O Corneteiro de Pirajá
Viritato Corrêa in "Meu Torrão"
Quando se proclamou a independência foi a Bahia que mais
custou a sair do jugo de Portugal.
O
general Madeira de Melo não quis obedecer ao governo brasileiro. Para ele o
Brasil era uma propriedade dos portugueses e, portanto, aos portugueses devia
continuar su-jeito, sem nenhum direito de libertar-se.
E
comandando grandes forças armadas, compostas de gente portuguesa, tomou conta
da província e não consentiu que os baianos gozassem, como os outros brasileiros,
da independência proclamada.
Aquilo feriu a fundo o coração dos patriotas da Bahia.
Era pela força que Madeira queria impor o jugo de Portugal, só pela força a
província proclamaria a sua liberdade.
E a Bahia inteira, a Bahia brasileira, pegou em armas
para bater-se contra os inimigos da independência.
Foram
penosos os primeiros encontros. Madeira é que tinha armas, munições, navios e
dinheiro que lhe vinham constantemente de Portugal.
O
governo brasileiro estava no momento cheio de dificuldades e quase não podia
ajudar os patriotas baianos.
Os
patriotas baianos, porém, defendiam-se e resistiam como leões.
A
melhor maneira de vencer as forças de Madeira era encurralá-las de modo que não
pudessem receber auxílios. Para isso os baianos formaram postos de ataque aqui,
ali, além, por toda a região que na Bahia se conhece pelo nome de Recôncavo.
Um
desses postos, justamente o mais forte deles, o mais destemido, aquele em que
se reuniam os mais valentes defensores da terra baiana, era o de Pirajá.
Um dia,
quando o general Madeira abriu os olhos, Pirajá estava embaraçando os passos do
seu exército. O general não podia receber víveres e reforços: tinham-lhe sido
tomados os caminhos de terra e mar.
Era
necessário, portanto, destruir Pirajá o mais depressa possível.
*
E as
forças portuguesas atiram-se contra o posto brasileiro.
É a 8 de novembro de 1822, antes de raiar a manhã.
Deve ser segura, infalível a vitória. As tropas de Madeira,
além de bem armadas e mais numerosas, vão fazer o ataque de surpresa.
Está
ainda escuro quando os batalhões inimigos desembarcam cautelosamente nas
praias de Itacaranhas e Plataforma, ao mesmo tempo que, pelos outros lados, o grosso
do exército avança rapidamente.
Quando as
sentinelas baianas, colocadas em Coqueiro e Bate-Folha, percebem o avanço, não
é mais possível fazer nada.
É ao clarear do dia que pipocam os
primeiros tiros.
Pirajá inteiro ergue-se para a peleja.
Começa o
combate. Madeira, em pessoa, dirige os seus corpos. O que ele pretende é
investir por Itacaranhas para cortar a retaguarda dos brasileiros. Mas os
nossos vão resistindo e resistindo heroicamente.
Uma hora inteira de fogo.
O general
português, surpreendido com aquela resistência, ordena que novas centenas de
soldados avancem. Mas os baianos não se deixam vencer.
Mais uma hora de fogo.
Os
portugueses vão pouco a pouco conquistando o terreno.
Barros
Falcão, que comanda os nossos, percebe claramente a vitória inevitável do
inimigo. Mas é preciso lutar. E luta-se mais uma hora.
Madeira
está inquieto com a resistência. Agora ordena a novos corpos que avancem em
grandes massas. Mas o fogo das linhas brasileiras não cessa um instante.
Novos corpos investem contra os nossos. Outra hora de
peleja e de fogo.
*
Havia cinco horas que aquilo durava. Os
portugueses tinham ganho tanto terreno que, em poucos momentos, os brasileiros
estariam num círculo de
balas.
Um
minuto mais vai dar-se a ruína completa dos baianos. Não há mais resistência
possível. Continuar a luta é sacrificar inutilmente centenas de vidas.
Barros
Falcão, de um galope, percebe que chegou o momento de retirar-se. A dois passos
está Luís Lopes, o cometa, que ele conservou sempre ao seu lado, esperando
aquele instante desesperador.
— Toque retirada!
ordena.
O cometa não se move.
— Toque retirada, já lhe disse! grita o comandante pela
segunda vez.
O cometa vira-lhe as costas.
Barros Falcão
avança de espada em punho para obrigar o insubordinado a cumprir as suas
ordens, mas, nesse momento, Luís Lopes cola a cometa à boca e claros sons
metálicos retinem nos ares.
O comandante agita-se, surpreendido. —
Que é isso? que é isso?
Não
é o sinal de retirada que está ouvindo. É que a corneta está soprando
loucamente no espaço é o sinal de "avançar cavalaria e degolar".
Pararam todos, alarmados: o comandante, os oficiais,
os soldados. Que cavalaria é aquela que aquele doido está mandando avançar?
*
No exército português é brutal a
surpresa. É a confusão. Ê o pavor.
É a debandada louca.
Fogem
todos alucinadamente daquela cavalaria que não existe.
Fogem
todos, todos feridos por aquele toque de cor-neta que vale mais do que cinco
horas de tiroteio, mais do que a própria voz dos canhões.
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