Continued from: Vida de Péricles, por Plutarco - Vidas Paralelas

XIV. A esse propósito conta-se uma resposta espirituosa
de Tucídides, filho de Milésio, relativa à força de eloquência de Péricles,
porque aquele era homem de bem e de honra, tendo feito durante muito tempo
oposição ao governo deste. Como Arquidamo, rei da Lacedemônia, lhe perguntasse
um dia quem lutava melhor, ele ou Péricles, respondeu-lhe: «Quando eu o derrubo
lutando, ele sabe negá-lo tão bem, que faz crer aos assistentes não ter caído,
persuadindo-os do contrário daquilo que viram.»

XV. Péricles, era todavia, muito contido e
reservado no seu falar, de sorte que em todas as vezes nas quais se apresentava
à tribuna das arengas, para discursar ao povo, fazia orações aos deuses para
que não lhe escapasse da boca, inadvertidamente, nenhuma palavra prejudicial à
matéria tratada. Nada resta entretanto, de suas obras por escrito, a não ser
alguns éditos por ele publicados. Foram ainda retidos de memória bem poucos dos
seus ditos notáveis, como quando declarou «que era preciso fazer desaparecer a
cidade de Egina, porque era um cisco nos olhos do porto de Pireu e outra vez na
qual disse «que já via de longe a guerra que, do Peloponeso, avançava sobre
eles». Uma outra vez, ao embarcar com Sófocles, seu companheiro, a esse tempo,
no cargo de capitão general, louvando este a beleza de um jovem que haviam
encontrado no caminho: «É preciso, Sófocles, disse Péricles, que um governador
tenha limpos não somente as mãos, mas também os olhos.» E Estesimbroto escreve,
em relação ao seu discurso fúnebre, feito em louvor dos mortos na guerra de
Samos, ter Péricles dito que eles eram imortais como os deuses, porque não vemos a estes
em sua essência, mas pelas honras a eles conferidas e, pelos grandes bens por
eles desfrutados, conjecturamos serem imortais, e as mesmas coisas acontecem
aos que morrem em defesa do seu país.

XVI. Ora, cabe ver a razão pela qual Tucídides
descreve o governo da coisa pública ao tempo de Péricles, como um governo da
nobreza, embora
na aparência parecesse popular, sendo de fato um principado regido pela
inteligência e autoridade do primeiro homem de Atenas, e por que razão dizem
muitos outros, ter sido ele quem em primeiro lugar fomentou o costume de
repartir pelo povo as terras conquistadas na guerra e de distribuir dinheiros
públicos para ir ver os jogos, fixando-lhe salários para todas as coisas, sendo
esse um mau costume, porque a plebe que antes passava com pouco, ganhando a
vida com o trabalho do seu corpo, tornou-se supérflua, suntuosa e dissoluta, em
razão das utilidades então introduzidas. Poder-se-á verificar pela simples
exposição do fato, a causa dessa mutação.

