IVÁNOV – Biografia e excerto de “O trem blindado 1469”

IVÁNOV

(1895-1963)

VSEVOLOD VIAGESLAVOVITCH IVÁNOV
VSEVOLOD VIAGESLAVOVITCH IVÁNOV (1895-1963)

VSEVOLOD VIAGESLAVOVITCH IVÁNOV era filho de camponeses, tendo nascido em 1895 nas estepes quirgizas. Sua mãe descendia de uma familia de deportados, seu pai era filho natural de um governador do Turquestão. Após o assassinato de seu pai por um dos próprios filhos, fugiu da escola e acompanhou, por muito tempo, um bispo ambulante. Teve depois as atividades mais diversas: aluno de um instituto de agricultura, palhaço, impressor, conferencista, acrobata.

Em 1917 entrou ao mesmo tempo no partido bolchevista e no social-revolucionário, que, apesar do nome, era adversário do bolchevista.

Gorki notou o seu talento de escritor num jornal de provincia e o introduziu nos círculos literários.

"O trem blindado 1469" è a sua obra de maior importância. Ivánov tem também contos, mais ou menos divulgados entre nós. Para esta coleção, demos preferência, entretanto, a um excerto do seu famoso livro. Não é, propriamente um conto, mas, extraído do relato geral, tem as características do gênero e põe o leitor em presença de um trecho seleto do escritor.

O trem blindado U/69 está em mãos dos brancos e percorre a Sibéria dispersando os destacamentos de revolucionários vermelhos. A revolução explodiu, em Vladivostok, o trem blindado é enviado para esmagar os bolchevistas que a dirigem. Estes encarregam o destacamento de camponeses vermelhos de Nikita Vers-chinine de fazer parar o trem. Está previsto que uma ponte sobre a qual passa a estrada de ferro saltará, antes da sua passagem, e que os revolucionários se apoderarão dele, então. Ê o que se lerá, em seguida.

O ASSALTO

Nikita Verschinine, montado num cavalo barrigudo de pêlos compridos, trotava através dos silvados da estrada de ferro.

Os mujiques estavam deitados na relva, preparavam-se longamente e brigavam. As manchas coloridas das blusas — às dezenas, às centenas, floriam ao longo do aterro numa extensão de quase dez quilômetros.

O cavalo era preguiçoso. A sela tinha sido substituída por um saco. Os pés de Verschinine pendiam e, . através da meia russa mal enrolada, a bota esfregava dolorosamente o calcanhar.

— Mulheres, nada, hein! dizia. *

Os chefes dos destacamentos se perfilavam e, como se a atitude militar lhes desse calma, perguntavam,

alegremente:

— Nenhuma notícia da cidade, Nikita Egorytch?

— A revolução.

— Algumas vantagens?

Verschinine encorajava o cavalo com os calcanhares e com vontade de dormir ia caminhando.

Está bem. Grandes sucessos. O principal é que não flanqueiem por este lado.

Os mujiques como no tempo da sega do feno, manti-nham-se ao longo do aterro. Esperavam.

A estrada parecia incompreensivelmente nua. Todos estes últimos dias, tinham passado trens para o Oriente, cheios de refugiados e de soldados, japoneses, americanos e russos.

Um fio tinha-se partido, não se sabia onde, e os homens se dispersavam de todos os lados. Dizia-se que os mujiques vindos das dunas assaltavam os refugiados e isso aborrecia. O trem blindado 1469, sozinho, voava entre as estações e impedia os soldados de jogar tudo fora e fugir.

O estado-maior dos revolucionários estava reunido na cabina de um sinaleiro. Este, cheio de medo, ouvia ao telefone, e perguntava à estação:

— E o trem blindado? Está por pouco? Junto dele sentava-se um revolucionário, de revólver à mão.

Vasska Okorok zombava do sinaleiro.

— Vamos te bombardear, velhote. Nada de medo. E mostrando o telefone:

— Dizem que em Petrogrado os bolchevistas sábios conversam com a lua.

— Se fôr verdade…

Os mujiques suspiraram e olharam a estrada.

— A verdade subirá muito. Até as estrelas.

O estado-maior espera o trem blindado. Enviou quinhentos mujiques para a ponte. Sobre compridas carretas russas arrastaram grandes troncos de árvores para que o trem blindado não possa voltar. Enxadões foram atirados junto aos dormentes para levantar os trilhos.

Znobo fala, descontente:

— A verdade, sempre a verdade! E por que? Ninguém sabe de nada. Para que conversar com a lua, hein, Vasska?

— Seja como for, é gozado… Talvez instalem os mujiques na lua…

Os mujiques desandaram a rir.

— Que parlapatão!

— M…

— É preciso pensar em não deixar perder muita gente e esse aí a falar da lua. Como é que poderemos segurar esse trem, com os diabos!

— A gente há de segurar…

— Não é um esquilo que se apanha na árvore.

