NÃO ME TROQUEM O CANDIDATO

Oliveira Lima

NÃO ME TROQUEM O CANDIDATO

I

Ê um segredo de Polichinelo, como dizem os franceses de um segredo sabido por toda a gente, que esta semana socialmente perturbadora se passou politicamente em conchavos, não sei se judiciosos, cm todo o caso infecundos para fundir os grupos oposicionistas, melhor dito para concentrá-los em redor de uma candidatura única ao governo do Estado, contra o governo do mesmo Estado. Rosistas, dantistas — a saber republicanos, conservadores e democratas — c suassunistas marchariam juntos ao combate, como bons aliados, com um generalíssimo de ocasião, cm vez dos habituais comandos separados. Inútil é dizer que sou alheio a esses conchavos. Não poderia usar o lema do meu bom amigo sueco Goran Bjõrkman, que se diz partisan de personne, pois tenho trabalhado na imprensa a favor da candidatura do Sr. Barão de Suassuna; mas não sou arregimentado, nem sequer no seu grupo. Sou apenas um franco-atirador, que trata de fazer a melhor pontaria que pode, e toma a responsabilidade atual de seus atos, com tanto maior independência quanto ficou estabelecido desde princípio com o Sr. Barão de Suassuna que, caso êle vença, eu não serei coisa alguma no seu governo, nem sequer deputado. Meu papel c o que se chama na linguagem teatral francesa une panne. Por isso mesmo nunca saí do terreno neutro do Diário.

Tenho porém minha opinião formada sobre os conchavos em andamento. Parecem-me, com licença dos senhores plenipotenciários, um disparate. A questão do nome é importante, é mesmo tudo, quando no nome reside a significação. Assim é que o Sr. Rosa e Silva representa um revenant, se bem que o seu antigo partido seja ainda eleitoralmente o mais considerável; o Sr. Marechal Dantas Barreto representa a solução eventualmente violenta e o Sr. Barão de Suassuna a solução seguramente branda do pleito. Escuso de acrescentar que sou e serei sempre pelas locuções incruentas. Penso neste ponto como o meu candidato e tenho tal respeito pela vida humana, que não quereria vê-lo subir ao posto que para êle ambiciono pisando um cadáver que fosse.

Imagino que o remorso o acabrunharia e sei que, por tal preço, êle não quereria ser governador.

Bastaria isso para que eu estivesse com êle até o fim e pessoalmente não admita que me troquem o candidato, porque "este" é o que eu desejo para minha terra por ser "êle", com seus predicados de dignidade, de tolerância e de justiça social. Se eu fosse plenipotenciário, estabeleceria essa preliminar, o que teria além do mais o mérito de simplificar as coisas. Em linguagem que não é de plenipotenciários, dir-se-ia: ou pegar ou largar. Numa outra coisa eu não concordaria, e é na intromissão nos acordos em questão de elementos estranhos aos grupos políticos.

Reconheço dois partidos e um punhado de vontades, com um séquito dos melhores elementos, que intentou uma reação cívica contra uma candidatura oficial, pejada de surpresas. Não sei ao que venham personalidades isoladas, que podem aspirar a influência pelo seu dinheiro ou pelas suas relações ou por circunstâncias de momento, mas que não possuem nem tradições nem partido próprio. São meros adventícios da situação, uns meteoros fugazes vindos doutros céus e destinados a sumir-se no horizonte sem-fim, após uma trajetória fixada na astronomia política.

Pouco importa que a flacidez da nossa fibra lhes tribute uma importância de que realmente carecem: o desfecho é certo. O Sr. Barão de Suassuna foi solicitado a sair do seu voluntário retiro, retiro de labor c de tranqüilidade, para vir defrontar com os aborrecimentos, as contrariedades e as vilezas da politiquice, a ver se era possível transmudá-la em sã c nobre política. Julgâmo-lo capaz dessa regeneração dos costumes públicos, por termos confiança no seu passado, nos seus atos e nas suas idéias. São porventura coisas que se incutam do pé para a mão noutra personalidade, como se dá corda num boneco e se o põe a andar automaticamente? Tomo bilhete para ouvir Caruso c impingem-me um substituto qualquer capaz de desafinar? Sinto-me roubado e gritaria "aqui del-rei" se não fosse multar-me por isso o Sr. General Joaquim Inácio.

