NA FIGUEIRA DO INFERNO – folclore goiano

sombra da figueira

NA FIGUEIRA DO INFERNO

Diz-se que era uma figueira grande, que nem essa.

— Com certeza o senhor já ouviu contar esse caso, disse o Cabo, meu companheiro de viagem, quando se dispôs a destravar a língua, depois da minha insistência em saber qual a "nervosia" que contam da gameleira, por estes lados.

Eu que precisava da versão que corre no Norte de Goiás sobre a "figueira do inferno" afirmei com toda segurança :

— Olha Cabo Emílio, eu sei que essa é uma gameleira, sei também que a chamam de "figueira do inferno" porque é nos galhos dessa árvore que o "coisa ruim" faz suas reuniões, mas um "causo" desses batuques, eu não conheço, pode contar.

E o Cabo começou:

— Pois bem,’ dona, "eles" é que dizem por aí, eu conto por ouvir falar. Foi numa gameleira que nem essa, galhuda assim mesmo, que aconteceu a coisa.

— Diz-que o "sujo" não gosta do sábado e do domingo, não sei porque, mas não gosta. E é na quinta-feira que eles se juntam em riba dessa galharia para fazer o samba e contar suas artes e suas malinezas.

Bom, então foi, um dia, ia um homem viajando. Ia viajando, quando o sol esquentou muito, êle resolveu tirar um descanso na sombra de uma árvore. A planta que êle viu foi uma gameleira. Aí êle apeou, desarreou o animal e deitou no chão com a barriga para cima, a cabeça encostada no arreio.

Ao badalar do meio-dia, começou a ouvir uma zoada. Era um entoado esquisito, e os "cão’, assim como um bando de guariba, pulando de galho em galho, cantando, e, de vez em quando, fazendo uma parada para contar os seus malfeitos.

A conversa era assim que nem um acerto de conta das ruindades que fizeram na semana: — "Eu fiz isso com um velho", dizia um, "e eu arrumei aquilo com a moça de

perto da ponte", contava outro, "e eu, cá", falava mais um, "botei fogo no rancho da velha feiticeira". E assim ia indo, cada um contando suas estrepolias e as baboseiras que fez.

"Entremeado", eles paravam com a conversa e cantavam o samba. E a cantiga era só assim: …"É segunda–feira, é terça-feira, é quarta-feira, é quinta-feira, é sexta–feira…"; o sábado e o domingo eles não cantavam.

Bom, nessa conversa e nessa cantoria, um deles deu com o viajante deitado e perguntou para os companheircs;

— "Olhem aquele sujeito lá em baixo, que é que vamos fazer com êle?"

Um mais gaiato, respondeu logo:

— "Êle é papudo, vamos tirar o papo dele".

Aqui o Cabo teve uma falha de memória e explicou:

— Eu não sei bem se o viajante estava só escuitando ou se cantou junto com os danados, o certo é que eles concordaram com o irmão e sem o papudo dar fé, os "chifrudos" fizeram o que prometeram:

Arrancaram o papo do homem e plaf!… pregaram a bola no tronco da gameleira.

A mode-que êle ficou meio "nestesiado’, nem sentiu nada. Quando caiu no si, já estava sem o caroço do pescoço.

Bom, nesse meio tempo, a zoada já tinha acabado e o viajante rompeu a viagem, muito contente da vida.

Na passagem da casa de um morador mais adiante, o povo deu fé:

— Uai, gente, assunta… a mode-que esse homem "es-trodia" tinha um papo quando passou por aqui, e hoje está sem êle, como foi isso?

— Conta pra nós, seu.. .

O que êle fez foi contar o caso direitinho, tim tim por tim tim.

O morador dali que era "grigório" também, resolveu ir lá, na outra quinta-feira.

E foi.

Está lá deitado debaixo da figueira, quando começa a zoada, "taliquá" o outro contou.

Quando começa a cantiga, êle garra ajudar: "segunda–feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira…" Aí os capetas pararam e o papudo continuou: "sábado, domingo, segunda…"

Não foi nada, não. Os danados que pulavam de cá para lá, de lá para cá, ouviram o negócio e ficaram enfesados. Então um falou:

— "Olhem lá outro papudo, que é que vamos fazer com esse que não sabe cantar e ainda vem atrapalhar a «ente?"

O gaiato nem pensou para responder: "Pega o papo do outro e gruda nesse, no desgraçado…"

Foi uma gargalhada geral. Ainda bem aquele não tinha acabado de falar, o negócio foi feito: Pam!

— "Toma safado, pra saber não se meter onde não é chamado. Se não sabe cantar, não cante". Arrancaram o papo que estava pregado na árvore e grudaram em cima do outro.

O Cabo abriu a boca despovoada, num riso galhofeiro, e dando por terminada a estória acrescentou:

— Eles não gostam mesmo do sábado e do domingo e esse daí não sabia da coisa, foi ajudar a cantiga, deu nisso: Ficou com dois papos em vez de um.

"Eles" contam que nas gameleiras acontecem esses ma-larranjos, mas eu mesmo nunca vi. Agora, o bom mesmo é a gente não ter ela perto de casa.

— Contam.

— Vamos, mula!

— Êta burra lerda. Sem tanger ela não anda.

Era o Cabo Emílio tocando o meu animal que quase ficava "em pé". <

De tão distraída que eu estava, me esquecia de instigá-lo.

Glossário:

NERVOSIA — Assombração, MALINEZA — Maldade.

COISA RUIM, SUJO, CÃO, CHIFRUDO — Diabo.

ENTREMEADO — Entrementes.

GRIGÓRIO — Papudo (e o papo também).

FICAR EM PÉ — Parar.

ASSUNTAR — Prestar atenção.

Regina Lacerda: Versão colhida em Paranã, Norte de Goiás, idêntica a que contam na Velha Capital.

Fonte: Estórias e Lendas de Goiás e Mato Grosso. Seleção de Regina Lacerda. Desenhos de J. Lanzelotti. Ed. Literat. 1962

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