REI OU PRÍNCIPE? THOMAZ ANTÔNIO E PALMELA – D. João VI no Brasil – Oliveira Lima

D. João VI no Brasil – Oliveira Lima

CAPITULO XXVIII

REI OU PRÍNCIPE?
THOMAZ ANTÔNIO E PALMELA

Os acontecimentos de Portugal, uma vez divulgados,
produziram no Brasil,
juntamente com a efervescência liberal, conseqüência daquele movimento
constitucional, um alastramento da tendência emancipadora e separatista. Como é natural, deu
este conflito de idéias origem a uma quantidade de alvitres, planos e soluções
para regular a situação, que se agitavam em cheio quando a 23 de dezembro
chegou ao Rio, tendo deixado Lisboa nos primeiros dias de novembro, uma testemunha ocular da revolução, pessoa dotada de bastante
experiência do mundo, moderação de ânimo e superioridade de inteligência para julgá-la com
frieza e lucidez. Era
esta pessoa o conde de Palmela, com cuja altiva indiferença e fleumático charuto nos familiarizou o
autor do Portugal contemporâneo, e que coube a uma ilustre escritora portuguesa primeiro
evocar numa excelente obra
com aquelas feições, e os seus traços ali olvidados de simpatia, ternura, dedicação e gravidade.

Viera Palmela da Europa acalentando um projeto de
monarquia cartista,
em que fosse a nobreza o elemento preponderante como na Inglaterra, e
maquinando com insistência a restituição do rei à sede da velha corte portuguesa, enquanto permanecia o
herdeiro da coroa no Brasil e aí prosseguia o regime em vigor, com algumas
variantes mais de forma que de fundo.

Thomaz
Antônio pensava, e não mal, o oposto: que Dom João VI é quem devia ficar no Brasil e Dom Pedro ir para Portugal, porque, uma vez desunido, o reino americano
não mais se tornaria a ligar ao europeu, ao passo que este, se por acaso levasse o desvario ao
ponto de proclamar-se republicano, depressa volveria à sã razão, não só coagido
pela Santa Aliança, cuja intervenção então se imporia, como principalmente
movido pelo receio da sua anexação pela Espanha, faltando-lhe a melhor garantia
da própria
independência com o inevitável repúdio pela Inglaterra de uma demagogia.

Já não lhe merecia, a Thomaz Antônio, particular
preocupação a hipótese,
tão aventada antes, da substituição da família de Bragança pela de Cadaval, apesar de em tempo
ter o governo do Rio feito pelo marques de Marialva obstar à ida do duque de Luxemburgo a
Portugal, para assistir
com grande espavento ao casamento do sobrinho, e deste, quando se deu a revolução de 1820,
alardear muito constitucionalismo e dar mostras de querer representar em Lisboa o papel que em
Paris estava desempenhando com rara
habilidade o duque d’Orléans.

Arcos, com suas pretensões a valido do jovem príncipe
herdeiro, ia no
encalço de Palmela e aconselhava a regência do Rio de Janeiro, da qual ele se constituía em mente a
principal figura porque não previa que já representaria o personagem um nacional, cujo valor,
pelo menos de cientista e de homem de caráter,932 não escapara a
Thomaz Antônio, que o quisera ligar à
alta administração do novo reino.

Qualquer que fosse a combinação, as circunstâncias
estavam todas convergindo
para a cisão do estado elevado à dignidade de parte integrante, por direito próprio, da
monarquia, quando foi preciso dar a Portugal, a fim de que ombreasse em Viena com as potências
maiores, o status correspondente,
pelo menos territorial. Não as enxergava contudo Palmela com sua habitual agudeza, quando
desembarcava no Rio no firme propósito
de reconduzir o rei para Lisboa.

Dois motivos o impeliam para isso. Primeiramente, estava
capacitado, e não
se pode dizer que sem justeza, de que no estado de confusão material e moral na qual deixara
o Portugal revolucionário de 1820 — confusão mais real mesmo do que aparente, porque na
superfície contrastava até a serenidade portuguesa com a agitação espanhola — somente a presença do rei em pessoa teria
prestígio suficiente para impor ao movimento a precisa orientação, a um tempo liberal e conservadora.

Depois, Palmela nutria a justificada ambição de assumir
com a nova ordem de coisas uma importância política mais saliente ainda: tinha
para tanto a
consciência de ver longe numa sociedade de míopes, de possuir sangue-frio num meio em que
geralmente se andava às tontas. Semelhante importância, não a desejava ele
porém revestir no tablado do Rio de Janeiro: aspirava ao cenário da velha Europa, onde deixara
sua família, suas amizades,
suas relações, seus hábitos, tudo quanto reclamava sua natureza acostumada à boa convivência
cosmopolita, a círculos polidos em que era conhecido e benquisto, e sem os quais não
compreendia sequer a existência.

 

Era
o caso de dizer-se de Palmela o que sobre os outros fidalgos ele escrevia à esposa: ”Todos choram
as cebolas do Egito, e voltam a cara para o Oriente."934 Só Dom João VI, verdade seja, não tinha saudade
alguma das
cebolas. Entendia que o passado, passado; à Terra da Promissão chegara quando pusera o pé na
exótica Bahia, e a nada de melhor voava
sua ambição do que ao ramerrão na quinta da Boa Vista.

