FRANÇA JÚNIOR – Como se fazia um deputado

JOAQUIM JOSÉ DA FRANÇA JÚNIOR, natural da cidade do Rio de Janeiro. Nasceu a 19 de abril de 1838 e morreu em Minas a 27 de setembro de 1890.

Freqüentou a Faculdade de Direito de São Paulo, onde recebeu grau em 1862. Caracteriza-se a sua atividade literária no teatro, de que nos deixou duas dúzias de comédias; na colaboração literária em vários jornais. (O País, Gazeta da Tarde, O Globo, de Joaquim Serra), e na série de folhetins humorísticos publicados na Gazeta de Notícias (Folhetins, 1926), cuja 4.a edição reúne o maior número desses espirituosos escritos em que facetamente e com viva observação põe em evidência os tipos e os costumes da sociedade brasileira, nas suas feições características, fazendo ressaltar o lado grotesco e as cenas jocosas do lar e da rua.

Afora os Folhetins e o Relatório sobre Pintura e Estatuária, publicado em 1874, ao tornar da Exposição Universal de Viena, as suas principal! obras são as seguintes comédias: Meia Hora de Cinismo (1861); A Repii blica Modelo (1861); Tipos da Atualidade (1862); Ingleses na Coste (1864); Direito por Linhas Tortas (1871); Amor com Amor se Paga (1871); O Tipo Brasileiro (1872); Como se Fazia um Deputado (1882); Os Candidatos, tradução (1881); Dois Proveitos em um Saiu 0883); Caiu o Ministério (1882); De Petrópolis a Paris (1884); Portugueses às Direitas (1890); As Doutoras (1889); O Beijo de Judas, Duas Pragas Familiares, afora várias outras em um ato.

França Júnior é o natural continuador de Martins Pena e seu nome honra a história do nosso teatro, de que foi genuíno representante. No fim da vida entregou-se também à pintura, deixando algumas telas muito apreciáveis.

Como se fazia um Deputado

CENA VI Limoeiro e Chico Bento

Limoeiro — Então o que diz do nosso doutor?

Chico Bento — Não é de todo desajeitado.

Limoeiro — Desajeitado! É um rapaz de muito talento!

Chico Bento — E diga-me cá uma coisa: a respeito de política, quais são as idéias dele?

Limoeiro — Tocou o tenente-coronel justamente no ponto que eu queria ferir.

Chico Bento — Omnibus tulit puntos, quis miscuit util et dolcet.

Limoeiro, gritando — Olá de dentro? Tragam duas cadeiras. O negócio é importante, devemos discutir com toda a calma.

Chico Bento — Estou às suas ordens (Entra um negro e põe as duas cadeiras em cena). Tem a palavra o suplicante. {Sentam-se.)

Limoeiro — Tenente-coronel, cartas na mesa e jogo franco. É preciso arrumar o rapaz; e não há negócio, neste país, como a política. Pela política cheguei a major e comendador, e o meu amigo a tenente-coronel e a inspetor da instrução pública cá da freguesia.

Chico Bento — Pela política, não, porque estava o parti-do contrário no poder; foi pelos meus merecimentos.

LIMOEIRO — Seja como fôr, o fato é que, apesar de estar o meu partido de cima, o tenente-coronel é e será sempre a primeira influência do lugar. Mas vamos ao caso. Como sabe, tenho algumas patacas, não tanto quanto se diz…

Chico Bento — Oxalá que eu tivesse só a metade do que possui o major.

LiMOEiRO — Ouro é o que ouro vale. Se a sorte não o presenteou com uma grande fortuna, tem-lhe dado, todavia, honras, considerações e amigos. Eu represento o dinheiro; o tenente-coronel a influência. O meu partido está escangalhado, e é preciso olhar seriamente para o futuro de Henrique, antes que a reforma eleitoral nos venha por aí.

Chico Bento — Quer então que.. .

Limoeiro — Que o tome sob a sua proteção quanto antes, apresentando-o seu candidato do peito nas próximas eleições.

Chico Bento — Essis modus in rebus.

Limoeiro — Deixemo-nos de latinónos. O rapaz é meu .herdeiro universal, casa com a sua menina, e assim conciliam-se as coisas da melhor maneira possível.

Chico Bento (com alegria concentrada) — Confesso ao major que nunca pensei em tal; uma vez, porém, que este negócio lhe apraz…

Limoeiro — é um negócio, diz muito bem; porque, no fim de contas, estes casamentos por amor dão sempre em água de barreia. O tenente-coronel compreende… Eu sou liberal.. . o meu amigo conservador…

Chico Bento — Já atinei! Já atinei! Quando o partido conservador estiver no poder.. .

