Antologia Nacional de Escritores
Parte 2 – Poetas
Poetas Brasileiros.
CAPÍTULO 1
FASE CONTEMPORÂNEA
(Séculos XX e XIX, depois de 1820)
POETAS BRASILEIROS
DOMINGOS JOSÉ GONÇALVES DE MAGALHÃES, Visconde de Araguaia, (1811-1882), desempenhou no movimento romântico do Brasil o mesmo papel que em Portugal coube a Garrett. O nosso prefácio do Cromwel foi um artigo do então jovem Magalhães na revista Niterói; e os primeiros modelos forneceu-os o revolucionário em seus Suspiros Poéticos e Saudades,
Além de outras produções líricas, escreveu um poema épico, A Confederação dos Tamoios, vivamente atacado por José de Alencar; e no teatro encetou a reforma pela tragédia Antônio José. Sobre Filosofia não pouco dissertou, produzindo os Fatos do Espírito Humano e A Alma e o Cérebro.
Essas propensões filosóficas confirmou-as êle na regência da sua cadeira de Filosofia no Colégio de Pedro II, cargo que deixou para seguir a carreira diplomática, atingindo o elevado posto de ministro plenipotenciário do Brasil junto à Santa Sé.
O Amazonas
Baliza natural ao norte avulta
O das águas gigante caudaloso, (567)
Que pela terra alarga-se vastíssimo;
Do oceano rival, ou rei dos rios,
Se é (568) que o nome de rei o não abate;
Pois mais que o rei supera em pompa e brilho
No sólio, à multidão em torno curva,
Supera o Amazonas na grandeza
A quantos rios há grandes no mundo!
O Kiang, o Nilo, o Volga, o Mississipe
Inda que as águas suas reunissem,
Com êle competir não poderiam.
Ao lado seu direito, e ao esquerdo lado,
Mil feudatários rios vêm pagar-lhe
Tributo perenal de suas águas.
Ressupino (569) gigante se afigura,
Qual outro Briaréu, mas verdadeiro,
Que estende os braços pra abraçar a terra!
Pujante assim no Atlântico se entranha,
Ante si repelindo o argênteo salso, (570)
Como se êle na terra não coubera,
Ou como de inundá-la receoso,
Se mais longo e mais lento a discorresse! (571)
O Amazonas co Oceano furioso
Luta renhida trava interminável
Para roubar-lhe o leito; e ronca e espuma.
Qual no lago, enlaçada a cauda a um tronco,
Feroz sucuriúba hórrida ronca,
Quando sente mover-se à flor das águas
Lontra ligeira ou anta descuidada,
E, inchando as fauces, a cabeça eleva,
Os queixos escancara, a língua solta,
Para de uma só vez tragar o anfíbio:
Tal no pleito co Oceano o Amazonas
Para sorvê-lo a larga foz (572) medonha
Léguas abre setenta! A ingente língua
Estende de três vezes trinta milhas,
Como uma longa espada que se embebe
Ao través do Atlântico iracundo,
Que gemendo recua no arremesso,
E em montes alquebrado o dorso enruga.
Armas que joga ao mar, são grossos troncos
Arrancados na fúria, são pedaços
De esboroadas montanhas que êle mina;
Seus gritos são trovões tão horrorosos
Que ali parece submergir-se o mundo;
Quando se incha o seu corpo desmedido,
Equórea, espessa nuvem se levanta,
Como uma chuva contra o céu erguida,
Refletindo do sol os sete raios:
Tal o conquistador que cos despojos
Dos reis destronizados se opulenta,
Ou cos tributos dos vencidos povos,
Em pé firme no carro de combate,
Envolto numa nuvem de poeira,
Na frente vai levando debandada Ingente aluvião (573) de imigas hostes,
E ante as portas de bronze do castelo
Nova vitória alterca (574) porfiosa.
{Confederação dos Tamoios, canto I, pp. 3-6 da ed. de 1856 Poema de Gonçalves de Magalhães)
Rio de Janeiro e Nápoles
Niterói! Niterói! como és formosa!
Eu me glorio de dever-te o berço!
Montanhas, várzeas, lagos, mares, ilhas,
Prolífica natura, céu ridente,
Léguas e léguas de prodígios tantos,
Num todo tão harmônico e sublime,
Onde os olhos verão longe deste Éden? (575)
Não és tão belo assim, cerúleo golfo
Onde a linda Partênope se espelha,
Tão risonha e animada como a noiva
No dia nupcial leda se arreia (576)
Para mais encantar do esposo os olhos!
