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β) Conservação do mundo. — Em segundo
lugar se colhe, da noção exata de Deus, o princípio da conservação do mundo: o
mundo depende de Deus, não somente para começar a existir, mas sempre. O ser
criado existindo, por essência, só como participação deve, em virtude mesmo
dessa essencial e permanente contingência, receber, enquanto atual, a sua
atualidade da eterna plenitude de todo o ser.   Mas esta conservação não é uma
permanente nova criação, mas uma criação continuada (creatio continua), atividade
reveladora de uma relação ôntica  puramente  metafísica,   "sem movimento
e  tempo".

γ) Governo do mundo. — Em terceiro
lugar se segue, da noção de Deus, o princípio do governo e da ordem do mundo.
Deus como actus purus é forma, forma é idéia e idéia é espírito vivo.
Deus é pensamento do pensamento, diz Tomás
repetindo Aristóteles; como
tal transcende o mundo, não somente na qualidade de ato, mas também como
Logos. Em Deus existem, pois, as idéias mesmo de cada ser em particular,
ensína-o Tomás com Agostinho e contra os averroístas (S. th. I, 15; I, 14, 11); e ele é onisciente e sábio por excelência (S.
th.
I, 14); e o governo do mundo pela sua Providência pertence assim à
íntima natureza divina (S. th. I, 22). Os problemas conexos, da
liberdade e do destino são resolvidos sob a influência de Boécio e da sua Consolatio Philosophiae.

δ) Eternidade da criação. — Posição
singular assumiu Tomás na questão
da eternidade do mundo. O averroísmo latino se decidira, na peugada de Aristóteles, pela eternidade do mundo. Tomás contesta tal eternidade no
sentido de ele prescindir de criação, com argumentos filosóficos. Mas no
sentido de ser a criação eterna, então distingue: do ponto de vista da fé
sabemos não ser a criação eterna; mas do puramente filosófico, os argumentos de
Aristóteles no sentido de um
movimento eterno e de um mundo eterno não se podem definitivamente provar nem
rejeitar (S. th. I, 46, 1; In VIII Phys. 1. 2).

D.     A ALMA

A alma devia interessar Tomás particularmente, como filósofo e teólogo cristão. Ocupou-se
com o problema da alma repetidamente. O principal da sua psicologia está em S.
th.
I, 75-90; 1. II, 22-48; S. c. g. II, 46-90. Não é puramente dedutiva,
como se poderia esperar, mas traz, sobretudo na doutrina dos afetos, uma
multidão de contribuições empíricas fundadas em observações próprias e alheias.
Neste capítulo utiliza-se ainda uma vez de Aristóteles,
das suas idéias, seus problemas,  planos,  informações  e posições
fundamentais.

a)     Existência da alma

Porque devemos admitir a alma? Tomás dá a resposta seguinte. Como
observamos, há substâncias corpóreas distintas dos outros corpos por se
automoverem, nutrirem, reproduzirem, sentirem e desejarem. Chamamos-lhes
corpos vivos. Ora, esse modo peculiar de ser deve decorrer também de um princípio
próprio, pois agere sequitur esse. Pela matéria corpórea como tal não se
pode explicar a vida, pois, do contrário, todos os corpos seriam vivos. Como
isto não se dá, deve o corpo vivo ter outros elementos, que o corpo
simplesmente material. E é a esse princípio vital a que damos o nome de alma. Tomás reassume assim o antigo conceito
de automovimento, como o faz Platão e
Aristóteles. Alma dessa natureza
também a têm as plantas e os animais. É a anima vegetativa (alma das
plantas) e a anima sensitiva (alma dos animais).

b)     Natureza da alma humana

O homem apresenta um caso particular, pois, não
é um mero ser vivo, mas um ser pensante e dotado de razão (animal
rationale).
E de novo Tomás raciocina
como há pouco. A natureza própria do homem, com a sua capacidade de pensar e de
querer livremente, em conseqüência, exige um princípio próprio.   De que
natureza é então a alma humana?

