A ESCOLA CARNOTENSE: HUMANISMO MEDIEVAL – História da Filosofia na Idade Média

HISTÓRIA DA FILOSOFIA NA IDADE MÉDIA



Johannes HIRSCHBERGER

Fonte: Ed. Herder

Trad. Alexandre Correia

4 — A ESCOLA CARNOTENSE: HUMANISMO    MEDIEVAL

a)    Caráter   da   Escola

O fundador da Escola é Fulberto Carnotense (de Chartres), lá pelos fins do séc. 10.°
A sua plena florescência é no séc. 12, no ano precedente à construção da grande
catedral de Chartres. Estamos assim já às portas da alta escolástica, pois
agora sentimos claramente a proximidade das novas idéias. Em face do
compreensivo e sutil estudo da literatura antiga, aí cultivada, falou-se de um
humanismo da escola: de Chartres. Esta escola foi a primeira a receber a
"nova lógica" (lógica nova), i. é, as obras até então desconhecidas
do Organon aristotélico (os dois Analíticos, os Tópicos e
os Elênquicos). Exerceram grande influência no desenvolvimento da
escolástica. Aqui também já se percebem os prenúncios do conhecimento de idéias
dos escritos físicos de Aristóteles. Também
se valorizam os tratados de ciências naturais e médicas de Hipócrates e Galeno. A isso ainda se acrescentam as obras de ciências
naturais e médicas dos árabes (na tradução de Constantino
Africano, dos meados do séc. 11, monge do Monte Cassino). A escola toma
uma forte orientação no sentido das ciências da natureza. O fundo filosófico é
de feição platonizante. Atém-se sobretudo ao Timeu e a Boécio que, por sua Tez, já havia
trabalhado sobre o Timeu. Cf. H. Liebeschütz, Kosmologische Motive in der Bildungeswelt der Frühscholastik. In Vorträge der Bibliothek  
Warburg 
(1923-224).

b)    Os   homens   de    Chartres

α) Bernardo. — Ao tempo da sua
florescência estava à frente da escola Bernardo Carnotense (de Chartres)   (1114-24). João Sarresberiense chama-lhe
"o primeiro dos platônicos do nosso século”. Mas ele também aprecia Aristóteles e se esforça pelos igualar a
ambos esses grandes filósofos. Bernardo inaugura
a leitura dos clássicos na Idade Média e introduz assim o humanismo na escola.

β) Teodorico. — Seu irmão mais moço Teodorico de Chartres dirige a escola a
partir de 1140. No seu Comentário do Gênese (De sex dierum operibus) mostra
como há ligação entre Calcídio-Platão e
a Bíblia. O seu Heptateuchon, manual das sete artes liberais, contém
excerptos de mais de 40 obras diferentes e constitui assim uma preciosa fonte
de informações para o nosso conhecimento da vida literária na primeira metade
do séc. 12. Também Teodorico professa
uma filosofia de inspiração platônica. Os elementos da sua metafísica são a
unidade e o número. A unidade é eterna e imutável, idêntica a Deus. O número é
o mutável, pois a mudança vem da numeração e, assim, com o número é criado o
ser. Mas todos os números provindo da unidade, também o mundo procede de Deus.
Como porém as formas de todas as cousas existem na mente divina e a divindade
constitui por aí a forma dos seres individuais (divinitas singulis rebus
forma essendi est),
não se oblitera a distinção entre Criador e criatura,
porque Deus não pode vir a ser matéria (divinitas immateriari non potest). Teodorico entende também os seus
princípios no sentido do exemplarismo augustiniano. Faz-nos lembrar logo o
Areopagita e as especulações pitagorizantes da velhice de Platão, sobre as idéias e os números; e
nos tempos modernos, o Cardeal de Cusa. A escola carnotense constitui também um
importante elo na grande corrente idealista que se estende de Platão a HeGel. Outros representantes de importância dessa escola
foram:                                                   

γ) Gilberto Porretano. — Gilberto Porretano (+ 1154), cujo
tratado sobre as seis últimas categorias de Aristóteles (liber sex principioruni) formavam a base do ensino da lógica na
Universidade de Paris no séc. 13.

δ) Guilherme de Conchos. — Guilherme de Conches (+ 1145), autor de
um Comentário ao Timeu de Platão,
glosas à Consolatio Philosophiae e três Exposições da
Filosofia (philosophia mundi) 
(cf. sobre ele particularmente M. Grabmann, Handschriftliche
Forschungen und Mitteilungen zum Schrifttum des Wilhelm von Conches und zu
Bearbeitungen seiner naturwissenschaftlichen   Werke. 
1935).

ε) João Sarresberiense. — E JOÃO
Sarresberiense (+ 1180) que, no
seu Metalogicus fornece-nos excelentes informações sobre a lógica do
tempo e as várias direções das disputas acerca dos universais. E com o Polycraticus influiu nas teorias filosóficas medievais sobre o Estado, sobretudo no
concernente à conduta do povo em relação a um governo tirânico, cuja 
deposição violenta ele tem por lícita.

ζ) Otto de Freising. — Aparentado com a
escola era o bispo Otto de FREISING
(+ 1158), o primeiro a introduzir na Alemanha o conhecimento de toda a lógica
aristotélica. — Num sentido panteísta desenvolveram-se, na segunda metade do
séc. 12, as tendências da escola chartrense com AmalRício de Bènes e Davide
de Dinant. O primeiro ensinava que Deus é a forma, e o segundo, a matéria
prima
de todas as cousas.


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