romance – LIÇÃO XII do CURSO DE LITERATURA NACIONAL de Fernandes Pinheiro

Cônego Fernandes Pinheiro (1825 – 1876)

CURSO DE LITERATURA NACIONAL

LIÇÃO XII

romance

Forma o romance a transição entre a poesia e a prosa: conservando da primeira a faculdade inventiva, e os floreios da imaginação, e da segunda a naturalidade da frase. A atenção que importa prestarmos às composições em verso impede que seja duradoura, ao passo que a linguagem prosaica, menos fatigante, é também mais compreensível ao grande número de leitores. Lançaram em todas as épocas mão deste meio de instruir deleitando os mais abalizados autores; a Grécia nos oferece o exemplo do grande Xenofone escrevendo a sua Ciropédia, e apresenta-nos a literatura latina em Quinto Cúrcio um distinto romancista histórico. Geralmente se sabe o gosto que na Idade Média havia pelas ficções em prosa, e do grande emprego que delas fizeram os trovadores na língua vulgar, ou romance, derivou-se o nome por que são mais conhecidas. Já fizemos menção da História de Amadis de Gaula, que tão grandes gabos mereceu dos contemporâneos, e que se destaca ufana dentre os escritos da nossa segunda época literária. Bárbara era porém a sua dicção, nem com propriedade a poderemos chamar de portuguesa, porque em suas fachas infantis se envolvia então a língua, que, semelhante à crisálida, aguardava os raios do sol manoelino para meta-morfosear-se em brilhante borboleta.

Não nos consta que nenhum escritor português seguisse os passos de Vasco de Lobeira antes do saudoso Bernardim, de cuja obra passamos a tratar.

Menina e Moça. — Assim se denomina o romance cavalheiresco composto por Bernardim Ribeiro, de quem já anteriormente nos ocupamos como poeta bucólico: viu a luz da imprensa em Ferrara em 1554, pouco depois da morte do autor. Anos depois (em 1559) tirava-se uma segunda edição, a qual, posto não declare o lugar nem o nome do impressor, crê o Sr. Inocêncio Francisco da Silva em seu Dicionário bibliográfico que saíra da oficina de Arnaldo Birkman, impressor de Colônia. Foi publicada esta obra no reinado de D. João III, aparecendo entre os livros defesos no catálogo publicado pelo inquisidor-geral D. Jorge de Almeida; até que sessenta anos depois, levantada a excomunhão, publicou-se uma terceira edição, mudando-se-lhe o título em Saudades de Bernardim Ribeiro e fazendo-se-lhe algumas emendas e alterações. Tem tido até hoje cinco edições, sendo a última de 1852.

Nenhuma relação tem o título com a obra senão por começar ela por estas palavras: Menina e moça me levaram da casa de meus pais. Pensam os críticos que é esta a melhor produção de Bernardim Ribeiro, e o primeiro livro de prosa portuguesa, tanto em razão da sua harmoniosa e pitoresca dicção, como pela ternura dos sentimentos e delicadeza das descrições.

"É quanto a mim, diz Costa e Silva, o livro de cuja leitura os poetas podem tirar mais proveito, porque nela depararão com abundância muitos modos de dizer chistosos, enérgicos e graciosos, grande cópia de frases pitorescas e elegantes, muitos vocábulos que não merecem o desuso em que estão tanto por sua clareza, como por sua harmonia, muitos donaires de elocução, com que, usando-os a tempo, podem enriquecer o seu estilo." 1

Confrontado com os contos cavalheirescos em que abundam as literaturas italiana, espanhola e francesa dessa época, frouxa achar-se-á a sua ação, faltando-lhe as maravilhas e peripécias inopinadas. Inumeráveis episódios entorpecem a marcha dos acontecimentos, e nem sempre soube o autor ligá-los com arte à ação principal. O que porém não pode deixar de inspirar-nos vivo interesse por esse romance, cujo assunto tão contrário é aos nossos usos, é essa doce melancolia que unge suas páginas, esses quadros bucólicos tão bem pintados, esse profundo estudo da natureza e do coração humano.

