Wladyslaw Stanislau Reymont, escritor polonês, distinguido com o Prêmio Nobel de literatura, em 1924, nasceu na’ aldeia de Kobiele, província de Piotorkow, em 1868, tendo passado a meninice no pastoreio do gado. como aliás quase todos os filhos de camponeses polacos. Abandonando a casa dos pais, percorre a Polônia de norte a sul, nas mais variadas profissões, chegando até a ser ator de uma companhia de segunda ordem. A insatisfação não o larga um minuto sequer e, num momento de desânimo, vai ao extremo de procurar a paz e o sossego de um convento, onde chega a usar o hábito de noviço.
Da experiência até então adquirida, publica, em 1895. as "Peregrinações ao Mosteiro dos Padres Paulino". O êxito alcançado revela-lhe o caminho a seguir.
De 1896 é "A comediante", cuja ação se passa nos meios teatrais, seguindo-se a segunda parte — "Fermentos", — cm 1897.
Daí em diante seu trabalho literário é enorme, con-solidando-lhe a fama.
De toda a sua obra a crítica destaca "Os camponeses", já traduzida em quase todas as línguas, e onde se nota uma atmosfera de perfeita identificação entre a terra e o homem, na luta e no amor deste pela posse daquela.
Sobre a obra de Reymont acentuou um critico que, não só pela sua capacidade de despertar nossas emoções, mas, e notadamente, pela intensa solidariedade humana que irradia ela encontra sua ressonância musical em Chopin, no mesmo e inconsciente desejo de unir espiritualmente o universo.
Uma lenda de Natal
Ladislau Reymont
ERTO dia ia Jesus, com São Pedro e Judas, de Ujazd a Pio-trkow.
Isso foi há muito tempo, há tanto tempo que, onde hoje é terra firme, só havia então pântanos, e onde agora existem campos só existiam bosques. Era tão deserta a região que se podia andar uma légua sem se encontrar uma aldeia, e duas sem se ver um castelo.
Jesus ia tiritando tanto que causava dó. Até as pedras estavam geladas; era noite de Natal. Os três iam esfomeados e nem uma cabana, nem um albergue, nem uma viva alma. De vez em quando paravam para descansar; logo porém tornavam a caminhar, porque os lobos e outros animais ferozes lhes seguiam os passos, em bandos uivando, fazendo-os tremer de medo.
São Pedro tinha arranjado um pau, pequeno, mas forte; e Judas se armara com uma pedra. Disse-lhes o Senhor:
— Não tenhais medo, meus filhos, eu estou convosco.
São Pedro e Judas não tinham medo, mas afinal uma fera sempre é uma fera e portanto é sempre mais garantido andar com um cacete.
A noite já tinha caído quando chegaram a um castelo. Pensaram que aí poderiam descansar, mas o castelo pertencia a uns alemães que os puseram na rua dizendo–lhes que não os importunassem. São Pedro tomou-se de uma cólera imensa e queria a todo pulso experimentar a
superioridade do seu cacete na cabeça do castelão. Judas resmungava:
— Estou danado, Senhor, estou danado! Estou com vontade de torcer o pescoço daquele patife. . . Só assim me acalmaria.
Mas, disse-lhes o Senhor:
— Tende paciência. Os homens são ignorantes e é por isso que são maus. E’ natural que os macacos se roubem uns aos outros, mas os homens devem auxiliar-se entre si. O mundo será assim por muitos anos…
E prosseguiu o seu caminho, falando, seguido pelos dois discípulos. Cada vez o frio se tornava mais impiedoso e a fome crescia. Finalmente, depois de muito andar, deram com uma estalagem.
— Entremos, — disse Jesus. — Ainda há gente boa no mundo.
— Mestre, — respondeu São Pedro — eu não tenho um vintém!
O Mestre revistou os bolsos e não encontrou nada. Ficou triste.
— Eu também não, — disse êle. — Empresta-nos tu, Judas, algum do que tens.
— Eu só tenho um florim polonês, — retrucou Judas. Tinha dois, mas custava-lhe muito ter de dá-los.
— Pois da cá esse florim, visto que não tens mais. Mas o Senhor sabia perfeitamente que Judas estava mentindo.
Judas tirou da bolsinha vinte e oito gros, tudo em dinheiro miúdo.
— Eu ainda devo ter mais dois gros, enfiados aqui nos bolsos — disse êle, fingindo que os procurava. E pensava consigo: — sempre são mais uns cobres que ficam. . .
Jesus pegou no dinheiro e entraram na estalagem.
— Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
— Para sempre seja louvado! Sede bem-vinda, boa gente! Para onde Deus dirige os vossos passos?
