SUMÁRIO DA VIDA DE PÉRICLES
I. O gosto e os
talentos dos homens devem ser úteis e honestos. II. Virtude
de Péricles e de Fábio. III. Glória da casa de Péricles. IV. Seus estudos de música; de filosofia. VI. Seu
caráter formado por Anaxágoras. XI. Ele se imiscui nos
negócios públicos, e toma o partido do povo. XIII. Seu
espírito reservado e sua eloquência. Atribuem-lhe o cognome de Olímpico. XV.
Dignidade de suas ações e palavras. XVI. Os
costumes do povo se alteram pela abundância e pelos prazeres que Péricles lhe
proporciona. XVII. Ele se serve de seu prestígio para
reduzir o do Areópago. XVIII. Faz banir e chamar de volta
a Cimon. XXI. A nobreza opõe Tucídides a Péricles. XXII.
Jogos, festas, banquetes que ele oferece ao povo. XXIII. Decoração da cidade ,de Atenas. XXV. Emulação e
recompensa para as artes. XXVII. Elas são levadas ao mais
alto grau de perfeição. XXVIII. Ofídias preside a todos os
grandes trabalhos. O templo de Minerva; o Odeon, a longa
muralha; os pórticos. XXXI. O partido de Tucídides se
queixa das excessivas despesas. Tucídides é banido. XXXV. Péricles fica só à
frente dos negócios do Estado. XXXIII. No clímax de seu
poder, ele não aumenta em nada as riquezas de sua casa. XXXV. Sua maneira de administrar os próprios bens. XXXVI. Indigência de Anaxágoras. XXXVII. Péricles propõe uma assembleia geral
para pacificação e união de toda a Grécia. XXXVIII. Sua prudência em nada arriscar nas batalhas. XXXIX. Seus êxitos no Quersoneso, no Peloponeso, no Ponto. XLII. Ideias de
conquistar o Egito, Cartago e Sicília, reprimidas por Péricles. XLIII. Guerra
da Eubéia. XLV. Guerra de Samos, empreendida por Aspásia. XLVI. Pátria desta
mulher célebre, e seu espírito. XLVIII. Acontecimentos da guerra de Samos. LII. Artemão inventa as máquinas de guerra para os assédios. LIII. Samos
subjugada. LVI. Guerra do Peloponeso. LX. Brigas contra Péricles.
LXIII. Sua constância, sabedoria. LXVI. Peste que devasta Atenas. LXVII. O povo
se irrita contra Péricles e o condena a uma pesada multa. LXVIII. A peste lhe
arrebata parentes e amigos. LXIX. Sua firmeza e sua grande alma. LXX. Ele
retoma a direcão dos negócios. Lei da burguesia de Atenas revogada. Número dos
cidadãos. LXXI. Filhos de Péricles e de Aspásia. LXXII. Péricles atacado pela
peste. LXXIII. Suas últimas palavras. Situação e pesar dos atenienses depois de
sua morte.
Desde
a 72.ª olimpíada. até o quarto ano da 87ª; 429 anos A. C.
PÉRICLES
por Plutarco
Capítulo de Vidas Paralelas
Tradução brasileira de Aristides da Silva Lobo conforme a edição francesa de 1818. Notas de Brotier, Vauvilliere e Clavier.
Fonte: Ed. Das Américas.
