O IMPERIALISMO E A SITUAÇÃO MILITAR. TOMADA DE CAIENA – D. João VI no Brasil – Oliveira Lima

D. JOÃO VI NO BRASIL – OLIVEIRA LIMA

CAPITULO XI O IMPERIALISMO E A
SITUAÇÃO MILITAR. TOMADA DE CAIENA

O reinado brasileiro de Dom João VI foi o único período de imperialismo
consciente que registra a nossa história, pois que o império conquistado além dos limites
convencionais de Tordesilhas pelos bandeirantes paulistas e outros animosos
aventureiros, foi incorporado instintivamente, sem consideração pelos tratados
vigentes ou sequer ciência de quaisquer obrigações internacionais, como resultado
inconsciente de suas arriscadas e gananciosas explorações. Em tempo do Brasil-Reino porém,
contando-o desde
1808, foram anexadas de propósito deliberado a Guiana Francesa, de que Portugal
abriu mão no Congresso de Viena para reaver o perdido que era posse legítima e
tradicional, e porque seus plenipotenciários tinham também que fazer concessões para obter o
reconhecimento das suas reclamações, e a Cisplatina, que o primeiro reinado independente houve que sacrificar, com ela sacrificando a sua
popularidade.

Na época da monarquia absoluta era muito mais fácil do que hoje, época de constitucionalismo
tímido e de democracia inquieta, seguir uma política una e definida. Assim foi que, favorecendo-o as
circunstâncias históricas,
coube a Dom João VI, por menos
resolutamente que a sua vontade se prestasse por espontâneo impulso a servir o
seu engenho arguto, dar realidade a planos de grandeza colonial que o espírito de Alexandre de Gusmão devaneara e o do marquês de Pombal abrigara.

É conhecida a importância que este grande estadista
ligava ao Pará cuja administração, consorciada com a do Maranhão, desligou do
resto do Brasil e confiou a seu próprio irmão. A defesa militar das possessões e a diligência no conservar
abertas suas comunicações terrestres eram, de resto, objetos então de solicitude maior do que
posteriormente o foram, embora mais adequados os meios. Da energia portuguesa
dão testemunho as
fortalezas espalhadas pelo interior de dois continentes, os vestígios que de esquecidas ocupações se
encontram dispersos pelas selvas americanas e pelos sertões africanos, em pontos que a coragem
hodierna julgava
inacessíveis aos exploradores de outras eras. Na questão não distante da Ilha da Trindade encontramos nas ruínas da
fortificação portuguesa a melhor base para a
nossa reclamação, o título mais evidente e incontroverso dos nossos
direitos herdados.

Sabemos quanto D. Rodrigo de Souza Coutinho, o ministro de Dom João VI, juntava também à preocupação da
defesa marítima ou costeira do Brasil a da sua defesa terrestre ou interna, e que sob este ponto de
vista nenhuma
capitania lhe merecia igualmente maior cuidado que a do Pará, em consideração
do perigo da proximidade dos franceses num momento de inimizade com a França, e da
ameaça da questão sempre aberta do Oiapoque. Media ele perfeitamente a valia dessa capitania,
ou por outra da região
amazônica servida por poderosíssimos rios, comunicando-se por eles com Mato Grosso e destarte
não só fechando o círculo do extenso domínio brasileiro, como facilitando o acesso do
interior que mais fácil e rapidamente se deveria atingir por tal rede fluvial do que descendo
ao longo do comprido
litoral e subindo o rio da Prata; além disso região abundantíssima em madeiras de
construção, indispensáveis a uma potência colonial, obrigada a conservar grandes esquadras e
que nesse tempo costumava
construir navios nos seus estaleiros portugueses e brasileiros.

Como Pombal, D. Rodrigo colocou no Pará o irmão D.
Francisco, a quem
escrevia300 que esperava ele tomasse todas as providências
"para segurar
todo o território até o Oiapoque, e ao menos até o Calçoene, que era o rio estipulado no tratado
de sinistras conseqüências301 que felizmente a França não ratificara".
D. Francisco por seu lado não foi indigno do posto de confiança e depressa se compenetrou da
importância do seu governo
— "capitania, manifestava ele, que por ser fronteira e a chave de todo o Brasil convém conservar
na maior unanimidade". Voltando sua atenção para o inexplorado interior, em vez de
conservar como outros pregados os olhos saudosos nos prazeres de Lisboa, pensou logo Souza Coutinho no estabelecimento de uma
espécie de recovagem com Mato Grosso, ‘ ‘e como Goyazes, seguindo e abrindo decididamente a
comunicação e navegação pelo meio do rio
Tocantins".

Se a conquista do interior tivesse permanecido uma feição fixa da nação independente como o havia
sido da potência colonial, quem sabe se a expansão territorial brasileira, tão bem servida a
começo pelo gênio aventuroso
dos bandeirantes de escravos e de minas, não teria chegado a atravessar os
Andes e alcançar o Pacífico, rasgando-se uma porta à beira desse oceano outrora deserto e que
promete para breve o espetáculo de um imenso tráfico? Não foi pelo menos por
culpa de D. Rodrigo que se não consolidou o poderio nacional no norte, por
tanto tempo depois descurado, até que a riqueza extrativa e mineral veio dar impulso e valor a
esses territórios
quase desabitados por brancos e praticamente entregues aos indígenas, que somente podem,
afrontar desassombradamente o seu sol equatorial.

