NIETZSCHE – PERSONA NON GRATA ENTRE OS SEGUIDORES DOS FUNDAMENTOS JUDAICO-CRISTÃOS”

NIETZSCHE – PERSONA NON GRATA ENTRE OS SEGUIDORES DOS
FUNDAMENTOS JUDAICO-CRISTÃOS

Edmerson dos Santos Reis[1]

RESUMO

Nietzsche, sua forma de compreender as religiões judaicas e cristãs e
influência da cultura alemã na tentativa da formação de um pensamento único e
limitador das pessoas e a maneira equivocada como o mesmo tem sido taxado por
simplesmente ter exercido a sua capacidade de pensar como homem de espírito é o
que aborda este artigo, que tem como fontes as suas principais obras que tratam
destas questões e outros autores estudiosos deste filósofo.

PALAVRAS-CHAVE: A morte de Deus, Anticristo e Valores.

“A religião é uma estaca cravada
na mente
humana que atrofia os seus

pensamentos e limita as sua ações” ·.

Introdução

Falar sobre Friederich Nietzsche não é uma tarefa das
mais fáceis, principalmente para os que não são do campo específico da
Filosofia. Nietzsche foi além do homem comum no que se refere ao pensamento, as
idéias e a sua relação com o mundo, com a vida, com o transcendental, com a
saúde e a doença. Como ele próprio classifica-se, é um extemporâneo, ou seja um
homem além do seu tempo. Entendê-lo é buscar não congelá-lo apenas em um dos
seus escritos mais buscá-lo no conjunto da sua obra, onde homem, obra e vida
fazem parte de um mesmo imbricado.

Nietzsche – um sujeito movido pelas suas pulsões e
instintos

Por ser tão movido pelos impulsos e instintos, dos
quais parte de sua obra vai se deter a falar, pois para o mesmo, nós somos um
conjunto de pulsões em busca de extrapolações, e que o sujeito em si só é ele
mesmo quando se deixa mover por estes impulsos, caso contrário será apenas
resultado de uma imposição externa, de vontades e desejos que não seus, mas já
definidos por outros, alheios aos seus verdadeiros desejos.

Talvez por ser tão polêmico, tão movido por uma
vontade de superação e desejo de transvaloração de todos os valores que o mesmo
torna-se alvo de críticas sem muitos fundamentos no que diz respeito aos seus
pensamentos e ideais, uma vez que cada um sempre vai olhar a obra a partir do
lugar em que se encontra, considerando para tal a lupa ideológica ou a visão da
religião ou de mundo que se têm.

Ler e interpretar Nietzsche a partir destes lugares
comuns de se entender o homem e a sua odisséia na terra é uma forma de limitação
da compreensão do pensamento nietzscheano e com toda certeza não teremos outra
solução que não seja a de “demoniá-lo”. Para uma leitura de Nietzsche é preciso
entendê-lo como filósofo,na perspectiva daquilo que ele mesmo compreender como
sendo o filósofo:

Ora é o produto de sua civilização,
ora lhe é hostil.
É contemplativo como os artistas
plásticos, compassivo como o religioso, lógico como o homem de ciência: procura
fazer vibrar nele todos os ritmos do universo e exprimir fora dele essa
sinfonia em conceitos. A dilatação até macrocosmos e, com isso, a observação
refletida – precisamente como o ator ou o poeta dramático que se metamorfoseia
e, no entanto, fica consciente de se projetar para o exterior. O pensamento
dialético escorrendo de cima como uma ducha. (NIETZSCHE, 2007, p.30, aforismo
58)

Sem
essa possibilidade de entendimento torna-se impossível a compreensão.

Nietzsche,
a morte de Deus e o estigma do Anticristo

Talvez a principal forma de lembrar-se de Nietzsche
seja pela aliança construída em torno do seu nome com o ateísmo e
principalmente pela sua sentença que constata e institui a morte de Deus. Estes
dois elementos são marcantes principalmente entre os cristão e evangélicos,
pois a partir da leitura que fazem, esse é um golpe cruel na igreja e na sua
mola mestra, a crença sobre todas as coisas em um Deus Supremo e a prova de
qualquer ameaça.

Como
bem nos lembra Marques (2006, p. 09),

Com a frase – Deus morreu, está
consumada a “décadence”, isto é, o niilismo enlaça as relações entre filosofia,
religião, arte e moral. Tudo o que se legitima em nome de Deus, todos os
valores cristãos, toda a ética judaica… enfim, toda moral teológica há de
morrer com seu Deus. Todo o relativismo ético contemporâneo é somente o odor da
putrefação divina. Duas palavras, outrora, eram sinônimas: ortodoxia e
ortopraxia. Hoje são só dois verbetes em desuso. Ou seja, se outrora o homem
que acreditava em seu Deus, vivia porque sabia que Ele sustentava sua
existência e que, portanto, dever-se-ia ser fiel à voz do Senhor, isto é, agir
eticamente. Após a morte de Deus, todo valor se dissolveu na finitude efêmera.