I César, vendo um dia em Roma (1) alguns estrangeiros, homens ricos e
opulentos, que tinham sempre entre os braços cãezinhos e macaquinhos,
acarinhando-os cuidadosamente, perguntou-lhes se as mulheres em seu país não
tinham filhos, criticando assim, muito sensatamente aqueles que empregam em
relação aos bichos, a inclinação para o amor e a afeição caritativos, que a
natureza pôs em nós para usá-la com os homens e não com os animais. Em caso
semelhante, tendo a natureza impresso em nossa alma um desejo natural de
aprender e saber, é bem razoável censurar aqueles que abusam desse desejo e
aprendem coisas que não frutificam, enquanto tratam com negligência as úteis e
honestas. Porque, quanto aos sentidos que recebem a impressão do seu objeto com
alguma paixão, cabe-lhes considerar de forma forçosamente indiferente tudo o
que se apresenta a ele seja útil ou inútil. Não acontece porém o mesmo com o
entendimento, porque cada um pode usá-lo à sua vontade e desviá-lo facilmente a
todo o momento, aplicando-o no que bem lhe parece. É preciso, por isso,
orientá-lo sempre para o melhor a fim de que não somente se satisfaça, mas
também que se alimente e se nutra na sua contemplação. Porque assim como a cor
mais adequada ao olho é aquela que por sua vivacidade e alegria rejubila e
conforta a vista, assim também cada um deve aplicar o seu entendimento em
intuições que, ao deleitá-lo, o elevam ao mesmo tempo para o seu verdadeiro
bem. Tais são os efeitos da virtude, que, sendo ouvidos ou quando se lê algo
sobre eles, imprimem nos corações uma tendência e preocupação para segui-los, o
que não acontece com todas as outras coisas pelas quais temos alguma estima,
não nos sentindo sempre incitados a desejar fazer o que consideramos bem feito,
mas, ao contrário, retirando muitas vezes prazer da obra. desprezamos o
obreiro, como nas composições de perfumes e tinturas de púrpura, porque,
deleitando-nos com um e outro, consideramos todavia os perfumistas e
tintureiros como pessoas vis e plebeias. Antístenes, portanto, respondeu muito
bem a certo indivíduo que lhe dizia ser Ismenias excelente tocador de flauta,
«também eu acho (2), disse ele, mas quanto ao resto é homem que não vale nada
porque de outra forma, não seria tão esplêndido tocador de flauta. A esse propósito Filipe, rei da
Macedónia, disse, certa vez, a seu filho Alexandre o Grande que tinha cantado
em um festim de maneira muito agradável, e isso como homem bom entendedor da
arte musical: «não tens vergonha de cantar tão bem?» Porque é bastante ao rei.
empregar de vez em quando o seu descanso em ouvir cantar os cantores, fazendo
muita honra às musas ao querer ouvir algumas vezes os obreiros dessa arte,
quando porfiam uns com os outros para ver quem canta melhor. Quem porém, exerce
alguma arte baixa e vil, oferece, em testemunho contra si mesmo, o trabalho que
empregou em coisas "inúteis, como prova de sua preguiça em aprender as
honestas e úteis. E não houve jamais jovem de coração bem formado e gentil
natureza, que, contemplando a imagem de Júpiter existente na cidade de Pisa,
desejasse ser Ofídias; ou Policleto, diante da Juno de Argos, ou Anacreonte,
Filemon e Arquíloco ao sentir, porventura, prazer lendo suas obras, porque não
se deduz necessariamente da obra que deleita, ser sempre louvável o seu
obreiro. Não aproveitam assim, tais coisas a quem as contempla, porque elas não
engendram nos corações dos seus observadores o zelo de imitá-la, nem excitam
uma propensão para assemelhar-se e conformar-se a elas. A virtude porém, tem
isso de próprio em sua atuação, torna o homem que a conhece, de tal forma
atraído que considera os seus atos como belos em conjunto, desejando
assemelhar-se a quem os pratica, porque dos bens da fortuna nós amamos a
fruição, e os da virtude levam-nos à ação. Ficamos por isso, satisfeitos em
receber aqueles bens dos outros, mas a estes nós queremos que o outros os
recebem de nós. Porque a virtude tem a força de incitar a vontade do homem que
a considera a querer exercê-la incontinenti, e engendra em seu coração um
desejo de a pôr em atividade, formando assim, os costumes de quem a contempla,
não por imitação apenas, mas pela compreensão e conhecimento do ato virtuoso, o
qual gera-lhe repentinamente o instinto e propósito deliberado de fazer o
mesmo.
(1) Plutarco
tinha dividido suas -Vidas dos Homens Ilustres"
em muitos volumes. A de Demétrio começava o terceiro volume, como .se vè
no manuscrito da Biblioteca do Rei, n." 1.671.
A vida de Péricles iniciava o décimo. É por isso que o prefácio é mais
extenso.