Numa das suas cartas ao príncipe regente302
referia ainda D. Rodrigo que, tendo lido a arenga do Conselho de Estado que apresentava ao Corpo Legislativo francês o
tratado celebrado com Portugal, ficara apreensivo com as intenções napoleônicas de criar na
Guiana uma poderosa colônia que viria a
tornar-se fatal ao Pará e portanto ao Brasil. E porque o seu zelo voava de norte a sul, o encontramos pouco depois303
opinando contra a mudança da
residência dos governadores de Mato Grosso e da capital desta capitania, de Vila Bela para Cuiabá, por achar útil a
posição do governo quase sobre a fronteira, no intuito de mais de perto vigiar
os movimentos sempre suspeitos dos espanhóis e de mais de pronto receber socorros do Pará pelos estabelecimentos
erigidos nas cachoeiras do rio Madeira.

D. Rodrigo encarnava pois no governo o imperialismo de que, com toda a
sua repugnância a heroísmos, foi a alma aquele que os publicistas europeus,
metade por chiste, metade por despeito, crismaram em rei do Brasil. Para
semelhante política, que a Inglaterra pôde aplicar triunfante-mente durante o século XIX, e sem que se devam comparar as
duas histórias,
faltaram todavia à tentativa portuguesa as condições essenciais próprias a lhe
assegurarem a estabilidade e o êxito: a energia material que defendesse vitoriosamente as
aquisições e o espírito liberal que, fazendo-as prosperar, as justificasse.

O imperialismo da corte do Rio de Janeiro entrou para
mais a exercer-se
contra todas as circunstâncias de idiossincrasia e de momento que poderiam impeli-lo vantajosamente.
Nem existia entre a população nacional espírito militar, nem a situação militar era no mínimo
lisonjeira. A guar-nição
do Rio compunha-se antes de iniciadas as guerras exteriores e as revoluções domésticas — quando
tiveram de vir do velho reino importantes divisões auxiliares — de três
regimentos de infantaria, um de cavalaria e um de artilharia, um total não superior a dois mil
homens porque os quadros nunca se achavam
completos.

Entre essa tropa não reinava boa disciplina nem sobejava
competência
profissional. Os soldados faziam exercício somente uma vez por mês e, além de andar sempre em atraso o pagamento dos
soldos, eram tão mal remunerados que precisavam, para se poderem manter e às
famílias, trabalhar noutros misteres, dividindo os seus lucros com os oficiais
os quais, a troco
da espórtula, fechavam os olhos à vil irregularidade de serem os soldados do rei ao mesmo tempo sapateiros, pescadores
etc.

Afora a mencionada tropa de linha, existiam por ocasião
da chegada da corte dois regimentos de milícias, formados pelos lojistas,
caixeiros e marçanos
e comandados por oficiais da mesma classe. Constituíam um total de 1.500 homens que não se
exercitavam com regularidade, nem se uniformizavam decentemente, e tão pouco
apego mostravam à sua nobre profissão que, quando não estavam na formatura, eram os escravos que lhes carregavam os mosquetes, os
tambores e a própria bandeira do regimento: aqueles pseudo-militares iam
armados de guarda-chuvas.304

Fora da capital, no interior da província, contavam-se mais três regimentos de cavalaria miliciana,
organizados com brancos e mulatos das plantações. Nenhum entusiasmo havia, porém, pela farda.
Todos à porfia buscavam os mais especiosos pretextos para serem isentos da
obrigação, representando um motivo favorito o pedir colocação na lista dos
voluntários para o serviço, que se proclamava mais arriscado, das
fortalezas, em tempo
de perigo. Tantos eram os que se socorriam do argumento que a guarnição eventual dos fortes já
contava mais oficiais do que soldados.

Em todo caso as milícias tinham não só a sua razão de ser como as suas vantagens. Elas e a segunda
reserva, formada pelas ordenanças, constituíam em última análise a base da administração porque
eram o que garantia
a autoridade civil dos magistrados, assim como a tropa de linha garantia a
autoridade militar dos capitães-generais. Também formavam o grosso da defesa,
portanto o sustentáculo da integridade territorial da colônia: a tropa de linha em São Paulo, por exemplo, constava de um regimento de infantaria e um de dragões, ao passo que as milícias abrangiam oito regimentos de
infantaria e três de cavalaria. Com todos os seus defeitos de organização,
vexames e ridículos, representavam, pois, milícias e ordenanças305 teoricamente o
povo em armas e praticamente a polícia
do enorme território brasileiro.

Dadas semelhantes condições de desleixo militar, é fácil
imaginar-se o que
seria o serviço do comissariado. Não existiam peças leves de artilharia de campanha, nem projéteis ou
pólvora para as velhas peças ferrugentas das baterias, nem mochilas, cobertores, sapatos,
tendas, para o serviço
efetivo em caso de operações, nem finalmente fortes em bom estado de conservação e com defesas
adequadas. O príncipe regente neste campo encontrou
tudo por fazer.