(…)O horizonte liquifez-se e
evaporou. As razões da existência perderam seus guilhões estelares e suas
raízes frágeis para ancorarem-se no deserto. O calor meridiano do deserto
extirpa a ilusão do peregrino que cai desfalecido. O oásis secou. O que outrora
era razão da existência, agora não passa de acre odor. Bem e mal dissolveram-se
no portal do instante. Aquele que outrora buscava orientar-se nas Escrituras,
sente-se no deserto. Afinal, os sintomas já não são tão importantes, pois vemos
que as necrozes crescem. O oceano das ilusões dissolveu-se em nada. A confusão
moral é grande. A possibilidade de referenciar o bem ou o mal a qualquer princípio
que não o da própria contingência da liberdade humana perdeu legitimidade. A
gênese do bem e do mal – ainda é possível pensar nesses termos: “Eu asseguro a
paz e sou o autor do Mal: eu, o Eterno, faço tudo isso” (Is 45, 7).

Na verdade, as idéias de Nietzsche surgem como uma
implosão de uma cultura ocidental e alemã, a partir de então, tudo passa a a
ser passageiro, pois mesmo o eterno que sempre foi a referencia já não serve e
nem garante mais a salvação. Foi com essa coragem em assumir e de fazer dessa
ação a sua filosofia de vida que Nietzsche passa a ser ojerizado por diversos
segmentos cristãos e judaicos, já que debruça-se a pensar sobre novos valores até
então já colocados sob suspeita, e que já não conseguiam dar respostas às
questões básicas que sempre perseguiram a humanidade – Quem somos? De onde
viemos? Para onde vamos?

A estas questões, talvez o eterno retorno possa nos
dizer algo que choca a concepção dogmática e cética dos adeptos do cristianismo,
uma vez que para o mesmo,

(…) Essa vida tal como a vives
atualmente, tal como a viveste, vai ser necessário que revivas mais uma vez e
inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, pelo contrário! A menor dor e o
menor prazer, o menor pensamento e o menor suspiro, o que há de infinitamente grande
e de infinitamente pequeno em tua vida retornará e tudo retornará na mesma
ordem – essa aranha também e esse luar entre as árvores e esse instante e eu
mesmo! A eterna ampulheta da vida será invertida sem cessar – e tu com ela,
poeira das pedras! (NIETZSCHE, 2006, p. 201),

O que incomoda Nietzsche é exatamente o que o
cristianismo fez e faz com as pessoas com os conceitos e representações de
igualdade, bem e mal, virtude, justiça, falsidade, solidariedade, pecado,
felicidade e inúmeros que foram modificados com o crescimento desta religião. É
esse o motivo pelo qual a crucial e contundente crítica dos valores mistificada
pela doutrina cristã, terminaram por estigmatizar equivocada ou propositalmente
a figura desse filósofo como o próprio anticristo.

Como
bem se diz, a “filosofia do martelo” de Nietzsche tem como princípio a
destruição de todos os arquétipos de construções, pensamentos e dogmas ultrapassados
que impedem e dificultam a possibilidade da edificação de outras idéias,
valores e desenvolvimento de novos sujeitos senhores dos seus próprios impulsos
e pulsões, que não sejam massa de manobra nem tampouco manipulados pelas
religiões e pelo estado. a “filosofia do martelo” estava a serviço da
derrubada de todos os dogmas e ídolos.

Amar
a Deus sobre todas as coisas”; “ser temente ao Senhor”; “a morte, a doença e a
infelicidade como conseqüências do pecado”
. Tudo isso contribuiu e continua
contribuindo para que muitos seguidores das inúmeras facções religiosas
continuem alienados e alienando a outros, pois não há outra explicação para as
coisas deste mundo que não seja na vertente religiosa, pois como dizem alguns – Fora da Bíblia não há verdade! Foi nesta perspectiva que Marx, um outro
ateu convicto, afirmou o que ainda hoje podemos constatar – a religião é o ópium do povo. Jogar por terra todos os fundamentos que sustentavam e sustentam a
ética religiosa judaico-cristã solidificadas em quase dois miil anos de
cristianismo já na época da publicação do Anticristo não era para qualquer
mortal. Nietzsche fez isso, e diga-se de passagem que nasceu em lar
protestante, foi filho de um pastor, sendo criado até os sete anos quando
perdeu o pai e mais adiante sob todos os dogmas religiosos. Talvez se libertou
e por isso mais do que Marx, ainda hoje paga um preço tão alto, pela simples
capacidade de desenvolver um pensamento crítico.

A
emissão da sentença da morte de Deus precisa ser compreendida como um processo
histórico que estava em caminho e a caminhar na Europa no século XIX, marcado
principalmente pelo declínio do poder da igreja, declínio do poder e da cultura
européia e pela necessidade do surgimento de outros valores que permitissem a
libertação do homem e que não mais as pessoas vivessem sob a cegueira do culto
de um deus “justiceiro” ao qual, todos devem ser tementes como forma de não
perder o direito à salvação e ser condenado ao inferno, onde todos os corpos e
pensamentos maus iram arder.