α) Imaterialidade. — Tomás responde: pensar e, em conseqüência,
querer, implicando essencialmente um ser espiritual, portanto de natureza
imaterial, a alma humana é necessariamente imaterial (anima rationalis = intellectiva).
Pois, as representações da fantasia apenas acompanham o pensamento, sem
constituir as idéias na sua essência, nem o juízo nem o raciocínio; ,do contrário,
a alma não poderia nunca conceber todos os corpos mediante idéias universais,
mas ficaria presa ao individual, por ser  todo corpo um indivíduo.

 β) Substancialidade. — Do ser o
pensamento supra-sensível, se colhe também a substancialidade da alma. Pois, o
pensamento haure na sensibilidade apenas a sua matéria e os fantasmas somente o
acompanham como auxiliares.   E isso por ser o pensamento, por natureza, algo
de essencialmente diferente, supra-sensível. Daí se colige a sua essencial autonomia,
sendo assim necessário, em virtude do princípio agere sequiiur esse, que
o princípio dessa espiritualidade superior — a alma humana espiritual, tenha
também uma existência autônoma e seja portanto substância (S. th. I, 75, 2). O fato de não descobrirmos, na atividade anímica das plantas e dos
animais, essa autonomia essencialmente supra-sensível, deve levar-nos a não
considerar-lhes a alma como subsistente, devendo portanto admitir-lhe um
desaparecimento concomitante à aniquilarão do corpo (S. th. I, 75, 3).

γ) Imortalidade. — Daqui tiramos
imediatamente a prova da imortalidade da alma humana. Em virtude da sua subsistência
essencial, a morte do corpo não afeta a alma (S. th. I, 75, 6). Mas
continua aqui a ser um pressuposto a tese do pensamento por essência
supra-sensível, tese haurida por Tomás em
Aristóteles ; este vê no
intelecto ativo algo de inmisto (αμιχτοζ),
divino e imortal. A doutrina da subsistência da alma, na sua origem, significa
somente a propriedade essencial da atividade imaterial da alma espiritual; mas Tomás a concebe como substancialidade
individual; o que não é tão claro em Aristóteles,
razão pela qual o monopsiquismo averroísta pode radicar-se nele. É a
concepção cristã da imortalidade individual da alma, que já encontramos na
patrística e que Tomás sustenta.

δ) Forma do corpo. — Em face de uma
subsistência individual da alma tão fortemente frisada, surge naturalmente a
questão de saber-se como pode ela ser forma do corpo, conforme já o havia
pressuposto a primitiva dedução para estabelecer a sua existência. Neste ponto
Tomás fala a mesma linguagem de Aristóteles e é de opinião que a alma é
a forma substancial do corpo (Aristóteles
já tinha, na alma-vital, visto a forma do corpo, e Platão também a tinha considerado somente
como o princípio da vida). E assim, de acordo com o seu hilemorfismo, há entre
corpo e alma uma unio substantialis (S. th. I, 76, 1).

αα) Compositum ou parapositum? — Mas não devemos perder de vista que a idéia da subsistência individual da
alma aponta antes a direção do parapositum agostiniano-platônico do que
a do compositum aristotélico.   Apesar disso porém ele mantém o seu
hilemorfismo; pois, do contrário não se compreenderia o dizer-se — este homem
pensa. Se a alma não fosse a forma de um determinado corpo, de Sócrates, p. ex., então não seria Sócrates quem pensava, mas um princípio
impessoal é que nele pensaria. "Por isso não resta senão admitirmos a
solução de Aristóteles" (1.
c). E no concernente à subsistência da alma, aqui se dá um caso particular:
"A alma comunica à matéria corpórea o ser no qual subsiste; e, deste e da
alma intelectiva, constitui-se uma unidade, de modo que o ser de todo o
composto é também o da alma mesma; o que não se dá com as outras formas não
subsistentes" (S. th. I, 76, 1 ad 5). Um pouco antes (75, 4)
tinha dito, de acordo com a linguagem conceptual aristotélica, que alma e corpo
não se identificam. Com a tese, agora, que o ser da alma é o de todo o
composto, fica vitoriosa, sobre a linguagem de Aristóteles, a posição de Agostinho,
mesmo em Tomás, como já
antes o tinha advertido Hertling.