Limoeiro — Temos o governo em casa. E quando o partido liberal subir.. .

Chico Bento — Não nos saiu o governo de casa.

Limoeiro (batendo na coxa de Chico Bento) — Maganão!

Chico Bento (batendo-lhe no ombro) — Vivório! E se se formar um terceiro partido?.. . Sim, porque devemos prevenir todas as hipóteses. . .

Limoeiro — Ora, ora.. . Então o rapaz é algum bobo? Encaixa-se no terceiro partido, e ainda continuaremos com o

governo em casa. O tenente-coronel já não foi progressista no tempo da Liga?

Chico Bento — Nunca. Sempre protestei contra aquele estado de coisas; ajudei o governo, é verdade, mas no mesmo caso está também o major, que foi feito comendador naquela ocasião.

Limoeiro — é verdade, não o nego; mudei de idéias por altas conveniências sociais. Olhe, meu amigo, se o virar casaca fosse crime, as cadeias do Brasil seriam pequenas para conter os inúmeros criminosos, que por aí andam.

Chico Bento — Vejo que o major é homem de vistas largas.

Limoeiro — E eu vejo que o tenente-coronel não me fica atrás.

Chico Bento — Então casamos os pequenos… Limoeiro — Casam-se os nossos interesses… Chico Bento — Et ccetera e tal…

Limoeiro — Pontinhos… (Vendo Henrique) Aí vem o rapaz, deixe-me só com êle.

Chico Bento — Fiam voluntatis tue. Vou mudar estas botas. (Sai).

CENA VII Limoeiro e Henrique

Henrique — Como se está bem aqui! Disse um escritor que a vida da roça arredonda a barriga e estreita o cérebro. Que amargo epigrama contra esta natureza grandiosa! Eu sinto-me aqui poeta.

Limoeiro — Toma tenência, rapaz. Isto de poesia não dá para o prato, e é preciso que te ocupes com alguma cousa séria.

Henrique — Veja, meu tio, como está aquele horizonte; o sol deita-se em brilhantes coxins de ouro e púrpura, e a viração, embalsamada pelo perfume das flores, convida a alma aos mais poéticos sonhos de amor.

Limoeiro — Está bom, está bom. Esquece estes sonhos d’amor, que, no fim de contas, são sempre sonhos, e vamos tratar da realidade. Vira-te para cá. Deixa o sol, que tens muito tempo para ver, e responde-me ao que te vou perguntar.

Henrique — Estou às suas ordens. Limoeiro — Que carreira pretendes seguir? Henriquee — Tenho muitas diante de mim… A magis-tratura… .

Limoeiro — Podes limpar as mãos à parede. IIinrique —• A advocacia, a diplomacia, a carreira admi-nlilrutiva…

Limoeiro — E esqueceste a principal, aquela que pode i li var-te às mais altas posições em um abrir e fechar de olhos. Henrique — O jornalismo?

Limoeiro — A política, rapaz, a política! Olha, para ser juiz municipal, é preciso um ano de prática; para seres juiz de direito, tens de fazer um quatriênio; andarás a correr mon-tes e vales por todo este Brasil, sujeito aos caprichos de quanto potentado e mandão há por aí, e sempre com a sela na barriga! Quando chegares a desembargador, estarás velho, pobre, cheio de achaques e sem esperança de subir ao Supremo Tribunal de justiça. Considera agora a política. Para deputado não é preciso ter prática de coisa alguma. Começas logo legislando para o juiz municipal, para o juiz de direito, para o desembargador, para o ministro do Supremo Tribunal de Justiça, para mim, que sou quase teu pai, para o Brasil inteiro, em suma.

Henrique — Mas para isso é preciso…

Limoeiro — Não é preciso coisa alguma. Desejo somente que me digas quais são as tuas opiniões políticas.

Henrique — Foi coisa em que nunca pensei.

Limoeiro — Pois olha, és mais político do que eu pensava. É preciso, porém, que adotes um partido, seja êle qual fôr. Escolhe.

Henrique — Neste caso, serei do partido de meu tio. Limoeiro — E por que não serás conservador? Henrique —• Não se me dá de sê-lo, se fôr de seu agrado. Limoeiro — Bravo! Pois fica sabendo que serás ambas as coisas.

Henrique — Mas isto é uma indignidade! Limoeiro — Indignidade é ser uma coisa só!

(Como se Fazia um Deputado, 1882, ato I).


Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.

 

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