Continued from: São Tomás de Aquino - História da Filosofia na Idade Média

B.    O ser

O pensamento próprio do Aquinate se nos revela
na sua metafísica, onde também se faz sentir de modo particularmente forte a
influência da terminologia, problemática e posições filosóficas fundamentais
do Aristóteles. Mas ao lado se
afirmam ainda idéias agostinianas e neoplatônicas, e seria ilusório querer
descobrir em Tomás uma metafísica
puramente aristotélica.

a)    "Realidade"

α) Precedência. — Uma preliminar
absolutamente evidente é a perpétua conexão entre os conceitos de ser e de
realidade. Ser é simplesmente o real. Nesta concepção da realidade dois
momentos são para logo característicos: a presencialidade e uma relação de
proximidade com a realidade espácio-temporal. O espírito não é criação do
espírito, mas lhe é pressuposto: é a antiga e a medieval concepção em geral. Neste ponto é particularmente rico de conteúdo um artigo da S. th. (I, 85, 2)
onde Tomás pergunta se porventura
todo o mundo objetivo, que o homem vê e pensa, não é pura subjetividade, uma
contemplação e pensamento do próprio espírito e criação deste. "Alguns
ensinavam — diz ele — que as nossas virtudes cognoscitivas não conhecem senão
as próprias paixões; assim, o sentido não sente senão a paixão do seu
órgão".   Por conseqüência o objeto e o conteúdo do conhecimento
intelectual é apenas uma modificação subjetiva do intelecto. Isto poderia
sugerir-nos o pensamento que já está aí formulada a questão moderna, tão
discutida desde Kant, de se saber
se o ser em geral não tem existência apenas em nossa consciência, porque o
objeto do conhecimento em última análise é apenas uma posição do nosso próprio
espírito. Ouçamos porém a resposta dada por Tomás
a essa pergunta. Se assim fosse, diz, já não haveria mais nenhuma
ciência, porque então "a ciência não teria mais por objeto as cousas
exteriores à nossa alma", de modo que desapareceria a distinção entre o
verdadeiro e o falso. Por onde se vê que essa resposta implica o pressuposto: o
ser é, em todas as circunstâncias, transubjetivo; mas o achamos como
preexistente. Nisso consiste a realidade e a objetividade, nisso também a
verdade. As cousas medem (mensurant) o nosso intelecto. Esta concepção
está pois muito distante da que admitisse que nós pudéssemos medir os objetos,
porventura por leis transcendentais do espírito.

β) Realidade espácio-temporal. — A
fisionomia própria do conceito tomista de realidade nós a reconhecemos, em segundo
lugar, pelo seguinte — o ser individual concreto, colocado no espaço e no
tempo, constitui a substância primeira, que é o ser em sentido próprio e
primitivo, para Tomás. Já no
opúsculo da sua mocidade — De ente et essentia ensina com toda a
clareza, que a essência não é somente idéia ou forma, mas a primeira substância
proveniente da união da matéria e da forma (cap. 2). Ou: o objeto do conhecimento
humano é uma qüididade existente na matéria como realização individual. Esse é
o ser própria e realmente. O mesmo que tinha Aristóteles
considerado como realidade, contrariamente a Platão. A influência do estoicismo assim como a doutrina
cristã da criação fortalecem ainda mais essa concepção (Cf. & th, I,
84, 7).

γ) Realidade metafísica, — Quando porém Tomás define o objeto formal da
metafísica, ele se refere ao mundo transfísico dos insensibilia (os
neo-escolásticos usam, nesta matéria, do conceito de em intelligibile), das
essências universais, formas e idéias, com que Deus delineou o ser e os seres
existentes, nas quais foram criados e existem, aspiram por Deus e dele
participam. Por isso a metafísica também é teologia (In Boethium, De Trinitate qu. 5. a. 1; 8. th. I, 15, 2).   Mas o ser a metafísica a ciência do
ser do real existente revela que Tomás, nesta
conexão, inclui um outro conceito de realidade — o agostianisino-platônico da
realidade em sentido "próprio". Se compararmos este conceito de
realidade com o que dela forma a moderna filosofia da vida, p. ex., em Klages, para quem a realidade se
identifica com o irracional, em oposição aos seres do mundo espiritual, veremos
que o conceito tomista de realidade é, afinal, considerado do ponto de vista
da idéia, que essencialmente o determina. E assim a metafísica, como ciência do
ser, é a ciência dos insensibilia!