Também
Palmela, maleável como sempre se mostrou, sabendo ajeitar as idéias às circunstâncias,
logo mudou de plano para não perder tempo com o que se lhe afigurou sumamente
improvável, e, tomando ares de bom cortesão, aderiu ao parecer dos que sugeriam
ser preferível a continuação do rei no Brasil e a mudança para Portugal do príncipe real. A ida de um ou outro era todavia
forçosa e inadiável, e o ministro dos negócios Estrangeiros a instigava no sincero intento de
poder organizar-se e modelar-se
o movimento constitucional: não a aconselhava como Thomaz Antônio — nas suas palavras o
mais inepto e o mais Hsonjeiro de todos os homens934 — para ser apenas levada a
efeito, como recompensa, depois de garantida a manutenção das regalias reais. Como se fosse
possível prescrever a preservação da essência do absolutismo por meio de
negaças às árdegas cortes de Lisboa!

O
projeto de Thomaz Antônio, desenvolvido ou antes embuçado na carta ao rei de 28 de outubro de
1820,935 dia em que o rei se fechou para redigir sua primeira resposta à
revolução, na qual seguiu ponto por ponto o parecer de Thomaz Antônio ou quiçá o seu próprio
parecer ecoado em Thomaz Antônio — o que explica que não fosse preciso convidá-lo
a repetir
verbalmente o que já escrevera — era de uma doblez singela: consistia em equilibrar-se na maromba,
nada decidir de definitivo até ver no que davam
os acontecimentos.

As
cortes podiam ir funcionando à moda antiga, como cortes consultivas, ratificando a coroa o
que bem lhe aprouvesse e deixando repousar o resto, em estado de aspiração latente, até
fermentar. Se as cortes procedessem bem, isto é, se se mantivessem dentro dessa
digna reserva, o rei
as premiaria com um ar de sua graça. Quando não… a corte quedar-se-ia no Rio de Janeiro, e o
velho reino que continuasse a agüentar a interdição, como um pai pródigo que fez grandes loucuras
e está afinal debaixo da tutela do filho
mais sensato. Para Lisboa iria em segundo caso
o príncipe real, rapaz impetuoso, mais fácil de infundir respeito do que o
velho rei manso de São Cristóvão; em terceira hipótese o infante, uma criança
estouvada, e em último caso ninguém. O projeto do desembargador-ministro
era infantil, e bem o pressentia Dom João VI ao querer ser mais preciso, ele que era tão
minucioso e meticuloso no exame dos
negócios públicos, e que compreendia a utilidade de satisfazer o povo português com a segurança da ida próxima de alguém
da família real, mes mo para que se
não fosse aquele acostumando ao desrespeito dinástico na atmosfera de
sedição de Lisboa.936

Thomaz Antônio tinha razão em que para o seu jogo de
equilíbrios era
condição indispensável à união dos dois reinos, pois sem a certeza dela as
cortes perderiam as estribeiras e chegariam onde não convinha absolutamente que fossem, dando leis
ao trono, posto que conservando esta antigalha, visto que, pelo receio da Santa Aliança mais
que tudo, elas eram liberais, não
demagógicas.

O espantalho da supremacia da ex-colônia, dentro mesmo da
união, mediante a
assistência nela do monarca produziria, no entender do conselheiro favorito de Dom João VI, um efeito salutar no afastar .as
fantasias políticas e ajeitar a insubordinação legislativa num certo molde,
não muito diferente
do existente. A questão da sede da monarquia devia portanto ficar em aberto até
ulterior resolução, dependente da atitude das cortes, a qual podia não merecer
sequer a vinda para o seu seio de uma das pessoas
reais, já não falando do rei.

Assim, Lisboa somente readquiriria a sua passada posição
de capital do
império lusitano, se o constitucionalismo continuasse incubado. Também em Londres o ministro Souza
tivera a idéia de pedir a lord Castlereagh que insinuasse ao governo revolucionário de Portugal,
que as potências européias não reconheceriam outras cortes que não fossem as convocadas segundo as
leis antigas da
monarquia nacional, não se tolerando à Espanha ingerência alguma mesmo
indireta, como modelo constitucional, sob pena de por seu lado invocarem as nações aliadas
direito igual de intervenção.

Na forma de costume respondeu-lhe Castlereagh que se as potências em questão dessem o passo
reclamado, prejulgariam as decisões do soberano português, e a Inglaterra em particular incorreria
na costumada censura
de acentuar em cada ocasião o seu predomínio sobre o Reino Unido. Tanto mais dispensável lhe
parecia o alvedrio quanto todas as mudanças havidas e por haver estavam
dependentes da aprovação real, inclusive a natureza
das cortes.