Luccock descreve com horror a
pequena escolta que de princípio acompanhava em seus passeios a mesquinha liteira da rainha
Dona Maria ou a
traquitana de Dom João, e que era composta de soldados montados em cavalos com cascos sem
ferraduras, muitos mancos, cegos de um olho, ou chaguentos, com as rédeas consertadas com pedaços
de couro cru e os estribos
enferrujados. Os homens, sujos ao ponto de repugnantes, enver-gavam fardas azuis desbotadas e
remendadas, sem coletes, nem luvas, nem meias,
ostentando apenas um cinturão de algodão e umas botas velhas e esburacadas que nunca viam graxa nem escova. O
equipamento bélico era pelo mesmo
teor: as cartucheiras e capacetes antiquados, as espadas de tamanhos desiguais, as carabinas e pistolas dos
modelos mais velhos e obsoletos.

A
pungente descrição legada por Luccock é tanto menos suspeita quanto o mesmo observador não
poupa elogiosas referências à subseqüente transformação. Reza o seu livro, ao tratar de época
posterior, que em departamento ou ramo algum do serviço se deu tão sensível
transformação como no militar. Neste como nos outros campos de atividade
social, foi senão decisiva pelo menos fecunda a intervenção do conde de
Linhares. Foi o
maior impulso dado; representou a persistência dos esforços na orientação adotada; tornou possível a
aplicação do imperialismo de que vinha necessariamente pejada uma corte transplantada por
motivo de guerras e
solicitada por pensamentos de guerra no seu novo e dilatado domínio.306

A
guerra impunha-se por motivos vários. No sul, não querendo Portugal ver restaurada e íntegra a
soberania da Espanha, nem contagiada pela revolução a sua capitania do Rio Grande, nem
reconhecida a separação do antigo vice-reinado a não ser em benefício da
dinastia portuguesa, à
sombra dos direitos de Dona Carlota, só lhe restava dominar direta e eficazmente no Prata, como de
fato intentou, anexando a Cisplatina e desmembrando
as Províncias Unidas.

A tomada de Caiena, com a conseqüente ocupação da Guiana
Francesa, foi um
feito mais de brilho, ou melhor mais de natureza a produzir efeito, do que de real
importância pelos seus efeitos duradouros. A sir Sid-ney Smith é atribuída nas
memórias que dele publicaram a iniciativa ou lembrança da expedição. Assim fosse ou não, os
portugueses intentaram essa feliz ação por desforço contra a invasão de Portugal, e para acabar
com a constante ameaça de um núcleo francês no continente que, propriamente reforçado, poderia
facilmente tomar a ofensiva contra os relativamente esparsos e desguarnecidos estabelecimentos
portugueses na América do Sul.

Que a ocupação da Guiana não foi
levada a cabo com intentos definitivos de conquista, não constituiu portanto a execução
de um plano imperialista como a de Montevidéu, verifica-se pela simples
observação de que
foi sem hesitação concedido aos habitantes da possessão continuarem a reger suas relações civis
pelo Código Napoleão e não pelas leis portuguesas, dos novos senhores da terra. O território de
Caiena não chegou mesmo
a ser jamais declarado parte integrante dos estados do príncipe regente.

A ocupação de Montevidéu seria entretanto permanente no
pensamento dos
invasores. Basta ter em mente a própria expressão de Cisplatina, derivada por
imitação da Gália Cisalpina e que recorda conjuntamente, ainda que muitos
séculos as separem, a expansão romana e a primeira criação imperialista de
Bonaparte. Lembrança mais prática pode considerar-se a distribuição à romana
de grandes tratos de terreno pelos soldados do exército pacificador, aos quais
se agregaram na partilha colonos brasileiros e desertores de Artigas. Não foi outra a forma por
que a República do
Tibre consolidou a sua extensão territorial, cujo núcleo parecia ser inadequado para tão pujante desenvolvimento.

O abade de Pradt enxergou bem o imperialismo da corte do Rio de
Janeiro, que assim apontou: "Apenas instalada, pretendeu essa corte seguir no encalço dos Estados
Unidos a realizar ao sul do golfo mexicano o que aqueles tinham realizado ao norte. Um país de que
ela mesma ignora
os limites e que, pertencendo ainda à natureza selvagem reclama um século de cuidados assíduos, não
satisfez sua ambição, e quis a corte aumentá-la
ao norte e ao sul."307

Nem, no dizer do abade, foi outra a razão das tentativas de imigração
efetuadas pelo governo de Dom João VI. Ameaçado o tráfico de negros pelas violências inglesas, a concepção
imperialista insinuou ao Brasil que a sua futura grandeza e prosperidade dependiam
inteiramente do afluxo de população branca que já estava fomentando a opulência da grande nação norte-americana. Ponderava,
todavia, o antigo constituinte de 1791 com justeza que não bastava oferecer à colonização terras
férteis e próximas
do litoral ou à beira dos rios navegáveis: que era preciso oferecer também garantias de opinião, de
propriedade, de liberdade política e religiosa, numa palavra, de proteção esclarecida e
progressiva. Semelhantes vantagens deparavam-se nos Estados Unidos aos refugiados da Europa, enquanto que no Brasil reinava um príncipe "brando,
humano, benfazejo e acessível, mas
despótico, e se ostentava uma corte ignorante, sem vistas, invejosa e cheia de
tolos prejuízos. As ações do imigrante estarão pois arbitrariamente sujeitas
aos caprichos de um governo que não é dirigido por princípio algum fixo, e que pode conduzir à
ruina, encarcerar, banir ou fazer morrer quem lhe aprouver."