Não tenho porém dúvida em gritar "aqui da república"! E o Sr. General Joaquim Inácio também terá que bradar por esta dama protetora, porque está ameaçado de ser retirado, não por ser amigo do governador do Estado, mas pelo capricho dos que já querem mandar mais do que todos os governadores. Neste andar breve teremos uma senhoria florentina dos Médicis, comerciantes c gon-falonciros, e o diabo que queira ser Savanarola.

Os tempos não estão porém para tais desfrutos. Estamos vendo, mais cedo do que pensavam muitos, com que dificuldade crescente se estão ajustando as exigências do trabalho com os interesses do capital e para lidar com umas e outros, como não pode deixar de fazê-lo o Estado, é preciso ter o pulso firme e a mão jeitosa. Já se foi a época em que socialismo era sinônimo forçado de liberdade individualista: agora o comunismo, tornando obrigatório para todos, exceto para os velhos, os inválidos e as crianças, o trabalho, e se não fôr este obrigatório não há organização possível dentro do sistema, implica o despotismo social.

O regímen russo proibiu as paredes. E quem pode trabalhar e não trabalha não come. Assim o relata o socialista norueguês Prin-tervold no Social Democrat de Cristiânia.

Um candidato a governador deve ser em Pernambuco, como em qualquer outra unidade da federação, um homem de têmpera forte, de atividade notória, de horizontes modernos e de altruísmo comprovado — para que possa arcar com um futuro que não será risonho, se não fôr possível combinar o desafogo econômico para todos com a liberdade individual de cada um. Do contrário teremos diante de nós um período de antagonismos, de violências e de esterilidade. Fariam bem em ir meditando nisto os que subordinam à maior vastidão dos seus negócios e à acumulação egoísta de bens, a preocupação do bem comum, como se dizia na velha economia política.

II

Ainda bem. Teria sido para mim um vivo pesar ver desperdiçado um tão belo esforço cívico como o que está testemunhando a propaganda pacífica, ordeira e no entanto entusiástica da candidatura Suassuna.

Significaria que o Brasil ou melhor dito seus Estados se acham em condições políticas por tal forma atrasadas que não era possível levar por diante um movimento semelhante.

Os interesses coligidos das facções, ou dos indivíduos, tinham ido buscar para uma conciliação entre si um cortês octogenário que pelo seu bondoso caráter é credor de toda estima e respeito mas que não poderá ser o timoneiro forte e vigilante que requerem os mares tempestuosos do período que atravessamos que todo país vai atravessar. É verdade que partidos e magnatas não querem no geral governo que possa ser independente, que possa arcar com a situação. .. e com eles.

Pernambuco teve porém sorte: não fosse isto um pedaço e até o mais histórico pedaço do Brasil, pelo qual vela a Divina Providência invocada pelo nosso falecido conterrâneo Conselheiro José Bento, Visconde do Bom Conselho. O venerando vice-presidente da Corte Suprema entendeu e muito bem que seu lugar devia continuar a ser no egrégio tribunal, tendo-lhe sua educação jurídica decerto sugerido logo sua inelegibilidade, ainda que contra a opinião do professor de Direito o Sr. Dr. Sebastião do Rêgo Barros, para quem não existia tal incompatibilidade pelo fato da jurisdição da Corte Suprema se estender a toda a federação. O Sr. Ministro André Cavalcânti teria pois residência em todo o Brasil, estaria presente em toda a parte, o que, pelo menos quando aprendi catecismo, era privilégio de Deus Nosso Senhor.

Uma vez mais verifiquei que política e direito, que são primos que muito se casam, nem sempre fazem bon menage. De fato, o Sr. Ministro André Cavalcânti é mais inelegível ainda — se é que o caso comporta graus — que o Sr. Marechal Dantas Barreto, não chegando a constituir residência no Estado, segundo foi invocado, seu passeio anual nas férias forenses ou qualquer interesse de fortuna em usinas de família.

Acresce que o Sr. Ministro André Cavalcânti é mais "morto"

— na expressão adotada para significar politicamente os de fora

— do que os mortos da candidatura Suassuna: morto e enterrado, se bem que, como o português da Helvética, esteja felizmente bem vivo.