ββ) Alma intelectiva e força vital anímica.
— Tomás é ardente sequaz da
unidade da alma: esta não tem partes e também não pluralidade de formas, como o
ensinaram outros escolásticos na peugada de Agostinho,
é uma mesma forma a que simultaneamente confere a cada homem a
corporeidade, a vida e a qualidade de racional. A alma intelectiva assume
também as atividades e capacidades da alma vital, estando esta virtualmente
incluída naquela. "Além da alma intelectiva, nenhuma outra forma
substancial há no homem; e esta, assim como na sua virtude contém a alma
sensitiva e a nutritiva, assim contém também todas as formas inferiores"
(S. th. I, 76, 4). Esta doutrina podemos facilmente fundá-la na
experiência. Comparando os corpos inorgânicos com o mundo das plantas e dos
animais, nota-se uma gradual ascendência  da perfeição, pela qual as formas
superiores incluem e substituem sempre as inferiores e as suas atividades. Sem
ser a forma inferior, pode a superior operar como a inferior, pois,
"quanto mais nobre (nobilior) é uma forma, tanto mais completamente
domina a matéria corpórea e tanto menos nesta estará inclusa" (S. th. I,
76, 1). Tomás, neste ponto entra,
como precessor, no pensamento inteiramente moderno da superinformação. Mas,
diferentemente de Scheler e N. Hart-mann, coloca na categoria mais
elevada, não o ser inferior, mas o superior; e assim nele se faz de novo sentir
imediatamente o neoplatonismo e, mediatamente,  o idealismo platônico.   Pois,
só neste pressuposto tem sentido e alcance a doutrina da preponderância da
categoria mais nobre.

c)    Faculdades   da   alma

α) Distinção real. — Apesar de
afirmar resolutamente a unidade da alma, Tomás
se inclina a admitir uma certa diferenciação, ensinando a distinção
real entre a substância da alma e as suas faculdades. Enquanto Agostinho está sempre pronto a pôr a
alma ora em contacto imediato com o corpo; ora, com os objetos do seu
conhecimento ou das suas tendências; ora, com a vida exterior, Tomás, mais previdente coloca as
faculdades da alma numa posição intermediária. São só elas as que, pelo
conhecimento e pelas tendências, entram em contacto com o mundo externo e
tornam possível a sua união com a alma. Isto concorda com a sua doutrina de só
mediante os acidentes podermos nós conhecer a substância.

β) Espécies. — Tomás distingue, com Aristóteles
e Avicena, cinco espécies
de potências da alma {EL th. I, 78, 1): as vegetativas, concernentes à
vida em si mesma, como já o mostram as plantas; as sensitivas, dotadas de
percepção sensível e que se manifestam com formas já mais elevadas de vida. E
estas, primeiro, segundo Tomás, nos
animais, dotados dos cinco sentidos externos (vista, ouvido, olfato, gosto e
tato) e dos quatro internos (sentido comum, fantasia, estimativa e memorativa).
As tendências apetitivas impulsionadas pelo instinto, no animal e no homem,
implicam uma inclinação; as motivas (genus motivuni secundum locum) se
exprimem pelo movimento local voluntário, nos animais superiores e no homem; e
as intelectivas, a saber, as faculdades paramente espirituais de pensar e
querer, no homem.

d)    Psicologia do conhecimento

Uma especial atenção Tomás dedica à psicologia do conhecimento. Com Aristóteles é de opinião que o
intelecto é a mais perfeita das potências da alma e lhe concede por isso o primado
sobre a vontade.                        

α) Primado do conhecimento.
Podemos assim falar de um certo intelectualismo de Tomás (S. th. I, S2. 3). Mas isto só psicologicamente,
por ser o objeto do conhecimento, pelo seu sentido abstrato real, mais simples
e portanto, segundo o sentir neoplatônico, mais nobre. Pois, no ponto de vista
ético, onde se leva em conta a apreensão de um objeto — Deus, mais nobre que o
espírito humano, por isso mesmo a prioridade é da vontade.