Ocupando a Guiana, o que entretanto visava a corte do Rio
de Janeiro era ter
o que restituir na paz geral que fatalmente devia rematar o período das
guerras napoleônicas, e em troca, uma troca que já seria substancial, alcançar o
reconhecimento dos limites tradicionais ao norte do Brasil, a saber, a posse
incontestada, consagrada pelo tratado de Utrecht, do território até o rio de
Vicente Pinzon, pois que a Inglaterra o cedera desde o Araguari, sem consentimento de Portugal, na paz de Amiens.

Consta mesmo dos documentos oficiais franceses308 que os
portugueses
dobraram o cabo d’Orange, e entraram na baía do Oiapoque, em número de 800 homens, simplesmente
para se apoderarem de toda a extensão dos seus antigos domínios, sem invadirem a margem
esquerda do rio, ao que só se atreveram por não encontrarem resistência. Dos
documentos portugueses309
resulta também que o governo do Rio de Janeiro em meados de 1808 ordenou ao
capitão-general do Pará, tenente-general José Narciso de Magalhães de Menezes,
que mandasse ocupar militarmente a margem direita do Oiapoque, assim firmando o velho direito
português. Os cofres
públicos da capitania achavam-se exaustos e desprovidos de tudo os armazéns, mas, desejoso de
obedecer pontualmente às instruções recebidas, abriu o capitão-general uma subscrição, para a
qual ele próprio concorreu com seis
contos.

Os
400 homens da expedição — 500 com os 100 que se lhes reuniram na ilha de Marajó — partiram a 8
de outubro comandados pelo tenente-coronel Manoel Marques que em 1801, sendo 1º tenente,
comandara contra os espanhóis a artilharia da praça alentejana de Campo Maior,
e em 1803, já
promovido a tenente coronel, fora despachado como chefe do corpo de artilharia
que se mandou criar no Pará. Tendo montado o cabo do Norte a 12 de novembro, a força
naval de combate e de transporte composta
de uma escuna de 12 peças de pequeno calibre, dois cutters de 8 peças
cada um, três barcas canhoneiras, uma sumaca, uma lancha e um iate, encontrou-se com uma segunda expedição
composta de uma corveta inglesa de 26
peças e dois brigues portugueses de 18 peças cada, lendo 300 homens a bordo. Esta é que levava instruções
para, operando juntas as forças
aliadas, se apoderarem da colônia francesa além do limite histórico.

A reivindicação solene do Oiapoque teve lugar a 1 de
dezembro, e foi
tanto mais fácil quanto nenhum povoado ou forte francês aí existia

então: os franceses nunca tinham
tornado efetiva ou pelo menos contínua, por meio de um estabelecimento, a posse da margem
direita. O comissário
imperial, Victor Hugues, recebendo notícia da invasão, fez marchar para a
fronteira um destacamento de 40 homens, que pelo seu número diminuto se não pôde opor aos
progressos do inimigo e teve de ir recuando. Entretanto em Caiena se faziam
preparativos de defesa, tão eficazes quanto o permitiam os recursos, que ainda assim
constavam de 511 europeus de tropas escolhidas, 200 pardos livres e 500
escravos adrede recrutados, além de um brigue de 14 peças e 80 homens de
equipagem. Não era
portanto desproporcionado o pessoal de terra, e no dizer dos documentos franceses eram bastantes
os víveres e as provisões bélicas. O comandante
português afirmou ter achado na praça muita artilharia, porém quase toda
desmontada, e pouquíssimas munições de guerra.

Deixando o Oiapoque a 15 de dezembro, desembarcou a
expedição comandada por Manoel Marques no dia 25 no Aproak, de que já tomara posse o comandante naval capitão
Yeo, da corveta Confiança, com alguns dos seus ingleses e brasileiros do
brigue Infante. Daí se encaminharam para a ilha de Caiena, apoderando-se de duas escunas francesas, a juntar a uma apresada no Oiapoque e a outra tomada na
viagem para o Aproak. Rezam os citados documentos oficiais franceses que, ao
apresentarem-se diante da embocadura
do rio Maruí e ameaçarem as posições francesas da ilha, contavam os aliados cerca de 500 homens, dos quais 150
ingleses, prontos para o ataque.

O conselho de inquirição nomeado pelo imperador dos
franceses culpou
Victor Hugues de imprevidência e frouxidão na organização da defesa e na operação militar,
permitindo por suas delongas o desembarque que lhe não teria sido difícil impedir, e recuando com
a flor das tropas antes mesmo do primeiro revés, para assinar às pressas, sem convocar conselho
de guerra nem reunir
ou consultar as autoridades civis, as condições de uma capitulação cujo teor
demonstrava que os aliados não contavam tanto
com a imediata eficiência dos seus esforços.