1 Ensaio biogr. e crit. T. I, Cap. XIII

Transcrevemos para testemunho do que acabamos de dizer o começo do capítulo segundo em que uma moça conta como se retirara para solidão e por que modo ali se deslizava a sua existência.

Neste monte mais alto de todos (que eu vim buscar pela suavidade diferente dos outros que nele achei) passava eu a minha vida como podia; ora em me ir pelos fundos vales que os cingem derredor, ora em me por do mais alto deles olhar a terra em que ia acabar o mar; e depois o mar como se estendia logo após ela, para acabar onde ninguém visse. Mas quando vinha a noite acepta aos meus pensamentos, que via as aves buscarem os seus pousos; umas chamarem as outras; parecendo que queria assossegar a terra mesma, então eu triste com os cuidados dobrados com que amanhecia, me recolhia para a minha pobre casa (aonde Deus me é boa testemunha de como as no,ites dormia). Assim passava eu o tempo, quando umas das passadas, pouco há, levantando-me eu vi a manhã como se erguia fermosa e se estendia graciosamente por antre os vales e leixar ainda os altos. Cá o sol, já levantando até os peitos, vinha tomando posse dos outeiros como quem se queria senhorear da terra. As doces aves batendo as asas andavam buscando umas às outras; os pastores tangendo as suas flautas e rodeados dos seus gados começavam a assomar pelas comiadas. Para todos parecia que vinha aquele dia assim ledo; os meus cuidados sós vendo como vinha seu contrário (ao parecer poderoso) reco hiam-se a nrm, pondo-me ante meus olhos, pera quanto prazer o contentamento poderá aquele dia ver, se não fora tudo tão mudado; donde o que fazia alegre a todas as cousas a mim só teve causa de fazer triste. E oomo qs meus cuidados, para o que tinha a ventura ordenado, me começasr sem de entrar pola lembrança de algum tempo, que fo’, e que nunca fora, senhorearam-me assim de mim que me não podia já sofrer a par de minha casa, e desejava ir-me por lugares sós, onde desabafasse em suspirar. E ainda bem não foi alto dia quando eu (parece que assinte) determinei ir-me nera o pé deste monte, que de arvoredos grandes, e verdes ervas, e deleitosas sombras, é cheio; e por onde corre um pequeno ribeiro de água todo o ano, que nas noutes caladas o rugido dele faz no mais alto deste monte um saudoso tom, que muitas vezes me tolhe o sono; onde outras muitas vou eu lavar minhas lágrimas, e onde muitas infinitas as torno a beber…

Prossegue Bernardim Ribeiro neste tom digno da flauta pastoril de Teócrito e Virgílio, descrevendo com singular primor as cenas campestres, e pintando a agridoce saudade com inimitável colorido. Cumpre não esquecer que não estava esta simplicidade no gosto do tempo, como veremos analisando os romances de Francisco de Moraes e de João de Barros, e que só nos clássicos gregos e latinos poderia ele encontrar modelos de tão belo estilo.

Encobriu o romancista com anagramas os verdadeiros nomes dos seus personagens dizendo Bimnarder, Aônia, Be. lisa, Avalor, etc; em vez de Bernardim, Antônio, Isabel, Álvaro,

etc.; porque se referia a pessoas da corte e fatos do domínio público.

A segunda parte desta obra é apócrifa e não está de acordo com a primeira. Muito seria para estimar-se que em nova edição desaparecesse tal mácula.

Crônica de Palmeirim da Inglaterra. — Este romance cavalheiresco é devido à pena de Francisco de Moraes, natural de Lisboa ou Bragança, e nascido nos últimos anos do século décimo quinto, ou no começo do décimo sexto, segundo pensa o Sr. M. Odorico Mendes.1 Afeiçoado à casa de Linhares, acompanhou em 1540 D. Francisco de Noronha, segundo conde deste título, na embaixada à corte de França, onde lhe serviu de secretário. Foi tesoureiro de D. João III, e comendador da ordem de Cristo. Casado com Bárbara Madeira, foi pai de numerosa prole, e com honra passou a sua vida até o ano de 1572, em que violentamente morreu à porta do Rocio de Évora, conforme o testemunho do abade Barbosa Machado.