(2) (Em francês "Cest-mon"): É meu parecer.
II. É a razão pela qual considerei que devo continuar
a escrever as vidas dos homens ilustres, e compus este décimo livro contendo as
de Péricles
e Fábio Máximo que sustentou a guerra contra Aníbal, porque são duas
personagens semelhantes em muitas outras virtudes, e especialmente na bondade
e justiça, e ambas, por ter sabido suportar pacientemente os desvarios dos seus
povos e dos seus companheiros nos cargos de governo, foram muito úteis
aos seus países. Se porém, andamos bem em juntá-los, comparando um ao outro,
poder-se-á julgar melhor pelo que segue escrito.
III. Péricles pertencia à estirpe Acamânida, do
distrito de Gholargo, uma das melhores casas e mais antigas raças da cidade de
Atenas, tanto do
lado de sua mãe como do lado de seu pai. Porque Xantipo, seu pai, que derrotou
em batalha os comandantes do rei da Pérsia na jornada de Micale (3)
casou-se com Agaristo descendente do Clístenes que expulsou de Atenas os filhos
de Pisístrato e destruindo corajosamente sua tirania, estabeleceu depois leis_
e organizou uma forma de governo muito bem equilibrada para manter seus
concidadãos em paz e concórdia uns com os outros. Agaristo sonhou uma noite que
tinha dado à luz um leão e poucos dias depois teve Péricles, tão bem
proporcionado em todas as partes do corpo que nada se podia criticar, exceto
sua cabeça um pouco longa e desproporcionada no tamanho em relação ao resto,
sendo essa a causa de quase todas as suas estátuas terem o capacete sobre a
cabeça, não querendo os escultores, como é crível, salientar-lhe essa
deformidade. Os poetas áticos, contudo o chamam Esquinocéfalos, que quer dizer
cabeça de cebola, porque os áticos chamam aquilo que se apelida em língua comum
Scilla, isto é, cebola da barbaria (4), Esquinos; e Cratino, poeta cómico, diz
na comédia que ele intitulou Quírones:
O velho Saturno e a Sedição
Engendraram conjuntamente
Este grande titã que na corte
imortal
Dos deuses do céu, é chamado Cabeça Grande.
(3)
O
segundo ano da septuagésima quinta Olimpíada, 479 anos A. C.
(4)
Nós a
chamamos cebola marinha.
E de novo diz,
referindo-se a ele, na comédia intitulada Nemesis:
Vem Júpiter hospitaleiro, cabeça longa.
E Teléclides,
zombando também dele, diz em certa passagem:
Algumas vezes não sabendo em
verdade
A quantas anda em seu governo,
Mantem-se quieto e não se
apresenta,
Sentindo dolorida sua cabeça
pesada:
Mas outras vezes também, ele
despede
Do seu grande crânio um
maravilhoso trovão.
E Eupolis na
comédia intitulada (5) Demi, interrogando e inquirindo particularmente cada um
dos oradores que ele figura como saindo dos infernos, diz, quando lhe indicam
por último a Péricles:
Certamente nos
trouxestes A cabeça de todos aqueles que lã estavam em baixo,
IV.
Ora, quanto à música, a maior
parte dos autores escreve que quem lha ensinou, foi Damon, cujo nome, como se
diz, deve ser pronunciado com a primeira sílaba breve. Aristóteles todavia, diz
que ele aprendeu a música com Pitóclides. Como quer que seja é certo que este
Damon, homem muito entendido e astuto em matéria de governo, cobrindo-se, para
dissimular e esconder ao povo sua habilidade, com o nome de músico, estava
sempre ao lado de Péricles como mestre de luta e de esgrima, e lhe ensinava
como devia conduzir-se em negócios de Estado. Afinal, entretanto, ele não pôde
dissimular tão bem que não viesse ao conhecimento do povo, servir-se ele dá
lira e da música como coberta, e por ser homem turbulento empreendedor, e
propiciador da tirania, foi banido por cinco anos (6). Isso deu o que falar aos
poetas cómicos, entre os quais Platão, que em uma de suas comédias introduz
alguém que lhe pergunta:
Diz-me primeiro,
Quíron,
Por que corre a fama
De que tu modelaste e instruíste Péricles.