A julgar contudo pelas comunicações do tenente-coronel Manoel Marques,310 a
resistência francesa não foi tão insignificante, sendo sucessivamente capturadas com luta pelos
600 soldados — cálculo oficial português — da expedição as três baterias que defendiam a
aproximação da cidade
de Caiena do lado esquerdo do rio Mayori, e as duas baterias que na
margem direita guardavam a habitação ou fazenda de Victor Hugues, a qual foi saqueada e incendiada
pelo comandante Yeo. Em dois dias acharam-se, porém, os aliados "senhores de todos os
pontos fortificados que defendiam o desembarque na ilha de Caiena e de 11
canhões", e puderam "ir tomar no interior uma.posição vantajosa,
postando-se na habitação
de Bourgarde, situada sobre uma altura de onde podia interceptar toda a comunicação com Caiena,
tendo segura retirada no caso de serem atacados
superiormente".311

Expedidos então parlamentários, propuseram-se termos
honrosos de capitulação e após curta negociação (a expedição tinha chegado a 6
e desembarcado a 7)
foi assinada a rendição no dia 12 de janeiro, depois de declarar o comandante português
que fazia parte das suas instruções o sistema de libertar os escravos que pegassem em armas
contra os senhores da
terra, mas que acabaria com tal sistema logo que a praça se rendesse, conservando-se e protegendo-se
as propriedades com desvelo. A capitulação aceita por James Lucas Yeo, comandante das forças
navais combinadas inglesa e portuguesa e pelo comandante das forças de terra
portuguesas Manoel
Marques, e assinada nos postos avançados de Bourgarde, efetivamente refere que o comissário
imperial francês cedia menos à força do que ao aludido sistema de alforriar os escravos que se
unissem ao inimigo
e queimar as plantações e postos que oferecessem resistência, entre outras a sua própria plantação,
a mais considerável da colônia, correndo semelhante
risco, como se verificou.

Para salvar da destruição os vassalos do imperador
convinha entretanto
Victor Hugues em que se não abrisse propriamente luta entre os atacantes e os ameaçados e a
guarnição depusesse as armas, marchando em iodo
caso para fora da praça com as honras da guerra, armas, bagagem e cavalos. Obrigavam-se os rendidos a não servir
contra Portugal e seus aliados por
espaço de um ano e nestas condições deveriam ser sem demora transportados para a França, assim como os
oficiais civis, suas famílias e valores, à custa do príncipe regente, havendo
um navio especial para o comissário,
família e criadagem, e para os funcionários superiores civis e
militares.

Entregavam-se por inventário os arsenais, baterias,
armazéns de pólvora,
armas curtas, mantimentos etc, e também os papéis, planos e outros artigos da repartição de
engenharia, ficando depositados os documentos concernentes aos armazéns, inspeção das alfândegas
e outras repartições,
e carregando o quartel-mestre os relativos ao registro e matrícula das tropas.

Desarmavam-se os escravos de ambas as partes, sendo uns mandados para as plantações, e para fora
da colônia, a fim de evitar perturbações da ordem pública, os ajustados pelos comandantes
inimigos para serviço durante a guerra e que tinham por isso sido postos em liberdade. Obrigavam-se os mesmos comandantes a solicitar do príncipe regente de Portugal
que se repusesse a falta desses escravos, concedendo-se indenização aos seus proprietários pela
privação em que ficavam dos seus serviços.

Os
doentes e os feridos deixariam a colônia quando estivessem em situação de fazê-lo, sendo até
então cuidados e tratados. Os habitantes conservariam suas propriedades, conformando-se com as
leis do soberano
ao qual ficavam dali por diante subordinados, podendo outrossim vender seus bens e retirar-se. O
Código Napoleão não só continuaria a vigorar como se cobrariam as dívidas segundo a base ou ordem
existente. Como
última condição de capitulação312 e que faz bem ver a esperança, quase certeza que nutria a
administração francesa de voltar ao seu domínio sul-americano, estipulava-se que não seria
destruída, antes se conservaria em todo seu esplendor a plantação de especiarias chamada
La Gabrielle.

Aí se tinham aclimatado árvores trazidas de Ceilão por um
botânico francês
intencionalmente mandado a escolhê-las e transplantá-las, e da mesma plantação vieram com o
naturalista Germain para o Brasil — não somente para o Rio, mas para a Bahia e Pernambuco também —
muitas plantas
úteis, entre outras a afamada cana de Caiena, reconhecidamente a mais rica de açúcar.

O governo de Caiena considerava a Gabrielle propriedade
do estado, mas assim o não entendia o pretendente bourbônico, que a mandou
reclamar do
governo de Dom João VI. A nota
do conde de Blacas,313 de 15 de outubro de 1813, declara que não podia constituir
domínio real, fazendo
parte dos rendimentos públicos da nação, uma propriedade particular estabelecida e mantida do
bolsinho de Luiz XVI e, como
tal, sempre separada
da administração da colônia. Luiz XVIII reclamava-a na qualidade de irmão e herdeiro, não na de sucessor da coroa,
em mãos de Bonaparte: aduzindo que os ministros de S.M. Britânica tinham
reconhecido a distinção
apresentada, e argumentando que devia a mencionada plantação conservar-se para os efeitos de
posse alheia à tomada de Caiena e suas dependências
pelas armas portuguesas.