Na posse mansa e pacífica da paternidade do citado romance conservou-se por largos anos Francisco de Moraes até que em seu catálogo dos livros espanhóis e portugueses, impresso em Londres no ano de 1826, negou-lhe Vicente Salva esta honra, fazendo-a reverter para seu compatriota Luis Hurtado. Deslumbrados pelo prestígio de que justamente goza o distinto literato espanhol, seguiram quase todos os modernos bibliógrafos o seu alvitre, que pareceu incontroverso até que o nosso benemérito patrício, feliz intérprete de Virgílio, saísse a campo para reivindicar em prol do tesoureiro de D. João III a glória que lhe cabe por haver originariamente escrito em português a sua Crônica de Palmeirim. Entre muitas razões habilmente expendidas pelo Sr. Odorico Mendes pareceu-nos irrespondível a deduzida da dedicatória feita em 1544 à infanta D. Maria, filha de el-rei D. Manuel e magnânima protetora das letras. Como é possível, pondera o Sr. Odorico, que um livro, que se diz viera pela primeira vez a lume em 1547. escrito em idioma castelhano, fosse vertido para o português trazendo uma dedicatória composta em 1544 por Francisco de Moraes, a quem se pretendeu modernamente arrancar as palmas, que por semelhante trabalho lhe destinou a posteridade? É pois para nós evidente que o amigo do conde de Linhares é o autor, e não mero tradutor, da Crônica de Palmeirim da Inglaterra.

1 Vide Opúsculo sobre Palmeirim da Inglaterra e do seu autor, publicado em Lisboa no ano de 1860.

Lê-se no Manual bibliográfico de Brunet que fora este romance vertido em francês por Jacques Vincent e publicado em Lyon em 1533, e em italiano por Mambrino Rosco, que o dera à estampa em Veneza nesse mesmo ano de 1533.

São apenas da lavra de Moraes a primeira e segunda partes; sendo a terceira e quarta de Diogo Fernandes; e a quinta e sexta de Baltasar Gonçalves Lobato.

Contra a torrente dos críticos, sustenta o Sr. Odorico, com muitos bons fundamenlos, que a primeira edição da Crônica aparecera em 1544, três anos antes da tradução castelhana de Hurtado.

Tal como soíam ser a de todos os contos e novelas de cavalaria, é a fábula deste livro absolutamente inverossímil, e a cada passo sacrifica a história à ficção. Fantásticos são todos os nomes de príncipes e heróis que ali se encontram, e quiméricos todos os fatos a que alude.

Falta-lhe a singeleza de expressão da Menina e Moça, porquanto já o gosto dos trocadilhos e empoladas frases começava a despontar. Sobrecarregadas de tropos são a mor parte das duas descrições e por demais prolixas quase todas as narrativas. Desconheceu Moraes o talento de pintar com graça, que em subido grau possuiu Bernardim Ribeiro. A reputação porém de que outrora gozou, e o apreço em que ainda hoje é tido pelos amadores da língua, obrigam-nos a não o omitir na resenha que fazemos dos romancistas da terceira época, inventariando algumas das suas belezas.

Como quadro de costumes, como exemplo do modo por que precediam as donzelas para com os seus apaixonados, citemos um trecho do capítulo CXII da primeira parte, em que se narra a declaração do amor que faz Floriano à princesa Leonarda, em presença da imperatriz Polinarda, que patrocinava semelhante amor.

A todas estas palavras a fermosa Lionarda esteve calada e corrida, por ser ainda tão nova naquela casa, e, respjndendo a Polinarda disse: Senhora eu não sei que co.sa me possa s mandar, rem sendo contra a minha honra, que não faça e receba nisso mercê. Este cavaleiro para o haver por meu baste ser irmão de Palmeirim, a quem tanto devo, e primo de V. A., a quem desej-j servir. Se ele acha que este rome lhe pode prestar para alguma coisa, eu consinto que lhe fique: mas quem tais obras tem não tem necessidade de ajuda ca pequena pera depois lhe atribuir a honra de seus fe.tos.