— Por esse mundo, boa mulher, por esse mundo. Estamos caindo de fome e de cansaço. Tendes alguma coisa que se possa comer? Já nem podemos abrir a boca.
— Sim, dai-nos um pedaço de pão — acrescentou São Pedro.
— Não há mais pão.
— Bem, então um pouco de queijo ou de chouriço. . .
— Também não tenho mais. . .
— Então, boa mulher, dai-nos um pouco de batata. . .
— Também não tenho. Não tenho nada. Antes de vós, passaram outros viandantes, que comeram tudo.
— E aguardente?
— Bem, aguardente tenho, mas previno que é muito forte. Da fraca é que já não tenho nada.
— Talvez não vos incomodásseis se tomássemos um copo — atalhou o Senhor.
Judas cuspiu com desprezo e São Pedro disse:
— Ora,’ não nos fará mal! Estou morto para tomar qualquer coisa, pois já não posso ficar de pé.
— E arenques, não há? — perguntou Judas, que gostava muito de peixe.
— Não.
— Que posso fazer por vós, meus pobres amigos? — exclamou Jesus, desesperado.
— Se pudessem pagá-lo, talvez se arranjasse um ganso. — informou a estalajadeira.
— Fica sossegada, que o pagaremos. Palavra de gente de bem — exclamou Jesus. — Trazei-nos o ganso que logo recebereis o seu preço.
A mulher foi buscar o ganso. Judas, que tinha sido comerciante e era entendido em tais coisas, pegou no ganso, calculou-lhe o peso e soprou-lhe as penas da barriga.
— Magrinho, magrinho! Não tem mais que osso! Para mim só, dava; mas para os três não dá nem para o buraco de um dente.
São Pedro coçava a cabeça. Para êle só também o ganso chegava.
— Ponha-o no fogo — ordenou Jesus — e, voltando–se para os discípulos: — Não te parece, Pedro, que é muito pouco para nós três?
— Na verdade, é pouco, Senhor! Ainda se tivesse umas couves para reforçar, e um pouco de pão.. .
Jesus refletiu e disse:
— Em vista disso, proponho o seguinte: vamos dormir, que a fome abrandará um pouco. Enquanto isto o ganso ficará pronto e, ao acordarmos, aquele que tiver tido o sonho mais bonito comerá o ganso.
E acomodaram-se ao lado da chaminé e logo adormeceram.
Uma ou duas horas depois Jesus despertou:
— Levantai-vos!. . . Então, Pedro, que é que sonhaste?
— Sonhei, Senhor, que era vosso intendente. Que tinha a chave dos vossos domínios e uma cabana para morar. Que vos servia fielmente.
.— Bom! Bom, meu amigo! Serás meu intendente, —-disse o Mestre, tomando a cabeça do Apóstolo entre as’ suas mãos benditas. — E eu. . . eu sonhei que estava no céu, porque já não havia, neste mundo, nem ignorantes, nem miseráveis, nem malvados. Para todo camponês havia um pedaço de terra, todo o mundo vivia contente.
— O ganso vos pertence, Senhor, porque tiveste o sonho mais lindo! — disse São Pedro. E não sentia nenhum pesar embora a fome o torturasse imensamente.
— E tu, Judas, que é que sonhaste? — perguntou docemente o Senhor, ao vê-lo levantar-se, esfregando os olhos e bocejando.
— Eu, Senhor? Eu sonhei. . . sonhei que me levantava e que, em sonhos, comia o ganso, — disse Judas, em voz muito baixa, com os olhos pregados no teto.
— Muito bem! Pois o teu sonho não foi dos piores. . . Ó mulher, traga-nos o ganso!
A estalajadeira contou então que aquele homem ruivo tinha comido o ganso sem deixar ao menos um ossinho para o cão.
Jesus olhou para Judas, misericordiosamente, e disse: — Então, sonhaste que tinhas comido realmente o ganso? Pois olha, que foi um bom sonho.
— Sim, não foi mau, — respondeu o outro, sem ousar encará-lo e coçando a barba ruiva.
— Pois bem, já que sonhaste isso, fica aqui sozinho e sonha a teu bel-prazer que comes o ganso com couves, em alegre companhia. Eu e Pedro iremos por esse mundo afora à procura de quem não faça pouco de nós.
E partiram os dois.
E eis porque agora o povo da Polônia guarda santamente as vigílias. Mas os hereges não; — esses, nunca!
Fonte: Livro de Natal – Livraria Martins Editora. Ilustrações de R. Zamboni. Seleção e Notas de Araújo Nabuco, 1955.
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