DIONÍSIO PSEUDO-AREOPAGITA – História da Filosofia na Idade Média

HISTÓRIA DA FILOSOFIA NA IDADE MÉDIA



Johannes HIRSCHBERGER

Fonte: Ed. Herder

Trad. Alexandre Correia

5 — DIONÍSIO  PSEUDO-AREOPAGITA

Dionísio Pseudo-areopagita e a Posteridade

No decurso da Idade Média gozaram de grande
autoridade muitos escritos atribuídos falsamente a Dionísio o areopagita,
mencionados em Act. 17, 34. São os seguintes: Περι
τηζ ονρανιαζ ιεραρχιαζ (De caelesti hierarchia); Περι τηζ
εχκλεσιαστιχηζ
ιεραρχιαζ (De ecclesiástica hierarchia); περι τειον ονοματον (De divinis nominibus); περι
μυστιχηζ
τεολογια (De mystica Theologia);
e ainda dez epístolas. Na verdade são dependentes de Proclo e pertencem ao princípio do 6.° século. Mas vieram a
constituir, pelas múltiplas traduções e comentários de que foram o objeto, uma
importante fonte, para a posteridade, de idéias neoplatônicas, sobretudo para a
mística. As traduções e comentários medievais são os seguintes. De Hilduíno, abade de S. Dinis (c. 830);
João Escotus Eriúgena, Hugo de S.
Vítor, João Sarazeno, Tomás Galo,
Roberto Grosseteste, Alberto Magno, Tomás de Aquino, Pedro Ouvi, Francisco de
Mayronis, Dionísio Cartusiano. No Cusano se rastreia até mesmo o estilo
do Pseudo-areopagita.

a)    Caminho   para   Deus

O pensamento central do Pseudo-areopagita é a
idéia de Deus. Deus é, como no neoplatonismo, o super-ser, o super-bem,   o  
superperfeito,   a   suprema   unidade.     Deus   tem muitos atributos
positivos; a teologia positiva, que os estuda, já constitui uma primeira via
para ele. Mas sendo Deus o Ser supremo, a teologia positiva deve ser corrigida
pela negativa, mais alta (αποφατικη
τεολογια), que elimina tudo o que o sobrepuja.
Podemos trilhar uma terceira via, fechando os olhos, deixando-nos envolver o
silêncio e a escuridão e, numa luz supra-essencial, sem imagens, sem palavras,
sem conceitos, numa mística imersão e no êxtase, unificando-nos com Deus. São
pensamentos muito conhecidos, derivados do neoplatonismo, salvo que aqui
aparecem num tom ainda mais acentuado, numa terminologia ainda mais
esquematizada e estereotipada e esses pensamentos assim estereotipados reaparecem
"mil vezes repetidos", como ele próprio diz (De div. nom. XI,
6). Os temas versados no De divinis nominibus são: o bem, a luz, o belo,
o eros, o êxtase, o ser, a vida, a sabedoria, o espírito, a verdade, o poder, a
justiça, o grande e o pequeno, o idêntico e o diverso, o semelhante e o dessemelhante,
o repouso e o movimento, a igualdade, a eternidade e o tempo, a paz, a
perfeição e a unidade. Se tivermos presentes esses temas e a discussão sobre
tais conceitos, na sua aplicação a Deus, então veremos imediatamente que essa
obra é repassada de uma grande tradição e nela se agitam problemas por que se
interessaram Platão e Aristóteles (Metaphys.  A), Plotino e Agostinho.

