A raposa e o bode – fábula de Esopo
Em certa digressão, associaram-se uma rapôsa e um bode Era êste tão curto e rombo de bestunto [1]), quanto aquela era manhosa e arteira. Apertados da sêde, procuram modo de a satisfazer e só encontram o refrigerante líquido em um poço. Descem; e, depois de beberem à vontade, diz a rapôsa ao companheiro.
– “O que é mais sério, amigo, é ver como sairemos daqui. Estou vendo que pagaremos caro a água que bebemos.”
Depois de fingir por algum tempo que meditava, diz a rapôsa: “Ocorreu-me uma idéia, única que nos salvará.”
“Qual é?” perguntou o companheiro.
“Olha: põe os pés a pino por esta parede acima, levanta bem a cabeça; depois salto para cima do teu espinhaço, vou subindo até à extremidade das tuas pontas e daí dou um pulo e salto para fora. Em seguida tiro-te.”
Ficou o bode admirado da inteligência luminosa da sua companheira e aprovou-lhe a lembrança. Dito e feito. Saiu a rapôsa e deixou metido na arriosca 2) o companheiro. Cá de cima, em eloquente discurso, exorta-o a ter paciência e conclui:
“Se os deuses, meu amigo, te fizessem tão rico de miolos, como és abundante de barbas, não serias tão nécio que descesses a êsse poço. Agora lá te avém; eu já estou salva. Faze a diligência por sair; trata de ser bom cavaleiro. Adeus; tenho agora muito que fazer, não posso demorar-me.”
Em tudo o que empreendemos é necessário primeiro vermos a saída. Esopo. (Adaptação).
Fonte: Seleta em Prosa e Verso dos melhores autores brasileiros e portugueses por Alfredo Clemente Pinto. (1883) 53ª edição. Livraria Selbach.