O ministro de Estrangeiros britânico entendia firmemente que tudo se tinha a lucrar com tornar bem
patente aos olhos dos portugueses que, nas concessões que formulasse, Dom João cedia tão somente
ao impulso do seu
coração, e não a influências estranhas. O meio era único de persuadi-los a aceitarem o sistema de
governo que o Rei "lhes propuser e no qual S. M. naturalmente conciliará a sua dignidade com
o bem dos seus povos, e
a opinião pública da Europa".937 A Europa não pedia outra coisa
e com agrado receberia qualquer ajuste em
tais condições.

Palmela via as coisas diferentemente e melhor do que
Thomaz Antônio,
cujo espírito andava tão turvado pela atmosfera palaciana que lhe faltava até a coragem de nomear a
pessoa real que devia embarcar para Portugal, no íntimo por temor de descontentar as demais,
entre as quais era grande e a propósito
de tudo a ciumaria, e mormente de contrariar o
pensamento secreto do seu rei. Para o ministro dos Negócios Estrangeiros
era muito pelo contrário preciso abordar a situação com franqueza e energia, conceder para ganhar, conceder para
salvar, pôr-se de acordo com as idéias já comuns do tempo para não incorrer no
exagero destas mesmas idéias.

Dom João VI também percebia — Palmela o diz mesmo na sua correspondência familiar,938
— que tal tratamento era o mais acertado, e às cataplasmas de Thomaz Antônio antepunha com sua
letra esta objeção de
fraca ortografia e sintaxe, mas de senso comum: "Lendo a carta (a Carta
Regia) vejo que a minha ida e de meus
filhos ficarão dependentes do bom comportamento que tiverem apesar que no ofício particular939
se lhe fala
positivamente mas no público não aprece, pois julgo que esta carta será impressa."

Respondia logo o primeiro-ministro sem aduzir razões
convincentes, apenas
insistindo com pueril teimosia na sua primeira opinião: "Não pode haver contradição, pois na
Carta Regia se estabelece a promessa para sempre de estar uma pessoa real em Portugal, e outra no
Brasil, desde que as cortes terminarem dignamente: como é o voto do Mons.
Almeida e outros.
No ofício se trata de agora e que vai pessoa real, como diz a Carta Regia, segundo o interesse
permitir: mas na esperança de virem notícias mais agradáveis. Eu entenderia melhor não se aumentar
mais nada; nem especificar
um ou outro dos senhores: pois V. M. o penhor que tem para conservar o reino é a sua pessoa, e a sucessão real, e
por este penhor é que
os pode obrigar a acomodarem-se. Por isto não tem que prometer francamente porque perde a força dos
meios que tem. Eles pedirão de lá, que é
melhor três mercês do que uma."940

Nisto se passava o tempo e ninguém seguia para Lisboa, nem se resolvia coisa alguma acerca da
constituição a outorgar, que Palmela encarecia
e Thomaz Antônio abominava.

Diversos dos de Thomaz Antônio também eram, já se sabe,
os pareceres de
Arcos. Na correspondência e despachos com o rei enfunavam-se as rivalidades e as facções, e os cortesãos beliscavam-se a bico de
pena e alfinetadas
oratórias. Na frase de Thomaz Antônio o conde dos Arcos "nada dizia de razões,
dizia que não porque entendia que não, e contentava-se com impugnar". Ele sim,
por mais incompreensível que nos possa hoje parecer o apoio em tal fundamento, baseava-se na opinião
pública para procurar desviar os perigos e dar conselhos sãos, próprios a serem
seguidos.941

É verdade que Thomaz Antônio partia sempre do princípio
da preservação da
regia autoridade,942 dando porém nesta ordem de idéias um parecer mais definido do que podia
agradar ao temperamento oportunista do monarca. Por feitio de espírito Dom
João VI gostava sempre, nas crises graves, de agarrar-se à
ilusões, cerrando propositalmente os olhos à realidade quando lhe parecia feia, e fiando do futuro
— recurso supremo dos otimistas — a
correção do presente.

A revolução naquele momento ostentava-se no Porto e em
Lisboa e rosnava em todo o Brasil: que importava? A Inglaterra declarara que
não reconheceria a
Junta rebelde sem que ele primeiro a reconhecesse, e servira isto para lisonjear seu amor
próprio e fazer renascer suas esperanças, como devia por certo ter servido para abaixar a grimpa
dos tais liberalões.

Não havia em Dom João VI indolência
da inteligência, sim indolência da vontade. Nas notas à margem das cartas e
memoranda dos seus ministros,
o rei quase uniformemente respondia só com relação aos pequenos negócios: os
de maior monta ficavam sempre para mais tarde, como ele dizia para mais madura
reflexão, de fato para um debate anódino no despacho, em que invariavelmente se protelava a solução
das questões mais árduas
ou mais espinhosas. De ordinário, o soberano não comprometia sua opinião:943
fazia-a vingar pelo aferro não pela imposição. As cotas que nos foram conservadas do seu
punho nunca passam de generalidades ambíguas e fórmulas dilatórias, de um
governante que andasse às apalpadelas, dos veja, veremos, faça o que achar melhor,
diga-me o que deve
dizer ao conde. Era como se Palmela fosse o importuno que no Rio representava o governo britânico mais
permanentemente.