b)    Fundamentos   do    Ser

α) O mundo em Deus. — Sempre Deus, o
bem supremo, difunde a totalidade do ser. E o dá, de si: nele estão incluídos
todos os princípios, o ser em si, todos os seres, todas as qualidades; e tudo
tem nele uma forma única, como a unidade na unidade. Como na unidade se incluem
todos os números, no centro do círculo todas as linhas circulares possíveis,
no ponto todas as retas, assim um olhar superior vê todas as cousas na causa de
todas. Não se deve pensar que Deus ê uma cousa, mas não outra; não, como o
compreensor de tudo encerra ele desde o princípio em si a origem e os limites
ao mesmo tempo de todos os seres:παντα
εστι ωζ παντων
αιτιωζ χαι εν
αντω πασαζ αρχαζ
παντα
συμπερασματα
παντον των
οντων συνεχον
χαι προεχων  (De div. nom. V, 8). Assim o
Sol, com a sua una e única luz, inclui tudo em si, pondo então em evidência a
multiplicidade, que vive por ele.   Como todas as cousas recebem do Sol a luz e
a vida, assim recebem de Deus todo o ser e vida, valor e beleza. Este estar
contido em Deus significa estar contido e encerrado nas idéias existentes na
mente divina; pois, na causa suprema "preexistem, em conseqüência de uma
unidade superessencial, o modelo exemplar de todo ser". Desses modelos ou
exemplares se nos dá uma definição precisa, que é, na sua modalidade, característica
de toda a obra: "Chamamos paradigmas àqueles logos essencializantes das
cousas, que preexistem unificados em Deus, que a Teologia denomina de
preconceitos ou beneplácitos divinos, que determinam e criam as cousas. E por
meio deles o Superessencial predefiniu e deu o ser a tudo quanto existe"
(1. c).

 β) Procedência do mundo, de Daix.
Deus, dando a procedência às cousas, de si, faz nascer o mundo. "À causa
de tudo, como bem supremo, é próprio chamar as cousas a participarem dele, à
medida em que forem disso capazes. Donde o participarem todas as cousas, da
Providência, que promana da causa superessencial. Pois elas não existiriam, se
não participassem da essência e do fundamento último de todas as cousas" (De
cael. hier.
IV, 1). Nesta procedência trata-se de uma emanação: ουσια
παραγει κατα
την απο ουσιαζ
εχβασιν (De div. nom. V, 8). Mas .sem
nenhum sentido panteísta. Para evitar este perigo acentua Dionísio, que as cousas, mesmo que
fossem eternas no sentido da soma de todos os tempos, contudo não seriam
eternas como Deus, existente antes e sobre todo tempo infinito (De div.
nom.
X, 3). Além disso, as cousas é que seriam semelhantes a Deus e não
Deus, a elas (De div. nom. IX, 6). E por fim, incessantemente se repete
que Deus é superessencial, superbom, superser, de modo que, como se diz numa
frase final do De div. nom. (XIII, 4), num curto resumo de tudo, apesar
da emanação essencial, Deus permanece sempre excessiva, transcendente. Mas se
atendermos a que a emanação, no caso vertente, é essencial e, portanto, se
processa necessariamente, como a irradiação da luz solar (IV, 1), será então
difícil compreender como se poderá evitar o panteísmo. Que Dionísio não é panteísta, isto se conclui
das declarações das suas próprias intenções. É antes de tudo cristão e as suas
expressões neoplatônicas não correspondem exatamente ao conteúdo do
pensamento  expresso,  mas são postas a  serviço  da  sua concepção cristã do
mundo, donde o revestirem-se de um outro sentido geral, diferente do que teriam
se fossem consideradas isoladamente.

γ) Hierarquia das ordens de seres. — A
emanação dos seres, de Deus, cumpre-se numa seqüência gradual, donde resulta
uma ordem hierárquica do ser, uma ontologia de estratos. As cousas, de fato,
participam de Deus de modos diferentes. Quanto mais próximas dele tanto mais
dele participam e tanto maior é a unidade íntima delas. Quanto mais dele se
afastam, tanto menor é a participação e tanto mais se lhes aumenta a
multiplicidade, como se pode ver considerando-se os círculos concêntricos em
torno do centro (De div. nom. V, 6). "Todos os seres não-vivos, por
conseqüência, participam de Deus, pelo simples fato da sua existência… Os
vivos, por seu lado, participam do seu poder, que dá a vida, mas transcende
toda vida. E os seres vivos e com alma, participam, por sua vez, da sua
perfeita, ultraperfeita sabedoria" (De cael. hier. IV, 1). É ainda
mais elevada a participação dos puros e incorpóreos espíritos, das puras inteligências,
da esfera dos anjos que, por seu lado e hierarquicamente, se ordenam em nove
coros.

δ) Escolástica areopagítica. — A idéia de
uma ordem estratificada de seres não é nova.