Com sua desistência voltou-se à primitiva, com a diferença de que o grupo pró-Suassuna subsistiu íntegro e se encaminha para constituir um grande partido de governo sem a irritante designação pessoal, portanto podendo aspirar à continuidade, ao passo que os partidos rosista e dantista ficaram praticamente desfeitos. Muitos rosistas e estacistas não concordavam com a iníicação de um amigo pessoal do Sr. Marechal Dantas Barreto e já foi um primeiro sinal de desagregação do partido, eleitoralmente o mais considerável, aquela dualidade de comando tornada ostensiva tendo o chefe sénior apelado para o seu habitual recurso nas dificuldades que é a viagem à Europa. A Europa está porém agora uma péssima conselheira.

Por sua vez diziam muitos dantistas que o marechal não tinha o direito de dar homem por si: que o partido é êle, por sua causa se formou, dele só bebe inspiração, estímulo e entusiasmo. Vão lá dizer ao Zé-Povo que o espírito do Marechal transmigrou para dentro do corpo do ministro da Corte Suprema: responderá que não vê em que se pareça uma farda com bordados com uma toga mesmo debruada de arminho. O Sr. Marechal Dantas Barreto é com efeito um nome que fala por si, que não tem substituto possível para aquilo que diz significar, a saber, a vontade do povo. Se este lhe deu o coração, não o podia ir dar agora ao Sr. Ministro André Cavalcânti, a menos que o coração do povo pernambucano seja uma alcachofra, cujas folhas se repartem.

A recepção cordial que teve ainda há poucos dias o marechal prova que êle conserva sua popularidade, à qual nalguns casos sobrevive à influência política. Todo o mundo gosta de festa e, mesmo quando o santo deixa de fazer milagres — porque toda e qualquer capacidade de produção se esgota —, as romarias folgazãs continuam. O que se verificou por ocasião da recente greve foi que o ídolo popular não foi invocado, nem procurado, nem sequer vistoriado pelo operariado, o qual tornou antes bem patente seu desacordo com o regime existente e seu afastamento de todos os grupos políticos conservadores ou radicais.

A verdade é que os partidos atuais não lograrão resistir ao choque da investida desse que ainda não se pode chamar um partido. De resto, se ficassem os dois reduzidos à fusão, formariam o que se denomina vulgarmente um saco de gatos. Nunca se entenderiam — nada os une, tudo os separa — nem mesmo para as eleições.

Ao Sr. Dr. Gonçalves Maia dá o suassunismo a impressão das terras de aluvião do Amazonas, que o próprio rio carrega sem que deixem vestígio, não constituindo portanto terra firme. Será isto no Amazonas. Em Pernambuco tanto assim não é, que estamos aqui no Recife em terreno de aluvião, se me não induz em erro o meu fraco conhecimento de geologia; e até tenho lido que os terrenos de aluvião que se formam nos deltas dos grandes rios, e vão fazendo recuar o mar, são dos mais férteis e produtivos.

A melhor prova da vitalidade da nova agremiação está em que ao passo que segundo a Província de 31 de julho, parte dos dantistas quiseram e querem abandonar a luta, entre os suassunistas ninguém pensou em recuar, antes o desgosto no grosso do partido foi grande pela conciliação intentada com sacrifício do candidato que lhes representa os ideais.

Um telegrama do Rio, creio que particular, falava num partido "epitacista", e a Rua mencionou entre os partidos pernambucanos o "Pessoísmo". Epitacismo é porém uma denominação fora de propósito por melhor que pareça o achado do nome. Para as eleições presidenciais havia epitacistas e ruístas e devo dizer, em abono da verdade, que os epitacistas eram muito mais numerosos. Tratando-se de partidos estaduais, o nome deixa de corresponder a uma realidade porque eu faço ao Sr. Presidente da República a justiça de julgá-lo de todo estranho a essa enfeudação nominal de Pernambuco à política da Paraíba.

Quanto a pessoísmo não é eufônico: dir-se-ia que a terminação briga com o radical. Seria preciso latinizar o vocábulo e dizer — personalismo, o que já seria uma deturpação, quando meu jogo é sempre liso apesar de "peru", brasileirismo que desconhecia no sentido de jogador de fora, porque não costumo freqüentar roletas e que muito estimei aprender. Aliás, de qualquer forma me não ofenderia o epíteto, dada a extrema simpatia que professo por aquele animal tenro e suculento e para mais inofensivo.

 

Fonte: Oliveira Lima – Obra Seleta – Conselho Federal de Cultura, 1971.

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