b)    Atributos   do    ser

O ser como tal, e os seus atributos, Aristóteles o estuda na metafísica. E
isto ê também o que Tomás procura
logo de modo geral estabelecer. Aos atributos ou propriedades do ser pertence
naturalmente a sua analogia, as suas determinações transcendentais, a sua
articulação em categorias e a sua  gradual valorização hierárquica.

α) Analogia. — A analogia do ser Tomás a afirma muitas e muitas vezes,
na seqüência de Aristóteles, usando-lhe
das mesmas palavras e exemplos.

αα) Conceito. — O conceito de ser não é
genérico, que pudesse ser diferençado, como de ordinário é o caso, por uma nova
nota específica; pois, tudo ao que o ser se acrescenta já é ser. Assim, o ser
não é predicado de vários objetos no mesmo sentido e idênticamente. Mas também
não é predicado em sentido equívoco, i. é., sendo os nomes os mesmos mas os
sentidos totalmente diferentes, senão de modo tal que haja entre as
denominações uma certa semelhança. E nisso consiste a analogia. Há assim nas
acepções do ser uma posição média, consistente em descobrir o vário através do
idêntico e o idêntico através do vário, evitando-se desse modo as duas
posições extremas. Destas, uma considera a noção de ser como idênticamente a
mesma em todos os casos (monismo); a outra como sendo elas absolutamente
incomensuráveis (agosticismo irracional). Há duas espécies de analogia: uma
refere várias noções a uma só, p. ex., a palavra são a empregamos para
significar um ser vivo são, um alimento são, um remédio são, um  colorido de
rosto são,  tudo referido à saúde e em função dela considerado. Ou então a
analogia considera uma noção como secundária, em dependência de uma outra,
primária; p. ex., como o acidente é relativo â substância, desta recebe o ser e
o seu sentido (S. c. g. I, 34; S. th. I, 13, 5).

ββ) Tendências. — Assim já se manifestam as
intenções, que Tomás prossegue’
com a sua doutrina da analogia: a noção de ser não deve incluir-se num mesmo εν
χαι παν, nem deve escapar a uma concepção comum
numa total dessemelhança e paradoxia. Mas é sobretudo em teodicéia que a
analogia do ser importa. Ela permite considerar Deus em relação com o mundo e
assim evitar a incognoscibilidade de Deus sem, contudo, cair no panteísmo que,
identificando-o com o mundo, também o anula.

γγ) Origem, — No I Sent. 35, I, 4 e De
pot.
VII, 7, Tomás fundamenta,
no ponto de vista teorético-gnoseológico-lógico a noção da analogia. E aqui nos
encontramos com a idéia da imagem-cópia e da participação, elemento platônico
que assim se manifesta no pensamento do Aquinate, e que não tem sido bastante
ponderado, na continuação néo-escolástica do pensamento tomista.

β) Transcendentais. — Os atributos
transcendentais do ser são para Tomás, como
para Alberto e outros, os
seguintes: unum, verum, bonum, res e aliquid. Encontram-se como
tais em todos os seres. Tomás acentua
que nenhum desses transcendentais acrescenta algo de novo ao ser, pois são
apenas aspectos do ser considerado a luzes diversas. O desenvolvimento desses
modos do espírito, na consideração do ser, no De ver. I, 1, é clássico.
Mostra como Tomás, apesar do
aspecto realista — ontológico do seu pensamento deixa contudo aberta a porta à
reflexão sobre o originar-se o nosso conhecimento do ser também no espírito.
Pois, fixar-se o "ponto de vista" não é possível sem, pelo menos, uma
parcial espontaneidade do espírito. Também esta questão seria digna de ser mais
desenvolvida.