(5) Demois. os povos: ele
zombava, ao que parece, nesta comédia, dos vários povos da Ática.
(6) É um erro. É preciso corrigir para dez anos. Tal era o decreto de ostracismo. Veja-se o próprio
Amyot, cap. XVIII.
V. Ele foi também ouvinte e discípulo ao filósofo
Zenon, nativo da cidade de Eléia, que ensinava a filosofia natural como
Parmenides, mas fazia profissão de contradizer todo o mundo, e alegar tantas
oposições quando discutia, que levava seu antagonista a não saber como
responder nem ao que resolver-se, como o testemunha Timon Fliasiano nestes
versos:
Grande eloquência e força de arte
Para disputar de um lado ou de outro
Tinha Zenon, criticando todo o mundo
Quando pretendia desenvolver sua facúndia.
VI. Mas quem conviveu mais com ele e lhe deu
essa gravidade e dignidade que mantinha em todos os seus atos e ditos, mais
adequada a senhores
do que à condição e ao estado de quem deve arengar diante de um povo livre,
quem, em resumo, elevou seus costumes até uma certa majestade,
demonstrada
em todas as suas maneiras de agir, foi Anaxágoras o Clazomeniano, denominado
comumente pelos homens desse século «Nus», isto é, entendimento, fosse por
sentirem uma singular admiração pela vivacidade e sutileza do seu espírito em
procurar as causas dos fenómenos naturais, ou por ter sido o primeiro em
atribuir a disposição e o comportamento desse mundo, não ao acaso nem à
necessidade fatal, mas a uma pura e simples inteligência ou entendimento, o
qual
separa, como primeira causa agente, as substâncias de partes semelhantes das
demais substâncias que estão em todos os outros corpos, misturadas e
confundidas.
VII. Péricles, por conseguinte, tendo especial admiração
por essa personagem a quem devia ter-se instruído no conhecimento das coisas
naturais, especialmente das que acontecem no ar e no céu, tomou dela, não
somente uma coragem grande e elevada e uma dignidade de linguagem onde não
havia nada de afetado, de baixo, nem vulgar, mas também uma sisudez de rosto
que não se movia facilmente ao riso; uma gravidade no andar, um tom de voz que
jamais se perdia; uma atitude serena e um toque honesto na sua indumentária,
não se perturbando jamais, com qualquer coisa que acontecesse enquanto falava,
e outros dotes semelhantes, que levavam a um espanto deslumbrado a todos quantos
o contemplavam e consideravam.
VIII.
Conta-se, a esse propósito, ter
havido certa vez, um individuo desavergonhado que se manteve durante -um dia
inteiro a ultrajá-lo com palavras difamatórias em plena praça, dizendo toda a
sorte de injúrias que lhe vieram à cabeça, suportando-o Péricles pacientemente,
sem jamais lhe responder uma única palavra, enquanto despachava qualquer
negócio importante, até retirar-se serenamente, à noite, para sua casa, sem se
mostrar alterado de maneira alguma, muito embora esse importuno o seguisse
sempre, repetindo-lhe todos os ultrajes possíveis. Quando estava prestes a
entrar em casa, já noite fechada, determinou a um dos seus servos que tomasse
uma tocha e reconduzisse esse homem à sua morada. O poeta Íon entretanto, escreve
que o trato de Péricles era soberbo e arrogante e que na sua gravidade e
magnanimidade havia muito orgulho e desprezo pelos outros. Louva, este, ao
contrário, grandemente, a civilidade, humanidade e cortesia de Cimon, o qual sabia acomodar-se com facilidade
a todos os convívios. Não convém porém nos determos na afirmação de Íon (7), o
qual pretendia houvesse na virtude, como em algumas tragédias, uma parte onde
se introduzissem sátiras próprias ao riso. Zênon, em compensação, aconselhava
àqueles que diziam constituir a gravidade de Péricles presunção e arrogância,
que se tornassem presunçosos como ele, porque essa maneira de contrafazer as
coisas honestas e virtuosas, traz secretamente, com o tempo, uma tendência para
amá-las e o desejo de acostumar-se ou de se adaptar a elas conscientemente.