Neste momento chegou Verschinine. Entrou respirando com dificuldade, pôs o boné pesadamente sobre a mesa e disse a Znobov:

— Dentro em pouco?

O sinaleiro no telefone:

— Não respondem.

Os mujiques se calaram. Alguém começou a contar histórias de caçadas. Znobov lembrou-se do presidente do Comitê revolucionário da cidade.

— O loirinho? perguntou o mujique que contava sua história. E começou a mentir a respeito de Peklevá-nov, seu rosto era mais .branco do que farinha, as mulheres corriam para êle como as rãs para a água, o Ministro americano lhe havia oferecido 700 milhões para que se convertesse à religião americana e que Peklevánov tinha respondido com altivez: "Na nossa não aceitaríamos os senhores por nada deste mundo."

— Que bravo!… admiraram-se os mujiques. Znobov gostava, não se sabe bem porque, de ouvir essas mentiras e queria contar, pessoalmente, alguma coisa. Verschinine tirou as botas e começou a arrumar as meias. O sinaleiro perguntou logo, medrosamente:

— A que horas? Às cinco e vinte? E voltando-se para os mujiques:

— Aí vem ele!

Era verdade. O trem estava perto da cabina. Todos saíram correndo e apanhando seus fuzis, saltaram para os automóveis e partiram para o Oriente em direção à ponte destruída.

— Temos tempo, dizia Okorok. Mandaram um correio na frente.

Os trilhos reluziam entre as árvores.

— É preciso arrancá-los. Um ponto só e basta. De um carro vizinho, alguém respondeu:

— Nada disso. Quem porá a coisa no lugar, depois?

— Vamos, rapazes, sobre o trem!

— E nós iremos até a cidade!

— E se fôr preciso repor os trilhos? Okorok gritou:

— Rapazes, eles têm gente para isso!

— Terão mesmo? Quem sabe?

— Nezelássov: eles têm mesmo.

— Você é besta, Vasska. E se nós matarmos todos ? E assim animados puseram-se de acordo.

— Sim, todos… Mataremos todos!

— Isso! E ninguém poderá substituí-los. Olhavam durante todo o tempo para trás. O trem não aparece? E escondiam-se sob as árvores porque a presença de homens não era natural, por ali, ao longo da estrada. E o trem passa e atira.

Os corações batiam assustados. Animavam-se os cavalos com tabefes, incitavam-nos como se, mais adiante, estivesse um esconderijo à sua espera.

A dois quilômetros, mais ou menos, viu-se um cavaleiro sobre a estrada de ferro.

— Um dos nossos! gritou Znobov. Vasska fêz pontaria.

— É preciso atirá-lo?

— Mas se era um dos nossos, que adiantaria? Sin-Fin-Hu, sentado ao lado de Vasska, reteve-o.

— Espere!

— Espere um pouco! gritou Znobov.

O homem a cavalo aproximou-se. Era o mujique-de cara amarrada que tinha levado o americano.

— Nikita Egorytch está aí?

— Sim, fale!

O mujique, satisfeito, gritou:

— Quando nós chegamos, os cossacos já estavam lá, perto da ponte! Fizemos um tiroteio e depois voltámos.

— De onde?

Verschinine aproximou-se do mujique e, examinan-do-o, perguntou:

— Todos mortos?

— Todos, Nikita. Os cinco. Que Deus se compadeça de suas almas!

— E os cossacos onde estão?

O mujique alisou a crina do cavalo:

— A ponte nem se mexeu, Nikita Egorytch. Os mujiques berraram:

— Como assim?

— Provocador!

— Uma bala nele!

O mujique persignou-se, rapidamente.

— Juro que não se mexeu. Perto do rochedo, a uns sessenta metros, fomos nós que saltamos. Eles estavam experimentando a dinamite, com certeza. Só pudemos achar uma calça e um pouco de carne, o resto sumiu.

Os mujiques ficaram quietos. Depois foram-se retirando. De repente, pararam. Vasska, o rosto contraído, berrou:

— Rapazes! o blindado vai escapar!… para a cidade!… rapazes!…

Do meio do bosque saíram os mujiques que tinham vindo antes.

Um deles gritava:

— Há troncos por lá, Nikita Egorytch, perto da ponte, sobre a estrada. Podemos atirar nos cossacos. Não serão muitos.

— Vamos em direção à ponte? perguntou Znobov. Todos se voltaram, de improviso. Por cima do bosque uma fumaça se desenrolava suavemente.

— Vem vindo! disse Okorok.

Znobov repetiu, batendo com as duas mãos sobre o cavalo:

— Vem vindo…

Os mujiques também disseram:

— Vem vindo…

— Camaradas! trovejou Okorok, é preciso fazer pará-lo!…

Desceram dos automóveis e, apanhando os fuzis, atiraram-se na estrada. Os cavalos correram para o mato e, arrastando as rédeas, começaram a pastar.