A capitulação, nos termos em que foi lavrada, não passou sem protesto, na ratificação condicional
dada a 17 de fevereiro de 1809 pelo capitão general do Pará o qual negou constar das ordens do
príncipe regente : sistema de libertar os escravos que se incorporassem no
exército aliado e
que de resto tinham sido tomados aos senhores e armados para a guerra pelo
comissário imperial francês. Opinou o tenente-general José Narciso de Magalhães
de Menezes que os comandantes inglês e português "obravam simplesmente pelo direito da
guerra, que permite fazer ao inimigo todo o mal"; dar liberdade no caso em
questão era pagar bem aos desertores do exército inimigo, que assim se desmoralizava e
enfraquecia. Adicionava
a ratificação referida uma declaração de que, quando Victor Hugues se referia à
queima das habitações, inclusive e principalmente a sua, se esquecia de que a dita
habitação estava fortificada e fora tenazmente defendida com artilharia e infantaria, obstando à
penetração de tropas por
aquele ponto, e de que o parlamentado, segundo comandante da fragata inglesa, havia sido
traiçoeiramente recebido com descargas de fuzilaria, pelo que se levou o posto a golpes de sabre.

O capitão-general do Pará, após qualificar de inadvertida e descuidada a conduta dos comandantes
da expedição em deixarem passar sem protesto asserções semelhantes da parte dos contrários,
formulou duas reservas
mais: 1 ? que o prazo de um ano, durante o qual a guarnição de Caiena se obrigava a não pegar em
armas, devia contar-se da data em que a mesma guarnição entrasse nos domínios franceses no
continente da Europa; 2? que a concessão relativa à vigência do Código
Napoleão não implicava que todos os processos e julgados não fossem decididos
e proferidos em
nome do príncipe regente de Portugal, como soberano dessa conquista. Queria o tenente-general
José Narciso, com razão, tornar o mais claro possível que a soberania de Dom João constituía a
única fonte de autoridade,
à qual competia toda livre ação de ampliar ou restringir o que lhe parecesse
conveniente a respeito dos seus interesses, que eram os nacionais.

O
conselho de inquirição francês, composto dos condes de Cessac, Hullin e Romilly, foi cruel para
o comissário imperial e comandante da fragata francesa, não exonerando o chefe da
acusação contra ele lançada, apesar de incendiada a sua casa e pilhado o conteúdo desta, de que se rendera com o fim único de
salvar as suas plantações e as suas riquezas. Denunciava-o mais o conselho por haver procedido
antes com a maior incúria,
nunca tendo visitado sequer as fronteiras do leste, quando era de operar um
ataque dos portugueses; não cuidando a sério da defesa, nem mesmo quando soube estar iminente
a invasão, e mostrando-se em todo o decorrer da operação militar culpado da maior negligência
e descaso.

Os resultados de
conselhos de inquirição organizados em semelhantes condições nada provam de modo conclusivo. Os
membros desse nutriam naturalmente o
maior desejo de agradar ao onipotente e altaneiro imperador, cujo orgulho não tolerava derrotas ou mesmo simples reveses  da
sorte, procurando sempre para sua explicação razões outras que a insuficiência militar, geralmente a incapacidade do
comandante. Todas as capitulações francesas*em tempo de Napoleão foram severamente criticadas e punidas: não admira portanto
que Victor Hugues se visse pelo conselho de
guerra condenado à prisão perpétua.

Os portugueses estiveram na posse indisputada da Guiana Francesa até 1814 e na efetiva até 1817.
Não tentaram os franceses reavê-la pela violência, conquanto fosse por vezes precária a situação
dos ocupadores, porque
se faria mister uma expedição marítima quase impossível diante do senhorio oceânico exercido pela
Inglaterra. A reconquista em si não teria sido difícil. Logo a 21 de janeiro, poucos dias depois
da capitulação, escrevia
o comandante Manoel Marques ao governador do Pará pedindo mais tropas para guarnecer os pontos
de desembarque. Achavam-se as forças de ocupação muito diminuídas pelo grande
número de doentes, "conseqüência infalível dos excessivos e penosos trabalhos" da campanha,
e não podia a corveta inglesa e os dois brigues portugueses entrar em segurança
no rio, nem tampouco
estacionar por longo tempo ao largo, "onde o mau fundo e as tempestades
freqüentes nesta estação, lhe destroem as amarras e ferros".

Justamente esperavam-se nessa ocasião os reforços e
provisões que mandara Victor Hugues vir de França e de que uma parte, na
fragata Topázio,
de 44 peças, com
106 homens de desembarque, aparecera defronte de Caiena na noite seguinte à capitulação. Não
podendo contudo entrar, escapara-se para o norte, vindo apenas para terra num
escaler o ajudante de
campo do general comissário, que fora o encarregado de ir solicitar na Europa os socorros de que
carecia a colônia para uma resistência vitoriosa.

