São Tomás de Aquino – História da Filosofia na Idade Média

HISTÓRIA DA FILOSOFIA MEDIEVAL



Johannes HIRSCHBERGER

Fonte: Ed. Herder

Trad. Alexandre Correia

4  —  TOMÁS   DE  AQUINO

O    ARISTOTELISMO    CRISTÃO

Chamaram a Tomás
de Aquino o príncipe da escolástica. Isto tem um bom sentido pois ele é
realmente fundador.    O que, nos tempos a ele precedentes, a escolástica
recebeu como novidade de materiais, sobretudo as idéias de Aristóteles, mediante os árabes ou
traduções diretas do grego, tudo isso ele empregou para fazer uma coesa
construção. E a síntese artística que criou, com as antigas e as novas idéias,
é de forte travejamento e, sobretudo, de uma clareza única. E. Gilson escreveu, sobre a posição do
Aquinata na escolástica, o seguinte: "O distintivo de Santo Tomás, entre todos os escolásticos,
não é a originalidade, mas a ousadia e o acabado da construção. Na
universalidade do saber sobrepuja santo Alberto
Magno; no ardor e inferioridade do sentimento, são Boaventura; na subtileza lógica, Duns Escoto — mas S. Tomás os sobreleva a todos na arte do
estilo didático e como mestre e clássico de uma síntese de luminosa
clareza".

Vida

Tomás de Aquino nasceu pelos fins de
1224, em Roccaseeca, na região de Nápoles, de uma família nobre. Aos cinco anos
foi para o Claustro de Monte Cassino. Aos quatorze vai estudar em Nápoles. Teve como mestre do quadrivium Pedro de Hibérnia, autor de comentários sobre Aristóteles e a quem Tomás deve o seu primeiro contacto com
os filósofos gregos. Aos vinte anos entra na ordem dos dominicanos,
dirigindo-se um ano depois para Paris onde continua os estudos; e depois, de 1248 a 1252, em Colônia, junto de Alberto Magno. Em
1256, juntamente com Boaventura, é magister na Universidade de Paris. A.pos um ensino de três anos como magister, encontra-se de novo na Itália onde preleciona como lector curlae, junto
de Ulbano IV, em Orvieto, no stndium da ordem, em Santa Sabina, Roma; e de novo junto de Clemente IV em Viterbo. Na côrte-papel travou conhecimento com o seu confrade Guilherme de
Morbeca (Moerbeke), que lhe fez seguras traduções das obras de Aristóteles e também traduziu para
latim tratados de Proclo, Arquimedes, do
comentador de Aristóteles, Alexandre de
Afrodísias, Temístio, Amônio, João Filopono e Simplício, o que foi de extraordinária importância para Tomás e a sua filosofia. De 126!) a
1272 acha-se de novo em Paris, alcançando, nesses anos, o auge da sua vida científica.
Mas também cheios, por certo, de aborrecidas lutas contra os professores do
clero secular que, como por ocasião da sua primeira estada em Paris,  também
agora se voltam contra o ensino dos regalares. A essas acrescentam-se as lutas
contra o averroísmo latino ou antes, o aristotelismo radical de Sigéeio de Brabante e de Boécio de Dácia. E ainda contra as oposições provenientes da escola
franciscana, sobretudo de João Peckham.
Demais disso, pela condenação fulminada pela Igreja contra o averroísmo
latino, Tomás veio a cair em
descrédito tanto no seu ensino, como mesmo e ocasionalmente entre os seus
confrades, por não saberem distinguir entre o seu aristotelismo e o de Sigério de Brabante. Mas defendeu o seu
ponto de vista com tal tranqüilidade e tão objetivamente, que os próprios
adversários admiravam. A partir de 1272 Tomás
se encontra de novo na Itália e ensina então no studium da sua
ordem e na Universidade de Nápoles. Convocado por Gregório X para o Concilio de
Lião, morre na viagem, aos 7 de março de 1274, no Convento dos cistercienses em
Fossa nuova.