β) Ato do conhecimento. — Em virtude
dessa particular superioridade atribuída ao intelecto, compreendemos a análise
meticulosa feita por Tomás do
processo cognitivo (S. th. I, 79; 84-88). No ato completo do
conhecimento podemos distinguir quatro graus.

αα) Species sensibilis. — O ponto de
partida é a percepção sensível, de cuja atividade já antes tratamos. Tudo
quanto o homem conhece, mesmo o supra-sensível, de que não há nenhuma imagem
sensível, nós o conhecemos só mediante os sentidos. Nisto se inclui mesmo o
autoconhecirnento da alma, só possível por meio dos seus atos, que por sua vez
é em dependência do mundo externo. Tomás
retoma o princípio de Aristóteles,
que a alma não pode conhecer nada senão mediante os fantasmas e mostra
com exemplos como sempre partimos de representações ou intuições sensíveis, ao
pensar, mesmo quando o objeto do nosso pensamento é supremo, como no caso de
Deus e dos espíritos puros (S. th. I, 84, 6 e 7). Mas, como já o
explicamos, as representações sensíveis são apenas fenômenos concomitantes ao
pensamento e não lhe constituem a essência mesmo. A afirmação que o objeto
próprio do nosso espírito é a essência realizada nas cousas materiais (S.
th.
I, S4, 7), é antes estóica que aristotélica: pois são dos estóicos
estas igualdades: realidade = res  naturae = cousas materiais.

ββ) Species intettigibilis. — O
resultado da intuição sensível — a imagem sensível (species sensibilis), se
"ilustra" pelo intelecto ativo, e esse é o segundo grau do
conhecimento (intellectus agens). Daí resultam os universais, a idéia
universal, as essências, representativos do conteúdo universal das várias
representações particulares. São "espirituais", i. é., de natureza
supersensível. Tomás fala de
extrações dessas formas essenciais ideais, de uma "abstração". Ora,
essa ilustração se inspira na idéia de luz, como está no De anima I, 5, onde
se trata da visibilidade das cores por obra da luz; de um objeto portanto já
existente e que deve ser iluminado. Por onde se vê que essa abstração medieval
é uma intuição e não uma imaginação da essência. Isto é, para Tomás as formas latentes eternas só se
tornam atualmente visíveis por obra do intellectus agens. Não é como em Locke, para quem o produto da
abstração, das percepções sensíveis, são representações universais. Estas não
implicam de modo nenhum formas eternas, mas já se acham informadas de tal modo
ou de tal outro pela experiência. Assim, as suas relações com a realidade
transcendental são muito duvidosas; de maneira que as representações é que são
o objeto do conhecimento, e não os objetos representados. Ao passo que para Tomás não há nenhum perigo de o
espírito ficar confinado no seu próprio conhecimento. Porque para ele a
percepção sensível não é causa eficiente, como para Locke, mas apenas causa material; e ele não lhes confere,
apesar de toda a sua defesa da percepção sensível contra Platão, importância maior que a que
lhes dá este e Agostinho (O lugar
da S. th. I, 84, 6 que atribui a Platão
a afirmação da não necessidade dos órgãos sensíveis corpóreos, é
historicamente falso; pois Platão assegura
expressamente a necessidade de usarmos dos sentidos). O papel decisivo é o do intellectus
agens
e deve sê-lo; pois, segundo o conceito tomista de causa, esta, como o
ato, é anterior à potência; e portanto já deve conter o que está atualizado no
efeito. Com o intellectus agens Tomás
introduziu na sua teoria do conhecimento um elemento apriori. Ora,
admitindo a iluminação por parte do aristotélico intellectus agens, cede
de cerro modo à participação da luz incriada de Agostinho e da sua doutrina da iluminação. E isto não se
reduz a uma simples questão de palavras ou a simpatias literárias, mas está
radicado no íntimo mesmo do seu pensamento. E apesar da conseqüente
transformação da doutrina da iluminação, Tomás
de novo se aproxima do Padre da Igreja.