γ) Categorias. — O mesmo se deve dizer da
doutrina das categorias. Já dissemos, ao tratar de Aristóteles, como para ele a idéia de substância também pode
deduzir-se do pensamento e da linguagem humana. Tomás, igualmente, não o esquece.   Mas  admite,  com  Aristóteles,  que as  categorias não são
somente modos de predicação, mas simultaneamente, e mesmo antes de tudo,
modalidades ou graus do ser, como de modo interessante se mostra na dedução do De
ver.
I, 1, evidentemente rememorando termos platônicos. Mas os predicáveis
(gênero, espécie, diferença, próprio, acidente) são, diferentemente dos
predicamentos (categorias), só de segunda intenção ou se se quiser, são formas
do entendimento, e pertencem como tais à lógica. Também de Aristóteles Tomás recebe o número das
categorias e a sua divisão em dois grandes grupos — a substância de um lado e
os acidentes de outro (Sobre cada uma das categorias em Tomás cf. H. Meyer, Thomas
v. A.,
131 ss.).

δ) Graus de perfeição. — Ao lado desta
repartição aristotéliea do ser, Tomás conhece
também uma outra, platônica, conforme aos graus de perfeição ontológica,
profundamente radicada na metafísica do Aquinate. Essa se apreende somente
pela sua prova da existência de Deus, baseada nos graus de perfeição, como pela
doutrina, que as nossas idéias ontológicas se realizam primeiro em Deus e só na
ordem do conhecimento são conhecidas e designadas em função do mundo (S. c, g. I, 34). Há pois diferenças de perfeição no ser. "O construtor
de uma casa não faz todos os cômodos igualmente perfeitos, porém mais ou menos
bons, conforme às exigências do todo… Assim também Deus não criou todos os
seres iguais, pois, um universo onde não houvesse graus na perfeição dos seres,
seria imperfeito" (De an. 7). Ê exatamente a pluralidade de formas
que torna necessária a idéia dos graus de perfeição. "Isso o vemos desde
que contemplamos a natureza das cousas. Um exame atento nos fará descobrir que
a variedade das cousas se perfaz em graus: acima dos corpos inorgânicos
descobrimos as plantas; depois os seres vivos irracionais e, finalmente, os
seres dotados de razão. Assim em toda parte há variedade, por serem uns seres
mais perfeitos que outros" (S. c. g. III, 97). Nestas reflexões não
se trata do axioma da convertibilidade entre ens et bonum, mas de idéias
neoplatônicas conhecidas de Tomás sobretudo
por meio do Pseudo-Dionísio que, por ocasião dessas doutrinas, é citado. Aqui
como lã, a medida da perfeição depende da maior ou menor proximidade da
Unidade; aqui como lá, num sentido genuinamente platônico, se acentua a
gradação das inteligências, ocupando o último grau a alma humana. No fundo há
aí uma transformação da teoria platônica das Idéias e da dialética, do conceito
da participação, e da pirâmide das Idéias platônicas. Embora a idéia de
emanação apareça esbatida e se leve em conta, em vez das formas, a plenitude do
ser, tanto maior quanto mais próxima da origem, essa dependência não devemos
desconhecê-la pelo fato de a gradação, afinal, se fundar na maior ou menor
semelhança com o exemplar primeiro. Por onde e de novo se vê como a metafísica
tomista deve ser entendida em função de motivos platônicos.

c)    Princípios   do    ser

Para mais ampla fundamentação do ser retoma Tomás os quatro princípios
aristotélicos da substância, com as idéias de matéria e forma, causalidade e
finalidade. A isso se acrescenta a noção de causa exemplar, ainda uma vez, de
origem platônico-agostiniana.

α) Substância. — A metafísica tomista é
substancialista. O conceito de substância tem uma longa história e múltiplas
significações. Ora, vale tanto como matéria, ora como forma, ora como um
composto de ambas.