Contudo um grafólogo — apesar de sabermos de quantos enganos é capaz — desdenhando o fundo
pela forma, notaria na caligrafia real indícios de um instinto dominador. Por efeito seguramente
da raça, da tradição,
de uma disposição inata de autoridade, aquela letra em pé, se bem que pouco atraente como a sua
pessoa, é ampla e regular, firme e pessoal. A acreditá-la, de majestática tinha Dom João VI a consciência como linha a magnanimidade.

Em fins de janeiro de 1821 a partida de Dom Pedro ficara absolutamente decidida em despacho, e só
restava a Dom João convencer o filho da necessidade de embarcar para Lisboa,
arredando-o assim das fantasias ambiciosas
que, insufladas por vários patriotas, o andavam embalando e levando a pretender concretizá-las no vasto país
onde tinham decorrido sua infância e
sua adolescência. Escrevendo ao rei no dia 31, dizia Thomaz Antônio ter
pensado muito no negócio, que estava de pedra e cal, e respeitosamente apresentava o conselho de realizar logo sua
entrevista com o príncipe herdeiro
no intuito de lhe apressar o embarque.944

Para o conselheiro valido, o Brasil era um terreno onde
poucas sementes das
novas idéias tinham sido lançadas, portanto o que permitia residência mais fácil e
agradável a um monarca absoluto; além de ser uma terra quase toda por desbravar e de recursos
fartíssimos, a qual convinha isolar do contágio da peste da emancipação grassando nas colônias espanholas e à maior parte já tendo
assegurado a independência. Para conseguir tal fim era, porém, indispensável permanecer o rei
no Brasil e permanecer igualmente um dos
netos, o que tivesse de herdar a coroa.

A resposta de Dom João VI à margem é evasiva e timorata como de costume, quando se tratava de
afrontar opiniões alheias e de fazer prevalecer o próprio sentimento oculto: "Até este momento
ainda não falei a meu
filho. Quero que me diga se está na mesma opinião, diga-me o que lhe devo dizer e se houver
réplica, o que lhe devo responder." Alguns dias depois, a 4 de fevereiro, já Dom
João anunciava ter recebido o voto do filho, com quem devia avistar-se, e de fato se avistou,
na ilha do Governador, mas tornava a
reclamar o parecer de Thomaz Antônio.

A 10 de fevereiro, como quem de contínuo pergunta a mesma coisa até que lhe respondam como
deseja, instava ainda o monarca pela réplica do seu ministro, não se furtando por fim Thomaz Antônio à repetição da
sua idéia de ida do príncipe só ou apenas com a esposa, pois que a 11 acusava o rei o parecer dele.945
Desde 8 comunicara Maler para Paris estar
resolvida a partida iminente de Dom Pedro na qualidade de condestável, ficando no Rio Dona Leopoldina por se achar
no último mês de gravidez, segundo
no dia 7 informava uma nota de Palmela o barão de Sturmer, novo ministro
da Áustria.

A
pobre amorosa princesa, não se conformando com a separação, tanto instou porém com o sogro,
que este acabou por anuir a que ela acompanhasse o marido, depois do parto, ficando as crianças
com o avô, aquela pelo menos que
encarnasse as esperanças da dinastia.

O governo britânico, desanimado de conseguir o regresso do rei, mandara instruções instantes ao seu
ministro Thornton para que alcançasse pelo menos a partida do príncipe ou do infante, e o
diplomata, de acordo com
Palmela, trabalhara com tanto afinco nesse sentido que D. João tinha de fugir dele, ausentava-se
mesmo do Rio para evitá-lo.946 Por sua vez Dom Pedro, instigado por Palmela
e ambicioso de representar um papel nos sucessos que se estavam desenvolvendo, convencido
para mais da urgência
de opor um dique à maré revolucionária,947 pendia agora para a ida
para Lisboa e começava a invocar seus títulos e responsabilidades de herdeiro,
pedindo oficialmente a opinião dos ministros.948

Dom
João, porém, no íntimo ainda não completamente decidido e politicamente zeloso como todo
monarca do seu sucessor presuntivo, hesitava em dar o consentimento para o
embarque — mesmo depois de resolvida e até diplomaticamente anunciada a partida — sempre à espera de alguma coisa que mudasse o
rumo dos acontecimentos. Na Imprensa Real era mandado compor um folheto em francês descrevendo
as vantagens da
permanência no Rio de toda a família real, o qual distribuíam agentes da polícia.

As dúvidas não cessavam com o próprio embarque. De
Londres discutia o ministro Souza se o príncipe deveria singrar diretamente
para Lisboa ou
parar nos Açores, para dali negociar com as cortes e obter uma garantia de que nada intentariam
de mau ou de desairoso contra a sua pessoa, deixando-lhe inteira a faculdade de aprovar ou
rejeitar as proposições que lhe fossem
feitas.