XVII. Porque Péricles ao aparecer, como dissemos,
para adquirir reputação semelhante à de Cimon, esforçou-se em cair nas boas
graças da multidão, mas não tendo nem riquezas nem bens tão grandes quanto os
daquele, para sustentar a mesma despesa com a qual Cimon entretinha os pobres,
mantendo casa aberta a todos os adventícios, vestindo velhos indigentes e
fazendo tirar a cerca de suas terras, férteis e herdadas, para que cada um pudesse
entrar e colher frutos à vontade, via-se, em virtude disso, superado na
simpatia da plebe, pelo que começou a introduzir essas distribuições de
dinheiros públicos, por sugestão e conselho de Demônides, natural da ilha Delos,
como narra Aristóteles. Tendo em pouco tempo ganho a benquerença da arraia
miúda por essas distribuições de dinheiro, que fazia repartir entre ela, tanto
para ver os jogos como por salário para assistir aos julgamentos, e por outras
corrupções semelhantes, Péricles serviu-se dela, pouco depois, contra a corte
do Areópago a cujo corpo não pertenceu jamais, por nunca ter sido sorteado para
arconte anual (11), nem conservador das leis, nem rei dos sacrifícios, nem
superintendente das guerras, ofícios esses que, desde a mais remota
antiguidade, eram atribuídos por sorteio sendo que aqueles a quem tocava a
sorte, quando exerciam bem a administração de suas magistraturas, subiam e
vinham a pertencer ao corpo da corte do Areópago. XVIII. Péricles,
tendo assim adquirido, por esses meios, grande prestígio junto a plebe,
envolveu de tal forma esse senado do Areópago, que lhe fez tirar a competência
para conhecer muitos assuntos, por intermédio de Efialta, e ao mesmo tempo fez
banir de Atenas, a Cimon, como favorecedor dos lacedemônios e contrário ao bem
e à autoridade popular, apesar de ser o mais rico e o mais nobre de toda a
cidade, tendo obtido as mais gloriosas vitórias, enchendo a cidade de Atenas de
despojos conquistados ao inimigo, como escrevemos em sua vida, tamanha era a
autoridade popular de Péricles. Ora, o desterro que foi aplicado a Cimon,
denominado ostracismo, era por lei, limitado a dez anos, e tendo os lacedemônios
penetrado com grande poder no país de Tanagra durante esse período, saíram
incontinenti os Atenienses a seu encontro, e lá, Cimon, querendo fazer ver, de
fato. que era caluniado falsamente de favorecer os lacedemônios, apresentou-se
em armas para combater junto aos seus. Os amigos de Péricles porém, juntando-se
constrangeram-nos a retirar-se por ser banido. Foi essa a causa de Péricles ter
combatido nessa jornada mais duramente do que nunca, adquirindo a honra de
ter-se arriscado pessoalmente, tanto ou mais que nenhum outro em todo o
exército. Os amigos de Cimon, todavia, aos quais Péricles também acusava de
favorecer os interesses dos lacedemônios, morreram todos aí, razão pela qual os
Atenienses se arrependeram muito da expulsão de Cimon e o lamentaram bastante
após terem sido vencidos nessa batalha travada nos confins do país da Ática,
especialmente porque esperavam ter na próxima estação (12) uma guerra bem
áspera e rude. Percebendo-o, Péricles, não fingiu satisfazer nisso à
plebe, mas propôs de si mesmo um decreto que fêz expedir, chamando de volta a
Cimon, como aconteceu. Este, ao voltar, serviu de intermediário na paz entre as
duas cidades, porque os lacedemônios tinham-lhe afeições odiando, ao contrário,
a Péricles e a todos os outros (13) governantes.

11) Em Amyot "prevost" — Em nota do
editor: "Arconte"’.
(12) Na primavera.
(13) Demagogos.

XIX.            
Há porém, quem escreva,
não ter Péricles jamais condescendido em fazê-lo chamar, antes de ter feito com
ele, um acordo secreto por intermédio de Elpinice, irmã de Cimon, a saber que
este iria com um exército de duzentas galeras fazer a guerra em países
submissos ao rei da Pérsia, permanecendo Péricles em casa, com a autoridade do’
governo dentro da cidade. Esta irmã Elpinice já tinha em ocasião anterior,
amenizado Péricles em relação a seu irmão, quando este foi a juízo por um crime
capital, porque Péricles era daqueles a quem a acusação tinha sido delegada e
entregue pelo povo. Elpinice dirigiu-se a ele, suplicando-lhe não fizesse o
pior que pudesse a seu irmão. Péricles respondeu-lhe rindo: «És muito velha,
Elpinice, muito velha para conseguir tão grandes coisas.» Quando, entretanto,
se veio a juízo, debater a causa, ele não se levantou a não ser uma vez para
falar contra Cimon, como para desempenhar-se de uma obrigação, e retirou-se
tendo feito menos mal a ele do que qualquer outro dos acusadores.