 αα) Substância primeira, — A última
significação ocupa em Aristóteles o ponto central da metafísica. É o que ele
entende por substância primeira, que não é somente a substância no sentido
absoluto, mas ao mesmo tempo dá o sentido primitivo dela. O mesmo pensa Tomás, como o explica no começo do De
ente et essentia:
"O ser, no sentido próprio e primitivo, se diz da
substância" (cap. 1). O seu conceito, com os seus vários matizes (substantia,
suppositum, hypostasis, natura rei, persona),
é muitas vezes explanado na S.
th.
I, 29, 2 e De pot. IX, 1 e 2, O essencial da substância é
existir por si mesma (per se esse). A substância não exerce por
si mesma nenhuma causalidade nem é privada de exercê-la, não é um ser a se; pois toda substância é criada, salvo a divina, que é a se. Também o
ser da substância, implicado na série das causas, não está em oposição com o
seu conceito. O que o conceito de substância significa é antes um modo de
existir com uma certa autonomia, diferindo por aí evidentemente daquela
completa dependência dos acidentes, que sempre existem  em  outro  ser   (ens  
in  alio).  
Como Aristóteles, 
Tomás também pensa, que esta diferença a razão natural a haure diretamente
na experiência. E pensa igualmente, com o estagirita, que o nosso pensamento e
a nossa linguagem supõem o conceito de substância, pois todas as nossas
predicações são de um "sujeito", de um substrato. E
finalmente, se assim não fosse, não se poderia explicar o devir, cujo processo
implica uma realidade, do contrário tudo se resolveria numa universal 
dissolução.

ββ) Substância segunda. — Ao lado desta
substância primeira, no sentido de concreto e individual, Tomás conhece ainda uma substância
segunda expressiva da natura communis, i. é., idêntico em muitos
indivíduos. Coincide com a espécie ou o gênero e Tomás lhe dá de preferência o nome de essência (essentia.
quidditas
); a definição a revela. Está para a substância primeira como a pars
formalis
desta, assim como a humanidade está para Sócrates (De pot. IX, 1). A substância segunda para Tomás é mais do que um "conceito"
universal; é algo de prior natura conforme logo veremos. Ainda aqui
concorda com Aristóteles e aí
revive, como em Aristóteles, também
em Tomás, um aspecto do
platonismo (cf. Hist. Fil. Antigüidade,  pág.  1675).

γγ) Matéria e Forma. — No fundo destas
teses está o hilemorfismo com os seus dois princípios — matéria e forma.
"O que já preexiste em cada ser individual, ao lado da natureza comum, é
a matéria individual, base do princípio de individuação, junto com os acidentes
individuais, determinantes dessa matéria" (De pot. IX, 1, corp.).
Com estas e outras explicações se esclarecem ambos os princípios. Para entendê-los
devemos ter presente o que já Aristóteles
ensinou a respeito da sua formação (cf. Hist. Fil. Antigüidade, pág.
1685).    Os mesmos pressupostos são os de Tomás.

α’) Matéria. — O conceito de matéria tem
duplo aspecto. Significa a matéria prima, totalmente indeterminada mas, de
certo modo, determinável. E significa também a matéria segunda já de alguma
maneira informada, ao menos por determinações quantitativas, mas é ainda capaz
de ulteriores informações. É só da matéria segunda que se trata na questão do
princípio de individuação (matéria signata quantitate). A matéria não
tem, como tal, mas só quando informada, qualquer realidade.   Por onde se deixa
ver que a forma é o princípio mais importante.

β’) Forma. — Por forma entende Tomás a limitação da matéria num
determinado ser (In IV Phys. 1. 1). Mas não são necessárias várias
formas, bastando só uma, para determinar uma cousa na sua totalidade e em
todas as suas partes, constituindo-a na sua realidade individual. Aqui Tomás frisa, em sentido puramente
aristotélico, com o maior empenho, que a substância primeira inclui a matéria e
não consiste só na forma. Todavia, como declara já no De ente et ess., cap.
2, é só a forma que, a seu modo, é a causa do começar a ser de uma substância (suo
modo sola forma est causa).
A importância da matéria é só teórica; pois
mesmo que ela devesse produzir alguma determinação, já ela mesma estaria determinada
pela forma. Mas, declara ainda Tomás, "a
forma outra cousa não é senão uma semelhança da participação das cousas, de
Deus" (divina similitude participata in  rebus), cuja perfeição
infinita só pelas formas se revela; do mesmo modo que com muitas palavras
exprimimos uma mesma realidade (S. c. g. III, 97). De modo que em Deus
se encerra tudo o que de qualquer modo vier à existência; e assim as cousas
diversas e opostas, em si mesmas, preexistem em Deus, como uno que é, sem
detrimento da sua simplicidade (S. th. I, 4, 2 ad 1). Por onde se vê,
nesta identificação das formas aristotélicas com as idéias agostinianas
existentes na mente divina (S. th. I, 84, 1 e 5) que, para Tomás, na realidade, a forma é algo de
preexistente, por natureza; e isso planta-lhe o platonismo no coração da sua
metafísica. O que não implica contradição com Aristóteles,
mas é antes uma genial reprodução transformada, e por isso não
historicamente a mesma, dos motivos platônicos fundamentais aristotélicos.

