Continued from: Biografia de Aníbal de Cartago, por Plutarco - Vidas Paralelas

XIII.Aníbal, então, veio de Turim
à região dos insúbrios e teve como antagonista a Públio Cornélio Cipião, que
partiu apressadamente de Marselha, e atravessando o Pó e o Ticino, acampara não
muito longe do inimigo: de modo que, pouco tempo depois, tendo ambos os
generais saído para reconhecimento, houve uma escaramuça de cavalarianos, que
durou algum tempo, sem que se pudesse saber quem levaria vantagem. Finalmente,
os romanos, vendo o cônsul mui aflito, quando os cavaleiros númidas avançavam
para cercá-los por trás, foram obrigados a recuar e, assim, pouco a pouco,
retiraram-se, defendendo-se como melhor podiam, para salvar o cônsul, chegaram
até seu próprio acampamento . Diz-se que, então, P. Cornélio Cipião foi salvo
por seu filho, (depois cognominado o Africano) que ainda era muito jovem:
louvor que, certamente (tanto é soberano, quanto prestado em tão
grande juventude), é assaz verossímil, e conforme às grandes empresas depois
por ele realizadas. Cipião, tendo assim experimentado quanto seu inimigo era
mais poderoso do que ele em cavalaria, determinou colocar-se num acampamento,
no qual a infantaria estivesse mais garantida, e pudesse combater com maior
vantagem. E assim, durante a noite ele atravessou o rio Pó, com o menor ruído
possível, e se dirigiu a Plaisance.

 

XIV. O mesmo fez, pouco tempo depois, T. Semprônio Longo, que tinha sido
chamado novamente pelo senado, da Sicília, a fim de que os dois cônsules
dirigissem os negócios públicos com a mesma autoridade e de comum acordo.
Aníbal igualmente os seguiu com todo o seu exército e acampou com todos os seus
soldados perto do rio Trébia, esperando que, pela proximidade dos dois
acampamentos, apresentar-se-ia logo alguma ocasião de combater, o que ele
desejava ardentemente, não só porque ele não podia mais e por mais tempo
sustentar a guerra por falta de víveres, mas também porque ele suspeitava da
volubilidade dos gauleses: pois, assim como bem depressa se teriam unido a ele
e gozado da sua amizade, levados pela esperança de melhoria e pelo renome da
vitória por ele conquistada, também, pensava ele, por alguma causa fútil, (como
se a guerra se prolongasse por muito tempo em seu país) eles voltariam toda a
raiva e o
ódio que tinham contra os romanos, contra ele, como o único autor da guerra. E,
por isso, procurava de, por todos os meios, o motivo para travar a batalha.
Durante essas tratativas, Semprônio, o outro cônsul, encontrou um grupo de inimigos
carregados de presas de guerra e esparsos pelo campo, aos quais ele atacou e
pôs em fuga: imaginando, por este episódio, o resultado de toda a batalha, pela
feliz sorte que tinha tido, concebeu uma grande esperança da vitória, se por
acaso os dois exércitos se encontrassem e viessem a lutar. Pelo que, desejando
praticar algum ato extraordinário, antes que Cipião deixasse o consulado e que
outros fossem eleitos em seu lugar, deliberou travar a batalha, mesmo contra a
vontade do outro cônsul, seu companheiro, o qual julgava não haver coisa mais
fora de propósito do que arriscar os negócios públicos, quando todos, ou quase
todos os gauleses estavam em armas contra eles.

 