Obras

1. Comentários: a) a Aristóteles (1266-72), a saber, à Metafísica, à Física, à Ética, à Política, ao De anima, ao Perihermeneias, aos Segundos Analíticos etc; — b) ao Liber de causis (após
1268); — c) ao De divinis nominibits (antes de 1268); — d) ao De
Trinitate
de Boécio. — 2. Opúsculos (opuscula): De ente et essentia (1254-56); De aeternitate
mundi
1270); De unitate intellectus contra averroistas (1270) e
outros. — 3. Obras teológicas importantes: Comentário às Sentenças (1254-56); Summa Theologica (I e II: 1266-72; III: 1272-73; incompleta). — 4. Quaestiones
disputatae: De veritate
(1256-59); De potentia (1265 a 1266); De anima (1266); De maio (1269 e outras. — 5. Obras Apologéticas: Summa
contra Gentiles,
também chamada Summa philosophica (1259-64) e
outras. — 6. Escritos de filosofia política: De regi mine principum (autêntico
só até II, 4); De regimine Judacorum ad ducissam. Brabantiae etc. — As
edições recomendáveis são a de Parma e de Paris (Vives). A mais recente, á
Leonina, começada em 18S2, ainda não está terminada. Está sendo também
publicada agora uma editio manualis de ambas as Sumas, conforme à
leonina. — Uma tradução alemã da Summa philosophica apareceu era 1937,
edição Hegnerv.; uma, igualmente, da Summa Theologica desde 1933, ed.
Pustet, -Salzburgo.

Em português iniciou-se a publicação de uma
tradução pelo Prof. Alexandre Correia; é
acompanhada do texto latino, tendo saído o 1.° vol. à luz em 1944. É edição da Faculdade
de Filosofia Sedes Sapientiae,
em S. Paulo. Já se acham publicados 21 vols., que alcançam o fim da 2.ª 2.ae. No prelo se encontra o vol. correspondente
ao princípio da 3.ª esperando-se que dentro de uns 2 anos toda a obra estará
editada. — (N. do T.).

Bibliografia

M. Grabmann, Thomas von Aquin. Eine Einführung in seine Persönlichkeit und
Gedankenwelt.
(7 1946). Do mesmo, Die Werke des hl. Thomas v. A. (2
1931). E. Gilson, Le Thomisme (4
1942). G. Manser, O. P. und P. Wyser, O. P., Das Wesen des
Thomismus
(3 1949). H. Meyer, Thomas
von Aquin
(1938). Sentillanges, Saint
Thomas d’Aquin  
(2  v.   1910).

A.      O CONHECIMENTO

a)    A   luz   natural

Sente-se logo a influência de Aristóteles sobre Tomás de Aquino pela novidade da
valorização do conhecimento natural em face da fé. A ciência não é valorizada
somente como auxiliar da teologia, mas é algo de independente e com os seus
direitos próprios. Todo homem naturalmente deseja saber, diz Aristóteles, pensamento de que S. Tomás se apropria. Assim como para ele
o Estado existe "por natureza" e não recebeu da Igreja os seus
direitos, assim também a filosofia. É natural que Tomás, tanto na introdução da sua Summa filosófica
como da teológica, achou necessário advertir que ao lado da luz natural também
há lugar para o sobrenatural, i. é, a Revelação. Nos tempos que o precederam
era o contrário: julgava-se necessário justificar as exigências da razão. O
entusiasmo do Aquinate pelo saber e pela ciência é absoluto. De Alberto escreveu De Wulf, que ele inoculou no seu tempo
a paixão, de que ele próprio estava possuído, de saber tudo. Inteiramente nesse
espírito considera Tomás como
sendo a tarefa das ciências naturais "descrever, baseando-se na alma
humana, a ordem total do universo com todos os seus fundamentos e causas".
Mas Tomás não teria sido homem da
Idade Média se, apesar de tudo, não tivesse atribuído à fé e à ciência da fé o
direito de delinear o quadro mundividente universal, onde deve inserir-se todo
o saber filosófico: "Tudo o que nas outras ciências repugnar à verdade da
teologia condena-se de vez, como falso" (S. th. I, 1, 6, ad 2).