Péricles hão recebeu exclusivamente1 dons da sua conversação com
Anaxágoras, mas aprendeu também com ele a expulsar de si e dominar todo
supersticioso temor dos sinais celestes e das impressões que. se formam no ar,
as quais geram grande terror a quem ignora suas causas, bem como aos que temem
os deuses com um desvairado terror, por não terem deles nenhum conhecimento
certo, como o atribuído pela filosofia natural que, em lugar de uma superstição
sempre trémula e assustada, engendra verdadeira devoção, acompanhada de segura
esperança do bem.
(7)
No grego: -o qual queria que da mesma forma que numa representação trágica, a
virtude tivesse também uma parte satírica.,; Veja-se as Observações, Cap. VIII. O
IX. Conta-se a esse propósito que trouxeram certo
dia, a Péricles, de uma de suas terras, a cabeça de um carneiro que não tinha
senão um chifre, razão pela qual o adivinho Lampão, considerando essa cabeça
com o chifre muito duro no meio da testa, interpretou-a como significando que,
sendo duas as linhas e dois os partidos na cidade de Atenas no tocante a seu
governo, a de Péricles e a de Tucídides. o poder das duas seria fundido em um,
e especialmente no daquela em cuja casa o sinal se revelara. Anaxágoras porém,
achando-se presente, fez partir a cabeça (8) em dois, e mostrou aos assistentes
como o cérebro do carneiro não enchia toda a capacidade do seu lugar natural,
mas era comprimido de todos os lados e ia terminar em ponta como um ovo, no
local onde o chifre tinha o começo de sua raiz! Anaxágoras foi assim admirado
no momento, mas Lampão o foi logo depois, quando Tucídides veio a ser expulso e
todos os negócios da coisa pública caíram universalmente nas mãos de Péricles.
X. Não há incoerência, no meu modo de ver, em
que a filosofia natural e o adivinho tenham com boa verdade, interpretado o
fato em seu conjunto, percebendo a primeira, a causa e o outro, o fim deste
acontecimento, porque a profissão de uma, é procurar como acontece o fato, e a
do outro porque acontece, predizendo o que significa. Quando alguém diz que
descobrir a causa corresponde, a destruir a significação do sinal, não
considera que, procurando abolir por esta razão as predições dos sinais e
prodígios celestes, abole também os obtidos por artifício, como o som das
bacias, os clarões dos fogos ao longo da costa marinha, as sombras dos
ponteiros dos relógios de sol, coisas essas que se fazem por alguma razão, para
serem sinal de outra coisa. Essa disputa sem fim porém, pertence mais a outro
tratado.
(8) No
texto de Amyot lé-se "le test" — Em nota “a cabeça".
XI. Quanto a Péricles, sendo ele ainda muito
jovem, temia bastante o povo porque tinha o rosto um pouco parecido com o de
Pisístrato, e os mais velhos da cidade, temiam também muito sua voz doce, sua
língua elegante, sua palavra fácil, porque se assemelhavam da mesma forma, às
de Pisístrato. Ele possuía, além disso, muitos bens, pertencendo a uma das mais
nobres casas da cidade e seus amigos eram assim os mais acreditados e detinham
a maior autoridade no manejo dos negócios. Em virtude disso, receando ser
banido pelo decreto de ostracismo, Péricles não se imiscuía no governo de
maneira alguma, mostrando-se na guerra homem valente que não poupava sua
pessoa. Depois, porém, que Aristides morreu, que Temístocles foi expulso e que
Cimon, encarregado dos exércitos, se mantinha a maior parte do tempo fora da
Grécia, ocupado com guerras distantes, Péricles então (9) se ligou com a arraia
miúda, preferindo a multidão da plebe pobre, ao pequeno número dos nobres e
ricos, o que era contra sua natureza porque de si mesmo ele não era popular.