XV.
Aníbal foi avisado de tudo
isso, por meio dos espiões que ele havia enviado ao acampamento dos inimigos.
Por isso, fino e astuto como ele era, escolheu logo um lugar entre os dois
campos, todo coberto de sebes e moitas, onde pôs seu irmão Mago, de emboscada,
com uma tropa de elite. Depois ordenou aos cavaleiros númidas que corressem até
às muralhas e trincheiras dos romanos e os provocassem, para os trazer à
batalha. Depois de ter remunerado o resto do exército, levou-o em ordem, a fim
de estar sempre preparado para o que acontecesse. O cônsul Semprônio, ao primeiro tumulto dos númidas,
mandou logo também seus cavaleiros contra eles e depois seis mil soldados de
infantaria, e por fim saiu ele mesmo do acampamento com todo o exército. Era
pleno inverno e fazia muito frio, também nos lugares fechados pelos Alpes e
pelo monte Apenino. Os númidas, como lhes havia sido ordenado, atraíam os
romanos pouco a pouco para aquém do no Trébia, até que, tendo chegado ao lugar,
de onde podiam reconhecer suas insígnias, de repente, voltaram-se contra os
inimigos que estavam em desordem. É costume dos númidas recuar muitas vezes,
propositalmente, e depois parar de repente, quando lhes parece, para voltar a
atacar o inimigo, mais fortemente e com mais fúria do que antes. Por isso
Semprônio reuniu logo seus cavaleiros e preparou a batalha, segundo o momento o
exigia, para ir enfrentar seu inimigo, que o aguardava enfileirado para a luta.
Aníbal tinha seu exército pronto, para aproveitar a ocasião que se lhe
apresentava. A refrega começou primeiro, no encontro da cavalaria ligeira,
depois, pela infantaria; mas os cavaleiros romanos, não podendo suportar o
choque dos inimigos, foram logo desbaratados. E as legiões sustentaram a
batalha com tal esforço, com tanta coragem, como elas sabiam resistir, quando
não se exigiria senão o trabalho das tropas de infantaria. Mas, de um lado, os
cavaleiros e os elefantes os assustavam e, de outro, a infantaria os perseguia
de muito perto, combatendo com grande violência, contra corpos esfomeados e
enregelados. Os romanos, suportando tantos males e perigos, dificuldades que
lhes vinham de todos os lados, com uma coragem e magnanimidade acima das
próprias forças, combateram sempre, até que Mago, saindo da sua emboscada, veio
atacá-los de improviso, com grandes gritos, e o batalhão do meio, dos cartagineses,
veio por ordem de Aníbal lançar-se sobre os cenomânios. Vendo então os romanos
que seus aliados fugiam, perderam a coragem. Dizem que dez mil soldados romanos
de infantaria se retiraram a Plaisance, passando todos através dos inimigos. O
resto do exército que fugia foi na maior parte reduzido em pedaços pelos
cartagineses (22). O cônsul Semprônio fugiu assim das mãos dos inimigos, não
sem grande perigo para sua pessoa. A vitória também custou caro a Aníbal, pois
ele perdeu um grande número de homens e seus elefantes foram quase todos
mortos.

(22) No ano 536 de Roma.

 

XVI.
Depois desta vitória, Aníbal
percorreu toda a região, passando tudo a ferro e fogo: tomou várias cidades e
com poucos soldados desbaratou e pôs em fuga um grande número de camponeses,
que se haviam ajuntado para dar-lhe combate, sem alguma ordem. Depois, no
começo da primavera, pôs novamente em campo seu exército, mais cedo do que o tempo o exigia, e querendo passar à Toscana
foi repelido por uma grande tempestade, junto ao vértice do Apenino, e por isso
obrigado a fazer regressar seu exército para os arredores de Plaisance: mas bem
depressa se pôs novamente em campo, por várias causas necessárias. Se não se
tivesse salvado com esse alvitre, pouco teria faltado para cair nas emboscadas
dos gauleses, que, estando descontentes por ter a guerra se prolongado
demasiado em seu país, tinham-no como único culpado e causador da guerra.
Obrigado por causa do perigo, julgou necessário apressar-se em passar seu
exército para outra província. Além disso, pensava também que muito lhe haveria
de servir para conservar sua reputação perante os estrangeiros, e para
encorajar os seus se ele pudesse fazer, que aparecesse como assaz grande o
poder dos cartagineses, que seu general, era de grande ânimo e coragem a ponto
de ir fazer a guerra em lugares tão próximos da cidade de Roma. Pondo de lado
todas as outras coisas, fez marchar o exército pelo monte Apenino, depois,
passando pela região dos ligúnos, desceu à Toscana, pelo caminho que leva às
planícies e pântanos das imediações do rio Amo (23) . O rio Arno estava naquele
tempo muito cheio e transbordava, inundando todos os campos vizinhos. Por isso
Aníbal, levando um exército tão numeroso, não pôde evitar a perda de muitos homens e animais, antes
de poder escapar desses lugares pantanosos. E, de fato, ele mesmo, embora
assentado sobre o dorso de um enorme elefante, o único que lhe restava, pelo
trabalho e esforço ininterrupto, não descansando nem de dia, nem de noite, e
pelo ar prejudicial, perdeu um dos olhos.