Pouco depois, a 17 de fevereiro, chegavam, porém, do
Pará, em duas galeras mercantes, os novos reforços brasileiros que elevaram a
guarnição de Caiena
a 1.300 homens, sendo as mesmas galeras aproveitadas para transportarem para a Europa a
guarnição francesa, já dizimada pelas febres palustres. No brigue Infante, desarmado e
posto em parlamentado, seguiram Victor Hugues e os empregados superiores da administração que.
diz-se, estavam
ansiosos por embarcar, como não menos ansiosos estavam os comandantes aliados por ver
partir o comissário francês — "esse homem intrigante e cabalista, que não cessava de fomentar
a desordem e desunião por toda parte".314

Por estes motivos e sobretudo por já se haver tornado
público o documento, não foi mais possível alterar a capitulação no sentido
indicado pelo
capitão-general do Pará. Aliás Manoel Marques explicou perfeitamente sua norma de proceder, alegando315
a difícil situação militar em que se encontrara no interior da ilha, quase sem víveres, com grande
parte dos oficiais e
soldados doentes, tendo que guardar os portos conquistados para conservar o mar livre e
sem forças suficientes para tentar um ataque formal contra Caiena, faltando três léguas mais de
marcha,’ ‘por um caminho estreitíssimo, já montanhoso, já alagado e cheio de
desfiladeiros,
guarnecidos com artilharia que os fazia quase inacessíveis…; portanto que partido me restava a
tomar? Propor capitulação ou retrogradar, reembarcar-me, deixar a conquista em meio e ao inimigo
os meios livres de
fortificar-se melhor, servindo-se de novos meios."

Na
corte não produziu impressão menos penosa do que no espírito do tenente-general José Narciso a
referência aos escravos aliciados, por ordem expressa do governo português, para fins de
sublevação e de destruição.
O parecer do ministro Galvêas, apresentado ao príncipe regente316 rebate com
energia tal asseveração, bem como a dos incêndios ateados pelos negros forros desse modo, os quais teriam
entrado, ao que se propalava, a aniquilar
desenfreadamente as plantações da ilha. Não contente com esta declaração
doméstica, mandou o gabinete do Rio de Janeiro significar a todas as cortes
aliadas e proclamar nas gazetas de Londres
e dos Estados Unidos a falta de exatidão da afirmação levianamente ou
pela força das circunstâncias incluída na capitulação — "não tendo havido
mais do que a admissão nos batalhões do Brasil de alguns homens de cor, que no decurso da campanha se apresentaram
como desertores do inimigo e foram alguns deles depois reconhecidos como
escravos".

O parecer de Galvêas vibra todo de indignação contra a
possibilidade de assacar-se semelhante acusação a um governo tão paternal e
sábio quanto o do
príncipe regente, "cuja justiça e humanidade não podiam permitir que uma guerra se
conduzisse com manifesta transgressão das leis até agora observadas entre as nações
civilizadas, e consagradas no precioso código que forma o direito das gentes, e que envolve
também as leis da
guerra, leis que
só deixarão de ser respeitadas pelos bárbaros fautores da Revolução Francesa, os primeiros
que, para encaminharem a desolação às quatro partes do globo, levantaram em S. Domingos a sanguinosa voz da
liberdade aos escravos, voz que decidiu, no meio dos mais horrorosos tormentos, da vida de quase
todos os habitantes brancos que residiam naquela ilha, da devastação das suas propriedades, e da
continuação da guerra
civil que ainda ali se prossegue a custa de não interrompidos borbotões de sangue."

Entretanto Manoel Marques não caíra em desfavor, o que
faz parecer bastante
postiça toda essa indignação: foi até promovido a brigadeiro, todos os oficiais que tomaram parte
na expedição, e bem assim os cadetes e porta-bandeiras, recebendo um posto de acesso.317
A sua ação foi de resto
meritória sob todos os pontos de vista. Para administrar a colônia depois da ocupação , recorreu a um
conselho ou junta consultiva e deliberante composta dos habitantes mais reputados pela sua
inteligência e probidade,
sendo logo por esse meio regulado o valor da moeda portuguesa comparado com a
francesa, para não embaraçar as transações mercantis; estabelecido um imposto de
patente sobre todas as casas de negócio, para com o seu produto se pagar o soldo à guarnição, e
adotadas outras providências urgentes de
bom governo.

Teve Manoel Marques igualmente ensejo de reprimir
unicamente com a
sua palavra e mercê do seu prestígio militar, uma tentativa de insubordinação da guarnição que, ansiosa
por voltar para o Pará e abandonar esse ninho de febres malignas, no mês de junho se formou em
atitude rebelde comandada
pelo major Palmerim. Enchendo-se sempre os claros das fileiras com os elementos menos
desejáveis e recomendáveis recrutados no Pará, não é de admirar que a tentativa se renovasse um ano
mais tarde, quando
Manoel Marques, que desgostoso pedira sua demissão, já estava substituído por um coronel de
engenheiros octogenário, tornando-se então necessário fuzilar quatro dos cabeças. Manoel
Marques voltou contudo para Caiena como governador militar a pedido de João Severiano Maciel da Costa (futuro marquês de Queluz) o
qual, ocupando o cargo de desembargador da Casa da Suplicação no Rio, fora
mandado para exercer o governo civil e político da Guiana com o título de intendente geral da polícia.

A administração de Maciel da Costa, que era brasileiro,
natural de Minas
Gerais, constitui uma página honrosa do reinado americano de Dom João VI. Os seus conhecimentos jurídicos
e outros, a sua ciência da língua francesa, a sua lhaneza, espírito de justiça
e atividade burocrática fizeram dele nos sete anos e meio da sua residência oficial em Caiena — março de 1810 a novembro de 1817
— um governante geralmente tido por modelo, que deixou muito agradáveis recordações quando a
possessão foi restituída à França e os
antigos senhores a reocuparam.