Agiu assim, entretanto, como é verosímil, para evitar a suspeita de que
pretendesse usurpar a tirania, e também porque vendo que Cimon se inclinava
inteiramente para o lado da nobreza e era singularmente amado e apoiado pela
gente de bem, cabia a ele, ao contrário, lançar-se entre os braços da comuna,
provendo-se por esse meio, de segurança para si mesmo e de autoridade contra
Cimon.
(9) Se entregou
aos negócios públicos ligando-se, etc.
XII.
Começou assim incontinenti a
adotar uma maneira de viver totalmente nova, desde o momento em que interveio
nos negócios (10) públicos, porque ninguém mais o viu depois, andar pela
cidade, a não ser para ir à praça ou ao Senado. Desistiu de ir aos banquetes para
os quais era convidado e abandonou qualquer outro entretenimento com amigos e
qualquer outra forma de conversa, de tal modo que durante todo o tempo no qual
se envolveu com o governo da coisa pública, tempo esse muito longo, não foi
jamais cear em casa de nenhum de seus amigos a não ser no festim de núpcias de
Euriptolemo, seu sobrinho, e aí mesmo permaneceu apenas até a ação de graças,
momento em que se oferece vinho aos deuses, levantando-se depois imediatamente
porque essas amáveis intimidades reduzem muito qualquer dignidade aparentemente
assumida e é bem difícil manter uma severa gravidade para conservar sua
reputação, e ao mesmo tempo, deixar-se
frequentar familiarmente por todo o mundo. É verdade que em uma total e
autêntica virtude é sempre mais belo o que é mais aparente, e nas gentes de bem
e de honra não há nada que possam os estranhos achar tão admirável, quanto o
que os domésticos, sempre juntos a elas, acham em sua vida quotidiana.
(10)
Péricles intrometeu-se no governo na época da septuagésima terceira olimpíada,
488 anos A. C.
XIII.Péricles, entretanto, para
impedir que se aborrecessem dele, vendo-o continuamente, não se aproximava do
povo e não se apresentava a ele senão por intervalos. Não falava de todos os
assuntos em público e nem saía, reservando-se da mesma forma que, em Atenas,
era reservada a galera de Salamina, como diz Critolau, para as situações de
grande importância. Manejava outros negócios de menor significação por
intermédio de alguns oradores seus familiares, entre os quais Efialta, segundo
se diz, o mesmo que tirou a autoridade e o poder à corte do Areópago,
atribuindo excessiva e desenfreada licença ao povo, como declara Platão. É o
motivo pelo qual dizem os poetas cómicos, ter-se ele tornado tão insolente, que
ninguém o podia deter e como um cavalo novo sem rédeas, tornara-se tão
audacioso que já sem querer obedecer, mordera a ilha de Eubéia, saltando por
cima das demais. Desejando Péricles formar um estilo de falar e uma maneira de
linguagem que fosse instrumento adequado e conforme ao modo de viver e à
gravidade por ele adotados, empregava a todo o propósito o que aprendera de
Anaxágoras, colorindo seus argumentos de filosofia natural com a habilidade
retórica, e, tendo adquirido pelo estudo dessa filosofia altas concepções e
eficácia para concluir bem tudo o que desejava provar, sendo também dotado por
natureza de bom entendimento, como escreve o divino Platão, tirando disso tudo
o que convinha a seus desígnios revestidos sempre com artifícios de eloquência,
tornou-se distanciadamente o melhor orador do seu tempo. Por esse motivo, como
se disse, impuseram-lhe o cognome de Olímpico, que equivale dizer celeste ou
divino, embora queriam alguns ter sido por causa das belas obras e edifícios
públicos com os quais embelezou a cidade de Atenas, e outros em razão da sua
grande autoridade e poder no governo tanto em guerra quanto em paz. Não é impossível porém que esta glória lhe tenha sido conferida por motivo das muitas
excelentes qualidades que havia juntas nele. As comédias, todavia, levadas à
cena pelos poetas do tempo, aonde há muitas alusões a ele, umas sérias, outras
em tom de farsa e burla, testemunham que foi principalmente por sua eloquência
que se lhe atribuiu esse apelido, porque, dizem eles, Péricles arengando,
trovejava e faiscava e trazia em sua língua um raio terrível.