O Juramento das Paulistas – Viriato Corrêa

O Juramento das Paulistas

 

 

TODA GENTE INQUIETA, toda

gente ansiosa.

É
que, desde a véspera, vinha correndo a notícia do desastre.

As
notícias ruins o pró­prio vento se encarrega de espalhá-las. Um índio, que
ninguém conhecia, chegara de Taubaté contando vagamen­te a derrota dos
paulistas. Naquele tempo, S. Paulo era um vilarejo meio civili­zado e meio
bárbaro: nada mais que dez ou doze ruazinhas cobertas de matagal, onde os
animais domésticos pastavam a solta; uma centena, talvez, de casas de telha e
muitas e muitas de palha espalhadas pelas várzeas e pelos vales.

Era a vida rude, a vida sóbria
dos homens que o des­tino prepara para descobrir desertos.

Quase só havia mulheres na
vila.   Os homens, esses, estavam em Minas guerreando os emboabas.

 

 



Aquela guerra era  a explosão do orgulho paulista.
Descobertos os veios de ouro das Minas Gerais, de toda a parte vieram os
forasteiros — os emboabas — disputar as riquezas da terra. Os paulistas
é que tinham descoberto as minas e não podiam consentir que não fossem os
filhos de S. Paulo os únicos senhores delas. E, como os emhoahas teimassem
em querer também para eles os veios de ouro. começou a luta.

Já se haviam travado vários combates.

No
último, as armas paulistas tinham sido infelizes. Mas o brio da gente de S.
Paulo não esmoreceu com a der­rota. Valentim Pedroso de Barros e Pedro Pais
reuniram os derrotados no Rio das Mortes, formaram com eles um novo exército e
partiram para o arraial da Ponta do Morro ao encontro dos emboahas.

Era esse
exército que o índio chegado de Taubaté dis­sera ter sido destruído
inteiramente.

*

A vila acordara agitada. Ninguém dormira
na véspera.

Manhã de garoa.

Grupos
aqui, ali, nas esquinas. As mulheres ferviam nas ruas como se esperassem que o
ar lhes trouxesse notícias.

Numa
colina distante, na estrada que vinha de Tau­baté, um vulto apontou.  Era um
cavaleiro a galope.

A vila
inteira estremeceu. E todas aquelas mulheres, as do povo e as nobres, as ricas
e as pobres, reuniram-se num só grupo à espera do cavaleiro.

Ele chegou, molhado de suor, exausto.

Uma só pergunta saltou de todas as bocas:

 
Vencemos?

 
Não, respondeu. E contou.

As forças
paulistas cercaram facilmente a Ponta do Morro. O arraial, não podendo resistir
ao cerco, mandou pedir socorro a Manuel Nunes Viana, o governador dos emboabas.
Nunes Viana enviou imediatamente mil homens ao comando de Bento do Amaral
Coutinho.

Quando
correu a notícia de que Bento Coutinho co­mandava as forças inimigas, houve um
arrepio nas tropas de S. Paulo. Bento, todo o mundo sabia, era um bandido,
capaz de todos os crimes e de todas as misérias.

Os
paulistas, receando alguma infâmia do chefe emboa-ba, abandonaram então
a Ponta do Morro antes que ele chegasse. Na retaguarda caminhava um punhado de
homens, chefiados por Gabriel de Góis.

Bento
Coutinho vinha sequioso de sangue. Ao saber que os paulistas se tinham
retirado, correu-lhes ao encalço afoitamente.

Gabriel de
Góis descansava numa grande campina à margem do Rio das Mortes. Estava caçando
com os seus homens num capão de mato que existia no meio da cam­pina, quando
chegaram as tropas de Bento Coutinho.

Começou o tiroteio.  Os emboabas cercaram
o capão.

A
princípio tudo correu bem para os paulistas. Duran­te dois dias lutaram
bravamente, atormentando o inimigo.

Mas a
pólvora acabou. Acabaram os víveres. Nem água havia dentro da pequena mata
sitiada.

 


O
único remédio é a rendição. Levanta-se a bandeira branca. Um emissário
aproxima-se do chefe emboaba. Os paulistas mandam dizer que entregarão
as armas se lhes for garantida a vida.

Bento
recebe o emissário com demonstrações de ami­zade. Não há dúvida. E jura pela
Santíssima Trindade e dá também a sua palavra de honra que garantirá a vida dos
paulistas.
                                

Os
vencidos, confiados no juramento, saem então do capão de mato e, um por um, vão
depondo as armas em presença do comandante inimigo.

São trezentos homens, talvez mais.

O cavaleiro continua a narrativa:

— E Bento
Coutinho, o bandido, capaz de todas as
baixezas e de todas as infâmias.. .

As mulheres atalham-no sofregamente:


Que aconteceu?  Fala!  Que fez
ele?

Mandou matar a todos os paulistas vencidos. A um por um, friamente,
miseravelmente.

Um urro
sai de dentro da multidão. Há um silêncio longo.   Ninguém tem voz para falar.

Afinal uma mulher do povo pergunta:

— E os
nossos, que fizeram? Que fez o exército paulista?

O homem fica atarantado.

— Que se podia fazer?

Outra mulher insiste desvairadamente:

— Mas
ninguém voltou para vingar o brio de S. Paulo que Bento Coutinho enxovalhou?

 


Ele chegou, molhado
de suor, exausto.   Uma só pergunta saltou de todas as bocas:
Vencemos ? Não, respondeu.


— Pois  se nós tínhamos  sido vencidos!   exclama o homem.

— E tu, que fizeste? interroga a esposa
do narrador..

Não te puseste à frente de um bando de
homens para vingar a ofensa que o emboaba bandido fizera aos paulistas?!
Ele baixa a cabeça com tristeza:

— Não.

Ela olha-o desprezivelmente e clama:

— Não sou mais tua mulher! não és mais
meu marido!
E apontando a casa em que mora:

— Naquela
porta não entrarás enquanto não tiveres la­vado a honra de S. Paulo.

Um brado
agita a multidão. E ali, à luz do sol que havia rompido a garoa, as mulheres
paulistas, as pobres, as ricas, as nobres, as plebéias, as poderosas e as
humildes, juram não receber nos braços os esposos enquanto não ti­verem eles
vingado a dignidade de S. Paulo.

*

No outro dia, o exército destroçado, que se recolhia à
vila, chegou.

Mas homem nenhum, humilde ou poderoso, plebeu ou nobre,
penetrou no seu lar.

As mulheres à porta os enxotavam, bradando:

— Vão primeiro lavar a honra de nossa terra.

O exército não entrou na vila; acampou nos arredores.


Mas,
uma manhã, S. Paulo acordou ao rumor de cornetas e tambores.

Era
o exército que marchava rumo de Minas Gerais, rumo dos arraiais emboabas para
recomeçar a guerra.

 

Era
o paulista que se punha, de novo, a caminho da peleja, para vingar o brio de S.
Paulo.

 

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