Notável pela exatidão e feliz escolha dos vocábulos é a pintura das justas que se lê no capítulo CXXVII, começando por estas palavras:

Como os cavaleiros se aparelharam para justar, Almourol se pôs em meio, pedindo-lhes que se detivessem, até que Miraguarda se pusesse a uma janela, porque vendo a detenção se recolhera. Com isto puseram os contos no chão e encostados nas lanças esperaram até que uma das janelas do castelo se concertou para Miraguarda, e como a janela fosse pouco alta Fiorendos teve lugar de a olhar à sua vontade, gastando nisso mais tempo do que em tal tempo era necessário. E virando-se contra o cavaleiro das donzelas, pedindo-lhes perdão de sua detença cheio de contentamento foi pera ele, que também o saiu a receber acompanhado de seu esforço. E encontrando-se nos escudos com toda a sua força fizeram as lanças em rachas, passando um por outro sem fazer nenhum desar. Tomando outras remeteram segunda vez e foi com tanta fúria, que ambos erraram o encontro, porém como a cada um naqueles tempos não costumasse falecer ac:r-do logo tornaram voltar com tenção de os acertar melhor a terceira vez…

Bem escolhidas enargueias e rara concisão de estilo recomendam a seguinte passagem do capítulo CLXVT da segunda parte, em que se descreve uma batalha pelejada entre cristãos e turcos:

O romper das armas, rachar de escudos, quebrar de lanças soava tão longe e com tamanho estrondo que parecia que ali se consumia e desfazia toda a geração humana, que os alaridos de alguns bárbaros fendiam as estrelas, os gemidos dos feridos e que em aquele ponto acabavam de dar a vida com tamanha lástima se representavam nos ouvidos dos seus amigos que não havia a quem não provocasse lágrimas e dor…

Pouco adiante traçando a aflitiva situação da cidade serve-se destas belíssimas expressões:

.. .A imperatriz com toda a sua casa vendo tal batalha, lembran-do-lhe o que naquela batalha aventuravam, se metera em seu aposento. Ali assolando os paços com gritos parecia que a destruição deles era chegada. Este pranto espargiu por toda a cidade, e as matronas e donas de maior autoridade, postas em cabelo, e as faces rasgadas, saíam pela rua gritando até o paço, onde em pequeno espaço se juntaram’ muitas, como quem no imperador esperavam verdadeiro remédio e socorro.

Poupamos aos leitores a transcrição de muitos outros lugares onde custa a joeirar o bom dentre miríadas de metáforas, hipérboles e pleonasmos do mais reprovado e anacrônico gosto. Não escrevendo uma história literária, temos por único propósito apresentar o que de melhor possuir a nossa literatura, para que de modelo possa servir à juventude.

Crônica do Imperador Clarimundo. — Antes de inventariarmos as belezas e defeitos deste romance, daremos algumas

noções biográficas sobre o seu autor. Diz o abade Diogo Barbosa Machado 1 que nascera João de Barros na cidade de Viseu, província da Beira, no ano de 1496. Revelando singular engenho desde a mais tenra idade, foi nomeado por el-rei D. Manuel moço da guarda-roupa de seu filho o príncipe D. João, o qual, apenas de posse do trono escolheu-o para capitão-mor da fortaleza de S. Jorge da Mina, para ende partiu em 1522, e regressando três anos depois recebeu em prêmio dos seus bons serviços o emprego de feitor da casa da índia, Mina e Ceuta, que com grande probidade serviu até 1567. Faleceu a 20 de outubro de 1570 na sua quinta da Ribeira de Alitem, junto à vila de Pombal.