É de notar que o diplomata dava preferência à viagem
direta, em primeiro
lugar porque não reputava "tão viciado" o caráter nacional português que se tivesse desprendido
das obrigações devidas ao soberano, e em segundo lugar porque calculava a boa
impressão que faria entre a população em geral aquela prova da confiança regia. Não se dava
por outro ladc tempo
"aos indivíduos mal intencionados, ou aos partidistas da Espanha para procurarem aliciar os
espíritos com o pretexto da demora para insinuar que Sua Majestade quer abandonar
Portugal", nem com o próprio fato da negociação se inspirava maior confiança em sua
força ao governe revolucionário,
e "mais ânimo para se opor a qualquer mudança que Sua Alteza Real julgue dever propor
no sistema que tenha estabelecido".949

Já a atitude
benevolamente indiferente da Inglaterra com relação aos acontecimentos de Nápoles
aumentara muito a confiança, senão jactância dos liberais portugueses, incitando, segundo
Lesseps,950 à adoção de uma Constituição muito mais radical, distante da francesa
e da neerlandesa, que eram as que de
começo se tinham em vista para não suscitar os reparos da Santa Aliança.

 

A
idéia da estação nos Açores nascera muito provavelmente do boato que corria em Londres de que,
tanto nesse arquipélago como na ilha da Madeira, população e autoridades negavam-se a submeter-se
ao governo de
Lisboa. Ainda assim D. José de Souza não esquecia as ilhas adjacentes na distribuição de fragatas de
guerra que sugeria a lord Castlereagh, destacando-se da esquadra do rio da Prata umas para
serem postas à disposição
de Dom João VI no caso
de requerer tal socorro para acompanhá-lo até a Europa, e mandando-se outras para Lisboa, ilhas
e, por prevenção,
a conter na obediência ao rei os habitantes também da Bahia e Pernambuco "no caso de quererem tentar agora uma
nova revolução".

Muito
sensatamente Castlereagh só não objetou ao primeiro alvitre, se bem que lastimando que da
estação do rio da Prata se tivessem retirado as naus de guerra, e em todo caso ponderando a
conveniência de ser a pessoa
do rei transportada a bordo de uma embarcação portuguesa, empregando-se os navios ingleses
na condução das pessoas que tivessem de acompanhar a corte. O governo britânico achava sempre
jeito de voltar à
sua toada favorita de não querer dar pretexto a acusações portuguesas contra a ascendência inglesa, às
quais prejudicariam a real causa; tão sincera sendo sua vontade de não comprometer Dom João VI, que vacilara em seguir o exemplo da França e
anuir a representações endereçadas pelos negociantes ingleses de Lisboa para fim idêntico, de se
mandarem navios para o Tejo com o fim de
protegê-los de quaisquer eventualidades.

Semelhante
abstenção não devia portanto ser tomada, conforme se rumorejava no Rio, como um
indício de proteção indireta à causa da revolução: desconfiança injusta, comentava lord
Castlereagh, a que o gabinete de Londres não queria dar peso e que o não demoveria do seu propósito, a bem da realeza e do
reino, de obstar a que as grandes potências avocassem um papel ativo nos negócios portugueses.951

D. José de Souza acabara aliás por se capacitar de que a
posição assumida
pela Inglaterra oferecia a grande vantagem de poder o seu governo eficazmente
interpor uma mediação entre a coroa e as cortes, se estas por acaso resistissem à
conciliação imaginada pela coroa. As relações tradicionais entre os dois
países, a sua mútua situação geográfica,952 a neutralidade afetada por aquele
governo estrangeiro no conflito, tudo o fadava para um papel pacificador, que decerto entrava
nas intenções da Grã-Bretanha,
mas que lhe não foi dado desempenhar porque o movimento liberal de 1820 logrou por si enlaçar o trono.

Pretexto algum restou ao gabinete de Londres para interferências. As probabilidades de uma cooperação
constitucional espanhola tenderiam gradualmente a desaparecer com a quase certeza naquela
ocasião de uma recusa francesa a consentir na passagem de qualquer exército de
repressão da
Península;953 com o retraimento conseqüente do ideal absolutista e
dispersão dos seus
esforços, e com as notícias todas a chegar do Brasil, de adesão das várias províncias ao
novo regime, juramento pelo rei da Constituição que fosse elaborada em cortes,
e final certeza do próprio regresso dele.

Para não perder vasas, Palmela, no depoimento de Thomaz
Antônio, tinha ido
entretanto recomendando o liberalismo moderado que foi sua constante norma política. Vê-se
pela carta de 12 de fevereiro954 que a essa data já o ministro dos Negócios
Estrangeiros achava insuficiente o decreto em preparação, que devia definir a atitude real, e
opinava pela convocação,
a par e passo das cortes portuguesas, de representantes brasileiros. O malfadado decreto neste comenos
ia, voltava, emendava-se, discutia-se se seria acrescentado ou não, se trataria ou não de
Constituição, como se ainda fosse possível omitir a palavra que em todo o
Reino Unido estava abra-sando os corações e erguendo os espíritos, cultos e mesmo ignaros.

Inteligente como era, Dom João VI enxergava que do lado de Palme-la estavam mais a razão e o bom
senso, e se outros lhe não afagassem a natural inclinação absolutista, ele
votaria por que se cuidasse logo na tal Constituição, que não era afinal coisa tão má pois que o
deixava rei e mantinha
a dinastia. Thomaz Antônio continuara contudo para melhor corresponder ao pendor do soberano
e satisfazer ao mesmo tempo a própria tendência, figurando de centro da resistência, cedendo
quase à força, aos bocadinhos,
resmungando, altercando, choramingando, declamando. "Uma vez encetada a
autoridade real — não se fartava ele de repetir — toda vai perdida, e mais se não pode suspender a
torrente."

