Santo Anselmo – História da Filosofia na Idade Média

HISTÓRIA DA FILOSOFIA NA IDADE MÉDIA

Johannes HIRSCHBERGER

Fonte: Ed. Herder

Trad. Alexandre Correia

2 — ANSELMO DE  CANTUÁRIA: O    PAI   DA  
ESCOLASTICA

Anselmo de Cantuária (1038-1109) nasceu em
Aosta, foi abade da abadia do Bec, na Normandia, sendo mais tarde bispo de
Cantuária. Com ele começa a escolástica primitiva a tomar consciência de si. O
que existe antes dele pode chamar-se, como propõe Grabmann, pré-escolástica. Suas duas célebres obras
são o Monologium, que trata da sabedoria divina, e o Proslogium, cujo
objeto é a existência de Deus. — Nova edição das suas obras: P. Fr. S. Schmitt, O. S. B., 8. Anselmi opera
omnia
(1938 ss.). — Bibliografia: B. Allers, Anselm von Camterbury, Leben, Lelire und Werk, übersetzt, eingeleitet und, erlautert (1936 —Anselmo
de Cantuária, vida, doutrinas, e obras traduzidas e explicadas).
A. Stolz, Anselm von Canterbury. Sein
Leben, seine Bedeutung, seine Haup-twerke (1937 — Anselmo de Cantuária,
vida, significação e obras principais).
P.Tulião
Alameda, O. S. B., Obras completas (2 vols. B. A. O. 1952-53).

V. a ótima conferência de Mons. Br. Carlos
Seutvoul — ‘"O lugar de  Santo Anselmo na história da Philosophia",
feita por ocasião de se comemorar o S.’-‘ centenário da sua morte, na Faculdade
de Filosofia de S. Bento. Está publicada no "Anuário da Faculdade Livre de
Philosophia e Letras de S. Paulo" (S. Bento), 1909, págs. 26-49. — (N. do
trad.).

a)    Fides quaerens intellectum

Anselmo é um grande pensador
agostiniano; no espírito de S. Agostinho
se inspira a divisa que agora porá em curso para toda a escolástica: fides
quaeren  intelectura.
Mas o que em S. Agostinho era apenas uma grande idéia, é agora, de certo modo
apresentado e tratado em particular, e constitui escola. Os dados da fé se
tornam racionais, elucidados, no ponto de vista lógico, no seu conteúdo e no
seu travamento, sistematizados de modo a poderem deduzir-se um dos outros e,
assim, entendidos mais profundamente. Este racionalismo não desvenda os
mistérios da crença, mas procura apenas, tanto quanto possível, informar
logicamente o patrimônio da fé. Pode-se por conseguinte perguntar se Anselmo é filósofo, pois as suas
premissas são afinal sempre teses religiosas. "Não quero saber para crer,
mas crer para saber", declara ele. De fato toda a escolástica arrancará
desse ponto de partida e, além disso, Anselmo
leva a especulação tão longe que, ao y mesmo tempo, versa problemas
filosóficos. Embora sob roupagens teológicas, de fato apresenta-se aí uma
problemática filosófica.

b)    Provas anselminianas da existência de Deus

Esta problemática filosófica revela-se logo pelo
problema que desenvolveu no Proslogium, a sua prova da existência de
Deus, que lhe deu um lugar de relevo na história da filosofia. Kant deu a essa prova o nome de
ontológica, por considerar apenas a forma que lhe deram Descartes e Leibniz. Mas
o mesmo pensamento já aparece em Anselmo
e o conteúdo é o seguinte.

a) O argumento. — A razão tem em si mesma
a idéia de um ser maior do qual nenhum outro pode ser pensado (id quo maius
cogitari non potest).
Ora, se tal ser existisse só no pensamento, então não
seria o máximo, porque nesse caso poderíamos pensar um maior, a saber, o que
existisse não só no pensamento, mas também na realidade. Por onde, a idéia de
um ser máximo exige uma existência não só lógica, mas também antológica.

 β) Crítica- e contracrítica. — Já o
monge Gaunilão tinha replicado:
não é pelo fato de eu supor idealmente existentes as Ilhas Afortunadas, que
elas existem. O mesmo dirá Kant mais
tarde: a idéia de uma cousa não implica na sua existência. Mas isso já o sabia
também Anselmo: não é por um
pintor conceber uma obra, que ela já existe, dizia ele- Por isso mantinha a sua
prova da existência de Deus e respondia, no seu escrito contra Gaunilão, que exemplo das Ilhas
Afortunadas não atinge a questão no seu âmago. Pois, a idéia de Deus é um caso
único e incomparável, porque pensamos nele como um ser que necessariamente
encerra e de toda a eternidade todas as perfeições, ao contrário de uma ilha,
que é um ser limitado. E por aí se mostra o nervo da prova.

γ) Momento histórico-genético da prova. — Está na expressão —
"ser que encerra em si todas as perfeições". Não é outra essa idéia
senão a idéia de Deus, de Boécio, a
do sunimum onimnium bonorum cunetaque bona intra se continens; a de Agostinho do homum omnis boni; a
idéia platônica do bem em si, ανυποθετον
e ιχαλον. Isso resulta ainda mais claro da sua
outra obra, o Monologium, onde são desenvolvidas duas provas de Deus
tipicamente platônicas: a dos graus de perfeição e da idéia do ser supremo. Anselmo não caiu na μεταθασιζ
ειζ αλλο γενοζ, mas tinha no pensamento a idéia apriori, que todo imperfeito supõe o perfeito, anterior, em toda a linha do ser, ao
imperfeito. Ora, sendo o imperfeito uma realidade, com maioria de razão o
perfeito, do qual o imperfeito não é senão cópia.

δ) Conceito de Verdade. — Se se
aprofundar melhor o conceito de verdade de Anselmo,
então mais claro ficará a sua prova da existência de Deus. Verdade
significa para Anselmo a
"retidão" das essências, a qual consiste em se conformarem com o seu
modelo existente na mente divina. Está no espírito e só aí é perceptível {ventas
est rectitudo solamente perceptibis)
; e precisamente quando o espírito
descobre  relações  necessárias.    Mas  se a nossa mente descobre na idéia de
Deus uma conexão, necessária entre essência e existência, então se nos.,
revela por isso mesmo uma verdade primeira, pois sc3 poderemos descobrir na cópia
à verdade, por existir a verdade-modelo. Por isso não se pode dizer com
exatidão que Anselmo passa ilogicamente
do mundo conceptual para o real. Para ele não há nenhuma oposição entre o
pensamento e o ser, como na filosofia moderna. Era ainda demasiado cedo para
ser isso possível. Anselmo está
todo penetrado do espírito agostiniano; ora, para este pensador platonizante,
a autêntica realidade está na verdade e no bem primeiros, na imagem exemplar e
na idéia; e disso vive todo ser e conhecer, de modo que podemos subir para Deus
de vários lados.

ε) Influência. — A prova anselmiana
de Deus exerceu larga influência na alta escolástica e nos tempos modernos. Se
de um lado Tomás de Aquino a
rejeita (S. Th., I, 2, 1 ad 2; S. c. g. I, 10: De ver. 10,
12), Guilherme Altissiodorense,
Alexandre Halense, Boaventura, Alberto o Grande e Egídio Romano a aceitam. Como se vê,
pensadores todos eles de tendência platônico-agostiniana mais ou menos
fortemente acentuada, por onde podemos conhecer o caráter histórico-ge-nético
desta prova e do seu autor.


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