γγ) Species impressa. — O
próximo passo no processo cognitivo consiste em a species intelligibilis ser
recebida pelo intelecto. Tomás própria
e realmente distingue o intelecto ativo e o passivo (intellectus
possibilis);
este se comporta passivamente e deve ser assimilado a uma
folha onde nada está escrito. Também Aristóteles
conhece um intelecto passivo e o  concebe como receptivo da verdade.  
Nesse sentido as  imagens  intelectivas  constituem,  para Tomás,  as species impressas.

δδ) Speccies expressa. — Mas com isto ainda
não está completo o processo cognitivo. Pois também o intelecto passível
desenvolve uma certa atividade, referindo intencionalmente as espécies
inteligíveis impressas, aos seus objetos reais. Tomás as considera como, por assim dizer, meios de expressão
e palavras mediantes as quais o intelecto reproduz a realidade externa. Nesse
sentido a species intelligibilis se denomina rerbum mentis (S. c. g. IV, 11 e 13) ou species expressa, expressão tão predileta da
escolástica posterior.

e)    Origem   da   alma

α) Criacionismo. — No concernente à origem
da alma, Tomás é contra o
traducionismo e o generacionismo. À subsistência da alma repugnam essas
doutrinas. Sendo ela por essência um princípio independente do corpo, não pode
ter’origem corpórea. Fica a outra alternativa: Deus a cria na sua
individualidade, pois toda preexistência está fora de questão (S. c. g. II,
83, 86 ss.).

 β) Evolução embriogênica. — Os diversos
estádios do nascimento de um indivíduo humano são os seguintes. O ponto de
origem é o sangue materno, não vivo mas capaz de vida. Pela agência de uma
série de fatores — Deus, os espíritos celestes, os corpos celestes,
principalmente o sol, o pai e o esperma paterno, o sangue materno se torna num
ser vivo; ser vivo como tal, mas ainda não pela sua atividade (vivum actu
primo).
Está ainda no grau da vida vegetativa mas sem pertencer a uma
determinada espécie de planta (não porém ainda à espécie humana), e sem
atividade vital (vivum actu secundo). Só mais tarde exercerá as funções
vitais, como a da nutrição e do crescimento. Só quando este ser vivo chegar a
ter uma forma externa, necessária ao desenvolvimento de uma vida animal, a vida
até então existente será substituída por outra, superior — a animal; esta a
princípio é apenas tal, e só mais tarde terá a sua atividade própria (percepção
sensível e movimento). Mas ainda não pertence a uma determinada espécie animal
e não é, portanto, humana; é animal, em sentido geral.   Finalmente quando,
nesta seqüência, o embrião, sob a influência do esperma (que, segundo pensa Tomás, se conserva no seio materno e
determina causalmente todo o desenvolvimento do embrião), assumiu a forma
humana, a alma animal é substituída pela humana, criada então nesse momento, e
infundida no embrião. A partir desse instante o feto pertence à espécie humana,
a princípio só pela forma externa (homo actu primo) de modo que a sua
atividade é toda vegetativa e sensitiva. Quando a criança chega ao uso da
razão, então é homem com a sua atividade própria (homo actu secundo) (S. c.
g.
II, 89; cf. A. Mitterer, Mann
und Weib nach dem biologischen Weltbild des hl.. Thomas und dem der Gegenwart.
1933).

γ) Hereditariedade, — Com essa teoria pode
Tomás explicar o fato da hereditariedade;
esta é, parece, uma dificuldade para o criacionismo. Pois, como vimos, a alma
que, para Tomás é a forma do
corpo, informa, não uma matéria ainda totalmente informe, mas uma já
predisposta — pelo sangue materno, de um lado, e, de outro, pelo esperma
masculino. Deus cria alma quando já existe um corpo formado (In Rom. 35,
2). Também Aristóteles ensinava
que, como cada arte precisa dos seus instrumentos próprios, assim a alma, de um
determinado corpo (De anima, A, 3; 407b 25).