Declarar nula a convocação das cortes de Lisboa teria sido o seu gosto,
mas como reconhecia ser impossível, ao menos que servissem apenas para canalizar as súplicas
dirigidas ao rei e elevar as propostas sujeitas à aprovação real, a fim de não aparecerem
resoluções e leis como emanadas da soberania popular. À Carta Constitucional de Palmela nutria sincero horror, bem como ao plano
de ir o príncipe real presidir as cortes, se não fosse já tempo de ir para fazer cumprir a
Constituição outorgada. O quê? dar-se o monarca sem mais por vencido, "não sabendo ainda c
que há de acontecer a favor dos tronos"? Despojar-se o rei, para que c não despojassem, quando existia
uma Santa Aliança dos reis contra os povos? Submeter-se assim aos revolucionários,
desanimando o partido realista? "Não lhe é decente seguir os malvados, e desamparar os
honrados.”

 

A 7 de janeiro ainda Thomaz Antônio opinara contra a ida
do príncipe real
naquelas condições. "A vantagem que Vossa Majestade tem é o de estar aqui a salvo e toda a
família real; a dependência que tem os de Portugal é de pedir uma pessoa real:
portanto não se deve conceder enquanto não voltarem a obediência." A carta regia de
20 de outubro de 1820,
repetia, somente prometera uma pessoa real para o governo de Portugal depois de terminadas as
cortes,
não havendo no seu entender dúvida em aceitarem-se alterações às Ordenações quanto
à segurança de pessoas e de propriedades, contanto que fossem a exame no
Brasil as propostas das cortes.955

Na condescendência, que reputava desistência, antevia um
futuro horrível.
"O que se tem visto em outras nações é que vencido o ponto de terem Constituição, passam a
formar-se conjurações contra os soberanos; e assim parece de temer, pois vencido o ataque contra a
autoridade, segue-se o
atacar a Pessoa… O que fez Luiz XVIII de oferecer a Carta, não há paridade, pois ele a deu como graça
estando os exércitos aliados subjugando a França. Mas neste caso, é oferecida aos
revolucionários, que estão governando
Portugal: é temor, não é graça."956

Inclinar-se
para os constitucionais, era renunciar a toda esperança de lucrar com a contra-revolução,
fatal na Espanha, e, pior ainda, perder a própria obediência de Portugal, quando perdessem sua
efêmera popularidade
os intrusos que, com efeito, a breve trecho se haviam de ver alvo da malquerença da grande maioria da
nação. Nem viessem a Thomaz Antônio com o argumento de que satisfazer os
revolucionários da antiga metrópole, eqüivalia a adormecer a sedição na ex-colônia, ou de que qualquer insurreição brasileira com
mais autoridade e proveito seria debelada estando
a monarquia na sua sede natural.

"O
outro fundamento, de que o Brasil depende de Portugal, e que dali se pode conservar: não me
convence, porque o Brasil é independente, nenhuma potência da Europa o pode atacar com
vantagem. E bem se vê, que a maior ânsia dos revolucionários é incendiar o Brasil; porque se ele se
separa, e rompe a
comunicação, Portugal tem de decair. Ele precisa ser considerado como Hannover a respeito
da Grã-Bretanha."957 Queria o dessem bargador dizer que eram Portugal
e Brasil dois organismos diversos e até dissemelhantes: neste ponto tinha perfeita razão, e a
unanimidade das opiniões
quanto à permanência no Brasil do rei ou do príncipe obedecia ao instinto de conservação que
segredava o grande risco da separação.

Thomaz Antônio deu seus últimos conselhos de reação nas vésperas do motim fluminense de 26 de
fevereiro, que compeliu o rei a jurar a Constituição a ser elaborada em Lisboa e determinou o
regresso de toda a corte, com exceção do
príncipe real e família. A -22 assim estalava o seu amuo: "Senhor, Eu não
hei de decidir sobre a monarquia: ou se manda
imprimir o decreto; ou se remete ao Conde (Palmela) que mande lavrar o alvará
com as bases (da Constituição), e que é ele quem deve referendar. Ele mandou dizer aos regimentos que
Vossa Majestade dava uma
Constituição inglesa; e quer por força que se publiquem as bases. Decida Vossa Majestade isto porque eu não o posso
fazer. Publique ele as bases para Portugal, como lhe parecer bem; mas não se
embarace o que é preciso no Brasil, aqui não dá por contrato, é em Portugal, e
faça para lá outro diploma."958

Perante
o constitucionalismo apregoado de Palmela, queria Thomaz Antônio ao menos livrar o Brasil
dessa mania nefasta das inovações. O velho conselheiro, que em verdade mais se preocupava com
o Brasil, dis-tinguia
bem entre os reinos e apreciava com a experiência que a Palmela faltava da
terra — a ele faltando muito embora toda a perspicácia de Palmela — a diversidade das
condições e das circunstâncias nos dois lados do Atlântico. O mesmo método não’servia para ambos
os países: em Portugal
o essencial era suavizar o amor-próprio e os interesses ofendidos; no Brasil, reformar abusos. Assim se
corrigiriam em todo o Reino Unido os esforços da propaganda subversiva enlevada na
Constituição, concedendo-se o menos para
se não abrir mão do mais