Não és tão belo assim, quando torrentes
De puríssima luz vão esmaltando
Tuas mágicas ribas, apinhadas
De garbosas cidades, de palácios
Entre bosquetes e odorosas tempes, (577)
E combros de ruínas gloriosas
Da romana grandeza, que inda choras;
Ou quando no teu céu voluptuoso,
Onde o ar perfumado amor inspira
Entre os círios da noite alveja a lua,
No mar mostrando ao longe a bela Capri
E a saudosa Sorrento, onde meus olhos
Cuidam ver inda infante o egrégio Tasso,
Brincando à sombra de frondosos louros; (578)
Ou mesmo quando, inopinado, às vezes,
O teu vulcano monte, contrastando
A brandura da doce natureza,
Horríssono troando e estremecendo,
Das sulfúreas entranhas arremessa
Pela boca infernal, de fumo envolta,
Altos jorros de lavas inflamadas,
Como ardentes colunas crepitantes,
Que estalam no ar e rompem-se em chuveiros, (579)
E umas sobre outras caem em catadupas
E torrentes de fogo, que lambendo
Vão o seu dorso, avermelhando as nuvens.
Meu pátrio Niterói te excede em galas,
Na grandeza sem par muito te excede!
(Ibid. — Canto, pp. 171-173 Poema de Gonçalves de Magalhães)
Napoleão
Ei-lo sentado em cima do rochedo,
Ouvindo o eco fúnebre das ondas,
Que murmuram seu cântico de morte:
Braços cruzados sobre o largo peito,
Qual náufrago escapado da tormenta,
Que as vagas sobre o escolho rejeitaram,
Ou qual marmórea estátua sobre um túmulo.
Que grande idéia ocupa e turbilhoma (580)
Naquela alma tão grande como o mundo!
Êle vê esses reis, que levantara
Da linha de seus bravos, o traírem;
Ao longe mil pigmeus rivais divisa,
Que mutilam sua obra gigantesca;
Como do Macedónio outrora o império
Entre si repartiram vis escravos.
Então um riso de ira e de despeito
Lhe salpica o semblante de piedade.
O grito ainda inocente de seu filho
Soa em seu coração, e de seus olhos
A lágrima primeira se desliza. (581)
E de tantas coroas que juntara
Para dotar seu filho, só lhe resta
Esse nome, que o mundo inteiro sabe!
Ah! tudo êle perdeu! a esposa e o filho,
A pátria, o mundo e seus fiéis soldados!
Mas firme era a sua alma como mármor,
Onde o raio batia e recuava!
Jamais, jamais mortal subiu tão alto!
Êle foi o primeiro sobre a terra,
Só, êle brilha sobranceiro a tudo,
Como sobre a coluna de Vendôme
Sua estátua de bronze ao céu se eleva:
Acima dele, Deus, — Deus tão somente!
Da liberdade foi o mensageiro;
Sua espada, cometa dos tiranos,
Foi o sol que guiou a humanidade.
Nós um bem lhe devemos, que gozamos;
E a geração futura, agradecida,
Napoleão dirá, cheia de assombro.
(Suspiros Poéticos e Saudades, Poema de Gonçalves de Magalhães.)
Notas à essas Poesias de Gonçalves de Magalhães
- (567) caudaloso = abundante, copioso, grosso em águas, rico. — formado de caudal adjet. e nome; como nome, usado nos dois gêneros. Caudal é a forma última da evolução do lat. capitale-, através de cabedal, cabdal e, com a vocalização do-b-, caudal. Outro adjetivo, homônimo — caudal — vem de cauda (do lat. cauda, ae) como caudato e caudatária; e nada tem com caudaloso.
- (568) se é que = se é [certo, verdade] que…
- (569) — ressupino (lat. ressupinu) — deitado de costas, para o alto, com a face para cima.
- (570) — o argênteo salso = o mar (superfície côr de prata, e salgada). Vide em Camões, o salso argento (Lus., I, 18, e VI, 3); e em SÁ de Meneses, Mataca conq., IV, 44) prenúncios da tendência gongórica.
- (571) — a discorresse = a percorresse.
- (572) foz — boca do rio; forma divergente de fauce (do lat. fauce-, garganta, goela) com a redução do ditongo e a mudança do ce em -z-. (Cfr. aurícula produzindo orelha, e cauda o are. subst. coa).
- (573) — aluvião (alluvione-), subst. fem. (também alúvio, lat. alluviu-, subst. masc.) significa aí grande quantidade, multidão.
- (574) — altercar = disputar. O estudante deve ter notado, no terceiro verso desta poesia, a colocação menos boa do pronome oblíquo.
- (575) — onde os olhos verão? — o objeto dir. deste v. ver está nos quatro versos anteriores.
- (576) — arrear enfeitar, compor, adornar; ajezar; e também vangloriar-se, orgulhar-se, ilustrar-se (Lhj., III, 10; VIII, 32; X, 27, e 141).
- (577) — tempe = vale ameno, lugar delicioso; do gr. Témpe, através do latim; termo poético, pouco empregado.
- (578) louros — loureiros.
- (579) A harmonia do verso faz esquecer a deslocação pronominal.
- (580) O v. ocupar fica a! sem objeto dir., porque foi posto sob a mesma sintaxe do v. turbilhonar, que é intransitivo. Evite-se dar a mesma regência a verbos de sintaxe diferente.
- (581) Deslizar é mais co-mumente empregado sem o reflexivo, salvo quando assume o sentido de desviar-se, desligar-se, apartasse, como neste exemplo de Rui: "Se me deslizo da verdade, eles que me contestem".
Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.
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