(23) A. direita do Tibre. onde ele se lança.

 

XVII.
Nesse ínterim, o cônsul G.
Flamínio, ao qual havia sido confiado o exército de Semprônio, tinha vindo a
Arezzo, contra a vontade do senado, que estava aborrecido, porque ele, deixando
em Roma seu companheiro Gneu Servílio, tinha-se retirado da província,
ocultamente, sem as insígnias consulares e sem ajudantes. Ele era homem altivo
por natureza, e tinha sido elevado bem alto pelo favor do povo, de modo que se
tinha tornado tão atrevido, que se via bem claramente, e que ele tudo faria sem
consideração nem premeditação. Sabendo de tudo isto, Aníbal julgou que seria
melhor provocar o cônsul e fazer que ele entrasse em combate, antes da chegada
do seu companheiro. Fazendo então marchar seu exército pela região de Fiesole
(24) e de Arezzo (25), ele devastava e incendiava toda a região vizinha,
enchendo-a de medo e de terror, sem ter outra finalidade, que destruir e
queimar, até que chegou às montanhas cortonenses (26), e depois ao lago denominado Trasimeno.
Tendo reconhecido o lugar, ele só cuidava em surpreender o inimigo em alguma
emboscada e, para isso, mandou ocultar alguns cavaleiros nas elevações
próximas, junto do estreito que leva ao Trasimeno e por trás da montanha
colocou sua cavalaria ligeira. E com o resto do exército desceu ao campo,
julgando que o cônsul não se conservaria impassível, como de fato aconteceu.
Pois aqueles que têm a mente ardendo facilmente se expõem e caem nas emboscadas
dos inimigos e frequentemente arriscam toda sua sorte, por não quererem
acreditar num bom conselho. Flamínio vendo que a região estava toda devastada,
o trigo cortado, as casas queimadas, apressou logo a marcha do seu exército,
contra o parecer de todos, que eram de opinião, que ele devia esperar seu
companheiro. Tendo, ao cair da tarde, chegado aos estreitos do lago Trasimeno,
aí mandou estabelecer o acampamento, embora seus homens não estivessem nem
cansados, nem esgotados pelo trabalho suportado na viagem. No dia seguinte, ao
romper da madrugada, sem de qualquer outro modo inspecionar a região,
passou o monte.

 

(24)      Acima do Arno.
(25) A esquerda do Arno, perto do lago Clusino
(26) De Cortona. cidade que está entre o Tibre e o Amo, acima do lago
Trasimeno.
(27) No ano 537 de Roma.

 

 

XVIII. Então Aníbal, que há muito já se mantinha
preparado, em pé de guerra, não esperando senão a ocasião de atacar, vendo os
romanos lançarem-se na planície, fez sinal aos seus homens qua atacassem os
inimigos. Os cartagineses, então, surgindo de todos os lados, pela frente e
pela retaguarda, bem como pelos flancos, fecharam o inimigo entre o lago e as
montanhas. Os romanos, ao invés, entrando na batalha, sem ordem alguma,
combatiam cercados ainda por uma densa neblina, que lhes tirava a visão e os
deixava como nas trevas, de modo que foi mesmo coisa extraordinária, como eles
puderam sustentar por tanto tempo a refrega, pois estavam cercados de todos os
lados. Combateram assim mais de três horas, com tanto ardor e coragem, que não
perceberam os três grandes tremores de terra que então se deram, e jamais
recuaram, até que souberam que o cônsul, indo de linha em linha, para dar
coragem aos soldados, tinha sido derrubado e morto por um soldado de nome
Ducário. Tendo então perdido seu general, perderam também todas as esperanças e
fugiram, uns para as montanhas, outros para o lago, muitos dos quais foram
mortos, na fuga. Ficaram (28) uns quinze mil no campo e uns dez mil salvaram-se
de diversas maneiras. Dizem que havia ainda uns seis mil homens de infantaria,
que desde o começo da luta tinham fugido para a encosta da montanha, com grande
esforço, e permaneceram sobre um outeiro até o fim do
combate, quando desceram, sob palavra de Aníbal, mas foram traídos e feitos em
pedaços.

