JOÃO DE DEUS RAMOS, mais vulgarmente conhecido só por
João de Deus, nasceu em São Bartolomeu de Messines, Concelho de Silves,
no Algarve, e viveu de 1830 a 1895. Bacharelou-se em Direito na Uni-
versidade de Coimbra em 1859, e pouco depois já era bem conhecido
pelos seus belos versos, tão espontâneos quão delicadamente sentidos.
Não ligava maior importância às suas produções, que só foram devi-
damente coligidas depois de sua morte. Delas fêz Teófilo Braga um
livro a que deu o nome de Campo de Flores, 1896; chamando Prosas a
outro volume, impresso em 1898, e em que se reuniram os trabalhos em
prosa.
Alma compassiva e boa, João de Deus condoeu-se das crianças que
com penosa labuta aprendem a ler, e, reconsiderando o problema peda-
gógico de que já se ocupara outro grande poeta (Antôn’o Feliciano de
Castilho), compôs uma Cartilha Maternal, que foi recebida com extraor-
dinário aplauso.
Hino de Amor
Andava um dia
Em pequenino
Nos arredores
De Nazaré,
Em companhia
De São José,
O Deus-Menino,
O Bom-Jesus.
Eis senão quando
Vê num silvado,
Andar piando,
Arrepiado
E esvoaçando,
Um rouxinol,
Que uma serpente
De olhar de luz
Resplandecente
Como a do sol,
E penetrante
Como diamante,
Tinha atraído,
Tinha encantado.
Jesus, doído
Do desgraçado
Do passarinho,
Sai do caminho,
Corre apressado,
Quebra o encanto;
Foge a serpente;
E, de repente,
O pobrezinho,
Salvo e contente,
Rompe num canto
Tão requebrado,
Ou antes, pranto
Tão soluçado,
Tão repassado
De gratidão,
De uma alegria,
Uma expansão,
Uma veemência,
Uma expressão,
Uma cadência
Que comovia
O coração!
Jesus caminha
No seu passeio;
E a avezinha
Continuando
No seu gorjeio,
Em quanto o via,
De vez em quando
Lá lhe passava
À dianteira;
E mal pousava,
Não afrouxava,
Nem repetia,
Que redobrava
De melodia!
Assim foi indo
E foi seguindo,
De tal maneira
Que, noite e dia,
Numa palmeira,
Que havia perto
De onde morava
Nosso Senhor
Em pequenino
(Era já certo)
Ela lá estava
A pobre ave,
Cantando o hino,
Terno e suave,
Do seu amor
Ao Salvador!
(Cartilha Maternal)
A Vida
Foi-se pouco a pouco amortecendo
A luz que nesta vida me guiava,
Olhos fitos na qual até contava
Ir os degraus do túmulo descendo.
Em ela se anuveando, em a não vendo. (692)
Já se me a luz de tudo anuveava;
Despontava ela apenas, despontava
Logo em minha alma a luz que ia perdendo.
Alma gêmea da minha, e ingênua e pura
Como os anjos do céu (se o não sonharam. ..)
Quis mostrar-me que o bem bem pouco dura. (693)
Não sei se me voou, se ma levaram;
Nem saiba eu nunca a minha desventura
Contar aos que inda em vida não choraram.
Que é desses cabelos de oiro (694)
Do mais subido quilate,
Desses lábios de escarlate,
Meu tesoiro!
Que é desse hálito que ainda
O coração me perfuma!
Que é desse colo de espuma,
Pomba linda!
Que é de uma flor da grinalda
Dos teus doirados cabelos!
Desses olhos, quero vê-los,
Esmeralda;
Que é dessa franja comprida
Daquele chalé mais leve
Do que a nuvem côr de neve,
Margarida!
Que é dess’alma que me deste
De um sorriso, um só que fosse,
Da tua boca tão doce,
Flor celeste!
Tua cabeça, que é dela,
A tua cabeça de oiro,
Minha pomba! meu tesoiro!
Minha estrela!
De dia a estrela d’alva empalidece;
E a luz do dia eterno te há ferido!
Em teu lânguido olhar adormecido
Nunca me um dia em vida amanhecesse!
A vida é o dia de hoje,
A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa,
A vida é sonho tão leve
Que se desfaz como a neve,
E como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento,
A vida é folha que cai!
A vida é flor na corrente,
A vida é sopro suave,
A vida é estrela cadente,
Voa mais leve que a ave;
Nuvem, que o vento nos ares,
Onda, que o vento nos mares,
Uma após outra, lançou,
A vida — pena caída
Da asa de ave ferida —
De vale em vale impelida,
A vida o vento a levou!
(Campo de Flores, ed. de 1896, pp. 204 e segs.)
(692) Quer a prepos. em, quer o advérbio não levam a colocar em pró clise o pron. átono, ligado ao gerúndio.
(693) bem pouco — muito pouco;
como bem mal (Lus., IV, 77), bem ao contrário (Ibiã., II, 8), e até muito à
francesa: "há bem de dias", na Ulissipo de Jorge Ferreira de Vasconcelos,
p. 199.
(694) — Que é desses cabelos de oiro? = Que é [feito] desses cabelos
de oiro? A gente inculta diz quede e cadê por que é de: "— Ismael! Ismael!
Que dê Ismael?" (Coelho Neto, O rajá de Pendjab, I, cap. VII, p. 215); "E
como se acordasse de um pesadelo: — Cadê papai? Diga-lhe que não é nada.
Pobre do papai!" (José Américo, Coiteiros, 1935, cap. XVII). V. a n. 222.
Seleção e Notas de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Fonte: Antologia nacional, Livraria Francisco Alves.
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