Os mujiques tingiram a estrada, jogaram-se sobre os trilhos, armaram as carabinas. Estavam próximos.

Os trilhos trepidavam suavemente. O trem chegava.

Znobov disse baixinho:

— Ele nos esmagará e pronto. Nem atirarão inutilmente.

E, de repente, compreendendo-o, todos voltaram para o bosque, limpando de novo a estrada.

A fumaça era mais espessa, o vento a dividia, mas assim mesmo caia, tenuemente, sobre a floresta.

— Vem vindo!… vem vindo!… gritavam os mujiques correndo em direção de Verschinine.

Verschinine e todo o estado-maior estavam escondidos no bosque, suando, envergonhados. Vasska esmurrava a terra. O chinês estava de cócoras e arrancava o mato.

Znobov, assustado, disse, de repente:

— Se pelo menos tivéssemos um morto!

— Para fazer o que?

— Segundo o regulamento, se a gente esmaga alguém, o trem deve parar, para fazer inquérito, um papel, enfim.

— E daí?

— Nesse caso, se tivéssemos um cadáver, eles o esmagariam e teriam de parar. Quando o maquinista saísse, a gente o fuzilaria, depois poderíamos agarrá-lo.

A fumaça erguia-se mais espessa. Um apito. Verschinine levantou-se e berrou:

— Um voluntário sobre os trilhos, camaradas! Mesmo que seja esmagado. Morrer por morrer!… E então? Então abateremos o maquinista. Com certeza êle não irá até o homem, vai parar antes.

Os mujiques se levantaram, olhando o aterro como se fosse um túmulo.

— Camaradas! gritou Verschinine. Os mujiques se calaram. Vasska jogou o fuzil e subiu no aterro.

— Aonde vai? gritou Znobov.

— Dar um exemplo para vocês… Vagabundos!.. E as mãos coladas ao corpo, deitou-se atravessado

sobre os trilhos.

As árvores davam a impressão de estar respirando e, como uma espuma, a fumaça amarela planava por cima delas.

Vasska voltou-se com o rosto virado para a terra. Os dormentes tinham cheiro de resina. Vasska jogou por cima um punhado de areia e colou o rosto bem em cima deles. Os mujiques conversavam entre si num murmúrio indistinto, semelhante ao vento nas folhagens. A terra ressonava sob o bosque.

Vasska levantou a cabeça e atirou baixinho para a moita:

— Temos vodka? Estou queimando por dentro! Um mujique de barba loira apressou-se andando de gatinhas, com um cantil de vodka. Vasska bebeu e colocou o cantil ao lado.

Depois, ergueu a cabeça e, sacudindo a areia agarrada ao rosto, olhou as árvores azuis e os dormentes escuros que trepidavam.

Ergueu-se sobre os cotovelos. Seu semblante parecia uma só ruga amarela. Os olhos duas lágrimas vermelhas.

— Não demora!…

Os mujiques estavam calados.

O chinês atirou fora o fuzil e arrastou-se pelo aterro.

— Aonde vai? perguntou Znobov. Sin-Fin-Hu, sem se virar, respondeu:

— Coitado do Vasska!

E deitou-se ao lado de Vasska.

A cara amarela escurecia e se enrugava como uma folha de outono. O dormente trepidava. Um homem se arrasta pelo aterro, ou as moitas acolhem alguém?… 3in-Fin-Hu não sabe de nada nem vê.

— Não posso mais, rapazes! chorava Vasska, escor-regando-se além do aterro.

Sin-Fin-Hu ficou sozinho.

Sua cabeça chata de olhos de esmeralda, semelhante à da cobra, tateou os dormentes, destacou-se e, balançando, ergueu-se acima dos trilhos… espiou.

Das moitas ergueram-se cabeças de mujiques de olhos ansiosos e famintos.

Sin-Fin-Hu deitou-se novamente.

A cobra de olhos de esmeralda levantou-se. Ainda uma vez e ainda uma vez, algumas centenas de cabeças murmurantes a fixaram.

O chinês deitou-se de novo.

Um pequeno mujique remelento gritou-lhe:

— Amarelo! Jogue para cá o cantil! E o revólver também, Que você quer fazer com êle? Para mim ainda poderá servir.

Sem se levantar, Sin-Fin-Hu tomou o revólver, ergueu a mão como se fosse jogá-lo na moita e deu rápido um tiro na nuca.

O corpo do chinês achatou-se, fortemente, nos trilhos. Os pinheiros vomitaram o trem blindado. Era cinzento, quadrado, e os olhos da locomotiva brilhavam com uma cólera rubra. O céu tinha se coberto de um bolor cinza, as árvores eram como pano azul.

O cadáver do chinês Sin-Fin-Hu, grudado à terra, escutava a canção trepidante dos trilhos.

(Excerto de "O trem blindado 1469").

 

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