O MOLEQUE FESTEIRO e o DIABO

diabo bem vestido

O MOLEQUE FESTEIRO

Na encosta de uma serra muito alta e a pique, de Santa Maria de Taguatinga, entre barrocas e cardos, morava um homem muito rico e mau, que fizera voto de entoar uma ladainha, todas as noites pela passagem de São João. Eram verdadeiras festas, muito concorridas, em que o pecado das danças livres excedia à devoção religiosa. O homem residia só e jamais conhecera os carinhos de uma esposa ou a alegria do sorriso de um filho…

Como companheiro tinha apenas um molecote, um cão e um gato preto. O menino era o emissário perpétuo por quem mandava os convites para as festas de São João. Era só nessa ocasião que abria a bolsa e deixava os patacões correrem a mãos cheias; nos outros dias não aliviava a lágrima de um pobre ou de uma viúva necessitada.

Certa vez, o pequeno mestiço partiu em busca dos convivas e voltou só: ninguém o acompanhara. As casas dos amigos estavam fechadas e ninguém respondera a seu chamamento.

O homem indignou-se e disse ao menino que fosse buscar quem quer que fosse, rico ou pobre, até mesmo o Pé-de-Garrafa, se o encontrasse. Era imprescindível o cumprimento do voto. No caminho apareceu um cavaleiro elegante, muito bem vestido, tinha esporas de prata e estava em traje de festa.

Ao convite do emissário do homem rico, respondeu afirmativamente e acompanhou-o ao sítio das barrocas e dos cardos. Era um só convidado, porém a festa começou logo. Depois da ladainha dançou muito, fazendo tinir as esporas, que tiravam fogo no assoalho. . Nunca o homem rico e miserável vira um convidado assim: só êle enchia a sala, devorava todos os manjares e dançava por uma súcia inteira. Acabada a festa, o cavalheiro misterioso convidou o homem rico para uma festa em seu palácio e desapareceu, quando a aurora vinha raiando.

Um mês depois um pagem veio buscar o homem rico para a festa do dançador misterioso do São João. Os olhos do homem rico foram vendados e os dois se puseram a caminho. Chegariam à meia-noite. O palácio do anfitrião não era longe de Santa Maria de Taguatinga. Barrancos e valados, brenhas e barrocais, matas e tabuleiros transpuseram os dois caminhantes. Afinal chegaram, a venda caiu e uma elegante habitação maravilhou o hóspede da casa da encosta ao sopé da serra da Taguatinga.

Atravessado o pórtico dourado, penetraram em um grande salão e ali, maliciosamente, estavam enfileirados os vestidos curtos e os sapatinhos de salto alto de Formosa, as impudicas "toilettes" da Baía e os "maillots" cariocas. Noutra sala o homem rico viu uma porção de cavalheiros conhecidos: o Cel. F. F., o Major C. B. e Sr. H. M., etc, etc, pessoas há muito falecidas. Um cheiro de enxofre espalhou-se neste momento, por todo o palácio…

E o homem rico compreendeu tudo:

Estava no palácio do diabo…

I. G. Americano do Brasil: Lendas e Encantamentos do Sertão.

Edições e Publicações Brasil, São Paulo, 1938, pp. 49-50.

Fonte: Estórias e Lendas de Goiás e Mato Grosso. Seleção de Regina Lacerda. Desenhos de J. Lanzelotti. Ed. Literat. 1962

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