Dom João flutuava ainda e sempre. No mesmo dia 22 foi
esta a sua resposta:
"Thomaz Antônio não olhou para o meu bilhete que lhe dizia que logo que mostrasse a meu
filho a minuta do conde de Palmela lhe remeteria o saco com a minha resolução. Agora me entregou
meu filho os papéis
dizendo-me que lhe parecia que para ele fazer alguma negociação seria melhor não publicar as
bases da constituição, mas Thomaz Antônio veria as gazetas959 que me mandou, a
força em que falam por constituição, chegando a dizer que esperam que todo o Brasil os siga; igualmente a força em que fala o
conde a ponto de pedir a sua demissão, remeto o decreto assinado autorizando-o para o mandar
publicar no caso que tudo
o que lhe digo não lhe fizer obstáculo, julgo que seria conveniente fazer -alguma comunicação ao
conde antes de se publicar, a única coisa que me faz alguma força é o que diz o C. (conde) que
melhor é o dar espontaneamente do que
por contrato."960

Bem esperto será quem depois da leitura deste arrazoado
puder com seguridade dizer se Dom João VI preferia outorgar ou não a Carta Constitucional
pela qual insistia Palmela. Ele próprio provavelmente o não sabia, dúbio entre opiniões
diferentes, atraído por ideais opostos e confusos, dilacerado por motivos contrários. Dom João
era um contemporâneo
de René, e a dúvida mórbida, o mal do século, estendia-se dos devaneios sentimentais ao domínio
prático da política e da administração. As apostilas de 1821 já não refletem o trabalho regular,
metódico e desanuviado dos anos anteriores: agora elas traduzem a incerteza e
a mortificação, sem o forte sentimento de
responsabilidade que as debelaria.

A função real deixava de ser exercida em grande parte
com a preocupação
de fazer justiça, de agradar a todos, de tornar-se um monarca popular, de dar
raízes locais à dinastia, instando por exemplo o rei pela remessa dos papéis das audiências —
"pois quero que as partes não julguem que me não lembro dos requerimentos que me
entregam". Dom João VI acreditava contudo, a meio da perplexidade moral em que se debatia, que a sua permanência no Brasil,
com semelhante fé de ofício, tradição tal de eqüidade e de longanimidade, o dispensaria com
certeza de brindar com
uma Constituição essa seção da monarquia, a qual se contentaria com a dita de possuir a corte no seu seio.

Os brasileiros com efeito queriam geralmente que o rei ficasse, mas não mais os satisfazia o velho estado
de coisas. A perturbação constitucional rasgara horizontes de maior amplidão e por forma
tal acendeu o entusiasmo
entre gente facilmente levada a exageros, que fez mesmo sopitarem estimulantes
desconfianças e provocou uma aproximação sincera de Portugal. O reino nunca foi tão
unido como nessa fase, até que o manifesto
brutal das cortes rompesse o enleio e desmanchasse a ilusão.

A Constituição não cessou todavia de simbolizar o corretivo dos erros,
a reforma dos atrasos, a destruição dos abusos. Nestas condições a permanência do rei podia ser um
motivo de vaidade, para o país um objeto até de afeição comum e superior, mas já nem
constituía sequer uma
segurança de autonomia, pois que seria impossível a Portugal retirar o que fora uma vez concedido:
o Brasil não podia mais voltar à servidão
colonial.961

Uma carta de Palmela em data de 3 de março,962
escrita ao cunhado,
conde de Linhares, descreve, período por período, ainda que muito sucintamente,
a evolução operada no espírito de Dom João VI e indica com quanta repugnância ele veio a abraçar o alvitre de
uma Constituição. Levou-o,
porém, Thomaz Antônio a "publicar só e isoladamente o chamamento dos procuradores das
Câmaras do Brasil", deixando de lado todo um conjunto de medidas, que tinham entre si
um nexo necessário,
e que eram
instantemente aconselhadas por Palmela.

 

No mesmo dia 22 de fevereiro, em que Thomaz Antônio e o rei andaram
tão escrevinhadores, e em que foi referendado o decreto de 18 convocando cortes no Brasil, mandava
pela tarde o ministro assistente ao despacho o seguinte recado: "Aqui veio o conde de
Palmela, trazia outra minuta, eu lhe disse que o príncipe tinha pedido a Vossa Majestade levar
para ele as bases nas Instruções sem as publicar; que Vossa Majestade assim tinha decidido; e eu portanto
mandava pôr em limpo o decreto para convocação
daqui em junta de cortes."963

Estas cortes locais deviam ser formadas pelos
procuradores eleitos pelas câmaras municipais das cidades e vilas principais, que tivessem
juizes letrados,
tanto do reino do Brasil como das ilhas dos Açores, Madeira e Cabo Verde, e para tratar com
elas se nomeava uma Junta de 20 pessoas, a qual funcionaria como comissão
preparatória, cabendo-lhe examinar as feições da futura Constituição da monarquia, aplicáveis
ao Brasil. Um manifesto, simultaneamente publicado, esclarecia mais que o
príncipe real iria entender-se
comas cortes de Lisboa e que o rei prometia perfilhar quanto, no produto combinado daquela
atividade executiva e legislativa, correspondesse à situação peculiar do reino ultramarino.