XX.                
Quem poderá assim dar fé a
Idomeneu, que acusa Péricles de ter feito matar à traição o orador Efialta, seu amigo, que tinha sido sempre
favorável à sua maneira de pensar e pertencia a seu partido no governo da coisa
pública, por ciúme e inveja de sua glória? Porque tais palavras difamatórias,
colhidas não sei onde, Idomeneu as vomitou com humor colérico contra Péricles
que embora não fosse evidentemente de todo irrepreensível, tinha certamente, o
coração grande e nobre, com uma natureza desejosa de honra, não se vendo quase
em homens dessa espécie, engendrar-se essas paixões tão brutais e cruéis. O
orador Efialta, em verdade, temido pelos que sustentavam o partido da nobreza,
por não perdoar de forma alguma àqueles que em qualquer assunto ofendiam a
autoridade do povo, acionando-os e perseguindo-os com todo rigor até o fim,
levou seus inimigos a lhe armarem uma emboscada, por intermédio de um certo Aristodico
Tanagriano, onde foi morto a traição, como escreve Aristóteles.

XXI.            
Cimon, entrementes,
morrera na ilha de Ghipre como general do exército de mar de Atenas, motivo
pelo qual os que apoiavam o partido da nobreza, vendo Péricles, já poderoso,
marchar adiante de todos os outros cidadãos da cidade e querendo que houvesse
alguém de seu lado para fazer-lhe frente, reduzindo-lhe um pouco a autoridade,
a fim de que ele não viesse a dispor do poder absoluto, opuseram-lhe Tucídides
do burgo de Alopecia, homem
prudente, cunhado (14) de Cimon, para
resistir a ele. Esse Tucídides entendendo menos de guerra do que Cimon, embora
entendesse mais dos negócios da cidade e do governo da coisa pública do que ele,
mantinha-se a maior parte do tempo na cidade, onde, combatendo continuamente a
Péricles na tribuna das arengas, formou em pouco tempo uma liga semelhante à
sua, evitando que a gente de bem e de honra, como são denominados os nobres, se
misturasse e confundisse com a comuna como antes, onde sua dignidade era
ofuscada e dissolvida pela multidão do povo, e separando-a da plebe, a reuniu
num único corpo, que veio a ter poder igual ao da outra liga, colocando-se por
assim dizer, como o contrapeso da balança. Porque a princípio não houve mais
que um certo debate oculto entre essas duas facções, como uma folha superficial
em uma lâmina de ferro, salientando-se apenas ligeiramente a diferença entre os
que apoiavam o partido do povo e os que eram do partido da nobreza. Mas a
disputa e a dissensão dessas duas personagens foi como uma profunda incisão
separando a cidade em dois grupos dos quais um foi publicamente chamado a
nobreza e o outro o povo.

(14) Em Amyot "beau pére" — Em nota do editor, cunhado de Cimon. Amyot não prestou atenção na
significação da palavra "Kedéses".

XXII. Péricles entretanto, soltando ainda mais
as rédeas populares fazia tudo para satisfazer o povo e agradá-lo, dando ordens
para que na cidade houvesse sempre jogos, festas, banquetes e passatempos
públicos, a fim de entreter a comuna com esses prazeres honestos. Ele enviava,
além disso, à guerra todos os anos, um exército de sessenta galeras, sobre as
quais havia bom número de cidadãos pobres que assim, durante nove meses (15) do
ano, percebiam soldo público, adquirindo experiência marítima na qual se
exerciam. Péricles enviou além do mais, ao país de Quersoneso mil burgueses
para habitá-lo e repartir as terras entre si; quinhentos à iliha de Na-xos;
duzentos e cinquenta à Andros; mil à Trácia para habitar com os bisaltos;
outros à Itália quando a cidade de Sibaris foi reconstruída, sendo depois
chamada a cidade dos Túrios. Isso era feito para descarregar Atenas de uma
multidão ociosa, a qual em virtude da sua ociosidade era curiosa e ávida de
coisas novas, bem como para prover à necessidade dos pobres burgueses que nada
tinham, acrescendo que alojar assim, cidadãos naturais de Atenas junto a seus
súditos ou aliados, era o mesmo que pôr entre estes, uma guarnição que os
mantinha freados, impedindo-os de empreender qualquer novidade.

 

(15)    No grego oito meses.