αα) Ontologia de estratos. — Mas formulada
e estereotipada pelo Pseudodionísio, no título mesmo das suas obras, e
divulgada ainda mais pelos Comentários de Máximo Confessou, se converterá numa das idéias fundamentais
da ontologia escolástica. Inúmeras vezes se repetiu a graduação do ser feita
por Máximo Confessor, comentando
o lugar da De cael.  hier.  IV,  1:

Ser

Inanimado (pedras)
 insensível (plantas)
 irracional (animais)
vivo
sensível
racional
incorpóreo
(inteligências)
corpóreo (homem)

ββ) Idéia de Participação, o Bem e o conceito
de Causa.
— O mesmo ocorre com a idéia de participação, com o princípio
que o bem é difusivo de si (Paquimeres, na
sua paráfrase do De cael. líber. IV, 1, o refere a Gregório o Teólogo), e sobretudo com a
sua peculiar concepção da causalidade, segundo a qual. na causa eficiente, tem
mais importância o eidético que o mecãnico-dinâmico. Dionísio identifica a causa eficiente com a causa exemplar:
"Toda causa implica uma tendência para o belo e o bem" (De div.
nom.
IV, 7). Ou: "todo repouso e movimento arrancam do belo e do bem,
existem nele, para ele, por causa dele… o número se dá com todo dinamismo,
com toda energia… também com todo contacto (επαφε)…
o que é e o que devêm é e devêm por causa dele, a que sempre se refere; é por ele
movido e conservado; e assim nele consiste toda causa exemplar, final,
eficiente, formal e material" (1. c. § 10). Assim Deus pode, como primeira
causa eficiente, ser ao mesmo tempo a causa ultima final das cousas. Mas não
somente ele move naturalmente o mundo pelo Eros, por ser todo movimento uma
tendência orientada para ele, mas também em toda causalidade particular a
agência é, essencialmente, informação. A doutrina escolástica da causalidade
eficiente não pode por isso confundir-se com a moderna causalidade mecânica.
Esta fica abandonada ao acaso e por isso deve, p. ex., Darwin, buscar depois novas leis capazes de explicar a origem
das espécies. A causa escolástica. porém está sempre orientada para a forma. Já
o era assim com Aristóteles, é decisivo
reparar-se como esta posição é influenciada fortemente pelo platonismo. Foi
este que levou Aristóteles a
reduzir à causa formal a causa do movimento, primeiro introduzida contra Platão. Transmitindo-se à escolástica e
impondo-se-lhe, essa concepção platônica da causalidade, deu-se, por um feliz
acaso, que a herança platônica não se perdeu na doutrina aristotélica da
causalidade. A escolástica porém, com a deficiência do seu senso histórico, não
chegou a perceber as verdadeiras relações entre o pensamento aristotélico e o
platônico; pelo contrário, tendeu a acentuar a oposição entre os dois grandes
filósofos gregos, já formulada frontalmente pela tradição externa, convertendo-a
numa oposição radical e inconciliável. Atendendo-se a esse fundo doutrinal,
compreende-se o princípio, muitas vezes repetido, que a causa é mais nobre e
mais ontológica-mente rica que o efeito (De div. nom. IX, 6; II, S). Também
Descartes socorrer-se-á dele.   O
princípio só tem sentido à luz dessa conexão platonizante com a idéia da
participação e da emanação. Este momento histórico-idealístico se compreende
logo considerando um lugar de Plotino (Ene. III, 3, 3, 32).

ε) Volta do mundo para Deus. — Fiel ao seu
mestre Proclo, ensina Dionísio que o mundo retornará para
Deus. Isto está implícito no sentido da idéia de participação: tudo tende para
a forma e, portanto, para a forma das formas, para uma vez exprimirmos  com
conceitos aristotélicos este pensamento platônico. Se todo movimento é um
anelar pelo belo e pelo bem, todo o processo cósmico deve ser um aspirar a
Deus. E por tríplice via: purificação, iluminação, perfeição. Estas idéias,
mais conhecidas como conceitos ascéticos e místicos, transformam-se aqui em
fatores antológicos da evolução regressiva do ser, debaixo para cima. Na alma
humana o retorno se cumpre, mediante a fé e a oração discursiva, até a união
extática com o Uno.


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