E.     ÉTICA

"Nenhures Tomás
revelou os seus dotes para sistematizar, de modo mais brilhante, que no
domínio da ética" (M. Baumgartner).
Aqui conseguiu ele elaborar um material particularmente rico. Não há
quase nenhuma idéia da Ética Nicomáquica de que não se haja aproveitado.
E contudo, "a ética desse escolástico ostenta uma fisionomia totalmente
nova" (Wittmann). Tomás utiliza
também as idéias estóicas, agostinianas e patrísticas; sobretudo as do
Cristianismo, e da escolástica anterior, como as da Summa de virtutibus et
de vitus,
da Summa de bono do Chanceler Filipe, e a Ética de
seu mestre Alberto.

A ética gira em torno da idéia do bonum. O bonum implica dupla relação — uma ôntica e outra pessoal. Sob esses
dois aspectos constitui um princípio ético.

a)    Ser   e   Valor

Antes de tudo, o bem se manifesta como idêntico
com o ser.   Realmente idêntico: eus et bonum convertuntur.

α) Ens et bonum convertuntur. — Mas acrescenta ao ser
uma relação particular — a de fim e a tendência concomitante (De ver. XXI,
1). Desde Aristóteles e Platão e atravessando toda a
escolástica, sobretudo com Tomás, é
dominante completamente essa ontologia concebida teleològicamente, para a qual
cada ειδοζ é um conjunto de relações finalistas (φισιζ
= πεφυχρναι
τινι). E
assim, a forma é uma enteléquia; a sua atividade é uma perfeição e, portanto,
um bonum. O bem ontológico é sempre perfeição (De ver. XXI,
1 e 2). Por isso para Platão a
Idéia das Idéias é a Idéia do bem; para Aristóteles
— como ele o mostra logo no primeiro capítulo da Ética Nicomáquica,
uma subordinação sistemática de todas as atividades e ações a um fim supremo
que é o bem mais elevado; para Agostinho,
que identifica todas as formas e fins com as idéias existentes na mente
divina, Deus é o bonum omnis boni; e assim também para Boécio e igualmente para o
PseudoDionísio. Assim também Tomás, servindo-se
de fórmulas aristotélicas, vê, na realização da natureza própria e da
atividades de cada ser, as suas virtudes específicas e o valor da sua entidade.
"Por isso o bem de um ser consiste em comportar-se de conformidade com a
sua natureza" (S. th. 1. II, 71, 1;   S. c. g. I,
37;   De virt. in com. I, 9).

β) Ανθρωπινον
αγαθον. — Mas como o homem tem uma natureza
específica de acordo com a qual é a seu agere, o bem humano (o Ανθρωπινον
αγαθον de Aristóteles)
de cada um consiste em ser e agir conforme à essência e à idéia humana.
A idéia universal da natureza humana é assim o princípio ôntico da moral. Isto
não é nenhum materialismo ou naturalismo ou mera moral de bens; pois já a
antigüidade tinha uma concepção da natureza ideal do homem; e Tomás, que faz derivar, exatamente
como Agostinho, as idéias da
mente divina, a formula muito acertadamente. "Em Deus haurem as naturezas
o que elas são como tais; e falham na medida em que se afastam do plano do
Mestre que as concebeu" (citação que faz Tomás,
de Agostinho, S. th. 1.
II, 71, 2 e 4). E quando repetidamente afirma que a natureza humana há de ser
racional, quer dizer o mesmo; pois pela razão dominamos a sensibilidade e
realizamos a ordem ideal. A razão reta (ratio recta) não é para ele
outra cousa mais que a consciência, como já o tinham dito os estóicos. Donde
vem o incluir-se a lex naturalis, como princípio da moralidade humana,
no princípio superior da lex aeterna, da qual participa racionalmente a
nossa natureza humana (S. th. 1. II, 91, 2).