γ’) Os universais. — Deste conjunto de
doutrinas se deduz e explica a posição do Aquinate no tocante ao problema dos
universais. Tomás aceita, a
divisão habitual da escolástica em universalia ante rem, in re et post rem. Mas
também declara, que os universais como tais, na sua forma de universalidade,
só existem no espírito (assim, post res); de fato porém só se manifestam
nas suas realizações individuais (assim, in re). E pois o que realmente
importa são os universalia ante res, por exprimirem propriamente a intrínseca
natura rei,
determinante’ e absorvente de tudo o mais; porquanto só a forma
é a criadora da substância. Seria uma tentativa útil explicar Tomás em termos de Agostinho; pois, não somente em
psicologia a alma absorve o homem total, mesmo o corpo, embora isso se diga
numa terminologia diferente, mas ainda na metafísica tomista o material
ultimamente se resolve no ideal; só as palavras soam diversas. Nós porém as
lemos noutro sentido, porque, quando através de Tomás nos encontramos com Aristóteles,
lemos sempre o nome deste no pressuposto de uma imagem dele, criação do séc.
19.

δδ) Ato e potência. — A matéria como
determinável e a forma como determinante encerram, no seu sentido conceitual,
um aspecto passivo e outro ativo, respectivamente. E isso já dá a entender que
esse binário de idéias, em Aristóteles,
é correlativo do de potência e ato. Mas há aqui uma razão mais profunda.
Aristóteles tinha objetado a Platão: só com as Idéias não se
constrói uma casa. O mundo não se explica somente pelo momento estático das
formas determinantes e pelos limites do ser. mas necessitamos de um outro
momento — o ponto de vista do dinâmico. Aristóteles
pretende satisfazer-nos com a sua causa eficiente, princípio do
movimento. E a ela corresponde cada esquema do seu pensamento, que acompanha
ambos os conceitos de potência e ato. São algo de supremo. De nada podem ser
deduzidos e tudo pode reduzir-se a eles, referindo-se-lhes, como p. ex., à
diferença do sono e da vigília, do repouso e da atividade, dos olhos fechados e
dos abertos. Também Tomás justifica
as reflexões de Aristóteles no
concernente à estruturação dos conceitos de potência e ato. Os pressupostos
tanto para um como para outro são os mesmos (In I Phys. 1. q. e 14); os
conceitos em questão lhes são correia tos. A potência significa o ser possível;
não no sentido da ausência lógica de contradição, mas no de uma modalidade
ôntica. A potência também é ser, mas de natureza imperfeita, como um ser que
ainda não atingiu o seu fim; ainda incapaz da forma, necessita da ação da
causa eficiente, pois só então começa a se realizar, sendo antes pura
possibilidade. Esta pode ser absoluta (potência passiva, correlata da
matéria-prima) e relativa, no sentido de algo já existente, mas suscetível de
uma possível atualização ulterior, p. ex., a semente (potência ativa,
correspondente à matéria segunda). O ato é realidade e realização; portanto é
a perfeição da potência e, assim, o seu bonum. O ser assim perfeito
chama-se ato primeiro (a προτε
εντελεχεια
de Aristóteles) ; o ser ativo (agere) deste esse constitui o ato segundo. Sempre é o ato anterior à potência,
conceptual =, temporal =, natural = (o προτερον
τε πυσει de Aristóteles) e finalmente. Assim fica estabelecido um axioma
fundamental inspirador de toda a metafísica do Aquinate, que a capacita para as
mais altas construções, entre outras a relativa a Deus como começo e fim do
ser. Deus é a atualidade absoluta, o actus purus. No outro pólo está a
absoluta potencialidade. Entre-um e outro pólo se insere o ser na’ sua
totalidade, como um misto de potência e ato, como um processo de continuada realização,
desde os limites do nada até os da perfeição infinita. É o ente criado, cuja
origem deve ser Deus, desde que algo haja de existir, porque o ato é anterior ix potência. E Deus é também o fim do ser, porque o ato é a perfeição da
potência, que anela por ele e se apressa ao seu encontro.