Não ficou todavia a administração portuguesa extreme de
queixas contra ela.
Os descontentes são inevitáveis e porventura alguns justificáveis, apesar da colônia ter aproveitado
materialmente, quando mais não fosse pela livre exportação e venda com lucros dos seus
gêneros coloniais, amontoados inutilmente nos armazéns durante os anos de guerra em que a Inglaterra varria de inimigos os mares com suas
esquadras.

Sem recursos as benfeitorias públicas realizadas
por Maciel da Costa e Manoel Marques foram reais segundo testemunhos insuspeitos,
não somente indiretamente efetivas. O Correio Brazüiense afirmou não
obstante, ter
recebido cartas da Guiana em que se maldizia do governo despótico ali estabelecido, com todos os
poderes concentrados nas mãos de um intendente que atropelava a justiça,
recolhia ao tesouro grandes somas, produzidas pelos confiscos e mais formas tributárias
violentas, interrompia o curso da lei nas dívidas e crimes dos portugueses para com os habitantes e praticava outras arbitrariedades.

Uma das acusações acha-se sustentada pelo depoimento do secretário militar da administração,
tenente Mafra, e é que Maciel da Costa pessoalmente enriquecia, de um modo legalmente honesto, mas
não moralmente
desinteressado, recebendo seus ordenados em especiarias pelo preço do mercado e mandando-as
vender na Inglaterra, no que apurava bons preços e embolsava bons lucros.318 À bondade
e desprendimento do governador Manoel Marques é que Mello Moraes faz
referências sem reservas,
chamando-o "homem essencialmente benfazejo, que fez respeitar as pessoas e as propriedades dos
franceses; destruiu ou fez afastar quilombos de negros escravos, que punham de contínuo em perigo
os estabelecimentos
rurais; cuidou com desvelos em tornar salubre a cidade de Caie-na, fazendo entulhar e converter
em passeios agradáveis os charcos de águas estagnadas, fontes perenes de infecções deletérias;
homem de um desinteresse
e de uma probidade exemplar, e de uma limpeza de mãos, que jamais pôde ser manchada; homem
enfim, que tendo feito a conquista de Caiena, e tendo achado os armazéns repletos, além de
outros artigos, de cravo,
canela, noz moscada e pimenta, que por descuido ou adrede não haviam sido inventariados, e de
que ele podia dispor a seu arbítrio, entregou tudo ao estado, remetendo tudo para a cidade do
Pará; e quando deixou
pela primeira vez a sua conquista foi embarcar trajando a sua melhor farda de tenente-coronel,
remendada nos cotovelos."

E quando alguns abusos se tivessem praticado durante o
domínio português,
observava Hipólito em resposta aos seus correspondentes, não era a Guiana uma conquista, com
tal sujeita a ser tratada como país anexado, senão inimigo? Entretanto o governo do Rio
mandou para administrar
a terra, não um militar mas um magistrado, e a liberdade política de que gozava a colônia sob o
domínio de Bonaparte não podia ser superior àquela de que gozou sob o domínio do príncipe
regente de Portugal. "… se os habitantes de Caiena pagaram alguns
tributos ou contribuições
à potência conquistadora, lembrem-se que os franceses à sua chegada em Lisboa, impuseram uma
contribuição de 100 milhões de francos ou 40 milhões de cruzados, sem que conquistassem
Portugal, pois entraram
ali como amigos. As autoridades portuguesas em Caiena poderão ter metido na sua algibeira o
produto destas contribuições que pertenciam ao soberano, muitas destas pelóticas fizeram os
franceses em Portugal; mas, quer os portugueses o fizessem em Caiena, quer não, o príncipe regente,
e não os habitantes, é que tem de queixar-se. O intendente de Caiena poderá ter mandado prender alguém,
não só arbitrária, mas injustamente, porém nenhuma das cartas que nos chegou à mão o acusa de
ter mandado matar
ninguém; e as mortes, prisões e confiscos que os franceses fizeram em Portugal, foram tão
cruéis que, ainda que todos os franceses habitantes de Caiena fossem vendidos por escravos, não se
lhe ficava a dever nada a sua
nação."319

A restituição de Caiena forma um dos capítulos mais interessantes da
história diplomática do Brasil. No tratado de Paris de 30 de maio de 1814,
firmado pelas grandes potências que tinham auxiliado a restauração dos Bourbons, já ela ficara
ajustada, e o governo francês quisera imediatamente reaver a sua colônia perdida, tanto mais
açodado Luiz XVIII quanto
se tratava de recobrar uma perda de Napoleão. Portugal, porém, esperava compensações pela
desistência que ia fazer de uma sua notória conquista e trataria de assegurá-las, no mesmo ano e no
imediato, ao remodelar-se
a carta da Europa no Congresso de Viena, reclamando sem resultado a restituição de
Olivença, e na sua falta empreendendo a colocação de Montevidéu sob o mesmo
domínio que no norte aspirava à integridade da bacia inferior amazônica; e logo depois em Paris,
conseguindo por uma
perseverante negociação fixar num novo pacto a fronteira prescrita em Utrecht para as Guianas
francesa e brasileira, apenas cedendo em 1817 os seus direitos adquiridos de posse de Caiena
em troca de tal reconhecimento.

 

 

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