 

XXIII.
Mas o que produziu maior prazer e
atribuiu mais ornamentos à cidade de Atenas, sendo também o que mais deslumbrou
os estrangeiros, dando testemunho suficiente de que as coisas contadas sobre o
antigo poder riqueza e opulência da Grécia, nada têm de falsas, foi a
magnificência das obras e edifícios públicos construídos ao tempo de Péricles.
De todo o seu trabalho é também o que causou aos ressentidos e malévolos a maior
inveja, razão pela qual o caluniaram, clamando contra ele em todas as
assembleias do conselho, que o povo de Atenas se difamara por ter transferido
para sua cidade o dinheiro de contado de toda a Grécia, depositado na ilha de
Delos. Disseram ainda que a escusa mais honesta possível para cobrir o fato, a
alegação de ter sido por temor aos bárbaros, visando colocar o dinheiro em
lugar forte, onde ficasse sob guarda mais segura, Péricles mesmo a tinha
destruído. Constituía o ato segundo eles, uma grande injúria feita a todo o
resto dos gregos e um golpe de manifesta tirania, considerando-se estar diante
dos olhos de todos que o dinheiro com o qual a Grécia fora forçada a contribuir
para os negócios da guerra contra os bárbaros, os atenienses o empregavam em fazer
dourar, embelezar e arranjar sua cidade como se fosse uma mulher gloriosa,
ávida de paramentar-se com ricas jóias e pedras preciosas bem como em fazer
imagens e construir templos de uma excessiva despesa.

 

XXIV.Péricles, ao contrário,
demonstrava aos atenienses que eles não eram obrigados a prestar contas desse
dinheiro aos seus aliados, uma vez que combatiam por eles, mantendo os bárbaros
longe da Grécia sem que eles contribuíssem para isso com um só homem, um só cavalo ou um só navio, mas
apenas com dinheiro, o qual não pertence mais a quem o paga mas aos que o
recebem, desde que façam valer a razão pela qual o recebem, pelo que, estando
sua cidade bem provida de todas as coisas necessárias à guerra, era honesto
empregar o supérfluo de suas finanças em obras que, no futuro, quando
estivessem terminadas,, lhes trariam glória eterna, e desde agora, enquanto
ainda se executavam, os enriqueciam com uma opulência presente, pela
diversidade de trabalho de toda a espécie, e de matérias que se faziam mister,
uma vez que para trazê-las e usá-las seriam empregados obreiros de todos os
ofícios e todas as mãos que quisessem trabalhar, de maneira que todos os
habitantes da cidade viriam a receber paga e salário, públicos, e por esse meio
a cidade se embelezaria nutrindo-se ao mesmo tempo por si mesma. Porque os
fortes e disponíveis em idade de pegar em armas, eram mantidos com soldo
público que lhes tocava quando iam à guerra» e quanto aos mais que não se
envolviam em questão de armas como gente mecânica, vivendo do seu braço, quis
Péricles que tivessem também parte no dinheiro comum, não o ganhando porém, sem
fazer nada.

XXV.
Foi essa a razão pela qual ele
levou o povo a empreender grandes edificações e a projetar obras de muitos
ofícios que não se podiam terminar a não ser dentro de um longo lapso de tempo
a fim de que o cidadão que permanecesse em casa tivesse meios de participar dos
dinheiros públicos e de enriquecer, da mesma forma que os guerreiros, os
embarcadiços ou os de guarnição na guarda de lugares. Porque assim, uns
ganhavam no , fornecimento de materiais, como pedra, cobre, marfim, ouro, ébano
e cipreste, outros em trabalhar e lidar como carpinteiros, moldadores",
fundidores, fazedores de imagens, pedreiros, entalhadores de pedra, tintureiros,
ourives, marceneiros de marfim, pintores, marqueteiros e torneiros; outros em
transportar e fornecer matéria-prima, como mercadores, marinheiros, pilotos
para as coisas que se trazem por mar, fabricantes de carros, para as de terra e
cocheiros, condutores, cordoeiros, canteiros, seleiros, correeiros, pioneiros
para aplainar caminhos e escavadores de minas. Cada chefe de ofício, além
disso, tinha um capitão, com o seu próprio exército de operários, ganhando a
vida apenas com o esforço do braço, para servir como instrumentos e auxílio aos
mestres obreiros, de forma que a lida por esse meio, permitia espalhar e
distribuir o ganho por todas as idades e por gente de toda a qualidade e
condição.