εε) Essência e existência. — A diferença
fundamental para a metafísica escolástica entre o ser criado e o incriado toma em Tomás o aspecto
da distinção entre essência e existência, haurida essa, não em Aristóteles, mas em Avicena. Deus é ato puro; a criatura, porém, um
misto de ato e de potência, dizíamos há pouco. Isto agora significa: Deus é o
seu ser; a criatura é ser recebido (Deus est suum esse… nulla creatura est
suum esse sed habens esse).
Em Deus essência e existência se identificam;
em todas as criaturas, se distinguem (S. c, g. II, 22 e 52). A razão
disso é a seguinte. "O que não pertence ao conceito essencial de uma cousa
acrescenta-se-lhe de fora e implica numa composição com a essência; porque uma
essência não poderia ser concebida sem que, de certo modo, fosse uma parte da
mesma. Ora, no domínio das cousas criadas, cada essência pode ser concebida sem
concomitantemente com ela ser concebida a existência. Posso bem pensar o que é
o homem ou a fênix, sem saber se o homem ou a fênix existem realmente. Por onde
é claro que a existência é algo de distinto da essência" (De
ente et esse,
cap. 5). Isso permite a Tomás,
para evitar qualquer panteísmo, introduzir uma composição, mesmo nas
substâncias puramente espirituais. Ele rejeita logo a doutrina de Avencebrol, pela qual também os seres
espirituais se compõem de matéria e forma. Só as substâncias materiais, ensina,
admitem essa composição, enquanto as espirituais são formas puras. Donde
resulta serem os anjos, para Tomás, diferentes
uns dos outros específica e não numericamente  (quot sunt ibi  individua, 
tot sunt ibi species:
1. c). Mas eles não escapam à composição de essência
e existência. "Embora essas substâncias espirituais sejam forma sem
matéria, não são contudo simples absolutamente falando, de modo que fossem atos
puros, mas são compostas de potência" (1. a). "Mesmo admitindo a existência da forma sem matéria, permanece sempre uma relação entre a
forma e a existência mesmo, no sentido em que a possibilidade é relativa à
atualidade" (S. th. I, 50, 2 ad 3). — Tomás parece ter entendido a distinção entre essência e
existência como real e não somente como lógica. Assim pelo menos o entenderam
os representantes da Faculdade das Artes que, na seqüência de Aristóteles e Averróis, rejeitavam a distinção real. Toda essa problemática
atingiu o seu estado agudo quando Henrique Gandavense atacou violentamente a
distinção real, defendida com igual energia por Egídio Romano, partidário de Tomás. — Três pontos se podem, histórico-geneticamente,
estabelecer na doutrina da essência a existência. Primeiro, a continuação da
doutrina do ato e potência, a que nos referimos antes. Segundo, a
sobrevivência da idéia neoplatônica de participação com uma terminologia
pretensamente aristotélica (cf. S. c. g. II, 52). E finalmente, o que
sobretudo é interessante, a oposição, de sabor tão acentuadamente moderno,
entre pensamento e existência, onde vemos a influência do novo conceito
não-pla-tônico de realidade, oriundo de Aristóteles,
do Pórtico e do Cristianismo. Aqui a idéia, concebida apenas como
pensada, já não é a realidade, como o admite Anselmo,
sem mais, na sua prova ontológica, não tendo a existência nada mais a
ver com a idéia. Podemos pensar fênix sem, com isso, saber que existe. Tudo
isto é digno de nota, desde que forma é originariamente idêntica com ato. Ainda
em Boécio o quo est é dado simultaneamente
com a forma; agora a forma é somente o quod est, sendo este o a que
convém primariamente a existência (o quo est tem portanto agora um
outro sentido).