 

(28)
Plutarco, na Vida de Fábio Máximo, acrescenta outros tantos
prisioneiros. L’Écluse.

 

XIX. Depois desta grande vitória, Aníbal deixou
partir, em liberdade, sem preço de resgate, a vários italianos prisioneiros,
depois de os ter tratado com humanidade, a fim de que a fama da sua humanidade
e clemência se divulgasse por todas as nações, embora por sua natureza ele
fosse total mente contrário a tais virtudes. Pois era altivo e cruel de
natureza, e tinha sido desde sua infância treinado no manejo das armas,
exercitado no morticínio, nas traições e vinganças para com os inimigos, sem se
importar com ordens, leis ou costumes civis. Eis como ele se tornou um dos
generais mais cruéis, dos mais astutos e sagazes, em enganar os inimigos, de
que jamais se teve notícia. Como ele estava sempre atento em iludir o inimigo,
os que ele não podia vencer em guerra aberta procurava surpreendê-los em alguma
emboscada ou cilada, como se pode ver pela presente batalha, e pela que ganhara
antes contra o cônsul Semprônio, perto do rio Trébia. Mas voltemos ao nosso
assunto e deixemos este argumento para outra vez.

 

XX. Quando se soube em Roma da derrota do cônsul
Flamínio, que tinha sido vencido e morto com uma grande parte do exército, uma
onda de lágrimas e de luto se espalhou pela cidade; uns tinham compaixão, pela
calamidade pública, outros, pelas perdas sofridas e outros ainda por ambas as
razões. E de fato, era um espetáculo muito triste, ver correrem de porta em
porta, por toda a cidade, homens e mulheres em grande número, para ter notícias
de seus parentes e amigos. Narra-se por escrito que duas mulheres, estando em
grande aflição pela sorte de seus filhos, morreram repentinamente, pela grande
alegria que sentiram, vendo-os sãos e salvos, contra toda a sua esperança.
Nesse mesmo tempo o cônsul Servílio, companheiro de Flamínio, mandava-lhe
quatro mil soldados de cavalaria, pois não tinha ainda sido notificado da
batalha travada perto do lago Trasimeno; soube, porém, a caminho, da derrota de
seus companheiros; como nessa ocasião eles pensavam em retirar-se para a Úmbria
(29), foram cercados pela cavalaria dos inimigos e levados a Aníbal. Estavam os
negócios públicos, em Roma, em grave perigo, por causa de tantas perdas
sucessivas; determinou-se então criar um magistrado ordinário e seria também
criado um cargo de ditador, que, como de costume, era o remédio extremo,
reservado para os tempos mais difíceis e de grave risco para as coisas
públicas. Mas, como o cônsul Servílio não podia regressar a Roma porque todas
as passagens estavam ocupadas pelos inimigos, o povo de um partido, que ainda
não estava resignado, criou ditador a Q. Fábio, que depois recebeu o cognome de Máximo e foi por ele nomeado chefe
da cavalaria de M. Minúcio. Fábio era homem de grande inteligência, de muita
prudência, e de muito alto conceito nos negócios públicos. E assim todos os cidadãos
confiavam imensamente nele, persuadidos de que a honra da cidade se poderia
manter sob o governo de tal chefe, melhor do que sob o de qualquer outro. Fábio
soube disso e depois de ter com grande cuidado e diligência dado suas ordens
para as coisas mais necessárias, partiu da cidade; após ter recebido o exército
das mãos do cônsul Servího, acrescentou-lhe mais duas legiões e assim foi
enfrentar o inimigo.

 

(29) A esquerda do Tibre, no mar Adriático.

