A FILOSOFIA ESCOLÁSTICA – Generalidades – História da Filosofia na Idade Média

HISTÓRIA DA FILOSOFIA NA IDADE MÉDIA


Johannes HIRSCHBERGER

Fonte: Ed. Herder

Trad. Alexandre Correia

Capítulo  Segundo – A  FILOSOFIA ESCOLÁSTICA

GENERALIDADES

a)    Conceito   da   Esco1ástica

Por Escolástica, em sentido restrito, entende-se
a especulação filosófico-teológica que se desenvolveu nas escolas da Idade
Média propriamente dita, i. é, de Carlos
Magno até a Renascença, tal como essa especulação se apresenta, antes de
tudo, na literatura de Summae e de Quaestiones. Essas escolas
foram a princípio as catedrais e as monacais e, mais tarde, as Universidades.
Num sentido algo mais largo, designa a escolástica também o pensamento dessa
época que, embora sem empregar um método rigorosamente escolar, racional-conceptual,
repousa porém nas mesmas bases metafísicas e religiosas, como p. e., a mística.
E também se pode incluir nessa denominação a filosofia arábico-judaica, na
medida em que, durante esse período, entra em contado com a escolástica
propriamente dita.

b)    Método   escolástico

α) Ensino. — O ensino, nas escolas
medievais, se calca em duas bases fundamentais — a lectio e a disputatio. . Na lectio, correspondente ao que os alemães chamam hoje Vorlesung (lição), só o mestre é que tem a palavra. Ela se atem, de ordinário, a uma
obra sobre as Sentenças com o fim de comentar as "opiniões" (sententiae) de autores conhecidos. Para a teologia se tomavam geralmente as Sentenças de Pedro Lombardo; na
filosofia, as obras de Boécio e Aristóteles. A disputatio era
uma livre discussão entre o mestre e o discípulo, na qual se aduziam e
discutiam argumentos favoráveis e contrários a uma tese.

 β) Formas literárias. — Dessas
formas didáticas resultaram naturalmente as correspondentes formas literárias
escolásticas.   Da lectio procederam os comentários, que aparecem
inúmeros na Idade Média.

αα) Comentários. — Assim os
comentários ao Lombardo, a BoÉcio, ao Pseudodionísio e
particularmente a Aristóteles.

ββ) Sumas. — Dos comentários,
por sua. vez, nasceram as Summas, nas quais o autor se libertava mais e
mais das andadeiras do livro de texto, colocando-se num ponto de vista
real-sistemático,  na exposição da matéria  do ensino.

γγ) Quaestiones. — Da disputatio nasceu a literatura das quaestioncs, que compreendiam duas espécies
— as quaestiones disputatae e as quaestiones quodlibetales. As
primeiras contêm a matéria da disputatio ordinária, que tem lugar
regularmente todos os 14 dias; durante um mais largo espaço de tempo
desenvolve-se um único tema (p. ex., de veritate, de potentia, de maio). As
ultimas são o resultado de disputas mais solenes, realizadas duas vezes por
ano, pela Natividade e pela Páscoa, sobre variadas questões (quaestiones de
quo-Ubet).

δδ) Técnica das sumas. — A técnica das
discussões dos prós e contras e a solução da questão subseqüente
ao debate constituíam a estrutura das Sumas medievais. Assim, p. ex., na Summa Theologica de S. Tomás, primeiro
se apresentam os argumentos contrários (objectiones) à solução da tese;
com a expressão sed contra expõe-se, de ordinário apoiada numa
autoridade, o ponto de vista oposto. O tema é então tratado, em si mesmo, na
parte principal do artigo (corpus articuli). Daí resultam as respostas
aos argumentos em contrário, aduzidos no princípio.

εε) Opuscula. — Mas a
escolástica também já conhecia o modo livre de tratar um problema. Chamam-se opuscula os pequenos tratados particulares dessa natureza.

c)    Espírito   da   Escolástica

α) Auctoritas e Ratio. — Pelo
que acabamos de dizer vemos que o espírito da escolástica se desenvolve em dois
elementos — a auctoritas e a ratio, a tradição e o pensamento que
a penetra. A auctoritas é o primeiro recurso do método escolástico. Tais
autoridades eram citações da Bíblia, dos Padres da Igreja, dos Concílios, mesmo
na filosofia: mas, sobretudo, citações de Aristóteles,
o "Filósofo", por excelência, como Averróis era por excelência o "Comentador". As
opiniões dessa espécie eram consignadas nos livros das Sentenças, donde
a sua capital importância. Mas como as obras das autoridades reconhecidas nem
sempre concordavam, p. ex., Agostinho dizia
uma cousa e Aristóteles outra,
recorria a escolástica a .uni terceiro expediente — o pensamento racional, que
se esforçava por desentranhai, mediante análises conceptuais, o
sentido das doutrinas recebidas, precisar-lhes mais exatamente o valor e, sendo
possível, conciliá-las.

 β) Suas vantagens e desvantagens.
A força de pensamento que se punha na realização dessa tarefa era imponente.
Duas cousas se evidenciam — objetividade e acuidade lógica. O pensador
escolástico não faz praça de subjetividade; para ele a poesia não ê nem poesia,
nem sentimento nem questão de ponto de vista. O que se quer é servir à verdade
em si mesma. Esses homens podiam crer e realizar uma cousa por causa dela
mesma. E o fizeram com o emprego da lógica, estimada hoje como merece, depois
de se ter por muito tempo visto nisso apenas a dialética, no sentido pior do
vocábulo. Esta censura não era, certo, inteiramente injustificada. Apegavam-se
às vezes demasiado às palavras. Acreditavam em termos tradicionais e era grato
ouvi-los. E para não se verem obrigados a abandoná-los, davam-lhes freqüentemente
um sentido que não lhes convinha nem histórica nem realmente. Eram demasiado
receptivos, falhos de senso histórico e crítico. Por isso se mesclam nos
conceitos e nos problemas as mais diversas direções de pensamento, muito pouco
distintas nos seus contornos próprios, como as pinturas superpostas num velho
quadro, cujas diferentes camadas exigem o máximo cuidado de um técnico para
poderem ser separadas. Mas as referidas camadas aí estão, e esta é outra vez a
vantagem do sentido de respeito à tradição. A escolástica é assim um como
imenso museu do espírito. Os mesmos tempos que conservaram fielmente os
manuscritos da antigüidade, também se preocuparam por que o seu pensamento
vivo nada perdesse do que criaram os grandes pensadores do passado. Se é
verdade que a escolástica muitas vezes lhes alterou o sentido, contudo nos
transmitiu o pensamento antigo sem obstruir o caminho, para podermos agora,
mediante as palavras conservadas, descobrir-lhe o verdadeiro sentido histórico.
A escolástica é um domínio onde a indagação histórico-genética alcança os mais
compensadores resultados e oculta ainda muitos tesouros não descobertos.

Bibliografia

M. Grassmann, Die Geschichte der scholastischen Methode (História do Método
escolástico,
I, 1909; II, 1911). Do mesmo, Millelalterliches Geistesleben
(Vida espiritual da idade-média,
I, 1926; II, 193G). E. GILSON, L’Esprit
de Ia Philosophie médievale
(1944). A. M. Landgraf, Einführum in die Geschichte der theologisehen Literatur der Früscholastic
(Introdução à história da literatura teológica da primitiva escolástica)   
(Edição
em castelhano 195..).


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