b)    Origem do conhecimento

α) Contra Agostinho e por Aristóteles.
Também na questão da origem dos conhecimentos Tomás
segue Aristóteles. Até
então a grande influência nessa matéria era a de Agostinho. Tomás muitas vezes concorda com ele e com a sua
doutrina, que nós conhecemos tudo nas razões eternas (S. th. 1. 84. 5;
SS, 3; De ver. VIII, 7). Também aceita a doutrina da iluminação, mas lhe
atenua discretamente a expressão, dizendo, uma "certa" iluminação;
ou notando que a luz da razão é uma "certa participação da luz
divina". E transforma então o conceito agostiniano da iluminação na idéia
de um universal concursus divinus, sem introduzir nenhuma
particularidade (S. c. g. I, 11) para depois seguir o caminho totalmente
outro, de Aristóteles. Com este
ensina ele: "é natural ao homem chegar, pelos sensíveis, aos inteligíveis,
porque todo o nosso conhecimento começa pelos sentidos" (S. th. I,
1, 9). A tese, Deus é o primeiro ser que conhecemos, pressupondo a doutrina do
conhecimento nas razões eternas, é expressamente rejeitada: "o que
primariamente é inteligido por nós, no estado da vida presente, é a qüididade
da cousa material, objeto do nosso intelecto, como muitas vezes já se
disse" (S. th. I, 88, 3). Tem um certo sentido o dito, que
conhecemos tudo nas razões divinas, como tem um sentido dizermos que vemos
tudo na luz do Sol. Mas como tão pouco conhecemos o mundo se só no Sol o
conhecemos, sem olharmos para as cousas materiais mesmo, tão pouco chegamos a
qualquer ciência se apenas participamos das Idéias eternas, como criam os
platônicos. Por isso precisamos do conhecimento sensível, se quisermos chegar a
uma verdadeira ciência (S. th. 24, 5). Cf. M. Grabmann, Die theologische
Erkenntnis- und Einleitungslehre des hl. Thomas von Aquin auf Grund seiner
Schirift "In Boëthium de Trinitate",
Freiburg  (Schweiz)  1948,
45-95.

β) Graus de abstração. — Tomás conhece três graus em relação à
origem de toda a nossa ciência. Antes de tudo experimentamos, na percepção
sensível, o mundo concreto dos sentidos, na sua extensão individual: esta carne, esta perna. É o mundo da filosofia natural (philosophia naturalis), a
que pertence também a psicologia. O seu objeto próprio é o ens mobile. Se
porém abstrairmos das particularidades individuais e considerarmos em geral a
extensão como tal, somente nas suas puras relações quantitativas, surge então
aos olhos do nosso espírito a ciência matemática. O seu objeto é o ens
quantum.
E se enfim subirmos ainda na abstração sem mais considerar a
extensão em geral e levarmos em conta apenas as determinações puramente ideais,
nasce o mundo da ciência metafísica. O seu objeto é o ser como tal e as
suas determinações gerais são a unidade, o ato, a potência etc. {8. th. I,
85, 1).

γ) Os princípios. — Por esta via nascem
também os princípios supremos tanto do saber em geral (leis lógicas) como ainda
os fundamentos mais gerais do ser, princípios de cada ciência particular. Os
princípios universalíssimos de todo saber em geral manifestam-se como uma luz,
imediata e intuitivamente, que jorra do conhecimento _da idéia do ser. São judicia
per se nota.
A idéia de ser é a idéia, generalíssima e o que primeiro
conhecemos. "O que o homem primeiro apreende é o ser; seja o que for que
conheçamos aí está ele incluído. Por isso o princípio primeiro evidente é — não
podemos ao mesmo tempo afirmar e negar, princípio resultante da idéia do ser e
do não-ser. B nesse se apóiam todos os outros princípios, como diz Aristóteles. E como o ser é o dado
primeiro e absoluto da razão pura, assim o bem é o que primeiro a razão prática
atinge" (S. th. I. II, 94. 2). Os princípios das ciências
particulares porém são postos para os conceitos correspondentes de gênero ou
espécie (extensão, corpo, vida, planta, animal, alma, etc.), resultantes da
experiência no decurso da   abstração,  acharem  assim  o  seu  fundamento.

