se, dobrando uma esquina. Segui o meu caminho, com a morte na alma.

Ora — nestes
tempos singulares em que a gente já se habituou a ouvir sem espanto cousas
capazes de horrorizar a alma de Deiber —, é possível que alguém, encolhendo os
ombros diante disto, me pergunte, o que é que eu tenho com a vida das crianças
que vendem flores e são amassadas a sopapos quando não levam para casa uma
certa e deter­minada quantia.

Tenho tudo, amigos
meus! não penseis que me iluda sobre a eficácia das providências que possa a
polícia tomar, a fim de salvar das pancadas o corpo e da devassidão a alma de
qualquer dessas meninas. Bem sei que, enquanto o mundo for mundo e enquanto
houver meninas — proteja-as ou não as proteja a polícia —, haverá pais que as
esbordoem, mães que as vendam, cadelas que as industriem ; cães que as
deflorem!

Bem o sei:
mas sei também que possuo nervos que vibram, coração que se impressiona e olhos
que vêem. E se a polícia não pode impedir a continuação dessa infâmia — pode
pelo menos impedir que ela se ostente, escandalosa, florescendo e frutificando
à sombra da sua indulgência e da sua tolerância.

A polícia
não pode proibir também que as meretrizes de profissão se entreguem ao seu
comércio. Mas não deixa que elas apareçam nuas à janela, e muito menos consente
que venham fazer no meio da rua, à luz meridiana, o que fazem no interior das
casinhas de porta e janela. Com um milhão de raios! quem tem a desgraça de
possuir dentro do organismo um cancro incurável — não podendo extirpá-lo, trata
ao menos de o esconder, por higiene, por decên­cia, por pudor!

Demais, que
custa abrir um inquérito para conseguir saber que grau de parentesco existe
entre as crianças vende­doras de flores e os que as exploram? Eu, por mim,
posso afirmar a quem de direito que, em cada grupo de dez crian­ças dessas,
interrogadas por mim, duas apenas me têm dito que conhecem pai ou mãe…

 

 

Enfim,
todos nós temos mais que fazer. E talvez a sorte melhor que se possa desejar hoje cm dia a uma criança pobre — seja uma
boa morte, uma dessas generosas mortes providenciais, que valem mais que todas
as esmolas, todas as bênçãos, todos os augúrios felizes e… toda a comiseração
dos cronistas.

Olavo Bilac

Gazeta de
Notícias
14/8/1894

 

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