No dia 24 já a borrasca se prenunciava pois que,
recusada pelo rei a
demissão de Palmela — Arcos retirava-se, escondendo seu jogo matreiro e associando seus destinos
aos do príncipe real — e após uma conferência com este, mandou-se chamar os da junta e algumas
pessoas de fora;
os da junta "para que segurassem os batalhões de que não se fazia engano;
e antes de se publicar o decreto e também a nomeação, ajustar com esta junta se se deviam
publicar as bases da Constituição para Portugal e Brasil, se se devia reconhecer já a Constituição de Lisboa, isto
e. a da Espanha".964

Thomaz Antônio era quem, nem nesses momentos de apuro se
bandeava e, como
náufrago político, ainda se apegava à idéia das cortes serem somente consultivas, pelo
menos com relação à ex-colônia, não se efetuando reforma alguma ou mudança no Brasil sem ser
examinada a pro posta
por pessoas das províncias do novo reino: no que afinal se punha de acordo, aparente senão real,
com a proposição de Palmela de congregar no Rio de Janeiro, a fim de aplicar as bases
fundamentais da Constituição livremente concedida pelo soberano, os
procuradores das câmaras municipais do
Brasil.

O
príncipe real esse é que revelando desde logo seu temperamento autoritário, que o tornaria a
negação do regime que veio a personificar, dava sem rebuço à expressão — Cortes consultivas —
um sentido diferente
daquele que lhe emprestara Palmela. Numa nota do seu próprio punho se lê: ‘"Lei nenhuma
terá vigor sem ser proposta pelo rei em cortes, às quais devem ser consultivas, quero dizer, terem
o direito de discutirem
a proposta real a qual depois decidida pela pluralidade de votos será
sancionada pelo rei"965 — a este competindo portanto a
iniciativa e a sanção.

O t daquela ortografia parece denotar onde bebera o futuro
imperador a noção
da sanção real; mas não foi nos doutrinadores franceses, sim no seu fogoso temperamento
peninsular — de um tempo em que peninsu-lar trazia sobretudo a idéia de frades, mendigos e
cortesãos viciosos — que ele foi buscar semelhante repugnância à iniciativa
popular.966

Da instrução liberal de Dom Pedro nesse tempo (e depois não melhoraria muito) pode-se ajuizar pelo
prosseguimento da sua anotação: "Mandar as bases da Constituição é
reconhecer a convocação destas cortes reconhecida aí está reconhecido o governo, e é indecoroso
a V. M. O reconhecimento é uma
vergonha certa e o ser ou não admitida uma P. R. (proposta real) é incerto portanto
neste caso é melhor ir pelo incerto do que pelo
certo."

O constitucionalismo do que então era herdeiro de Portugal e Brasil foi um traço não tanto adquirido,
o que lhe realçaria o mérito, como postiço, porque se não coadunava com a sua
educação descurada e depressora nem com o seu caráter impulsivo e violento. Dom João VI teria ao contrário feito pela sua sagacidade
de visão e timidez de ação um excelente rei
constitucional, em tempos normais.

Sobre a sua penetração, mesmo quando obscurecida pela
fraqueza de ânimo,
não pode ficar dúvida a quem refletir que, a meio das indecisões e dos receios, ele
descortinava claramente os defeitos capitais da situação, tanto que tachava
justamente os alvitres aventados em redor de si de "pouco práticos e pecando por
inclinar-se exclusivamente para um país ou para outro segundo a nacionalidade, gostos etc.
do preopinante… entretanto
que a S. M. lhe parecia evidente não se poder abstrair de nenhum dos dois países sempre que
se tratasse de regular negócios em que se achem cumulativamente comprometidos os interesses de
toda a monarquia”.

Silvestre Pinheiro Ferreira, a quem pertencem tais palavras,967
acrescentava esta
outra observação muito lisonjeira para Dom João VI, a cujo conhecimento não eram no
entanto destinadas estas expansões de amigo para amigo: "Cito a V. S. estas observações de S. M.
para que por elas V. S. possa
avaliar a verdade do que por vezes lhe tenho escrito sobre a finura de tato que o mesmo Sr. possui
na justa determinação do ponto cardeal sobre
que versa qualquer questão."

Dom
Pedro é que nunca poderia ter sido senão o que foi: um soberano que abdica trono e grandezas por não poder impor suas
vontades, e se converte num condottiere ao
serviço de uma filha que estremecia e de uma causa que pensava estremecer,
porque nela concentrara sua exuberância
de imaginação e sua ambição de glória, dois traços morais que, junto com a bravura física indispensável ao ofício, a
mãe lhe infiltrara na alma e no sangue.

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