 

XXI. Aníbal
tinha-se retirado do lago Trasimeno e tinha tomado o caminho de Espoleto (30),
para verificar se, ao primeiro ataque, ele podia capturar a cidade. Vendo,
porém, que seus habitantes se haviam colocado sobre as muralhas e a defendiam
muito bem, se pôs a saquear a região circunvizinha, queimando casas e aldeias;
depois retirou-se para a Apúlia, pela Marca de Ancona, para o país dos
marsianos e peligmanos. O ditador seguiu-lhe as pegadas, e acampou perto da
cidade de Arpi (31), não muito longe do campo dos inimigos, com o objetivo de
retardar a guerra, contemporizando. Os negócios dos romanos estavam então em
tal estado, pela temeridade e louca ousadia dos generais do passado, que se
julgava mesmo como vitória o não ser vencido pelo inimigo tantas vezes
vitorioso. Por isso muitas coisas então se modificaram, com a mudança do
comandante. Aníbal, depois de ter alinhado seus homens para a luta, vendo que o
inimigo não se movia, se pôs a saquear toda a região, esperando que assim
poderia atrair o ditador à luta, quando visse que as campinas dos seus aliados
eram saqueadas na sua presença: ele, porém, nem por isso se incomodou, mas
conservava sempre seus homens unidos, como se a coisa em nada absolutamente o
visasse.

(30) Na úmbria. C
(31) Na Apúlia.

 

XXII.
Aníbal ficou muito apreensivo
pela tardança do general romano; mudava então constantemente de lugar, a fim
de, marchando por diversos lugares, se lhe apresentasse alguma ocasião de
enganar o inimigo ou então de travar combate. E assim, passando o monte
Apenino, veio a Sâmnio (32) : mas, porque, um pouco antes, alguns habitantes da
Champanhe (33), que haviam sido aprisionados, junto do lago Trasimeno, tinham
sido gratuitamente libertados e soltos, davam-lhe esperança de poder tomar a
cidade de Cápua, ele mandou o exército marchar, tomando um guia, que conhecia a
região, para ser levado a Cassino (34) . O guia, porém, em vez de Cassino, entendeu Casilino
(35), enganando-se pela semelhança das palavras, e os levou por um caminho
completamente contrário, a Calentino e Caleno (36) e de lá aos arredores de
Stella (37) . Mas, como se encontravam numa região rodeada de montanhas e de
rios, Aníbal, percebeu que ele se tinha enganado: e mandou matar cruelmente o
pobre homem que os havia guiado. Fábio, no entretanto, usava de grande
paciência, deixando Aníbal correr livremente de um lado para outro, até que ele
tivesse ocupado os montes Galicano (38) e Casilino, onde ele colocou
guarnições, por ser um lugar de grande comodidade. E assim, quase todo o
exército dos cartagineses ficou rodeado, e eles teriam sido forçados a morrer
ali, por falta de víveres, ou então a fugir com sua grande vergonha, se Aníbal
não tivesse evitado o perigo, com um expediente, dos que costumava imaginar. XXIII. Sabendo do perigo em que se encontrava, com todo o
seu exército, e tendo observado a oportunidade das circunstâncias, ordenou aos
seus soldados que lhe trouxessem uns dois mil bois, dos que tinham apanhado
pelos campos e de que estavam bem provistos; tendo-lhes feito amarrar tochas
nos chifres, mandou que alguém as acendesse e espantasse os animais para o
vértice das montanhas, quando fizessem a primeira troca de sentinelas. Tudo se fez
exatamente conforme tinha sido ordenado: quando os bois corriam para o alto do
monte com as tochas acesas nos chifres, o exército os seguia a passo lento. Os
romanos, que há muito haviam posto boa guarnição sobre as montanhas, ficaram
assustados com essa cena e temendo alguma emboscada abandonaram incontinenti
suas posições. Fábio mesmo, pensando que era algum ardil do inimigo, conservou
seus homens no acampamento, não podendo saber de fato de que se tratava. No
entretanto, Aníbal passou a montanha, não longe dos banhos Suessamanos (39),
que os da região chamam agora a Torre dos banhos, e retirou-se com todo o seu
exército, salvo, para os arredores de Alba: mas logo depois o fez marchar como
se quisesse se dirigir diretamente a Roma, mas depois retrocedeu e foi à
Apúlia, onde tomou Glerene, cidade rica e abundante de tudo: aí determinou
passar o inverno.