XXVI. Vieram assim as obras a levantar-se e a
progredir, soberbas na magnificência das proporções e inigualáveis em graça e
beleza, porque os operários, cada um em seu setor, esforçavam-se em emulação,
para superar a imensidade das suas tarefas pela excelência do artifício. Não
havia entretanto, nada que fosse mais admirável do que a celeridade, porque
quando se supunha que cada uma das mencionadas obras devesse terminar apenas em
muitas gerações e várias sucessões de vidas humanas, umas depois das outras,
foram elas inteiramente executadas e concluídas durante o tempo em que se
manteve em vigor o prestígio e a autoridade de um único governante. E conta-se,
apenas disso, que a esse mesmo tempo, como o pintor Agatarco se vangloriasse de
pintar animais rápida e facilmente, respondeu-lhe Zeuxis, ao ouvi-lo, e eu, ao
contrário, glorifico-rne em demorar muito tempo em pintá-los», porque comumente
a rapidez e a facilidade não podem atribuir firmeza durável nem beleza perfeita
à obra; mas a demora no tempo, acrescida da assiduidade de trabalho na sua
manufatura dá-lhe força e vigor de longa duração.

XXVII. Eis porque as realizações de Péricles são mais admiráveis, visto
terem sido executadas em tão pouco tempo, e terem durado tanto. Porque, cada
uma delas em sua perfeição, revelava já antiguidade em sua beleza, e quanto à
graça e vigor parece até hoje, terem sido feitas e concluídas há pouco, de tal
forma há em tudo não sei quê de florescente novidade, impedindo que a
injúria do tempo perturbe a sua visão, como se cada uma dessas obras tivesse,
por dentro, um espírito sempre rejuvenescente e uma alma jamais envelhecida que
as mantivesse com esse vigor.

XXVIII. Ora, quem conduzia -tudo, superintendendo a
lida geral, era Ofídias, embora houvesse muitos outros mestres superiores e
operários excelentes em cada obra, porque o templo de Palas denominado
Partenon, como quem dissesse templo da Virgem, e apelidado Hecatompedon porque
tem cem pés em todos os sentidos (16), foi edificado por íctino e Calicratida;
e a capela de Eleusina onde se celebrava a cerimónia secreta dos mistérios, foi
projetada por Corebo, que levantou a fila das primeiras colunas à flor da
terra, ligando-as com as suas arquitraves. Morto ele porém, Metagenes, nativo
do burgo de Xipete, fez a cúpula e depois alinhou as colunas que estão em cima
(17) e Xenocles do burgo de Cholargo foi quem fez a lanterna ou florão que
cobre o santuário. Mas á longa muralha (18) cuja construção Sócrates
pessoalmente diz ter ouvido ser proposta a Péricles, foi Calicrates que se
incumbiu de fazê-la. O poeta Gratino em uma comédia sua, zomba dessa obra que
era conduzida com muita displicência, demorando excessivamente para ser
concluída, dizendo:

Há muito tempo que Péricles, de boca,
A faz progredir bastante, mas de fato, não toca nela.

XXIX.
O teatro ou auditório de música
destinado à audição dos jogos dos músicos, chamado Meon (19), foi feito por
dentro, em várias ordens de assentos e muitas fileiras de colunas, sendo a
cobertura constituída por um bloco único redondo, que se vai curvando em torno,
e fechando-se sobre 8i mesmo, termina em ponta. Conta-se que foi feito sobre o modelo e à semelhança do pavilhão do rei Xerxes, e que
Péricles forneceu o desenho e a orientação, pelo que Cratino, em outra passagem
da comédia «As Trácias.», zomba e caçoa dele dizendo:

 

Aí vem Péricles denominado
Júpiter, cabeça de cebola,
Que concebeu na sua larga testa
A forma e a cobertura do Odeon
Depois que escapou do perigo
De ser banido para país estrangeiro.