Para
ilustrar a capacidade de Nietzsche em denunciar e mexer com as bases da fé
judaico-cristã basta lembramos em A Gaia Ciência, o aforismo 140, que diz o
seguinte: Se Deus tivesse querido tornar-se um objeto de amor deveria ter
começado por renunciar a fazer justiça: – um juiz, mesmo clemente, não é objeto
de amor. Para compreender isso, o fundador do cristianismo não tinha o senso
bastante sutil – era judeu
. (NIETZSCHE, 2006, p.136)

Talvez
esses pensamentos também possam ter contribuído para a maculação da sua imagem
ligando as suas obras ao pensamento nazista, tão bem propagandeado pelos seus
opositores.

Ou
ainda, quando ao final do aforismo 126, do mesmo livro, ao referir-se ao louco
que procura Deus, conclui com a seguinte pergunta: Para que servem essas
igrejas, se não os túmulos de Deus?

Por
estas e outras questões ele vai ser sempre uma persona non grata entre
os seguidores do fundamento judaico-cristão.

Considerações finais

Como
dizia inicialmente, não é fácil falar deste tão importante pensador,
principalmente pela complexidade dos seus escritos, onde a aparencia do texto
nem sempre corresponde com a essência do que se quer dizer. Muito tem
contribuído e com certeza há uma lacuna nas graduações e pós-graduações no que
diz respeito ao aprofundamento da obra deste autor. Talvez isto se explique
pela própria dificuldade de compreensão do seu pensamento e/ou pela própria
polêmica que o mesmo traz nos seus escritos e na sua vida, o que nem todo
professor está preparado para dialogar e enfrentar o que pode surgir da
apresentação das contribuições que o mesmo deixou.

Nietzsche
mexeu e continuará mexendo com valores, conhecimentos, certezas e incertezas,
afinal no fundo do seu pensamento ele traz uma natureza complexa de entender o
mundo e o humano. Influenciou diversos pensadores e podemos perceber com toda
certeza a contribuição do seu pensamento nas obras e idéias de autores
diversos, mesmo que não o citem ou o apontem, mas idéias são marcadas pelo seu
pensamento baseada na mais extrema compreensão da libertação do ser.

É
dessa maneira que concluo este artigo, lembrando que o acesso neste curso ao
estudo deste pensador me faz ver com outros olhos muitas coisas antes
entendidas como já suficientes. Nietzsche vai ser sempre um fundador de novos
homens e com espíritos livres. Espero que nas religiões isto também possa se
dar, onde as pessoas não se sintam “libertas” no aprisionamento de si mesmas,
pois como ele bem dizia: Viver – assim se chama para nós, transmudar
constantemente tudo o que nós somos em luz e chama; e também tudo o que nos
atinge; não podemos fazer de outro modo.
" (NIETZSCHE, 2006, p.17).

Referências Bibliográficas

ALVES. Edílson
Antonio.
Filosofando com o
Martelo (Um ensaio sobre o Espírito Livre).
Espanha: Revista de estudios literarios. Universidad Complutense de Madrid: Especulo, 2001.
Disponível em: http://www.ucm.es/info/especulo/numero19/martelo.html acessado em 28/12/2007.

LARROSA, Jorge. Nietzsche
e Educação.
[Traduzido por Samíramis Gorini da Veiga. 2ª ed., Belo
Horizonte: Autêntica, 2005.

MARQUES, Lúcio
Álvaro. A morte de Deus. Disponível em: http://www.consciencia.org/mortededeuslucio.shtml
acessado em 28/12/2007.

NIETZSCHE,
Wilhelm Friedrich. A Gaia Ciência & "Para Além de Bem e Mal. In: Obras Incompletas. [Seleção de Textos de Gérald Lebrun , Tradução e
Notas de Rubens Rodrigues Torres Filho e Pós-fácio de Antônio Cândido]. São
Paulo: Nova Cultural, 1999.

______. Crepúsculo
dos Ídolos
. . [Seleção de Textos de Gérald Lebrun , Tradução e
Notas de Rubens Rodrigues Torres Filho e Pós-fácio de Antônio Cândido]. São
Paulo: Nova Cultural, 1999.

______. O lívro do filósofo.
[Tradução de Antonio Carlos Braga] São Paulo: Editora Escala, 2007.

______. A Gaia Ciência. [Tradução
de Antonio Carlos Braga] São Paulo: Editora Escala, 2006.

______. O Anticristo. [Tradução de Antonio Carlos Braga] São Paulo:
Editora Escala, 2007.

______. O viajante e sua sombra. [Tradução de Antonio Carlos Braga e Ciro
Mioranza] São Paulo: Editora Escala, 2007


[1] Doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Educação Sociedade e
Práxis Pedagógica da Faculdade de Educação – FACED, da Universidade Federal da
Bahia e Professor do Departamento de Ciências Humanas – Campus III da UNEB em
Juazeiro – BA. E-mail: [email protected]

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