(32)      No país dos Samnitas: a cidade de
que L’Écluse fala. provavelmente chama-se Samnício.
(33)      Campânia.
(34)      No Lácio.
(35)      Na Campânia.
(36) A cidade municipal,
chamada Cales, está a sete milhas de Casilino. Calácia, que aqui se chama
Calentino, está ao oriente do verão de Cales.
(37) Não é uma cidade, mas
um território perto da Calácia, de Cales e de Casilino.
(38) É também um território
vizinho.
(39) De Sinuesse, na costa
da Campânia.

 

XXIV. O
ditador seguia-lhe ainda os passos e foi acampar não longe dos cartagineses, ao
pé de Laurino (40) . Mas tendo sido chamado a Roma por causa de negócios do
governo, teve de se retirar apressadamente; mas, deu
ordem ao seu substituto que se conservasse quieto (41),. e não atacasse o
inimigo e de modo algum combatesse durante a sua ausência. Porquanto ele estava
decidido a manter sua primeira deliberação, isto é, não provocar o inimigo, nem
combater, mesmo que o inimigo o provocasse. Todavia, M. Minúcio (assim se
chamava o seu substituto) pouco se importando com as determinações do ditador,
logo que ele virou as costas, atacou um grupo de inimigos, que tinha ido colher
forragem e estava esparso pela campina, matando muitos deles, e os outros os
foi perseguindo até o seu acampamento, A notícia desta escaramuça espalhou-se
logo e chegou mesmo a Roma, e deram a ela tanta importância, que foi
considerada uma vitória, e tanto prazer causou ao povo, que logo igualaram o
poder do lugar-tenente ao do ditador Fábio: coisa que jamais havia sido feita
antes. Fábio suportou paciente e magnânimamente essa injúria, que absolutamente
não havia merecido e, depois, regressou ao acampamento.

 

(40) Larino, cidade dos freatanianos, que se limitam com os
pelignianos e com os samnitas.
(41)      Comandante da cavalaria.

 

 

XXV.
Havia então dois ditadores ao
mesmo tempo (42), o que antes jamais havia acontecido, nem disso jamais se
havia falado: dividiram eles o exército pela metade e ambos comandavam com
poder absoluto, cada qual sobre o seu exército, como os cônsules costumavam
fazer. Com isso Minúcio ficou muito orgulhoso, a ponto de deliberar ousadamente
empreender a batalha sem dá-lo a conhecer ao seu companheiro, coisa que Aníbal,
tantas vezes vencedor, jamais havia ousado fazer; levou seu exército a um lugar
onde ele foi cercado pelo inimigo, de modo que Aníbal os ia matando à vontade,
sem que eles tivessem esperança de poder escapar, se Fábio não tivesse chegado
oportunamente, em tempo e hora precisas, para lhes prestar auxílio, tendo mais
em vista, porém, o bem público, do que a injúria que havia recebido. Pois
chegando à batalha com o seu exército ainda descansado causou medo a Aníbal, de
tal modo que as legiões romanas tiveram oportunidade para se retirar a um lugar
seguro. Por esse motivo Fábio obteve fama de muito grande virtude e de
prudência, tanto entre os seus como entre os inimigos. Pois, diz-se que Aníbal,
regressando ao seu acampamento, afirmou que naquele dia ele havia vencido a M.
Minúcio, mas que ele tinha sido vencido por Fábio. Minúcio, mesmo depois,
reconhecendo a sua prudência, e considerando que era mesmo necessário, segundo
as palavras de Hesíodo, obedecer a um melhor do que ele, foi com todo o
exército ao acampamento de Fábio e renunciando ao seu cargo, saudou-o com toda
a reverência, como pai, de modo que naquele dia houve grande alegria entre os
soldados.

(42)     
Não de nome: mas o povo
tinha dado ao comandante da cavalaria um poder igual ao do ditador, do qual èle
anteriormente não era senão o lugar-tenente.

 

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