δ) Fundamento do aposteriori. — Tomás também expõe as razões pelas
quais o conhecimento humano só é possível pela volta aos fantasmas do
conhecimento sensível (convertendo se ad phantasmata). Primeiro,
fiquemos certos que, faltando certos órgãos sensíveis, faltarão também os correlativos
conhecimentos.    E que, como estamos sempre a experimentar na nossa
auto-observação, para explicar o espiritual a nós mesmos ou aos outros, temos
necessidade de recorrer a imagens intuitivas. A razão disto está em as nossas
faculdades cognitivas serem sempre adaptadas ao objeto cognoscível. "Ora,
o objeto próprio do intelecto humano, unido ao corpo é a essência existente nas
cousas materiais; assim, pela natureza das cousas sensíveis subimos a um certo
conhecimento das cousas supra-sensíveis". A natureza da pedra nós a
apreendemos pelo exame de uma determinada pedra; o do cavalo, pelo de um
determinado cavalo. E assim o nosso pensamento considera sempre o universal em
dependência do particular. E como o particular só nos é apreensível pelos
sentidos, estamos sempre na dependência da experiência sensível. Tomás pergunta aos idealistas, que
querem haurir no próprio espírito o conhecimento de tudo, porque não podem
então, pela intuição das próprias idéias, dizer quantos gêneros de seres vivos
existem e quais as suas origens. É porque tudo isso só é investigável no espaço
e no tempo {8. th. I, 84, 5).

 ε) O apriori em Tomás. — Tudo isto sabe a
empirismo, mas na realidade não o é. À pergunta,
se o conhecimento intelectual tem a sua fonte só nas cousas sensíveis,
responde: "não se pode dizer que o conhecimento sensível seja a causa
perfeita e total do conhecimento intelectual"; ele é antes a matéria da
causa desse conhecimento (S. th. I, 84, 6). Por isso "não é para
admirar se o conhecimento intelectual se estende para além da experiência
sensível (si intellectualis cognitio ultra sensitivam se extendit: 1. c.
ad 3). Ultrapassamos o conhecimento sensível! Declaração exclusiva do empirismo.
Perguntamos: em que sentido e com que direito se transcende a experiência? O
passo para além dela é dado pelo "intelecto ativo", a verdadeira
causa eficiente do nosso conhecimento intelectual. O que ele extrai dos
fantasmas da experiência sensível são os puros universais, conhecimentos
necessários e de valor universal. No afirmá-lo Tomás não duvida um instante. E não lhe surge ao espírito o
cepticismo moderno, para o qual as nossas representações universais, abstratas
da experiência sensível, só valem porventura na medida mesma em que o permite
o substrato experimental, de modo que ninguém pode saber com certeza o que se
dará amanhã, como ninguém poderá saber se sempre as cousas foram como são.
Considerou-se então, e com razão, o seu intellectus agens como um momento apriori na sua epistemologia. É em S. Tomás
exatamente como em Kant. Diz
ele também: "embora todo o nosso conhecimento suponha a experiência, não é
só esta a origem de todos os nossos conhecimentos." Mas o seu apriori é
de uma espécie diferente do de Kant. Não
é funcional, no sentido de ser o proponente dos objetos, mas ao contrário,
supõe a convicção metafísica da preexistência de objetos com a sua verdade
ínsita, a sua forma e idéia, as suas "razões eternas", que se
refletem em nossa alma, como Tomás expressamente
o assegura (S. Th. I, 16, 6). Ora, o intellectus agens mesmo já é
um princípio inerente ao espírito, participante da luz divina, que encerra em
si uma verdade eterna inclusiva de todas as verdades e essências. Por isso
pode ele por sua vez atualizar as formas eternas existentes potencialmente nas
cousas, conforme ao princípio de Aristóteles
— o homem gera o homem (S. Th. I, 79, 4). Daí o ser a abstração, em Tomás de Aquino, não a abstração na acepção moderna, mas a intuição do ser,
"intuição abstractiva", (como explica Garrigou-Lagrange e como já o era para Aristóteles). E é neste pressuposto
metafísico que Tomás assenta, e
com razão, a sua tese. E isto não contradiz a doutrina de Tomás, que nós não atingimos a essência
imediatamente e por assim dizer prima vista, mas mediante os acidentes
e através deles.

