O MAJOR E O MOLEQUE
A história do Major e do Moleque é conhecida em quarenta léguas derredor do vale do Maranhão e mais de cinquenta indivíduos podem testemunhar a sinceridade destas linhas.
O Major, como o chamavam simplesmente os moradores do vale do Maranhão, e isto pelo prazer que sentia em ser tratado pelo título honorífico, faleceu há poucos anos, deixando aos herdeiros uma fortuna colossal, quase digna de inveja, pela facilidade de sua conquista.
Nosso personagem nascera pobre e não herdara nenhuma riqueza. E o seu maior desejo era enriquecer, possuir bens, amontoar em sua casa surrões de moedas de ouro e prata.
Gastara já o Major toda sua juventude na pesada labuta e nada possuía, mas em compensação sua cobiça era cada vez maior, dominadora, quase uma doença secreta.
Ao cabo de muitos anos, apenas tinha de seu uma choupana de agreste, um galo e uma galinha. Era toda a fortuna do Major; era todo o seu vasto sonho de ouro. Enriquecer, eis o verbo mais doce do trabalhador que tinha a irrisória autonomia do Major.
Enriquecer!. .. Mas como? — Para satisfazer a mortal ambição, a conselho de um velho mandraqueiro, resolveu tomar partes com o Moleque; perder a alma mas ter dinheiro, ouvir o barulho do ouro e o estalido das notas de quinhentos.
O Major teve medo de se submeter à prova do contrato da encruzilhada, à meia- noite, e decidiu-se pelo processo de chocar o ôvo e criar o Molequinho desde pequeno. Era menos dispendioso e o diabinho seria mais facilmente dominado. Pô-lo-ia numa garrafa e tê-lo-ia seguro. Dito e feito. O Major tomou o ôvo de sua única pretinha e pôs-se a chocá-lo, debaixo do sovaco, numa Quaresma.
Durante vinte dias esteve o nosso homem de cama, cumprindo as prescrições do ritual feiticeiro e sem tirar o ôvo do local convencionado. Ao cabo da vintena, à meia–noite, o Major sentiu cócegas no sovaco e um queimar de tatarana bezerra. Era o Molequinho que esperneava para sair da casca. E saiu. Era uma figurinha raquítica, feia, negra, muito fina, a fazer caretas sem cessar.
O Major meteu-o numa botelha e pos-se a alimentá-lo a leite, cachaça e sangue de galinha preta. A pinga de 40 graus era a mais apreciada pelo Romãozinho, que em breve estava praticando toda sorte de bramuras. Às vezes saía fora da garrafa e então era difícil contê-lo.
Só depois de o Major rezar muitas vezes o "São Marcos Bravo", de trás para diante, era que o moleque se acomodava no recipiente. Quando, porém, o diabinho ficava tonto, após uma copiosa libação, só se mostrava quieto com reza, repetidas vezes, do "Salve Noventa", oração também de "ajudar a morrer".
Quando o Moleque chegou à idade da razão, o Major pediu-lhe o auxílio para um negócio que devia realizar, experimentando, pela primeira vez, esta virtude do hóspede engarrafado.
O Moleque pôs a cabeça fora da garrafa e propôs que fosse lavrado o contrato entre ambos: êle dava-lhe todas as riquezas que pedisse e, em troca o Major conceder-lhe-ia, por morte, a alma.
Nosso homem clamou, chorou, alegou hospitalidade e terminou oferecendo a alma de um dos seus filhos. O Moleque aceitou a oferta e o contrato foi lavrado e assinado, com todas as regras da legalidade na terra e no reino das trevas, com tinta tirada do dedo mínimo do Major e com pena de galo preto.
O Major só queria dinheiro e mais dinheiro; desejava afogar-se nos surrões de ouro. E começou, dessa época em diante, a prosperidade do Major: suas vacas pariam dois bezerros de cada reprodução, as cobras não matavam sua criação e a herva, tão temida nos arredores, nenhum mal causava ao gado do Major. Surrões de cobre, surrões de prata, surrões de ouro e maços de notas principiaram a atulhar a casa do Major. Era a riqueza, era o sonho realizado; era a grandeza do ambicioso satisfeita.
O Moleque continuava a viver na garrafa: pulava, fazia algazarra, bebia pinga, fedia a enxofre e ajudava o Major, que se tornou major de fato. Em poucos anos, estava assombrosamente rico e possuía mais terras que todos os fazendeiros do Maranhão juntos; todo o vale adjacente era propriedade sua.
Como no contrato estava estipulado que o contratante gozaria ótima saúde, o Major ostentava uma carnadura de ferro, era vermelho como um pimentão, alto, espadaúdo e de força rara. E o Moleque ia esperando o pagamento da dívida, a satisfação do contrato… um tanto já cansado de morar na botelha do Major.
Um dia, o filho mais novo do nosso Creso estava vaque-jando e, ao saltar um perigoso obstáculo, cai, parte a cabeça e morre instantaneamente.
Era a primeira dor que afligia o Major, o primeiro pesar que o assaltava, roubando-lhe o caçula, o mais querido de seus rebentos, o mais formoso, o ai Jesus da família inteira.
O Major chorou e esteve a ponto de ter o pensamento de dar toda a fortuna pela vida do filho, mas arrependeu-se de tal pensamento, conformando-se com o destino.
Recomposto o corpo esfacelado do morto, vestido com o melhor tecido da loja, foi depositado no caixão mortuário velado a noite inteira, entre prantos e lágrimas de saudade. No dia seguinte, seria inumado no cemitério da fazenda.
Embora tendo partes com o Moleque, o Major era livre de ter sua religião e era fervoroso católico. Assim, fizera colocar sobre o peito do filho um lindo Cristo crucificado, como para pedir perdão de todas as suas faltas.
Ao baixar o caixão à sepultura, para onde fora conduzido a braços, lembrou-se o Major de retirar a imagem, porque é corrente no vale do Maranhão não chover sobre o terreno que guarda um defunto enterrado com imagem de qualquer santo.
Aberto que foi o caixão, todos recuaram horrorizados: só a imagem lá estava; o corpo desaparecera, só ficando em seu lugar as roupas que o cobriram. Amedrontados, debandaram os que seguiam o enterro. Ninguém atinou com o mistério; só o Major compreendeu e calou-se, no meio das maiores amarguras.
O Moleque paga-se nos termos do contrato. O Major não teve mais alegrias, mas continuou a enriquecer… enriquecer … E morreu miserável entre tantas riquezas.
Estava encerrado o contrato e só então o moleque emigrou para o reino das trevas.
I. G. Americano do Brasil: Lendas e Encantamentos do Sertão.
Edições e Publicações Brasil, São Paulo, 1938, pp. 37-41.
Fonte: Estórias e Lendas de Goiás e Mato Grosso. Seleção de Regina Lacerda. Desenhos de J. Lanzelotti. Ed. Literat. 1962
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