Amargurada correu-lhe a derradeira quadra da existência pela perda de avultado cabedal na malograda empresa de colonização do Maranhão e pelo falecimento de seus dois filhos, vítimas de um naufrágio nos baixios que rodeiam a ilha daquele nome. Adestrando-se para escrever a história geral do reino, e quando apenas contava pouco mais de vinte anos, compôs no curto período de oito meses a

Crônica do Imperador Clarimundo, donde os reis de Portugal descendem tirada da língua húngara em a nossa portuguesa e dirigida ao esclarecido príncipe D. João, filho do mui poderoso rei D. Manuel.

Apesar da declaração do autor de ser a sua obra traslada-dada da língua húngara, ninguém lhe deu crédito, considerando-se tal declaração como um artifício de escritor, que em tão verdes anos arrostava os perigos da publicidade. Nem parece que tivesse o próprio Barros grande empenho em ocultar a sua intenção, como se depreende das seguintes palavras exaradas no prólogo endereçado a D. João III:

E por cima das arcas da vossa guarda-roupa, publicamente, como muitos sabem, sem outro repouso, sem mais recolhimento, onde o juízo quieto pudesse escolher as cousas que a fantasia lhe representava fiz o que meu amor, e vosso favor ordenaram.

Ora, sendo claro que a fantasia é prejudicial ao tradutor, segue-se que Barros inventava e não traduzia.

Apartando-se da história, procurou João de Barros o tronco dos reis portugueses no fabuloso Clarimundo, rei de Hungria e imperador de Constantinopla. Cheia de inverossimi-lhanças, como todos os romances de cavalaria, é esta Crônica recomendável pela correção de linguagem, graças de estilo, e frescura de imaginação. São menos salientes nela os defeitos inseparáveis a tas composições; assim, por exemplo, menos tediosas são as suas pinturas de combates do que na de Palmeirim, menos prolixas as suas descrições de palácios e castelos encantados, menor é o número de gigantes cujas enormes cabeças são decepadas pelas terríveis durindanas dos cavaleiros.

1 Biblioteca Lusitana, T. II.

 

 

Bem sustentado é o caráter do protagonista e naturalmente encadeados os episódios à ação principal. Lances perfeitamente romanescos e de grande moralidade abundam neste livro, cuja leitura, se não tem hoje o atrativo que em outra era causava, não deixa de compensar com usura a quem a empreender. Bastante desculpável é o demasiado colorido de sua frase em um mancebo que se estreava na vida literára, preludiando já o elegante e clássico historiador, que devera mais tarde ornamentar a nossa língua.

Segundo o método que havemos abraçado, exemplifiquemos o que acima dissemos. Para prova da delicadeza de Barros em suas pinturas, transcrevamos a do capítulo XLIV do livro segundo:

Tanto andou o Cavaleiro Descuidado por uma e outra parte, fazendo tas obras que o desejaram todos os Reis e Príncpes ver, e diziam que a vantagem que aos outros cavaleiros tinha era com seus descuidos dar tão boa conta de si em todas as cousas, como os muito previstes nas suas. E segu ndo as aventuras sem saber o que seguia, nem por onde cammhiva, ve:o ter uma jornada da cidade de Cons-tantr.opla, jun*o de uns Paços que se chamavam Todo Prazer, os quais estavam metidos entre duas serras tão frescas de pomares e frutas de todas sortes, que a’i se achava o que em muitas partes desfalecia; pois lavores das salas, câmeras e outros repartimentos de casas e jardins, cer^o que mais parecia obra para o’hir que pira se dela servir. E leixando estas cousas de dentro, pelas serras havia grande montar1a e nas várzeas debaixo c-ças de Ioda a sorte, e prr esta causa vnha o Imoerador estar ali três meses de verão: e qu?n-do os negóc!os do Império o não deixavam lograr este tempo vinham ali suas filhas caçar a’guns dias…

Nem menos gracioso é o quadro que nos traça o romancista das costas de Portugal e da entrada de Lisboa que se lê no capítulo I do livro terceiro:

E tomando a minha trasladação, diz o Autor, que navegando Carmundo com toda a sua frota, em espaço de doze dias com prosperidade de tempo v;ram terra, e antes que chegassem a ela, obra de seis léguas começaram a achar mutas maçãs, neras, flores e outros sina’s do viço da terra. E quanto mais se chegavam a e’a tanto mais abastança daquelas cousas achavam. Fanimor como viu estes sinais onde ele desejava, mandou governar pelo meio das águas,dizendo que elas o meteriam em porto seguro, inda que a primeira lhes parecesse áspero. Clarimundo vendo-o tão alvoroçado com a vista daquela terra perguntou-lhe por ela. Esta é, respondeu Fa-nimor, a mãe de todo o esforço, que dará seus filhos pera o reparo do sangue de Cristo, chamada o Monte da Lua, o qual nome antes de pouco perderá chamando-se Roca de Cintra pera enquanto o mundo durar; e não ficará parte nele que o não saiba, assi como aquele que sinais desta terra terá tão vivos que nunca os perderá dos olhos; a qual roca lhe mostra do reino de Portugal que em linguagem cítica quer dizer Todo o bem. E porque vós, mui esforçado cavaleiro, na entrada deste porto haveis de achar quem vo-lo defenda será mui bem tomardes armas, e serão estas que vos trago. Então mandou tirar umas de um verde gracioso com uns arminhos brancos sem outro algum sinal, e no escudo em campo verde a saudade pintada tão triste e chorosa, como têm aqueles que muito amam: com que Clarimundo folgou por virem feitas à sua tenção. E armado com alguns criados de Fanimor, começaram a entrar por um rio, que vinha coberto daquelas maçãs e flores em tanta quantidade que impediam as naus, que vinham umas entre outras com vento mui brando e gracioso. E entrando já entre as terras começaram as antenas a tocar de quando em quando pelas pontas das ramas, e com a força que levavam sacudiam as flores e frutos, donde se causava Ir o rio coalhado delas. Pois os rouxinóis e pássaros eram tantos sobre as enxárcias mostrando o prazer daquela vinda, que venciam em número a todas as flores.

As profecias de Fanimor anunciando as futuras façanhas dos netos de Clarimundo são dos mais belos lugares do romance, as quais claramente demonstram o fim para que fora escrito o livro. São porém frios e dissonantes os versos com que julgou o autor dever exornar a sua prosa. Tomemos para exemplo os seguintes:

ó almas divinas, que aqui sereis dadas, Dadas por Cristo por mais perfeição, Ter-vos-ão todos tal veneração Quanto com obras sereis exalçadas. Porque pelas terras ireis espalhadas Banhadas em sangue de vossa vitória Cobrando d’imigos tão grande vitória Que sobre todas sereis colocadas.

Mais hábil prosador do que harmonioso poeta, descreve com admirável primor a criação da ordem de Cristo, quando fazendo falar o vidente, diz:

E porque o seu desejo será sempre ocupado na destruição de Mafamede, e no exalçamento da fé de Cristo, ordenará uma Ordem Sagrada e Militar; os membros da qual, para serem conhecidos entre os outros homens, trarão nos petos um sinal de sangue, como aquele que para nossa redenção foi ordenado. E a este tal número dará um superior, a que chamarão Mestre de Cristus.

Animado pelo mais ardente patriotismo, alude Barros aos descobrimentos dos seus compatriotas na seguinte mimosa alegoria: "E de suas mãos soltarão aves sem espíritos com cruzes de sangue nas asas as quais voarão por tantas partes que darão a conhecer ao mundo que é maior do que ele de si cuidava; descobrindo com os seus bicos tantos recantos e fraldas da terra que ajuntando em número farão por si outro maior corpo do que ela tinha."

Termina o romance com a chegada a Espanha em uma nau encantada de dois filhos do imperador Clarimundo, um dos quais (D. Sancho), casando-se com uma filha de D. Afonso VI, foi progenitor do conde D. Henrique, donde os reis de Portugal descendem.

Fonte: editora Cátedra – MEC – 1978

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