 

(16) É um erro de Amyot e dos outros tradutores. Plutarco
não diz que o templo de Minerva tivesse cem pés em todos os sentidos. Suas
ruínas magnificas, que existem ainda, mostram que ele tinha mais de duzentos
pés de comprimento. 65 de alto e cem de largo. Sua bela fachada de cem pés lhe
fizera atribuir o nome de Hecatompedon. Após mais de 2.000 anos admira-se,
mesmo cm suas ruínas, a elegância das proporções, a beleza dos baixos-relevos e
a brancura do mármore. Veja-se "As ruínas dos mais belos monumentos da
Grécia" por M. Le Roy. tom. I, pág. 8 e 30. segunda edição.

(17) Este edifício 6 notável pelos dois andares de colunas
tais como são vistos ainda cm Pestum. ou Possidònia, nos belos templos
construídos de acordo com os modelos de Atenas. A lanterna, ou cúpula, merece
também uma atenção particular. Desde o tempo de Péricles a arquitetura conhecia
grandes meios de decoração.
(18) Ela tinha quarenta estádios-, ou chuto milhas de comprimento, quarenta
côvados de altura e era tão larga que dois carros podiam cruzar-se sobre ela….
Envolvia o Pireu e o uniu à cidade de Atenas.
( 19 ) Ele ainda existe.

 

Foi
nessa ocasião que Péricles, pela primeira vez, procurou muito devotadamente que
fosse determinada pelo povo, no dia da festa chamada Panatenéia (20), a celebração
de jogos, de música, e tendo sido ele próprio eleito reitor desses jogos para
adjudicar o premio a quem o tivesse ganho, regulamentou a maneira pela qual, de
futuro, deveriam os músicos tocar flautas ou cítaras e outros instrumentos. Foi
o primeiro jogo musical celebrado no Odeon mediante premio, sendo os outros,
daí por diante, celebrados sempre nesse mesmo auditório.

XXX. Quanto ao portal e aos pórticos (21) do
castelo, foram feitos e acabados no espaço de cinco anos, sob a direção de
Mnesicles que foi mestre da obra. Enquanto eram construídos aconteceu um
acidente milagroso, demonstrando bem que a deusa Minerva não reprovava essa
fábrica, mas a tinha por muito agradável, porque o mais diligente e dedicado de
todos os operários que aí lidavam, tombou, por acaso, de alto a baixo. Ele
adoeceu tanto da queda, que os médicos e cirurgiões não esperavam vê-lo
escapar. Estando Péricles muito aborrecido com o fato, apareceu-lhe a deusa,
enquanto dormia à noite, e lhe ensinou uma medicina (22), com a qual curou
facilmente o paciente, em pouco tempo. Foi por isso que depois ele fez fundir
cm cobre a imagem de Minerva, apelidada (2.3) Saúde, a qual mandou colocar no
templo do castelo perto do altar, que já aí estava, como se disse. Ora, quanto
à imagem de ouro da deusa Minerva (24) foi Ofídias quem a fez como está escrito
em sua base. Em relação ao resto porém, ele tinha apenas a superintendência de
quase todos os trabalhos e dirigia todos os demais operários pela amizade que
lhe dedicava Péricles. O fato trouxe a um, inveja, a outro, má fama, porque os
invejosos e maledicentes espalharam por toda a parte o boato de que Ofídias
recebia em sua casa as senhoras da cidade, sob o pretexto de mostrar-lhes suas
obras, para entregá-las a Péricles. E os poetas cómicos aproveitando-se desses
comentários, espalharam contra ele muitas alusões injuriosas e difamatórias,
caluniando-o como se sustentasse a mulher de Menipo, seu amigo e Lugar-tenente na guerra, dizendo também que
Pirilampo, um dos seus familiares, criava pássaros e especialmente pavões que
enviava secretamente às mulheres seduzidas por Péricles. Mas, não devem
espantar os ditos desses homens satíricos cuja profissão é maldizer e ferir
todo o mundo e que ordinariamente sacrificam à inveja da plebe, como a um
espírito maligno, as injúrias e ultrajes que lançam contra as gentes de bem e
de honra, visto que Estesimbroto o Tásío, levou sua ousadia ao ponto de
censurar a Péricles por um crime detestável, inventado falsamente, como seja o
de ligar-se com a mulher do próprio filho. Eis porque é, a meu aviso, bem
difícil e penoso ter inteiro conhecimento da verdade das coisas antigas, pelos
monumentos dos historiadores, dado que os que vêm depois, têm a distância do
tempo para perturbar e ofuscar-lhes a nítida inteligência dos assuntos e a
história escrita enquanto vivos os homens nela referidos disfarça e corrompe a
verdade, por ódio e inveja algumas vezes, outras por favor e lisonja.