ξ) Tomás e Boaventura. — E com isto se
mostra como Tomás de novo vem a
encontrar Agostinho. Ele não
prosseguiu na via trilhada por Abelardo,
com a sua primitiva dúvida do conhecimento metafísico, mas imprimiu-lhe
um retrocesso à evolução. Pode-se perguntar, com razão, se a sua epistemologia
difere essencialmente da de Boaventura. Psicologicamente
considerada, sim: para Boaventura as
razões eternas estão na origem do processo cognitivo; para Tomás, no fim. Mas logicamente
considerada, não, porque a "verdade" apreendida por nós, para os dois
pensadores não tem o seu fundamento na experiência como tal — a experiência é
em ambos os casos uma causa puramente material; mas nos nexos essenciais
participados das formas eternas, que se nos revelam.

η) Juízo e verdade do juízo. — Mas para Tomás, que aqui de novo segue Aristóteles, o conhecimento não se
perfaz com a apreensão da essência, mas com o juízo.

αα) Essência do juízo. — O juízo é uma
composição ou divisão de conceitos (intellectus componens vel dividens). Quando
o juízo compõe ou divide os conceitos essenciais, em conseqüência de estarem as
cousas assim ligadas ou separadas na realidade, ele é verdadeiro. Essa verdade
é uma propriedade do juízo e para nós é a verdade no sentido próprio (S.
Th.
I, 16, 1 e 2); pois, "a verdade consiste em dizer que o que é é, e
o que não é não é", define Tomás, com
Aristóteles (De ver. I,
1). Ou mais brevemente: "a verdade é a adequação entre o pensamento e a
cousa" (veritas est adaequatio intellectus cum re: S, th. I, 16,
1).

ββ)    Verdade  lógica e ontológica. — Mas Tomás,  apesar disso,  admite também
uma verdade da percepção sensível e dos conceitos constitutivos da definição
expressiva da qualidade e da quididade.   Ele pensa mesmo que o conteúdo dos
sentidos e as qüididades são sempre verdadeiros  (circa quod quid 
est  intellectus   non   decipitur),  
porque  tanto  o  sentido como o
intelecto são informados imediatamente pelos objetos   | (S. th. I, 17,
3).   Assim as qüididade decidem a respeito da possibilidade ou impossibilidade
das composições no juízo; pois o juízo se apóia na reprodução da realidade, na
apreensão sensível e intelectual do objeto.   Isto significa:  decidem,  final-
mente, sobre a verdade interna ou ontológica das cousas.  Pois, "cousas
reais, onde o nosso intelecto haure o saber, medem (mensurant)  o nosso
pensamento, como o diz Aristóteles no
décimo livro da Metafísica.   Mas, por sua vez, são medidas pelo
intelecto divino,  criador de  tudo,  assim  como as obras artísticas são
criadas pela mente do artista.   Assim a mente divina mede, sem ser medida; ao
passo que as cousas existentes são medidas e medem  (mensurans et
mensurata).    O
espírito humano contudo é sempre medido, sem por sua vez
medir, seja lá como for o concernente às cousas da arte" (De ver. I,
1).

γγ) Juízos sintéticos apriori? — Mas ainda
não surge aqui, para Tomás, o problema
dos juízos sintéticos apriori, com os quais Kant abre a sua doutrina do conhecimento. Ele não está ainda
na posição fatal de ter que compor elementos de percepção sem saber com que
regras isso vai dar-se. As cousas ainda estão unidas; há qüididades e nós as
conhecemos; o intelecto ativo as ilumina como algo sempre pronto e agente. Na
teoria da percepção sensível e das essências se oculta o antigo realismo
idealista, para o qual o mundo e as suas cousas permanecem, em si mesmas,
patentes à intuição sensível e intelectual, seja lá como for que isso se dê —
por uma intuição das idéias, ou pelo νουζ ou pelas razões
eternas ou pelo intellectus agens. Enfim, todo conhecimento é aqui um τεωρειν
e é a dialética a via real do saber. H. Meyer
tem razão, quando diz, que a teoria da perfeição do nosso conhecimento,
pelo juízo, não se ajusta plenamente, no sistema escolástico-aristotélico,
"na medida em que, para Aristóteles,
a capacidade intuitiva do intellectus agens supõe uma certa semelhança
com Deus; e na medida em que, também para Tomás,
Deus não une nem separa, mas pura e simplesmente conhece" (Thomas
v. A.,
393).