(20)             
Veja-se a vida de Teseu.
cap. XXVII.
(21)             
São
os Proplleus, ou os magníficos vestíbulos da "Acrópole".
(22)             
A planta chamada
Partenium. Veja-se Plínio, cap. XXII, 17.
(23)             
Higia ou Salutar.
(24)             
Esta estátua, uma das
obras-primas de Ofídias, era de ouro
e marfim.

 

XXXI. Mas como os oradores da liga de Tucídides,
gritassem contra Péricles em suas arengas costumeiras, que ele consumia em vão,
as finanças da coisa pública, despendendo toda a renda de Atenas, Péricles um
dia, em plena assembleia da cidade, perguntou à assistência do povo se lhe
parecia que ele despendera excessivamente. O povo respondeu agastou
excessivamente». «Está bem, disse ele, será então tudo feito às minhas expensas e não às vossas,
desde que só meu nome seja escrito na dedicatória das obras». Quando Péricles
pronunciou essas palavras, o povo, seja por admiração pela sua magnanimidade ou
por não querer atribuir-lhe a honra e o louvor de. ter mandado fazer sozinho
tão suntuosos e magníficos trabalhos, gritou-lhe alto que não aceitava e decidira
que Péricles as fizesse concluir à custa do público, sem nada poupar.
Tendo-se enfim lançado abertamente em uma contenda com Tucídides e
entregando-se à sorte o ver quem faria banir seu adversário com o decreto
do ostracismo. Péricles sobrepujou Tucídides e o expulsou da cidade,
desfazendo ao mesmo tempo a liga que lhe era contrária.

XXXII.
Ficando inteiramente
extinta qualquer facção e a cidade reconduzida à união e concórdia,
concentrou-se assim, todo o poder de Atenas em mãos de Péricles, e todos
os negócios atenienses ficaram à sua disposição, finanças, armas, galeras,
ilhas, mar e um domínio imenso que se estendia, parte sobre os gregos, parte
sobre os bárbaros, admiravelmente fortificado e garantido pela obediência das
nações sujeitas, pela amizade de reis e pela aliança de diversos príncipes c
senhores poderosos. Péricles, em virtude disso, começou, desde então, a agir
com o povo de forma desacostumada, deixando de ceder e obedecer muito
facilmente aos apetites da plebe, como a (25) todos os ventos contrários.
Enrijeceu um pouco aquela maneira
de governar excessivamente frouxa, mole e popular, usada até então, como sendo
harmonia musical delicada e efeminada em excesso, convertendo-a em um governo
mais senhorial, e semelhante à autoridade de um rei, permanecendo porém, no
caminho reto e mantendo-se irrepreensível em fazer dizer e aconselhar o que era
mais adequado à coisa pública. Péricles, na maior parte das vezes, levava o
povo, mediante demonstrações e argumentos, a fazer voluntariamente e de bom
grado o que ele propunha; outras porém, ele o arrastava pela força obrigando-o
a fazer, contra a sua vontade, o que era pelo melhor. Seguia nisso o estilo do
bom médico que em uma longa e complicada doença, permite algumas vezes ao seu
paciente, dentro de certos limites todavia, coisas que lhe dão prazer, mas
outras vezes também, lhe dá remédios que o sacodem e atormentam para curá-lo.
Porque, como é fatal a um povo possuidor de tão grande império, aconteciam
comumente acidentes geradores das diversas paixões que Péricles somente, sabia
orientar com destreza, manejando os dois principais lemes: o temor e a
esperança. Refreava com o primeiro a arrogância e temeridade insolente da plebe
próspera; e com a segunda reconfortava seu tédio e desalento na adversidade.

(25) No grego: "do que a todas as espécies de
vento". C.

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